Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




To be or not to be...

É, na tragédia shakespeariana da nossa jurisprudência, a chamada segurança jurídica mais a estabilidade do ordenamento jurídico
Passo a citar daqui: «A matéria das consequências da falta de entrega da carta de condução de condenado na pena acessória de proibição de conduzir é objecto de profunda divisão na nossa jurisprudência, desenhando-se em suma, três orientações distintas, a saber, que a falta de entrega da carta de condução I- não constitui crime de desobediência; II- integra o crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. no art. 353 do CPenal; III- integra um crime de desobediência; a) p. na alínea a) do art. 348 do CPenal; b) p. na alínea b) do mesmo».
O cidadão vive à mercê do depende, princípio basilar deste nosso "Estado de Direito", a lógica do tem dias...

Prender e apreender

O blog Outros Direitos abre aqui uma questão essencial, a dos bens apreendidos pelo Estado. E fá-lo a propósito de uma decisão da ministra da Justiça sobre uns funcionários que terão doado o que estava apreendido. Permitam-me alinhar mais umas quantas ideias.
Se a titular da pasta da Justiça entendeu entrar no assunto - porque as questões patrimoniais da Justiça estão hoje na ordem do dia e prevalecem sobre todas as outras - que mande fazer uma funda sindicância a quanto se tem passado nesta matéria, um levantamento [que torne público] de situação que apure [entre tantas coisas]:

1º O critério que tem levado à apreensão de bens a propósito de servirem como meio de prova ou instrumento do crime [eu sei que o Governo não pode interferir na área processual penal concreta, mas é bom que fiquemos a saber como é que tem funcionado a jurisprudência concreta a tal respeito];
2º Quais os cuidados de conservação que existem em relação a esses bens, pois consta teimosamente que amiúde são devolvidos deteriorados por estarem ao Deus-dará, na rua ou em depósitos sem condições, inúteis.
3º Qual o tempo de duração dessas apreensões, pois não havendo prazo legal improrrogável as apreensões perpetuam-se no tempo, algumas indefinidamente, nisso incluindo dinheiro.
4º Se é verdade que todo o dinheiro apreendido está depositado na Caixa Geral de Depósitos ou se não há práticas [legalizadas ou assumidas como legais] de o depositar em outras instituições de crédito.
5º Quais os poderes de uso pelas autoridades [não só judiciárias mas também policiais e até governamentais] dos bens apreendidos enquanto não lhes é dado destino final, pois já assisti a um caso caso em que até um membro do Governo usou automóvel que estava à ordem do processo-crime, devolvendo-o no fim depois de "estafado" e até os estofos tinha mandado alterar, porque Sexa. não gostava da cor.
6º Quais as entidades que estão a ser beneficiadas e a que título com a fruição de bens apreendidos, nomeadamente viaturas.
7º O que aconteceu ao SIBAP, criado pelo ministro Rui Pereira, como se vê aqui no Ministério da Administração Interna, como se o assunto não tivesse a ver com a Justiça, de que ele gostaria por ventura de ter sido ministro.
8º Qual o critério vigente para o efectivo reembolso do dono dos bens em caso de devolução, pois que a miséria que é paga não compensa o dano causado ao apreendido.
9º Como se processam as vendas dos bens apreendidos por constar que há casos e casos a merecerem que se abra os olhos sobre o que rodeia esse negócio.

Veja-se como está a ser cumprida esta lei aqui, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 31/85, ou a quantas andamos no que se refere ao Gabinete de Recuperação de Activos, criado por esta Lei [do Governo anterior] aqui, a Lei 45/2011, não só do ponto de vista do recuperado para benefício do Estado [para isso já tínhamos a lógica predadora e instigadora à extensão da «perda ampliada», do projecto Fénix, orientada pelo apetite estadual sobre os bens alheios em nome e a pretexto do combate ao crime, como se evidencia aqui e aqui], mas do efectivo respeito pela propriedade dos donos dos bens. Porque no quadro europeu sabemos qual é a dinâmica: tornar o processo penal uma lógica de captação de bens e de meio de financiamento, como se percebe por aqui, ao ler a Lei n.º 25/2009.

É que na lógica do «Governo vai vender bens apreendidos para financiar Justiça», como foi título de notícia publicada aqui, já temos que baste. E lendo estas comunicações às instâncias internacionais, como aqui, está tudo conforme.

Digo o que já escrevi: num País em que a liberdade ambulatória é objecto de debate nacional, por causa da prisão preventiva, a liberdade patrimonial do cidadão anda a tratos de polé. O Estado permite-se tanta vez apreender com ampla liberdade, dá-se ao luxo de não conservar, pois não lhe dói a deterioração, e impunemente devolve o apreendido já deteriorado ou inutilizado, reembolsando com uma gorjeta.
Dir-se-á que  este modo de dizer é rude e que cometo o pecado da generalização injusta. Mostrem-me que não tenho razão. Gostava de não a ter.
A senhora ministra que se preocupe com o geral, já que se preocupou com o particular.

As pautas

Querem consultar as tabelas de distribuição dos processos penais no Supremo Tribunal de Justiça? Estão aqui. Até o nome do relator se fica a saber, quanto mais os dos interessados...

Halt!

Alguém precisa do índice do Código Penal Português traduzido em alemão? Está aqui
Em breve vou abrir na lateral espaço para traduções de leis portuguesas. With a little help from my friends...

P. S. Não sei porque razão a expressão «Dos crimes contra a vida» ficou no original em português. Não porque não seja crime na Alemanha seguramente.

Contra a Justiça dos ricos, a Advocacia para ricos

A frase pertence a Fred Allen: «Fiz tão bem o meu curso de Direito que, no dia que me formei, processei a Faculdade, ganhei a causa e recuperei todas as mensalidades que havia pago». A propósito, a Tabela de Emolumentos que vigorará na Ordem dos Advogados vem publicada aqui
É a "Deliberação do Conselho Geral aprovada em sessão plenária de 21 de Outubro de 2011 que altera e republica a tabela de emolumentos e preços devidos pela emissão de documentos e prática de actos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados". Entre os custos o quanto custa o estágio.

Congresso da ASJP

As conclusões do 9º Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, os discursos e comunicações estão aqui. O estudo elaborado, após um ano de trabalho pelo Grupo de Estudo e Observatório dos Tribunais dessa Associação lê-se aqui.
Não me é possível comentar de imediato o segundo, mas quanto às conclusões do Congresso, nota-se o carácter vago de todas elas. Não sei se por não ter sido viável alcançar um acordo convergente em torno de ideias menos indeterminadas ou se foi uma forma de deixar margem aberta para uma política de não compromisso. 
Lê-se, por exemplo, a propósito do processo penal: «3- No processo penal há que assumir a diferenciação e simplificação processual, nomeadamente agilizando o inquérito e a fase instrutória e dando uma maior abertura à sentença abreviada».
Ora quer isto dizer precisamente...nada! O que é pena.
Vou ler o estudo, esperançado em realidades úteis.

As amibas

«Segundo um inquérito a nível europeu ontem divulgado (ESS), 76,7% dos portugueses pensam que as decisões dos tribunais são influenciadas por pressões políticas. 83% acham que os tribunais protegem mais os ricos e os poderosos. Sobre a confiança nas instituições, numa escala de 0 a 10, 84% dos portugueses não vão além de 5», revela aqui o blog Sine Die
Ainda me lembro que há bem pouco tempo os jornais publicavam que os portugueses se havia mundo em que tinham confiança era no da Justiça. 
É um universo de mutantes.
O que vale é que os inquéritos são como as sondagens. É o mundo reduzido ao sim ou não de uma só cruzinha, próprio para seres unicelulares, de um e apenas um neurónio. 
A vida vista pelas amibas!

P.S. Um inquérito europeu achar que 76,7% dos portugueses "pensam" já é um bom "score". É que a atentar no que supõem que temos que seguir em matéria de Europa, imagino que muitos suporão que nem de pensar seremos capazes...

Levante-se o Véu!

A editora não levará a mal que revele o que é este texto de abertura do que escrevi. Espero que os leitores não tomem esta citação como vaidade. É apenas uma forma de prevenir para o tom e para agradecer a oportunidade que me deram de, levantando a cabeça do quotidiano, pensar o que tenho visto e vivido.

«Num mundo dual, num mundo que se simplificou, num mundo em que o maniqueísmo virou modo de sobrevivência dos ingénuos e de dominação dos perversos, a distinção entre o bem e o mal [na Justiça] tem sentido e sucesso: os críticos ganham o seu espaço hiperbólico, o de diabolização do que há, os apologistas o seu território de redenção, legitimando quanto é. A pequena esquadra destes, mercenários tantos deles, não consegue, porém, nem se atreve, a enfrentar o esquadrão de todos os outros. Nem batalha há, mas longo cerco, com o seu cortejo de depredação, desânimo, ruína. É a crise permanente da Justiça, a banalização da noção de crise, a indiferença ante tudo isso.
Olhando para quantos estão no intra-muros da Justiça não há gente feliz. Nenhuma testemunha, nenhum ofendido, nenhum arguido, nenhum cidadão gostou do que viu ou gostaria de viver aquilo pelo que passou, fosse só uma outra vez».

O TC: uma questão de extintores

Não sou constitucionalista. Com esta prevenção atrevo-me a exprimir uma opinião sobre a questão, que está na ordem do dia, a da extinção ou não do Tribunal Constitucional, como se lê aqui neste blog amigo.
Acho que o problema pode fazer sentido, como matéria premente, no que se refere à fiscalização concreta. Já não quanto à abstracta e à preventiva. Ali é que se pode suscitar o caso de se perguntar se não deveria confiar-se essa questão da constitucionalidade à jurisdição comum.
Porque pensam assim tantos que eu tenho escutado?
Primeiro, por uma desconfiança congénita quanto à electividade dos juízes que integram o Palácio de Ratton, na lógica de que da eleição política deriva sujeição partidária, onde dependência, o que é a antinomia da ideia de juiz. A ser assim, que se extraia o mesmo efeito quanto aos membros politicamente eleitos e nomeados que integram os órgãos de cúpula das magistraturas, os respectivos Conselhos Superiores.
Segundo, pelo facto de a jurisprudência emitida pelo Tribunal Constitucional, pelo que se contradiz, pelas vezes em que surge insólita, pelas especulações a que se presta quanto a servir este interesse ou aquela força, indiciar que não de Tribunal se tratará, mas de instância de conveniências legitimadoras de um apriori que o Direito serve, secundarizado. A ser assim, que se escrutine com o mesmo critério a jurisprudência da jurisdição comum em ordem a saber se esta se move imaculada no limbo incensado das categorias jurídicas puras, não alumiado pelo mundo das realidades interessantes do mundo das ideologias, da política, jurisprudência dos interesses, em suma, pensada na sacristia das convicções pessoais antes da paramentarização para a solenização do ritual forense.
Enfim, porque poderá ser uma onerosa inutilidade, esta de atribuir a um outro Tribunal aquilo que caberia, afinal, no dever funcional de todos os tribunais. A ser assim, que se examine como têm os tribunais comuns tratado as questões de (in) constitucionalidade que se lhes colocaram.
Querem a minha verdade sofrida, feita de chagas e edemas do dia a dia na luta pelo Direito? Assim tivessem os tribunais comuns mostrado sensibilidade à Constituição, assim não tivessem convivido anos a fio com verdadeiras tropelias aos direitos fundamentais, apoando-as de legais, legítimas, desejáveis e conformes à Lei Fundamental, e não teríamos que dar graças por haver um Tribunal que até uma certa altura ainda foi a forma de evitar lesões à cidadania que ocorreriam a não haver apelo quanto à mentalidade de quantos sentiam servir a justiça despachando processos, as arguições de invalidade um abuso dilatório, os recursos uma chicana, a exigência de acatamento da forma um pretexto para emperrar a Justiça.
Claro que hoje, tornado jangada dos aflitos a quem um destes legisladores subtraiu o duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional, tal como o STA do antigamente, aprendeu a defender-se. A esmagadora maioria dos recursos morrem logo na decisão sumária por razões formais e por formalidades cada vez mais exigentes. Uma delas é aquela geometria fantástica, que nem o Pitágoras ou o Euclides demonstrariam, a de que a dimensão normativa suscitada no recurso quase nunca é coincidente com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida. Jogo de círculos nunca coincidentes, o recurso de fiscalização concreta para o TC tornou-se um verdadeiro jogo de azar: quase nunca se tem sorte.
Extinguir o Tribunal Constitucional? Que interessa? Neste incêndio de ideias que grassa pelo País, em que a palavra de ordem é extinguir organismos públicos, extinguir sim a necessidade de ter de ir para Tribunal para que a Constituição se cumpra nos próprios Tribunais.

Compliance: a teoria da não complacência

Matéria pouco conhecida a os «compliance officers», que a legislação financeira hoje obriga que existam com o propósito de efectuarem um controlo interno dos possíveis actos fraudulentos nomeadamente a nível do branqueamento de capitais [ver por exemplo esta legislação aqui, artigo 3º, n.º 6, ou esta explicação no portal de um banco, aqui].
Interessantes, por isso, estas reflexões na Revista de Crítica Jurídica [brasileira], aqui: «Parece, assim, que o desenvolvimento do Compliance implica um paradoxo. O objetivo de Compliance é claro: a partir de uma série de controles internos, pretende-se prevenir a responsabilização penal. A sua concretização, porém, ao invés de diminuir as chances de responsabilização, cria as condições para que, dentro da empresa ou instituição financeira, se forme uma cadeia de responsabilização penal. Isso porque as atribuições que têm sido conferidas aos Compliance Officers acabam por colocá-los na posição de garantidores (respondem, portanto, como se tivessem agido positivamente nas situações em que venham a se omitir). Mais: podem ser considerados garantes também os integrantes do Conselho de Administração, pois, segundo doutrina majoritária, eles têm o dever de supervisão dos Compliance Officers. Evidencia-se, assim, que toda a administração da empresa é exposta ao risco de uma persecução criminal».
 
Ao limite é a responsabilização do garante do [não] resultado em função da omissão do dever de fiscalização. Numa só regra um emaranhado de questões.