Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Salvo erro ou omissão

Procurei na lateral deste meu blog dar conta dos blogs jurídicos [e aparentados] que estão activos. Temo que possa ter falhado algum. Não quero cometer indelicadeza. Procuro citar mesmo aqueles que me ignoram e leio todos sempre que posso. Para a eventualidade de estar em falta com qualquer fico grato pela informação sobre a sua existência. A ideia é partilhar informação, mesmo aquela com que não concordo.

Branqueamento e opacidades

Um estudo da KPMG e da UIF [Unidade de Informação Financeira] da Polícia Judiciária sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, elaborado em  2010 [que retirei daqui] revela quanto aos sectores bancário e segurador em Portugal que:

«A legislação actual, resultante da transposição da Terceira Directiva Comunitária (Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho), obriga a que as Organizações abrangidas pela mesma tenham definidos e implementados procedimentos específicos na identificação e acompanhamento das Pessoas Politicamente Expostas (PEP)».
Definindo quem são os PEP's o documento acrescenta: «Este tipo de contraparte, tal como se encontra definido, é constituído por pessoas singulares que desempenham, ou desempenharam até há um ano, altos cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial».
Como que a sublinhar os bons resultado obtidos o inquérito quantifica: «É de salientar a evolução significativa que se verificou face ao estudo anterior, dado que existiu um acréscimo de 29% das Organizações que referem possuir agora políticas, processos e procedimentos específicos para identificar e monitorizar as PEP. Em 2008 esta percentagem era de 61% e em 2010 é de 90%».
Sucede, porém, que, segundo o dito estudo «quanto se questionaram as Organizações participantes sobre qual a principal metodologia adoptada na identificação de uma PEP, verificou-se que 61% utilizam o cruzamento de listas, e que 33% utilizam principalmente uma declaração da própria pessoa». Sublinhado nosso.

P. S. O estudo é, afinal, um inquérito em que os inquiridos responderam como quiseram. E nem todos se dignaram responder. Citando do documento: «Este estudo foi suportado na realização de um questionário on-line dirigido a 31 Organizações do Sector Bancário e a 21 Organizações do Sector Segurador com actividade no ramo “Vida”. O questionário ficou disponível para preenchimento dos participantes no primeiro trimestre de 2010. No Sector Bancário existiu uma taxa de resposta de 65%, superior à registada em 2008 (56%). O conjunto de Instituições do Sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 86% do Sector Bancário, em termos de valor de Activos. Quanto ao Sector Segurador existiu uma taxa de resposta de 43%, igual à registada em 2008. O conjunto de instituições do sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 74% do sector Segurador, em termos de total do Activo Líquido». [sublinhados nossos também]. Esclarecedor. 
Com conhecimento oficial obtido desta forma de como estamos em matéria de branqueamento de capitais é caso para dizer que estamos às escuras.

To be or not to be...

É, na tragédia shakespeariana da nossa jurisprudência, a chamada segurança jurídica mais a estabilidade do ordenamento jurídico
Passo a citar daqui: «A matéria das consequências da falta de entrega da carta de condução de condenado na pena acessória de proibição de conduzir é objecto de profunda divisão na nossa jurisprudência, desenhando-se em suma, três orientações distintas, a saber, que a falta de entrega da carta de condução I- não constitui crime de desobediência; II- integra o crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. no art. 353 do CPenal; III- integra um crime de desobediência; a) p. na alínea a) do art. 348 do CPenal; b) p. na alínea b) do mesmo».
O cidadão vive à mercê do depende, princípio basilar deste nosso "Estado de Direito", a lógica do tem dias...

Prender e apreender

O blog Outros Direitos abre aqui uma questão essencial, a dos bens apreendidos pelo Estado. E fá-lo a propósito de uma decisão da ministra da Justiça sobre uns funcionários que terão doado o que estava apreendido. Permitam-me alinhar mais umas quantas ideias.
Se a titular da pasta da Justiça entendeu entrar no assunto - porque as questões patrimoniais da Justiça estão hoje na ordem do dia e prevalecem sobre todas as outras - que mande fazer uma funda sindicância a quanto se tem passado nesta matéria, um levantamento [que torne público] de situação que apure [entre tantas coisas]:

1º O critério que tem levado à apreensão de bens a propósito de servirem como meio de prova ou instrumento do crime [eu sei que o Governo não pode interferir na área processual penal concreta, mas é bom que fiquemos a saber como é que tem funcionado a jurisprudência concreta a tal respeito];
2º Quais os cuidados de conservação que existem em relação a esses bens, pois consta teimosamente que amiúde são devolvidos deteriorados por estarem ao Deus-dará, na rua ou em depósitos sem condições, inúteis.
3º Qual o tempo de duração dessas apreensões, pois não havendo prazo legal improrrogável as apreensões perpetuam-se no tempo, algumas indefinidamente, nisso incluindo dinheiro.
4º Se é verdade que todo o dinheiro apreendido está depositado na Caixa Geral de Depósitos ou se não há práticas [legalizadas ou assumidas como legais] de o depositar em outras instituições de crédito.
5º Quais os poderes de uso pelas autoridades [não só judiciárias mas também policiais e até governamentais] dos bens apreendidos enquanto não lhes é dado destino final, pois já assisti a um caso caso em que até um membro do Governo usou automóvel que estava à ordem do processo-crime, devolvendo-o no fim depois de "estafado" e até os estofos tinha mandado alterar, porque Sexa. não gostava da cor.
6º Quais as entidades que estão a ser beneficiadas e a que título com a fruição de bens apreendidos, nomeadamente viaturas.
7º O que aconteceu ao SIBAP, criado pelo ministro Rui Pereira, como se vê aqui no Ministério da Administração Interna, como se o assunto não tivesse a ver com a Justiça, de que ele gostaria por ventura de ter sido ministro.
8º Qual o critério vigente para o efectivo reembolso do dono dos bens em caso de devolução, pois que a miséria que é paga não compensa o dano causado ao apreendido.
9º Como se processam as vendas dos bens apreendidos por constar que há casos e casos a merecerem que se abra os olhos sobre o que rodeia esse negócio.

Veja-se como está a ser cumprida esta lei aqui, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 31/85, ou a quantas andamos no que se refere ao Gabinete de Recuperação de Activos, criado por esta Lei [do Governo anterior] aqui, a Lei 45/2011, não só do ponto de vista do recuperado para benefício do Estado [para isso já tínhamos a lógica predadora e instigadora à extensão da «perda ampliada», do projecto Fénix, orientada pelo apetite estadual sobre os bens alheios em nome e a pretexto do combate ao crime, como se evidencia aqui e aqui], mas do efectivo respeito pela propriedade dos donos dos bens. Porque no quadro europeu sabemos qual é a dinâmica: tornar o processo penal uma lógica de captação de bens e de meio de financiamento, como se percebe por aqui, ao ler a Lei n.º 25/2009.

É que na lógica do «Governo vai vender bens apreendidos para financiar Justiça», como foi título de notícia publicada aqui, já temos que baste. E lendo estas comunicações às instâncias internacionais, como aqui, está tudo conforme.

Digo o que já escrevi: num País em que a liberdade ambulatória é objecto de debate nacional, por causa da prisão preventiva, a liberdade patrimonial do cidadão anda a tratos de polé. O Estado permite-se tanta vez apreender com ampla liberdade, dá-se ao luxo de não conservar, pois não lhe dói a deterioração, e impunemente devolve o apreendido já deteriorado ou inutilizado, reembolsando com uma gorjeta.
Dir-se-á que  este modo de dizer é rude e que cometo o pecado da generalização injusta. Mostrem-me que não tenho razão. Gostava de não a ter.
A senhora ministra que se preocupe com o geral, já que se preocupou com o particular.

As pautas

Querem consultar as tabelas de distribuição dos processos penais no Supremo Tribunal de Justiça? Estão aqui. Até o nome do relator se fica a saber, quanto mais os dos interessados...

Halt!

Alguém precisa do índice do Código Penal Português traduzido em alemão? Está aqui
Em breve vou abrir na lateral espaço para traduções de leis portuguesas. With a little help from my friends...

P. S. Não sei porque razão a expressão «Dos crimes contra a vida» ficou no original em português. Não porque não seja crime na Alemanha seguramente.

Contra a Justiça dos ricos, a Advocacia para ricos

A frase pertence a Fred Allen: «Fiz tão bem o meu curso de Direito que, no dia que me formei, processei a Faculdade, ganhei a causa e recuperei todas as mensalidades que havia pago». A propósito, a Tabela de Emolumentos que vigorará na Ordem dos Advogados vem publicada aqui
É a "Deliberação do Conselho Geral aprovada em sessão plenária de 21 de Outubro de 2011 que altera e republica a tabela de emolumentos e preços devidos pela emissão de documentos e prática de actos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados". Entre os custos o quanto custa o estágio.

Congresso da ASJP

As conclusões do 9º Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, os discursos e comunicações estão aqui. O estudo elaborado, após um ano de trabalho pelo Grupo de Estudo e Observatório dos Tribunais dessa Associação lê-se aqui.
Não me é possível comentar de imediato o segundo, mas quanto às conclusões do Congresso, nota-se o carácter vago de todas elas. Não sei se por não ter sido viável alcançar um acordo convergente em torno de ideias menos indeterminadas ou se foi uma forma de deixar margem aberta para uma política de não compromisso. 
Lê-se, por exemplo, a propósito do processo penal: «3- No processo penal há que assumir a diferenciação e simplificação processual, nomeadamente agilizando o inquérito e a fase instrutória e dando uma maior abertura à sentença abreviada».
Ora quer isto dizer precisamente...nada! O que é pena.
Vou ler o estudo, esperançado em realidades úteis.

As amibas

«Segundo um inquérito a nível europeu ontem divulgado (ESS), 76,7% dos portugueses pensam que as decisões dos tribunais são influenciadas por pressões políticas. 83% acham que os tribunais protegem mais os ricos e os poderosos. Sobre a confiança nas instituições, numa escala de 0 a 10, 84% dos portugueses não vão além de 5», revela aqui o blog Sine Die
Ainda me lembro que há bem pouco tempo os jornais publicavam que os portugueses se havia mundo em que tinham confiança era no da Justiça. 
É um universo de mutantes.
O que vale é que os inquéritos são como as sondagens. É o mundo reduzido ao sim ou não de uma só cruzinha, próprio para seres unicelulares, de um e apenas um neurónio. 
A vida vista pelas amibas!

P.S. Um inquérito europeu achar que 76,7% dos portugueses "pensam" já é um bom "score". É que a atentar no que supõem que temos que seguir em matéria de Europa, imagino que muitos suporão que nem de pensar seremos capazes...

Levante-se o Véu!

A editora não levará a mal que revele o que é este texto de abertura do que escrevi. Espero que os leitores não tomem esta citação como vaidade. É apenas uma forma de prevenir para o tom e para agradecer a oportunidade que me deram de, levantando a cabeça do quotidiano, pensar o que tenho visto e vivido.

«Num mundo dual, num mundo que se simplificou, num mundo em que o maniqueísmo virou modo de sobrevivência dos ingénuos e de dominação dos perversos, a distinção entre o bem e o mal [na Justiça] tem sentido e sucesso: os críticos ganham o seu espaço hiperbólico, o de diabolização do que há, os apologistas o seu território de redenção, legitimando quanto é. A pequena esquadra destes, mercenários tantos deles, não consegue, porém, nem se atreve, a enfrentar o esquadrão de todos os outros. Nem batalha há, mas longo cerco, com o seu cortejo de depredação, desânimo, ruína. É a crise permanente da Justiça, a banalização da noção de crise, a indiferença ante tudo isso.
Olhando para quantos estão no intra-muros da Justiça não há gente feliz. Nenhuma testemunha, nenhum ofendido, nenhum arguido, nenhum cidadão gostou do que viu ou gostaria de viver aquilo pelo que passou, fosse só uma outra vez».