Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A Lei 5/2002 e a mera suspeita

Reportando-se à medida prevista na Lei n.º 5/2002, de 05.01 , segundo a qual o legislador estabeleceu um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, em que se integra a medida de controlo de contas bancárias, decidiu este Acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.12 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] decidiu que «aquela medida, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe a existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo, bastando que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes» e isto porque «Importa deixar claro que o recurso a tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal. Á semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicas), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes». [sublinhado nosso, jab; a Lei n.º 5/2002, com as várias alterações sofridas pode ser encontrada aqui].

Irrecorribilidade da pronúncia e caso julgado

«O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º. (...) No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, o STJ, pelo Acórdão de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” e por Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004 (Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."(...) A interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004)».
Eis o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 20.01.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui, sublinhado nosso, jab]
Ora ante o carácter totalmente irrecorrível de decisão instrutória que seja obediente à acusação do Ministério Público, em que nem as questões prévias se adimite recurso, que dizer nesta mesma lógica?

Perda do automóvel...

É problemático o âmbito da expressão «instrumentos do crime» para efeitos da sua perda a favor do Estado. Tem havido por vezes tendência para interpretações extensivas do conceito em outros casos interpretações restritivas. 
Eis o que torna interessante ler que «Se o produto estupefaciente apreendido, transportado em veículo automóvel, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito, por não ser indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do arguido, seu proprietário, não pode concluir-se que tal viatura seja instrumento do crime e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, não havendo, por isso, lugar à declaração da perda de tal veículo a favor do Estado». Foi o decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 09.01.12 [relatora Elisa Sales, texto integral aqui].

O aresto louva-se na orientação do Supremo Tribunal de Justiça que assim resume: «Estabelece o n.º 1 do citado artigo 35º (na redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3.9) que «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos». Ora, como também vem mencionado na decisão recorrida, o STJ tem enveredado por uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º de acordo com a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada. Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt» [ver texto integral aqui]

A suspensão provisória e o MP

«O MP não está dispensado da verificação dos requisitos gerais da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, sua avaliação e concretização casuísticas, sempre que o crime for punível com prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão».Assim decidiu o Acórdão da Relação de Évora de 10.01.12 [relatora Ana Brito, texto integral aqui]. 
 
Justificando a sua asserção considerou: «A suspensão provisória do processo, consagrada no art. 281º do CPP, foi inicialmente vista pela doutrina como um desvio ao princípio da legalidade, porquanto se traduziria na faculdade do MP não deduzir acusação e num “mecanismo processual surgido sob o signo da oportunidade” (Pedro Caeiro, Legalidade e Oportunidade: a perseguição penal entre o mito da “justiça absoluta” e o fetiche da “gestão eficiente do sistema” Rev. MP 84, 2000, p. 39). Mas, na clara explicação de Pedro Caeiro, “a chamada `oportunidade´ consiste apenas num juízo sobre a verificação dos pressupostos legais da suspensão”, ou seja, traduz-se num “juízo cujo resultado constitui o MP num dever” (loc. cit. pp. 42-43). Recorde-se que o legislador de 2007 veio precisamente substituir a expressão “pode o MP” por “o MP determina”».

Trabalho prisional

Num País em que o trabalho prisional não é a regra, a ociosidade no cárcere um fomento à delinquência, talvez seja interessante dar conta desta ligação do sítio do Ministério da Justiça italiano referente à venda de produtos oriundos da mão de obra prisional. Terá tudo imensos defeitos não duvido. Mas o que está em causa é pensar-se no possível e necessário. «Porque é que não trabalham?», perguntei um dia. Responderam-me com direitos humanos, com a ausência de estruturas, com e com e com. Veja-se aqui. A imagem que ilustra este post é a de uma garrafa de vinho produzido numa cooperativa que funciona no interior de um estabelecimento prisional. A ver aqui.

Reforma do Processo Penal em Espanha

Também em Espanha está em curso uma modificação da lei processual penal. Quem já leu a Ley de Enjuiciamento Criminal de 1882 percebe que urgia uma reforma sistemática. Tratava-se de um diploma antiquado na formulação, jogado na casuística das previsões, sistematicamente confuso. O anteprojecto pode ler-se aqui. Quem quiser comparar, ei-lo.
Dando dele um resumo o Ministério da Justiça do país vizinho informa: «Se incorpora plenamente el derecho a la segunda instancia penal, se pone fin a la investigación indefinida, también conocida como ‘pena de banquillo’, y se regulan derechos y garantías constitucionales tan importantes para los ciudadanos como los de la persona detenida, el control judicial de las medidas que limitan la libertad, la interceptación de las comunicaciones, la entrada y registro o el derecho a no ser perseguido dos veces por los mismos hechos. Asimismo, se establece por primera vez el estatuto de las víctimas en el proceso penal y se elevan a rango orgánico aspectos vinculados al ejercicio del derecho de defensa y el secreto profesional.Se introduce un mayor control judicial. Frente al modelo actual, constituido por el juez instructor que investiga y el juez o tribunal que juzga, el nuevo modelo dispone la existencia de un juez de garantías (que controla la investigación del fiscal), un juez de la audiencia preliminar (que determina si existen elementos suficientes para sostener la acusación) y el juez o tribunal que finalmente juzgará la causa».

De Espanha...

Mudanças no altos cargos do Ministério da Justiça em Espanha: «Ruiz Gallardón destaca los retos que deberán afrontar los nuevos altos cargos de Justicia», re lata o sítio do Ministério aqui. «Con la designación de Marta Silva de Lapuerta como abogada general del Estado; Joaquín Silguero Estagnan como secretario general de Modernización y Relaciones con la Administración de Justicia; Ricardo Gonzalo Conde Díez como director general de Relaciones con la Administración de Justicia y Ángel José Llorente Fernández de la Reguera como director general de Cooperación Jurídica Internacional y Relaciones con las Confesiones se completa un equipo que el propio ministro calificó de 'reducido pero operativo'».

Mudar a Justiça Penal - convite

O Juízo final

Discutível que fosse, o Antigo Regime lançou os grandes edifícios dos Palácios de Justiça. Tentavam, pela sobriedade imponente, dar  o símbolo arquitectónico da dignidade austera. 
Hoje, em democracia, estamos a aquartelá-los, aos tribunais, em apartamentos habitacionais e em edifícios para escritórios, em salas acanhadas, com paredes de tabique, numa clausura deprimente, tudo a preços de escândalo público.
O Ministério da Justiça lembrou-se da História do que foi, talvez ante impossibilidade do que não há. 
Não são saudades do passado é pena pelo presente.
Veja-se aqui
O painel que ilustra este post, da autoria de Martins Barata, chama-se O Juízo Final. Está o Tribunal da Covilhã.

Prescrição rodoviária

Segundo fonte oficial «em 2008, data de criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foram prescritas 435 mil multas, em 2009 subiram para 598 mil». Um organismo destes deveria mudar de nome e retirar a palavra autoridade do designativo. Pior do que a quebra de receita é o desprestígio que gera. Pior do que o desprestígio é a insegurança que gera. É que no meio disto ninguém se lembra que as «multas» em princípio existem não só para gerar receitas públicas mas para garantir que alguns perigos se esconjurem.

PJM: nova orgânica

Corriam notícias sobre a sua extinção. Como na guerra de trincheiras ganha quem resiste.
A folha oficial de hoje mostra que, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 9/2012, de 18.01 [texto integral aqui], surge a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária Militar [sobre este organismo ver aqui].
A Lei n.º 97-A/2009, de 3 de Setembro, definira missão e as atribuições da PJM, bem como os princípios e competências que enquadram a sua acção, enquanto corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça. Pela nova legislação, que entra em vigor a 1 de Fevereiro, é revogado o Decreto -Lei n.º 300/2009, de 19 de Outubro.
Eis os preceitos com directo alcance para a área da investigação dos crimes militares, tal como os enuncia o Código de Justiça Militar [texto actualizado aqui].


Artigo 4.º
Estrutura
1 — A organização interna dos serviços da PJM obedece ao modelo de estrutura hierarquizada e compreende uma unidade orgânica nuclear de âmbito nacional — a Unidade de Investigação Criminal (UIC).
2 — A área geográfica de intervenção da UIC é a estabelecida no artigo 110.º do Código de Justiça Militar.
3 — O apoio técnico à UIC e a administração da PJM são garantidos por uma unidade orgânica flexível».
Artigo 6.º
Competências
Compete à UIC:
a) Assegurar a prevenção, detecção, investigação e coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente aos crimes da competência da PJM, e demais funções que pelo Código de Processo Penal sejam atribuídas aos órgãos de polícia criminal;
b) Assegurar o serviço permanente, nomeadamente de piquete e prevenção;
c) Fornecer a informação para a base de dados de investigação criminal da PJM;
d) Contribuir para a elaboração do plano de actividades, orçamento e relatórios anuais e demais instrumentos de gestão.
Artigo 7.º
Equipas de investigação
 
1 — A UIC desenvolve as suas competências através das equipas de investigação.
2 — As equipas de investigação são constituídas por um oficial investigador, chefe de equipa, e por outros investigadores, oficiais ou sargentos.
3 — São funções dos oficiais investigadores, chefes de equipa:
a) Chefiar pessoalmente as diligências de investigação criminal, planeando, distribuindo e controlando as tarefas executadas pelos investigadores da equipa;
b) Controlar e garantir o cumprimento de prazos processuais e das operações, acções, diligências e actos de investigação criminal, validando os respectivos relatórios;
c) Realizar as funções de prevenção e investigação criminais que lhe sejam cometidas pelo director da UIC;
d) Fornecer ao director da UIC todos os elementos de informação susceptíveis de o manter ao corrente das actividades de prevenção e investigação criminais;
e) Integrar os serviços de piquete e unidades de prevenção.
4 — São funções dos investigadores:
a) Realizar, sob orientação do respectivo chefe, acções e diligências de prevenção e investigação criminal e efectivar os correspondentes actos processuais;
b) Proceder a vigilâncias, detenções ou capturas;
c) Integrar os serviços de piquete e unidades de prevenção».

Sábado em tribunal

O conflito entre as crenças religiosas e o serviço forense está aberto. Uma procuradora cuja religião a impedia de trabalhar ao sábado requereu:

«a) A dispensá-la “da realização de turnos, já agendados, nos dias que coincidam com Sábado, mediante a compensação horária integral noutros dias de turno que não coincidam com o dia de Sábado, quer sejam de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidam com as suas férias pessoais;
«b) Cumulativamente, relativamente aos turnos que ainda não estejam agendados, deverá o Réu ser condenado a abster-se de atribuir à Autora os turnos que coincidam com o dia de Sábado, que serão integralmente compensados pela Autora em dias de turno que não coincidam com o dia de Sábado, quer sejam de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidam com as suas férias pessoais».

Eis o decidido pelo STA, aqui. Por paradoxo, segundo o Governo anunciou «trabalhar aos sábados deixará de dar direito a folga. O acordo de Concertação Social - que é assinado hoje entre Governo, patrões e UGT - estabelece a eliminação do descanso compensatório».

Arreando bandeiras

O economicismo que a troika impôs como critério à Justiça, mais o "liberalismo" que, vindo da política, contagiou a cultura judiciária, encontrou, de mãos dadas com a lógica do pragmatismo, agora os seus instrumentos de acção. Chamam-se funcionalização das magistraturas, taylorização do processo, negocismo sentencial.
Tudo com o aplauso dos que querem mais poder, a complacência dos que querem menos trabalho, a instigação dos que querem mais processos findos em menos tempo.
A aparência de moralidade com que o produto é servido chama-se a «filosofia do consenso».
Servida por magistrados tratados cada vez mais como simples funcionários, cuja valorização é aferida estatisticamente considerando como importante respectiva produtividade quantitativa, a Justiça é agora confrontada com um sistema pelo qual ao juiz caberá entrar em negociações com os procuradores e com os arguidos quanto à medida da pena para que, confessando estes, os processos andem mais depressa.
A isto junta-se o fenómeno galopante da desjudicialização, retirando cada vez mais casos aos tribunais e conferindo aos tribunais cada vez menos meios.
O modelo, dizem, seduzidos, vem da América. Percebe-se. Com o silêncio dos que desfraldaram em tempos bandeiras pela justiça soviética e pela justiça chinesa. 
Nada como o autoritarismo para conviver com o liberalismo. Divergem no que pensam quanto ao Estado, convergem no que sentem pela Nação: desprezo!

A lota

Mas terão alterado a Constituição? Terão revogado o Código de Processo Penal? Tudo isto enquanto eu dormia, esgotado de trabalhar? 
Confesso que ainda estou atónito. Vim aqui dizê-lo precisamente. Leiam o que eu li aqui, sobre os acordos de sentença», em que o arguido negoceia confessar e o tribunal, em troca, após «negociação», se limita a não o sentenciar com mais do que uma certa medida de pena. 
É não uma tese - a de um recente opúsculo de Figueiredo Dias - mas sim já uma "Orientação" da Procuradoria Distrital de Lisboa, a n.º 1 deste ano. 
«Com base na actual redacção do Código de Processo Penal», diz-se ali. Mas qual Código de Processo Penal, pergunto eu? E qual negociação? Mas qual Justiça Criminal digna desse nome e de um mínimo de respeitabilidade em que até as penas entram na lota pública, como se de um negócio privado se tratasse?
Desculpem a rudeza, mas devo estar a ficar velho. 
Ou novo demais pela revolta que sinto de ter de conviver com este admirável mundo novo em que tudo se iguala por baixo, num tu cá tu lá fruto espúrio do liberalismo negocista feito filosofia política primeiro e moral judiciária agora!
Mas não se inutilizará, sujeitando-se a ser "suspeito", um juiz que, antes de julgar, se comprometa nestas combinas com o Ministério Público e o arguido?

Suspensão da pena sob condição impossível

«Também nos crimes de peculato não há qualquer motivo para censurar como desproporcionado, o dever de pagamento da quantia apropriada como condição da suspensão da execução da pena — mesmo que, no momento da imposição do dever, o julgador se aperceba de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em causa, por impossibilidade de o fazer». Colocámos o itálico pela incapacidade em perceber como é que se suspende uma pena sob a injunção de um pagamento que se sabe a priori não vai ser cumprido por impossibilidade de tal ocorrer. É o Acórdão da Relação do Porto de 09.02.11 [relator Melo Lima].

P. S. Justificando diz-se: «É que, e entre o mais, a falta de pagamento da obrigação pecuniária fixada não determina, automática e necessariamente, a revogação de suspensão da execução da pena de prisão». Mesmo assim e ainda que relevando a inconstitucionalidade da prisão por dívidas, é-me difícil entender.

(In) Segurança nos Tribunais

Com a devida vénia citamos do Blog de Informação estes números oriundos do relatório da ASJP referente à segurança nos tribunais:


-» 89,1% dos tribunais não têm policiamento público;
-» 87,8% dos tribunais não têm segurança privada;
-» 76,6% dos tribunais não têm funcionário administrativo em funções de portaria ou segurança;
-» 77,9% dos tribunais não têm cofre para guarda e segurança de armas;
-» 59% dos tribunais não têm sistema de alarme contra intrusão; dos alarmes existentes, 37,3% não estão  ligados à polícia ou a entidade de segurança;
-» 82,7% dos tribunais não têm sistema de videovigilância;
-» 97,2% dos tribunais são livremente acessíveis a magistrados e funcionários fora do horário de
expediente; essas entradas e saídas apenas ficam registadas em 15,3% dos casos;
-» 38,3% dos tribunais não têm estacionamento próprio para veículos celulares e policiais;
-» 41,4% dos tribunais não têm celas de segurança;
-» Nos 85 tribunais onde há celas, 85,6% são suficientes e 87% são seguras;
-» 56,4% dos tribunais não têm acesso próprio dos locais de estacionamento para as celas;
-» O acesso dos estacionamentos para as celas de segurança é seguro em 70% dos casos;
-» 44,8% dos tribunais não têm acesso próprio das celas para as salas de audiência;
-» O acesso das celas para as salas de audiências é seguro em 59,2% dos casos;
-» 96% dos tribunais não têm salas específicas para interrogatórios de detidos com condições de segurança;
-» 48,7% dos tribunais não têm sistemas automáticos de detecção de incêndios;
-» 87,1% dos tribunais não têm sistemas automáticos de extinção de incêndios;
-» 78,5% dos tribunais não têm equipamentos passivos contra propagação de incêndios;
-» 92,6% dos tribunais não têm qualquer protecção especial contra incêndios nos arquivos de processos e documentação;
-» Há extintores inspeccionados de acordo com as especificações técnicas em 96,6% dos tribunais; os extintores têm instruções de utilização visíveis em 93,7% dos tribunais;
-» 86,7% dos tribunais não têm pessoal instruído para a utilização de extintores de incêndio;
-» 66,4% dos tribunais não têm afixados e visíveis planos e sinalização de evacuação em caso de incêndio;
-» 98,7% dos tribunais nunca realizou qualquer exercício de simulação de evacuação de incêndio;
-» 43,3% dos tribunais não têm sistemas automáticos de iluminação de segurança accionados por falhas de energia eléctrica;
-» 90,3% dos tribunais têm condições de estacionamento de veículos de bombeiros a menos de 30 metros de qualquer saída do edifício;
-» Os tribunais estão a uma distância média de 843 metros do quartel de bombeiros mais próximo;
-» 85% dos tribunais nunca foram inspeccionados pelo SNB;
-» 95,2% dos tribunais não têm planos de prevenção de risco de incêndio aprovados pelo SNB;

Apenas 2 tribunais situados em zonas de risco de inundação têm protecção especial nos arquivos de processos e documentação.

37,8% dos tribunais têm elevadores operacionais; esses elevadores são regularmente inspeccionados com periodicidade em 92% dos casos.

A fortaleza da reformatio in pejus

Estabelece o artigo 409º do CPP: «Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes». É o que se chama o princípio da reformatio in peius, a proibição, aliás constitucional, de agravamento por via do recurso, a fortaleza dos direitos fundamentais do arguido. O problema são os limites das muralhas.
A questão que se colocou consiste em saber se esse regime se aplica para os casos em que se opera novo julgamento por via da devolução pelo tribunal de recurso para novo julgamento no quadro de um reenvio. 
O Supremo Tribunal de Justiça já havia definido que sim. Outras instâncias haviam-no seguido. 
Ora é esta a doutrina sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 21.12.12 [relator João Carrola, texto completo aqui]. Reconhece tal decisão que «o texto citado parece inculcar a ideia que a aplicação deste principio se encontra reservada para o tribunal superior aquando da apreciação de recurso ou recursos interpostos por e no interesse do arguido». 
Mas, louvando-se no que fora enunciado pela Relação do Porto, num seu Acórdão de 14.10.09, considera, citando: «A proibição da reformatio in pejus não é absoluta, mas consagra tanto a decisão do tribunal de recurso como a que venha a ser proferida em novo julgamento determinado por anterior decisão que reenvia o processo para novo julgamento. Tal entendimento, digamos assim, mais lato que o que aparentemente resulta da letra da lei (artº 409º do CPP), da lei, encontra-se devidamente desenvolvido e fundamentado de forma clara e cristalina no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 236/2007 [...]o qual, (…), sufragamos, destacando aqui, apenas este pequeno passo: “Na verdade é igualmente inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, embora por via indirecta (na sequência de anulação do primeiro julgamento), o arguido, em situações em que é o único recorrente (ou na situação equiparada de o Ministério Público interpor recurso no exclusivo interesse da defesa), ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicialmente infligida, apesar de o Ministério Público se haver conformado com esta”».

Aliás, e assim se escreve neste aresto «como já se referia no acórdão do STJ de 27-11-2003 proferido no P.º 03P3393, em que foi relator o Exmo. Juiz Conselheiro Simas Santos [...]“(…) vem entendendo recentemente este mesmo Tribunal (cfr. Jorge Dias Duarte, Proibição de reformatio in pejus. Consequências processuais, Maia Jurídica, ano I, nº. 2 págs. 205-220), decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente».

E mais, como também se cita no mesmo: «O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso (cfr. neste sentido o voto de vencido do Conselheiro Henriques Gaspar, no Ac. de 9.4.03, proc. nº. 4628/03-3 e os Acs. de 29.4.03, proc nº. 768/03-5 , relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota e de 8.7.2003, proc. nº. 2616/03-5, do mesmo Relator)».

P. S. Questão problemática que não vejo considerada no aresto em causa: e se tiver lugar o reenvio total? Fica delimitada a liberdade de julgar do novo tribunal? Ou prevalece a tese de objecto delimitado? Será um novo caso ou um aperfeiçoamento do caso pré-existente.

Os "memorandos" e a Justiça

As implicações para a Justiça dos memorandos firmados entre o Estado Português e a "troika" constam das Grandes Opções do Plano
São essas que balizam o Programa de Acção do Ministério da Justiça.
Ler tudo aqui.

O Ministério "new look"

O Ministério da Justiça mudou de sítio na net. Está aqui Salta aos olhos uma ideia de culto da personalidade. Como todos os sítios internáuticos do Governo, destaca-se, com grande relevo a fotografia do membro do Governo respectivo. Neste caso da ministra Paula Teixeira da Cruz.
Compreendo que do ponto de vista político se queira uma governação com rosto. A Justiça devia ser uma excepção a essa pessoalização.
Alinhada no layout do portal do Governo, claro que o Ministério da Justiça teve que se sujeitar. De ora em diante o que havia de institucional passou a ser pessoal. Está aí a questão para quem ache que a questão existe, se calhar uma ínfima minoria.

Vai deixar de custar computar as custas?

 
«Actualmente, para saber o regime de custas aplicável a cada processo, é preciso saber se o processo entrou antes de 20/4/2009, entre 20/4/2009 e 28/4/2010, entre 29/4/2010 e 12/5/2011 ou a partir de 13/5/2011», escreve a Advogada Marta Serpa Pimentel num artigo que vem publicado aqui no sítio dos Oficiais de Justiça.
Notável, de facto e demonstrativo do caos a que chegou o nosso processos legislativo. Isto quando, em paradoxo risível, o Diário da República passou a ter, a seguir a cada diploma, um enunciado que explica aos leigos o que pretendeu legislador, já que o desconhecimento da lei não exonera o cidadão de a cumprir.
É o domínio da fantasia.
Com optimismo escreve a autora do artigo: «Foi, por isso, com muita satisfação que verifiquei que, no passado dia 6, foi aprovado o Decreto n.º 30/XII da Assembleia da República, que procede à sexta alteração do RCJ e estabelece a sua aplicação, com algumas nuances, a todos os processos judiciais. Da exposição de motivos da Proposta de Lei consta: "a aplicação das mesmas regras a todos os processos torna o regime das custas mais simples e potencialmente mais eficiente e eficaz, contribuindo desta forma para a agilização, celeridades e transparência dos processos judiciais. A existência de um regime uniforme permite, ainda, uma simplificação do trabalho daqueles que diariamente o aplicam nos tribunais, nomeadamente, magistrados, funcionários judiciais e advogados, bem como contribui para uma maior compreensão do mesmo por parte dos cidadãos e empresas que recorrem à Justiça". Espero que assim seja. Espero que este Decreto seja promulgado, publicado e que entre em vigor o mais rapidamente possível.

A "Casa de Correção de Vila Fernando"

Assim o Ministério da Justiça deixa espatifar tudo. Sem que ninguém seja chamado a responder. Sem que ao menos se explique porquê. Nem quem. «Em 2009 deverá abrir no local uma prisão de alta segurança?,dizia o Diário de Notícias aqui.


Prazo de recurso da não pronúncia

A questão podia colocar-se em abstracto mas o Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Janeiro de 2012 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] decidiu que « expressão “prova gravada”, constante do nº4, do art.411, do Código de Processo Penal, refere-se a prova oralmente produzida em audiência de julgamento» pelo que «o prazo alargado de recurso (30 dias), previsto naquele preceito legal, não é aplicável ao recurso interposto do despacho de não pronúncia, pois neste não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada».
Sustentando o decidido consignou-se no aresto: «Em anotação ao artigo 411.º do seu “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1265, Vinício Ribeiro diz, textualmente: “Note-se, igualmente, que a questão do prazo de recurso em que se visa a reapreciação da prova gravada sempre se pôs apenas em relação à sentença (…) e não ao recurso de outros despachos (v.g. despacho de não pronúncia; aliás se bem repararmos, só com a revisão de 2007 é que foi alterada a redacção do artigo 296.º, que possibilitou que as diligências de prova da instrução fossem gravadas; antes eram apenas reduzidas a auto, logo a questão nem se poderia colocar”)».

Cadeia!

Já se calculava. Mas a ministra da Justiça ainda nos fez crer no milagre. Hoje ficou tudo desfeito: «A possibilidade de o Ministério da Justiça (MJ) recuperar a posse do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), uma intenção anunciada pela ministra Paula Teixeira da Cruz no dia de Natal, foi ontem afastada pelo secretário de Estado da Justiça, Fernando Santo, após uma visita à prisão de Alcoentre, na Azambuja». 
O negócio consumou-se. Esse e outros. Um edifício que era já dos raros emblemáticos do sistema penitenciário de Filadélfia, o da lógica celular! Veja-se porque muitíssimo interesse aqui.
Falta só venderem os cemitérios.

Recurso penal quanto aos factos

Vai ser uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? Quais os poderes do tribunal de recurso para alterar o que o tribunal recorrido considerou provado?
A Relação do Porto, em Acórdão de 20.12.11 [relator Melo Lima, texto integral aqui] considerou: «Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie, no juízo alcançado, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no art. 127° do CPP e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se».

Concludente este excerto: «Insistindo, embora, perguntar-se-á: proferida uma decisão em 1ª instância, fundamentada na livre convicção do julgador e assente na imediação e na oralidade, poderá a mesma ser objecto de censura no Tribunal de recurso?
Por certo que sim.
Previne-o a lei penal adjectiva: quer quando obriga o recorrente que “… impugne a decisão proferida sobre matéria de facto” a especificar: b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (Artigo 412º/3 CPP), quer, depois, quando previne expressamente a modificabilidade da decisão recorrida (Artigo 431º CPP)
Dizer, então: se o recurso às provas indicadas evidenciar que, ex.g., o Tribunal decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido - ou deverem ter subsistido - dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum, obviamente a decisão de facto proferida no tribunal recorrido tem de ser alterada.
Dizer, ainda: se é verdade, como é frequente ler em jurisprudência publicitada, que o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, não será menos verdade que, se ao Tribunal de Recurso for dado concluir no sentido da irrazoabilidade ou da desconformidade da convicção firmada com as regras do saber e da experiência comuns, não poderá o mesmo tribunal de recurso deixar de ter por verificada uma incorrecta apreciação e valoração das provas (erros de julgamento) e, por aí, de proceder à correcção na exacta medida do que resultar do filtro da documentação».
 
É uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? De facto...

Suspensão da pena e indemnização parcial?

Às vezes ainda é o único meio de fazer Justiça à vítima o substituir a prisão pela suspensão da pena sob a condição do pagamento de indemnização. Já houve quem questionasse a constitucionalidade do sistema. O problema é quando o condenado não tem meios e só se pode sujeitá-lo a priori no pagamento parcial da indemnização. Eis o que o Tribunal da Relação de Évora equacionou num seu Acórdão de 20.12.11 [relatora Ana Brito], no fundo sobre a reparação possível do mal. A ler aqui.

Permiti-mo-nos citar este excerto, até pelo interesse das referências citadas: 
 
«A obrigação de reparação do mal do crime, como condicionante da suspensão da prisão, cumpre, no caso, uma importante função adjuvante das finalidades da punição. Contribui efectivamente para a reinserção social do arguido, que assim melhor se reabilita, apagando, na medida do possível, o seu acto criminoso. Facilita, ainda, a reposição da situação do lesado antes do cometimento do crime. Em suma, “permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima” (Manso Preto, Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173)”, melhor assegurando “o direito do cidadão a ser punido com a pena justa” (Faria Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia alguns cruzamentos reflexivos, 2005, p. 230).
A suspensão condicionada é, pois, um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (Jescheck, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899. E sobre o papel e funções da reparação no ordenamento penal alemão – como isenção ou atenuante de pena; como condição imposta ao condenado; como substitutivo da sanção penal; como consequência jurídica autónoma do direito penal juvenil – ver Pablo Galan Palermo, Suspensão do Processo e Terceira Via: avanços e retrocessos do sistema penal, in Que Futuro para o Direito Processual Penal, 2009, pp. 613 a 643).
Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).
Nas palavras de Pablo Galan Palermo, a reparação “constitui um comportamento positivo posterior” do agente que “compensa o injusto, repara o dano social, cumpre com o fim de prevenção especial ressocializadora, cumpre com o fim de prevenção penal integradora” (loc. cit. p. 642-643).
Mas para que se cumpra tal desiderato, deve o arguido encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para tanto, deve o juiz averiguar das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o seu direito a uma pena justa.
A esta compatibilização se refere o art. 51º do CP, cujo nº2 estipula que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, prevendo-se no nº 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes. Daí o dizer-se que este nº 2 completa com um princípio da razoabilidade, os princípios gerais que norteiam a fixação da pena – da adequação e da proporcionalidade.
O Tribunal Constitucional sempre se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do art. 51º, nº1-a), na parte em que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido (v. Ac. TC 440/87, Ac. TC 569/99), sendo igualmente abundante a sua jurisprudência no sentido até da conformidade constitucional da obrigatoriedade desse condicionamento ao pagamento da totalidade de uma dívida (fiscal) (entre muitos, Ac TC 356/2003, 335/2003, 500/2005, 309/2006, 61/2007, 556/2009, 237/2011).
Neste segundo caso – da obrigatoriedade legal do condicionamento da suspensão ao pagamento de indemnização – apesar de uniforme, a jurisprudência do Tribunal Constitucional conta com voto de vencida da Conselheira Fernanda Palma. Por exemplo, no Ac. n.º 376/2003 justificou: “verificando-se a sujeição necessária da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da dívida fiscal, fica inviabilizada a plena ponderação em concreto das exigências de prevenção e de reintegração no momento de decidir a efectiva aplicação e execução da pena. (…) Dá-se portanto a transfiguração de um meio concretizador dos princípios e das finalidades do sistema punitivo (…) num meio de produção de um resultado desejável pelo sistema jurídico, independentemente da concreta ponderação de outras possibilidades de satisfação das finalidades punitivas. (…) A suspensão da pena, como alternativa à prisão, não pode ter como condição a concreta capacidade económica do agente – o que seria violador do princípio da culpa, (…) do direito à liberdade e à igualdade (arts. 1º, 27º-1 e 13º da CRP)”».
 
P. S. Não haja equívoco: a imagem é a de um livro de poemas de Fernando Pinto do Amaral, editado em 2004. A ler também, porque a vida não é só prosa.

Vai uma corrida?

O Presidente do STJ lançou o tema: «O advogado tem que ser o mandatário da parte e não um interessado em que o processo demore o tempo bastante que justifique honorários medidos temporalmente; o que significa que há que fixar tabelas indicativas de honorários judiciais, até para defesa do cidadão e transparência do sistema». A intervenção a que o dito pertence está aqui.
A frase consubstancia várias afirmações.
Primeira, a que o advogado é um «mandatário da parte». É verdade, mas não só, e porque tem autonomia técnica e por isso independência, daí resulta algo mais do que um simples mandato, pois não tem de agir tal qual pretende o seu constituinte. Os Advogados dignos desse nome não defendem tudo nem qualquer coisa por qualquer forma. Cada um escolhe o que e o como e a quem.
Segunda parte da frase é aquela onde se afirma que o advogado não é um «interessado em que o processo demore o tempo bastante que justifique horários medidos temporalmente». Esta asserção desdobra-se em duas. 
A primeira aquela que se dirige aos que medem os seus honorários temporalmente, isto é contando as horas gastas a trabalhar. Se o fazem sem qualquer outro critério a integrar o modo de formular a sua nota de honorários, isso é contra a lei, pois o Estatuto dos Advogados não permite que o Advogado seja remunerado só em função do tempo gasto, desconsiderando a complexidade da causa, o resultado obtido, as posses dos interessados, etc. 
A remuneração apenas em função do tempo não é só uma desconsideração estatutária do advogado é sobretudo uma forma de premiar os incompetentes, pois levam mais tempo para produzir o que os melhor habilitados alcançam em menos tempo.
Outra parte e essa essencial na frase é quando o Presidente do STJ opta por tabelas indicativas de «honorários judiciais». Quanto a esta, se sob a expressão «honorários judiciais» estamos a falar nos honorários do "apoio judiciário" o Presidente do STJ terá legitimidade para falar. Se estamos a falar em honorários referentes à advocacia como profissão liberal, permitam-me que diga não fará sentido que opine. É claro que estamos em tempos em que toda a gente fala de tudo sobre as profissões dos outros. E por isso assim como os advogados opinam sobre a remuneração dos magistrados, estes entendem poder falar sobre os rendimentos dos advogados. É um mundo sem fronteiras.
Problema é o que a frase contém de sentido útil, literal, imediato: o ser uma acusação sobre a advocacia interesseira, pressupondo que há quem prolongue processos e a sua pendência para facturar. É nesta vertente que o cidadão a vai ler, a da denúncia da advocacia da "bandeirada", a do "taxímetro".
Ora muitos advogados conheço que agradeciam que houvesse quem fixasse o valor do seu trabalho. É que infelizmente no momento da aflição, há quem dê a camisa, assim haja a coragem de lha arrancar naquele instante de agonia, tal como, uma vez servidos, quantos há a argumentar que desde sempre tinham tanta razão que é um assalto pedir-se-lhe o que seja pelo trabalho que deu contribuir para que essa razão lhes fosse reconhecida. Esses, os que não nasceram para enriquecer "à conta", talvez sintam injustiça na generalização subjacente às palavras do Presidente do STJ. Frase que pensando num certo mundo que existe esqueceu o resto do mundo que subsiste.
E depois há aqueles casos em que na ânsia de encontrarem uma última instância que lhes dê razão, são os próprios constituintes a suscitarem ao advogado que use de «todos os meios legais» para que a luz da Justiça se acenda. Ora é essa realidade que a frase esquece, diabolizando generalizadamente uma certa advocacia, permitindo ser lida como se a atingisse toda.
Está na moda falar no tempo. Ainda ontem à noite na TV a ministra da Justiça insistia que as reformas processuais civis e criminais que aí vão surgir visam combater os expedientes dilatórios e o prolongar dos processos. 
Por mim acho tudo bem. É que, por ter nascido preguiçoso e detestar trabalhar, gostaria que os processos não dessem tanto trabalho. Assim, ao olhar para eles, se houver algo que descortine permitir defender quem se me confiou de modo rápido nem hesito. Aprendi com os chineses: fazer o bem de uma vez, fazer o mal aos bocadinhos.

Contratação pública

Quando se propala que que se quer mais transparência e mais igualdade de oportunidades na contratação pública, a legislação europeia vem em sentido inverso. Pelo menos é o que se entende desta constatação: «Curiosamente, a 1 de Janeiro de 2010, ou seja exactamente dois anos antes, entrou em vigor o Regulamento n.º 1177/2009, que alterou também as Directivas 2004/17/CE, 2004/18/CE do Parlamento e do Conselho, fixando contrariamente ao que agora se verifica, limiares mais baixos para o valor dos contratos que podem ser celebrados na sequência de procedimentos de concurso público e concurso limitado por prévia qualificação, sem publicidade internacional». Fê-la a Advogada Leonor Guedes Oliveira, aqui, no Advocatus. Uma porta aberta ao favoritismo e à corrupção.