Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Vai deixar de custar computar as custas?

 
«Actualmente, para saber o regime de custas aplicável a cada processo, é preciso saber se o processo entrou antes de 20/4/2009, entre 20/4/2009 e 28/4/2010, entre 29/4/2010 e 12/5/2011 ou a partir de 13/5/2011», escreve a Advogada Marta Serpa Pimentel num artigo que vem publicado aqui no sítio dos Oficiais de Justiça.
Notável, de facto e demonstrativo do caos a que chegou o nosso processos legislativo. Isto quando, em paradoxo risível, o Diário da República passou a ter, a seguir a cada diploma, um enunciado que explica aos leigos o que pretendeu legislador, já que o desconhecimento da lei não exonera o cidadão de a cumprir.
É o domínio da fantasia.
Com optimismo escreve a autora do artigo: «Foi, por isso, com muita satisfação que verifiquei que, no passado dia 6, foi aprovado o Decreto n.º 30/XII da Assembleia da República, que procede à sexta alteração do RCJ e estabelece a sua aplicação, com algumas nuances, a todos os processos judiciais. Da exposição de motivos da Proposta de Lei consta: "a aplicação das mesmas regras a todos os processos torna o regime das custas mais simples e potencialmente mais eficiente e eficaz, contribuindo desta forma para a agilização, celeridades e transparência dos processos judiciais. A existência de um regime uniforme permite, ainda, uma simplificação do trabalho daqueles que diariamente o aplicam nos tribunais, nomeadamente, magistrados, funcionários judiciais e advogados, bem como contribui para uma maior compreensão do mesmo por parte dos cidadãos e empresas que recorrem à Justiça". Espero que assim seja. Espero que este Decreto seja promulgado, publicado e que entre em vigor o mais rapidamente possível.

A "Casa de Correção de Vila Fernando"

Assim o Ministério da Justiça deixa espatifar tudo. Sem que ninguém seja chamado a responder. Sem que ao menos se explique porquê. Nem quem. «Em 2009 deverá abrir no local uma prisão de alta segurança?,dizia o Diário de Notícias aqui.


Prazo de recurso da não pronúncia

A questão podia colocar-se em abstracto mas o Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Janeiro de 2012 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] decidiu que « expressão “prova gravada”, constante do nº4, do art.411, do Código de Processo Penal, refere-se a prova oralmente produzida em audiência de julgamento» pelo que «o prazo alargado de recurso (30 dias), previsto naquele preceito legal, não é aplicável ao recurso interposto do despacho de não pronúncia, pois neste não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada».
Sustentando o decidido consignou-se no aresto: «Em anotação ao artigo 411.º do seu “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1265, Vinício Ribeiro diz, textualmente: “Note-se, igualmente, que a questão do prazo de recurso em que se visa a reapreciação da prova gravada sempre se pôs apenas em relação à sentença (…) e não ao recurso de outros despachos (v.g. despacho de não pronúncia; aliás se bem repararmos, só com a revisão de 2007 é que foi alterada a redacção do artigo 296.º, que possibilitou que as diligências de prova da instrução fossem gravadas; antes eram apenas reduzidas a auto, logo a questão nem se poderia colocar”)».

Cadeia!

Já se calculava. Mas a ministra da Justiça ainda nos fez crer no milagre. Hoje ficou tudo desfeito: «A possibilidade de o Ministério da Justiça (MJ) recuperar a posse do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), uma intenção anunciada pela ministra Paula Teixeira da Cruz no dia de Natal, foi ontem afastada pelo secretário de Estado da Justiça, Fernando Santo, após uma visita à prisão de Alcoentre, na Azambuja». 
O negócio consumou-se. Esse e outros. Um edifício que era já dos raros emblemáticos do sistema penitenciário de Filadélfia, o da lógica celular! Veja-se porque muitíssimo interesse aqui.
Falta só venderem os cemitérios.

Recurso penal quanto aos factos

Vai ser uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? Quais os poderes do tribunal de recurso para alterar o que o tribunal recorrido considerou provado?
A Relação do Porto, em Acórdão de 20.12.11 [relator Melo Lima, texto integral aqui] considerou: «Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie, no juízo alcançado, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no art. 127° do CPP e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se».

Concludente este excerto: «Insistindo, embora, perguntar-se-á: proferida uma decisão em 1ª instância, fundamentada na livre convicção do julgador e assente na imediação e na oralidade, poderá a mesma ser objecto de censura no Tribunal de recurso?
Por certo que sim.
Previne-o a lei penal adjectiva: quer quando obriga o recorrente que “… impugne a decisão proferida sobre matéria de facto” a especificar: b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (Artigo 412º/3 CPP), quer, depois, quando previne expressamente a modificabilidade da decisão recorrida (Artigo 431º CPP)
Dizer, então: se o recurso às provas indicadas evidenciar que, ex.g., o Tribunal decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido - ou deverem ter subsistido - dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum, obviamente a decisão de facto proferida no tribunal recorrido tem de ser alterada.
Dizer, ainda: se é verdade, como é frequente ler em jurisprudência publicitada, que o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, não será menos verdade que, se ao Tribunal de Recurso for dado concluir no sentido da irrazoabilidade ou da desconformidade da convicção firmada com as regras do saber e da experiência comuns, não poderá o mesmo tribunal de recurso deixar de ter por verificada uma incorrecta apreciação e valoração das provas (erros de julgamento) e, por aí, de proceder à correcção na exacta medida do que resultar do filtro da documentação».
 
É uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? De facto...

Suspensão da pena e indemnização parcial?

Às vezes ainda é o único meio de fazer Justiça à vítima o substituir a prisão pela suspensão da pena sob a condição do pagamento de indemnização. Já houve quem questionasse a constitucionalidade do sistema. O problema é quando o condenado não tem meios e só se pode sujeitá-lo a priori no pagamento parcial da indemnização. Eis o que o Tribunal da Relação de Évora equacionou num seu Acórdão de 20.12.11 [relatora Ana Brito], no fundo sobre a reparação possível do mal. A ler aqui.

Permiti-mo-nos citar este excerto, até pelo interesse das referências citadas: 
 
«A obrigação de reparação do mal do crime, como condicionante da suspensão da prisão, cumpre, no caso, uma importante função adjuvante das finalidades da punição. Contribui efectivamente para a reinserção social do arguido, que assim melhor se reabilita, apagando, na medida do possível, o seu acto criminoso. Facilita, ainda, a reposição da situação do lesado antes do cometimento do crime. Em suma, “permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima” (Manso Preto, Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173)”, melhor assegurando “o direito do cidadão a ser punido com a pena justa” (Faria Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia alguns cruzamentos reflexivos, 2005, p. 230).
A suspensão condicionada é, pois, um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (Jescheck, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899. E sobre o papel e funções da reparação no ordenamento penal alemão – como isenção ou atenuante de pena; como condição imposta ao condenado; como substitutivo da sanção penal; como consequência jurídica autónoma do direito penal juvenil – ver Pablo Galan Palermo, Suspensão do Processo e Terceira Via: avanços e retrocessos do sistema penal, in Que Futuro para o Direito Processual Penal, 2009, pp. 613 a 643).
Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).
Nas palavras de Pablo Galan Palermo, a reparação “constitui um comportamento positivo posterior” do agente que “compensa o injusto, repara o dano social, cumpre com o fim de prevenção especial ressocializadora, cumpre com o fim de prevenção penal integradora” (loc. cit. p. 642-643).
Mas para que se cumpra tal desiderato, deve o arguido encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para tanto, deve o juiz averiguar das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o seu direito a uma pena justa.
A esta compatibilização se refere o art. 51º do CP, cujo nº2 estipula que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, prevendo-se no nº 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes. Daí o dizer-se que este nº 2 completa com um princípio da razoabilidade, os princípios gerais que norteiam a fixação da pena – da adequação e da proporcionalidade.
O Tribunal Constitucional sempre se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do art. 51º, nº1-a), na parte em que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido (v. Ac. TC 440/87, Ac. TC 569/99), sendo igualmente abundante a sua jurisprudência no sentido até da conformidade constitucional da obrigatoriedade desse condicionamento ao pagamento da totalidade de uma dívida (fiscal) (entre muitos, Ac TC 356/2003, 335/2003, 500/2005, 309/2006, 61/2007, 556/2009, 237/2011).
Neste segundo caso – da obrigatoriedade legal do condicionamento da suspensão ao pagamento de indemnização – apesar de uniforme, a jurisprudência do Tribunal Constitucional conta com voto de vencida da Conselheira Fernanda Palma. Por exemplo, no Ac. n.º 376/2003 justificou: “verificando-se a sujeição necessária da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da dívida fiscal, fica inviabilizada a plena ponderação em concreto das exigências de prevenção e de reintegração no momento de decidir a efectiva aplicação e execução da pena. (…) Dá-se portanto a transfiguração de um meio concretizador dos princípios e das finalidades do sistema punitivo (…) num meio de produção de um resultado desejável pelo sistema jurídico, independentemente da concreta ponderação de outras possibilidades de satisfação das finalidades punitivas. (…) A suspensão da pena, como alternativa à prisão, não pode ter como condição a concreta capacidade económica do agente – o que seria violador do princípio da culpa, (…) do direito à liberdade e à igualdade (arts. 1º, 27º-1 e 13º da CRP)”».
 
P. S. Não haja equívoco: a imagem é a de um livro de poemas de Fernando Pinto do Amaral, editado em 2004. A ler também, porque a vida não é só prosa.

Vai uma corrida?

O Presidente do STJ lançou o tema: «O advogado tem que ser o mandatário da parte e não um interessado em que o processo demore o tempo bastante que justifique honorários medidos temporalmente; o que significa que há que fixar tabelas indicativas de honorários judiciais, até para defesa do cidadão e transparência do sistema». A intervenção a que o dito pertence está aqui.
A frase consubstancia várias afirmações.
Primeira, a que o advogado é um «mandatário da parte». É verdade, mas não só, e porque tem autonomia técnica e por isso independência, daí resulta algo mais do que um simples mandato, pois não tem de agir tal qual pretende o seu constituinte. Os Advogados dignos desse nome não defendem tudo nem qualquer coisa por qualquer forma. Cada um escolhe o que e o como e a quem.
Segunda parte da frase é aquela onde se afirma que o advogado não é um «interessado em que o processo demore o tempo bastante que justifique horários medidos temporalmente». Esta asserção desdobra-se em duas. 
A primeira aquela que se dirige aos que medem os seus honorários temporalmente, isto é contando as horas gastas a trabalhar. Se o fazem sem qualquer outro critério a integrar o modo de formular a sua nota de honorários, isso é contra a lei, pois o Estatuto dos Advogados não permite que o Advogado seja remunerado só em função do tempo gasto, desconsiderando a complexidade da causa, o resultado obtido, as posses dos interessados, etc. 
A remuneração apenas em função do tempo não é só uma desconsideração estatutária do advogado é sobretudo uma forma de premiar os incompetentes, pois levam mais tempo para produzir o que os melhor habilitados alcançam em menos tempo.
Outra parte e essa essencial na frase é quando o Presidente do STJ opta por tabelas indicativas de «honorários judiciais». Quanto a esta, se sob a expressão «honorários judiciais» estamos a falar nos honorários do "apoio judiciário" o Presidente do STJ terá legitimidade para falar. Se estamos a falar em honorários referentes à advocacia como profissão liberal, permitam-me que diga não fará sentido que opine. É claro que estamos em tempos em que toda a gente fala de tudo sobre as profissões dos outros. E por isso assim como os advogados opinam sobre a remuneração dos magistrados, estes entendem poder falar sobre os rendimentos dos advogados. É um mundo sem fronteiras.
Problema é o que a frase contém de sentido útil, literal, imediato: o ser uma acusação sobre a advocacia interesseira, pressupondo que há quem prolongue processos e a sua pendência para facturar. É nesta vertente que o cidadão a vai ler, a da denúncia da advocacia da "bandeirada", a do "taxímetro".
Ora muitos advogados conheço que agradeciam que houvesse quem fixasse o valor do seu trabalho. É que infelizmente no momento da aflição, há quem dê a camisa, assim haja a coragem de lha arrancar naquele instante de agonia, tal como, uma vez servidos, quantos há a argumentar que desde sempre tinham tanta razão que é um assalto pedir-se-lhe o que seja pelo trabalho que deu contribuir para que essa razão lhes fosse reconhecida. Esses, os que não nasceram para enriquecer "à conta", talvez sintam injustiça na generalização subjacente às palavras do Presidente do STJ. Frase que pensando num certo mundo que existe esqueceu o resto do mundo que subsiste.
E depois há aqueles casos em que na ânsia de encontrarem uma última instância que lhes dê razão, são os próprios constituintes a suscitarem ao advogado que use de «todos os meios legais» para que a luz da Justiça se acenda. Ora é essa realidade que a frase esquece, diabolizando generalizadamente uma certa advocacia, permitindo ser lida como se a atingisse toda.
Está na moda falar no tempo. Ainda ontem à noite na TV a ministra da Justiça insistia que as reformas processuais civis e criminais que aí vão surgir visam combater os expedientes dilatórios e o prolongar dos processos. 
Por mim acho tudo bem. É que, por ter nascido preguiçoso e detestar trabalhar, gostaria que os processos não dessem tanto trabalho. Assim, ao olhar para eles, se houver algo que descortine permitir defender quem se me confiou de modo rápido nem hesito. Aprendi com os chineses: fazer o bem de uma vez, fazer o mal aos bocadinhos.

Contratação pública

Quando se propala que que se quer mais transparência e mais igualdade de oportunidades na contratação pública, a legislação europeia vem em sentido inverso. Pelo menos é o que se entende desta constatação: «Curiosamente, a 1 de Janeiro de 2010, ou seja exactamente dois anos antes, entrou em vigor o Regulamento n.º 1177/2009, que alterou também as Directivas 2004/17/CE, 2004/18/CE do Parlamento e do Conselho, fixando contrariamente ao que agora se verifica, limiares mais baixos para o valor dos contratos que podem ser celebrados na sequência de procedimentos de concurso público e concurso limitado por prévia qualificação, sem publicidade internacional». Fê-la a Advogada Leonor Guedes Oliveira, aqui, no Advocatus. Uma porta aberta ao favoritismo e à corrupção.

Que futuro para a Justiça em 2012?

Foi-me pedido para um jornal um depoimento sobre a minha previsão sobre o estado da Justiça no ano que já começou. Sabia a priori que do texto iriam ser aproveitados alguns excertos, o que de facto sucedeu. O publicado [ver aqui] corresponde ao essencial do sentido do escrito. Mas como o contexto pode ajudar a reconstituir o verdadeiro sentido do que penso, permito-me a publicação do texto integral. Que não passe por vaidade.


«Quando me pedem um texto de futurologia sobre o que prevejo para a Justiça no próximo ano, a minha melhor resposta, a imediata, é «sei lá». Quem imaginaria em 2010, quando o Governo prodigalizava um admirável mundo novo, o que estava para suceder em 2011? Mas há tendências que já se desenham.
Imagino um tempo de penúria em que a Justiça seja considerada um serviço a rentabilizar financeiramente e não uma função constitucional soberana orientada para a equidade sim para proveitos. Tudo o que gerar receita terá prioridade.
Calculo que as reformas processuais irão ser cirúrgicas e orientadas por critérios quantitativos, aptas a garantir velocidade nas decisões, descongestionamento das pendências à custa da compressão dos meios de acção, com a diabolização dos que reclamarem tempo para a maturação dos problemas, a investigação dos casos, a defesa das causas. A taylorização judiciária tornar-se-á método, o processo uma espécie de linha de montagem da Auto-Europa por outros meios.
Suponho que prosseguirá a política de desjudicialização, definhando o que até aqui constituiu o núcleo inexpugnável da função jurisdicional e dos serviços públicos na área jurídica, das peritagens, aos registos, à execução de penas. À fé pública sucederá a fé na privatização.
Creio que o american way of life, com a sua lógica de negocismo processual, de selectividade e discricionariedade, irá encontrar acolhimento na filosofia neo-liberal que é o que resulta dos escombros do delapidado Estado Social que o Governo antecedente levou à ruína e ao descrédito. A Justiça tornar-se-á um jogo de estratégia e poder.
Estou certo que a incerteza jurisprudencial se vai acentuar, fruto da multiplicação legislativa, da descoordenação de critérios decisórios, o triunfo da dispersa pragmática da casuística sobre a ciência coerente das normas. Incerto Direito. imprevisível sentença.
Antevejo que a publicização da advocacia vá ser a resposta política, através do acesso ao Direito, à conflitualidade com a Ordem dos Advogados e à suspeita gestão, à conta daquele, dos dinheiros públicos, ao mesmo tempo que a advocacia ficará saturada dos recém-chegados, oriundos dos licenciamentos da função pública.
Prevejo que o binómio investigação criminal/comunicação social não mude de paradigma, e que a Justiça continue a não ler jornais mas os jornais a lerem o que está na Justiça.
Imagino coisas boas também. Não consigo ainda é antever quais: na minha bola de cristal, vejo sombras…»

Parecer da OA sobre o projecto do MJ de alteração ao CPP

 
Através de parecer com data de 20.12.11 a Ordem dos Advogados «considera desconformes com a Constituição e, por isso, inconstitucionais as alterações do projecto de proposta de lei que visam estabelecer:

- a possibilidade de o juiz, durante o inquérito, poder aplicar medida de coacção diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, com fundamento nas alíneas a) e c) do art. 204º, dado que esta alteração viola a estrutura acusatória do processo criminal consagrada no n.º 5 do art. 32º da Constituição e a norma do n.º 1 do art. 219º da mesma Constituição que atribui ao Ministério Público a competência para o exercício da acção penal;

- bem como a permissão de, em julgamento e para servir como elemento de prova, poder ser feita a leitura de anteriores declarações do arguido, ainda que o mesmo, no seu próprio julgamento, tenha exercido o direito ao silêncio, pois tal alteração viola a norma do n.º 1 do art. 32º da Constituição que determina que o processo criminal assegura ao arguido todas as garantias de defesa das quais faz parte o direito ao silêncio;

- e ainda porque tal permissão de leitura de anteriores declarações do arguido também viola a norma da alínea g) do n.º 3 do art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado pelas Nações Unidas, em 16 de Dezembro de 1966, e que entrou em vigor para Portugal, em 15 de Setembro de 1978, a qual estabelece que "Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, à garantia de não ser forçada a testemunhar contra si própria ou a confessar-se culpada.".

Por último, considera-se que, na alteração preconizada, pelo projecto de proposta de lei, para a nova alínea b) do n.º 1 do art. 64º do CPP, também deverá consagrar-se a obrigatoriedade de assistência do defensor, nos interrogatórios feitos, por órgão de polícia criminal, o que, a não ser feito, se torna incompreensível, dado que, logo no n.º 1 da exposição de motivos do projecto de proposta de lei, se proclama que um dos objectivos das alterações que se propõe realizar é o da " garantia dos direitos de defesa do arguido"». 
 
[o texto vem na íntegra aqui sem menção ao órgão da Ordem que emitiu o parecer, o que tentámos através da pesquisa aqui, aqui e aqui].