Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A micro-reforma, à portuguesa

Já se sabia que seria uma micro-reforma. No dia em que foi tornada pública o Procurador-Geral da República veio dizer que não a conhecia. E,  no entanto, o longo preâmbulo da proposta de lei do Ministério da Justiça diz que foram promovidas audições do Conselho Superior do Ministério Público [além do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Ordem dos Advogados, da Câmara dos Solicitadores, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público]. 
Mas o PGR achou que era próprio e adequado dizer não conhecia, não sabia do que se tratava...
Alteram-se com a limitada iniciativa quatro artigos do Código de Processo Penal, o 54º, o 141º e o 144º.
Houve um jornal que achou por bem titular a garrafais de primeira página que ia ser «Justiça à Americana». Não sei em quê, só se for para concitar debate e fomentar simpatia junto dos tele-espectadores que aquilo em que, alienados, os cidadãos se tornaram, sobretudo os de séries com tribunais.
Lido agora o texto trata-se, em primeiro lugar, de permitir o uso subsequente dos autos de interrogatório na fase de julgando, evitando a inutilidade e a duplicação e acabando de vez com a hipocrisia de a maioria de nós os consultarmos «à socapa» até para apurar da credibilidade do arguido e saber se o teremos de tentar confrontar com eles e só o juiz, salvo havendo essa "leitura" em audiência, nomeadamente para confronto, não os poder usar para fundamentar a decisão. Como garantia, a assistência de defensor torna-se obrigatória em todos os casos. Talvez a garantia complementar da gravação do declarado evitasse o argumento do «não foi isso que eu disse», que é a pecha do sistema actual e o seu aviltamento constante.
Em segundo lugar, está em causa o juiz passar a deter, enfim, poderes jurisdicionais efectivos em matéria de medidas de coacção e poder [ainda que com um limite] aplicar assim outra medida, ainda que mais grave [ou de natureza diversa mais grave] do que a requerida pelo Ministério Público. Tal só não sucede quando o fundamento da aplicação de uma medida coactiva for o perigo para a prova. A razão é circunscrever o privilégio do MP àquele território em que haja lógica para o deter, a protecção da prova. No mais elimina-se a regra do dispositivo. Não vejo porque não.
Elimina-se, enfim, em todas as fases do processo a pergunta sobre os antecedentes criminais [o Estado tê-lo-à documentados, embora na me convença que isso não ajudasse a aferir da credibilidade de quem os declara].
Eis. Descontando o PGR que não sabe de nada, há pouco para se saber. Muito pouco.
O processo penal precisa de bem mais do que isto. A vantagem das reformas avulsas é o resolverem problemas instantes. A desvantagem é pressuporem alterações constantes. Essa parece-me a questão. É a regra do «vai-se fazendo». À portuguesa...

A perigosa (in) imputabilidade

A conversa foi solta, como todas as conversas. Mas permitiu-me chamar à flor da pele a experiência vivida na minha profissão sobre o problema da imputabilidade penal. Foi esta manhã, na Rádio Renascença, no programa Em Nome da Lei. Convidado também Fernando Vieira, psiquiatra, do IML. Comentadores, foram o juiz desembargador Eurico Reis e o professor Luís Fábrica, da Universidade Católica.  Moderação a cargo da jornalista Marina Pimentel.  Do que disse [e a conversa está aqui], sublinho aquilo de que continuo convencido:

O inaceitável [porque conducente a erros] que é o sistema de perícia não contraditória que a lei consagrou e teima em manter [a verdade é a multiplicação da diversidade de perspectivas não a unilateralidade da visão].

A possibilidade [assim se altere a lei] de coexistirmos com um sistema em que a pericial oficial possa ser contrastada com peritos indicados pelos sujeitos processuais desde que [para evitar o seu aviltamento, como se passa nos EUA, cujo sistema está agora a exercer em certos sectores da vida jurídica portuguesa uma hipnose notória] credenciados por entidades reconhecidas pela sua probidade científica e ética profissional.

O facto de a maioria das vezes a perícia ter sido efectuada [oficiosamente] na fase do processo em que vigora o segredo de justiça com isso ocorrendo a impossibilidade de serem designados pelos sujeitos processuais ao menos consultores técnicos por não se saber sequer que houve lugar a tal meio de prova.

O carácter por vezes [assim o verifiquei] só aparentemente colegial de muitas dessas perícias.

A circunstância de haver pressupostos de facto [com base nos quais são elaboradas as perícias]  que são comunicados ao perito na fase de inquérito e que as fases posteriores do processo modificam, sem que tenha lugar [por inércia dos sujeitos processuais] uma actualização da perícia.

O facto de a prova pericial continuar a impor-se aos juízes como um veredicto ante o qual não têm saber com o qual a possam confrontar [quantos cursos jurídicos eliminaram a Medicina Legal como cadeira obrigatória!], até porque a lei lhes impõe uma especificada fundamentação da divergência [que poderá parecer, a exercer-se, uma arrogância cultural].  

-» A indeterminação do tempo de "internamento" em "manicómio" criminal [por perigosidade], a fraca taxa de sucesso, e as condições de vivência em tal ambiente, fazem com que em muitos casos os próprios ou as famílias hesitem quanto a argumentarem com a inimputabilidade, preferindo [eis a loucura do sistema] o risco da condenação a prisão certa como se sãos fossem de espírito.

Bagatelas e peixe-miúdo

Eu acho que o Direito Penal está no caminho suicidário do seu aviltamento. Houve tempos em que ele era a última razão, em que os teóricos o qualificavam pela sua natureza subsidiária, pois que o Estado só permitiria a sua intervenção quando nenhum outro mecanismo fosse adequado a garantir a paz social e os direitos constitucionais de cidadania. Diga-se isso mesmo, por razões acrescidas em relação aos crimes punidos com pena de prisão.
Hoje, pelo que assisto, está tudo em "rebajas" de valor e de valia. Leio com espanto aqui que no âmbito ou à margem do Congresso dos Juízes de Paz foi dito que «há uma grande aceitação por parte dos juízes relativamente ao alargamento dos julgados de paz a outras matérias cíveis e eventualmente também a matérias das chamadas bagatelas penais (crimes com moldura inferior a cinco anos de prisão)». 
Leio e em maiúsculas pergunto-me, quase nem me atrevendo a perguntar alto não vá estarem as mentes de tal modo já contaminadas por este modo de ver que até a pergunta pareça uma provocação rude de um desalinhado com o sistema: bagatelas penais punidas até cinco anos de prisão? Mas andamos a brincar às cinco casinhas com o sistema penal, com as noções fundamentais do Estado de Direito, com a liberdade das pessoas, com a decência e a dignidade do judiciário de modo que o «até cinco de prisão» já passou ser, pois que uma «bagatela» uma espécie de carapau de gato jurídico-penal?
Ou quer-se dizer - já agora vamos a isto! - que no «até cinco anos» a palavra prisão é só para fingir porque ninguém vai preso, e é só para assustar os ingénuos e surpreender, quando calha, os incautos?
Confesso que não paro de me espantar à medida que a vida progride. E, espantado que estou, acho que ou paramos para pensar a sério por onde andamos ou um dia destes a casa vem abaixo!

À conversa com...

O a propósito foi o livro "Levante-se o Véu!" de que sou co-autor. Foi na RTP Notícias, uma conversa com Laborinho Lúcio, conduzida por Cristina Esteves. A intervenção começa aos cinco minutos e trinta segundos. Pode ser vista aqui.

Falta de meios e de princípios

Dizendo em termos directos: será que os responsáveis que andam a tornar pública toda a insuficiência de meios para o combate ao crime não percebem de uma vez que isto é uma forma directa de instigarem ao crime? Que a leitura que os meios criminais fazem destas afirmações é a de que há então uma janela de oportunidade para agirem impunemente porque não serão apanhados?
Tenho a resposta que me convence. Perceber percebem, embora não todos, porque há os ingénuos e os que não percebem mesmo. Mas o que há é o grupo significativo dos que ainda continuam sob radicalismo verbal do «quanto pior, melhor». E depois há os que já aprenderam, à custa de tanta frustração, que se não se vier para a praça pública lançar escândalo sobre o sufocar financeiro e logístico da justiça criminal fica tudo na mesma, a polícia a correr atrás dos ladrões de Porsche, pedalando em bicicletas!

Apostila

A apostila é uma formalidade emitida sobre um documento público (ou em folha ligada a ele), que certifica a autenticidade do mesmo, reconhecendo a assinatura do signatário que proferiu o acto (ou seja, da pessoa que emitiu o documento público), a qualidade em que o mesmo o emitiu (ou seja, certifica a actividade pública desempenhada, por exemplo: conservador do registo civil, conservador do registo predial, notário, advogado, etc.) e, se for caso disso, a autenticidade do selo ou carimbo que constam do acto.
A aposição da apostila encontra-se prevista no art.º 3.º da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, concluída na Haia a 5 de Outubro de 1961, e aplica-se apenas a documentos públicos que se destinam a apresentar nos países que aderiram à referida Convenção.

Sabe onde se trata? Aqui, na PGR.

Investigação Criminal em revista

É o número 2 da revista Investigação Criminal, edição da ASFIC. O tema central são os crimes sexuais. Mas não se esgota nisso. Para pedidos clique aqui. Do sumário destacamos:

Maria Francisca Rebocho e Rui Abrunhosa Gonçalves – COMPORTAMENTO PREDATÓRIO E MODUS OPERANDI DE VIOLADORES E ABUSADORES SEXUAIS DE MENORES – Com base numa amostra de 216 reclusos condenados por crimes sexuais, os autores procederam, mediante a aplicação de análises Exhaustive CHAID, à identificação de elementos caracterizadores da especificidade comportamental e do modus operandi utilizado por este tipo de ofensor, com aplicação nos planos da prevenção e da investigação desta tipologia de crimes.
 
Renato Furtado - ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS: PERFIL DA VÍTIMA MICAELENSE – O texto tem por base um estudo realizado com 96 crianças, vítimas de crimes de abuso sexual ocorridos na Ilha de São Miguel, Arquipélago dos Açores, entre os anos de 2002 e 2006, discorrendo sobre as circunstâncias dos abusos e da tipologia das vítimas, em termos de contexto familiar, económico e cultural em que estão inseridas.

Fátima Pinheiro – IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA NO ÂMBITO DE CRIMES SEXUAIS – A autora transmite neste trabalho conhecimentos teóricos e práticos relativos à análise de amostras biológicas colhidas no contexto de crimes sexuais. Destaca a natureza das amostras habitualmente submetidas a análises genéticas, a importância da sua preservação e certificação da autenticidade e integridade, bem como a cadeia de custódia.

Susana Tavares e Francisco Côrte-Real - O EXAME FÍSICO EM CRIMES DE NATUREZA SEXUAL – Trata-se de uma autêntica lição de medicina legal no que a esta matéria respeita, já que aborda os tipos de abusos mais frequentes, os instrumentos técnicos mais adequados para cada caso e os cuidados a ter com a salvaguarda da prova.

José Braz - NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DE CRISES - O DIFÍCIL EQUILÍBRIO ENTRE OS VALORES DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA – O autor aborda um tema polémico: a disputa de competências entre os vários órgãos de polícia criminal no que concerne à questão da negociação com infractores-delinquentes em casos de sequestro ou rapto. Socorre-se de variados autores e tratados internacionais, mas também, naturalmente, da sua experiência e sensibilidade para concluir que o processo de negociação não pode nem deve ser retirado do contexto da investigação criminal.

Barra da Costa - ELEMENTAR, MEUS CAROS! – Neste artigo, o autor procede a breve resenha histórica da Criminologia desde os iluministas até aos nossos dias, servindo-se de inúmeros exemplos recolhidos na ficção policial, com referência aos seus heróis e respectivos autores. Defende claramente a autonomia da Criminologia perante outras áreas do saber que a têm «colonizado» como é o caso do Direito Penal.

Rui Miranda – A POLÍCIA JUDICIÁRIA NA PREVENÇÃO, INVESTIGAÇÃO E GESTÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE OS CRIMES DE ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS E TERRORISMO: PROPOSTA DE UM (NOVO) MODELO – Analisa-se a importância da Polícia Judiciária ao nível da prevenção, investigação e gestão de informações dos crimes de organizações terroristas e terrorismo. Confrontam-se aqui os modelos português e norte-americano de combate ao terrorismo, através de pesquisa bibliográfica, consulta e análise de legislação.

Rogério Bravo – DO ESPECTRO DE CONFLITUALIDADE NAS REDES DE INFORMAÇÃO: POR UMA RECONSTRUÇÃO CONCEPTUAL DO TERRORISMO NO CIBERESPAÇO – Com base em discussão crítica centrada no eventual espectro de conflitualidade no meio das novas tecnologias de informação, processamento e comunicação, o autor estabelece a ponte entre essa problemática e as características da ameaça do terrorismo, em particular do ciberterrorismo, procedendo, para o efeito, a uma incursão sobre os meios técnicos e processuais-penais adequados à prevenção e investigação criminal do fenómeno.

Eugénia Cunha – ANTROPOLOGIA FORENSE E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – O presente estudo centra-se na discussão dos mais recentes desenvolvimentos nesta área forense, que trouxeram valor acrescentado à investigação criminal. Através da apresentação de casos práticos, pretende-se igualmente ilustrar o que pode e o que não deve ser feito num caso de antropologia forense que lide com a análise postmortem de restos humanos.

Voluntariado prisional

Talvez ainda seja a forma de a sociedade civil se redimir da parte em que tem culpa em ter atirado para a marginalidade e para o crime os que talvez ainda se pudessem salvar. E dar caminho aos que, de outro modo, voltarão à porta giratória da reincidência e da habitualidade. O ambiente, eu sei, é de pouca esperança. O conceito de ressocialização já conheceu melhores dias. A ânsia carcerária enche páginas de jornais, a notícia sobre a impunidade faz reiterada manchete. Talvez seja uma forma de complementar a magreza de meios do Estado em matéria de recursos. Falo do voluntariado prisional.
«O voluntariado em meio prisional é uma actividade organizada, sustentada num programa de gestão do voluntariado, adequadamente acompanhada por entidades promotoras de voluntariado, que coordenam o exercício da actividade do voluntário, consubstanciando-se através de projectos de voluntariado, de forma a permitir um profícuo inter-face entre o saber e a vontade de colaborar, contribuindo para melhorar a qualidade de vida de quem está privado de liberdade». 
Quem quiser saber mais veja no site da DGSP, aqui, na lateral sobre o serviço de voluntariado. E leia aqui.

Pequena e média criminalidade

O tema é o «tratamento processual da pequena e média criminalidade: consenso e simplificação». Trata-se de uma acção de Formação Contínua. Tem lugar em Lisboa, a 16 de Dezembro de 2011, no Auditório do Centro de Estudos Judiciários, Largo do Limoeiro, pelas 9:30m. Destinatários: juízes, magistrados do MP e «outros profissionais forenses». A inscrição custa 25 €.Mais informações aqui.

Eis o programa:


SESSÃO I
9h45m-11h00m
A SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO E A MEDIAÇÃO PENAL
Professora Doutora Carlota Pizarro de Almeida, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

OS PROCESSOS SUMARÍSSIMO, SUMÁRIO E ABREVIADO
Mestre Helena Morão, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
11h00m - Pausa
11h30m

OS ENVIESAMENTOS PRÁTICOS NO TRATAMENTO PROCESSUAL DA PEQUENA E MÉDIA CRIMINALIDADE
Dr. Rui do Carmo, Procurador da República, PGD de Coimbra
12h00m - Debate
Moderação: Dra. Helena Leitão, Procuradora da República, docente do CEJ
13h00m - Pausa para almoço

SESSÃO II
14h30m
O INCREMENTO DAS FORMAS DE DIVERSÃO E DOS PROCESSOS ESPECIAIS - DIFICULDADES E INICIATIVAS PARA AS ULTRAPASSAR
Dr. Rui Batista, Procurador Adjunto, PGD de Lisboa
Dra. Marta Carvalho, Juiz de Direito, Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa
Mestre Paulo Saragoça da Matta, Advogado
Dinamização: Dra. Helena Leitão, Procuradora da República, docente do CEJ
15h30m - Pausa
16h00m - Continuação
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