Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




7 anos...

Este blog completa no final deste mês sete anos. Anos de entusiasmo, de desânimo aniquilador, de reatar teimoso, contra a adversidade pessoal, em prol por causas públicas em que estava em causa a Justiça. Entre o isolamento e a civilidade. 
Têm sido anos em que este blog se tem procurado conter ao ser um instrumento de trabalho para os que fazem do Direito uma profissão, não deixando de ser, expandindo-se, um espaço de expressão de cidadania.
Teve hiatos, teve picos de obsessão, reorganizou-se várias vezes.
Para os que julgam que o Direito é uma silogística asséptica, uma matemática indiferente, aqui demonstra-se que o Direito é a luta pelo Direito.
No mês de Janeiro de 2005 publiquei um post que dava conta que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 686/04 [publicado no Diário da República, II, n.º 12, de 18.01.05: «decidira ser (...) inconstitucional por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do tribunal da relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, declarando-a». 
Leio e espanto-me. Por quanto caminho pedregoso se caminhou!
Pensando hoje que foi preciso o Tribunal Constitucional impor-se, invocando a Lei Fundamental, para que uma decisão com a gravidade daquela conhecesse o direito mais do que legítimo e natural a ser sindicada em recurso faz-me pensar, neste dia de aniversário, imerso em responsabilidades presentes e em projectos futuros, duas coisas: primeiro, será que não é necessário haver um órgão fora da jurisdição comum e dela estranho para que certos abusos não se consumem sob a capa de serem entendimentos legais? Segundo, será que para o alcançar não estaremos sempre a correr o risco de criar uma fonte de novas arbitrariedades, abrindo fissuras na muralha onde se as evitou, o dique do Justo sempre em riscos de ruptura, a enxurrada da injustiça em vias de se abater ?

A ASJP e o CPP: apresentação de livro

O vídeo que regista a apresentação, a 24 de Janeiro, na Biblioteca da Assembleia da República, do livro da Associação Sindical dos Juízes Portugueses com as propostas para a revisão do Código de Processo Penal, pode ser visto aqui
A matéria é da exclusiva competência do Parlamento, só podendo o Governo legislar após autorização legislativa. Ali foi discutida, até ao ínfimo pormenor, a proposta que daria a Lei n.º 78/87, a qual deu ao Governo poderes para aprovar o Código de Processo Penal que o Parlamento conheceu então como se fosse seu.

França: satisfação das vítimas

De acordo com o Portal do Ministério da Justiça de França 54% das vítimas estão satisfeitas com o tempo de duração dos processos respectivos. Ver aqui. Não seria interessante promover um inquérito semelhante em Portugal ou definitivamente não vale mesmo a pena para se concluir o que já se sabe?

Posse de substâncias explosivas

Negócios a envolver substâncias aptas a gerar explosões nucleares não haverá muitos a serem julgados em Portugal. Daí que revista interesse o Acórdão da Relação do Porto de 01.01.12 [relatora Maria do Carmo Silva Dias, texto integral aqui] segundo o qual:

«I - Quando a lei, na versão vigente à data dos factos [art. 275°, n° 2, do CP, na redacção dada pela Lei n.º 65/98, de 2/9], refere "substância capaz de produzir explosão nuclear" o que interessa é a capacidade de determinada substância ser susceptível de, por si ou manipulada de forma adequada, produzir explosão nuclear.
«II - Como crime de perigo abstracto, não se pode confundir a capacidade ou susceptibilidade de determinada substância produzir explosão nuclear, com a necessidade da existência de um perigo concreto ou de um dano directo para o bem jurídico protegido pela norma.
«III - Sendo o Urânio 235 uma substância radioactiva e sabendo o arguido que a mesma era capaz de produzir explosão nuclear (exigindo, para o efeito, uma manipulação adequada), a sua posse integra a prática de um crime de substâncias explosivas ou análogas e armas, do art. 275.º, n.º 2, do CP, na redacção dada pela Lei n.º 65/98, de 2/9, vigente à data da prática dos factos [Junho de 2001]».

O paradoxo de Zenão

O site do Ministério da Justiça está a perder velocidade. Veja-se aqui a primeira página e as datas das publicações que ali se reflectem. A aparência, moderna e personalizada, parecia prometer agilização e celeridade, a mesma que o Ministério apregoa como política para os tribunais. A verdade é que sendo, apenas um reflexo, pode ser um sintoma. 
A Justiça é para corredores de fundo, mas tal como os "sprinters", Aquiles tem de contar que só matematicamente se ganha sendo tartaruga.

Apreensão e perda de objectos do crime

«A decisão de declarar perdido a favor do Estado o objeto apreendido ou de ordenar a sua restituição a quem de direito não faz parte do objeto do processo, razão pela qual pode ser proferida mesmo depois do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão onde deveria ter sido tomada», assim o decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 11.01.12 [relator Alves Duarte, texto integral aqui]. 
A justificar citou um Acórdão do STJ de 13.10.2011 [proferido no processo n.º 141/06.0JALRA.C1.S1] segundo o qual a determinação sobre o destino a dar aos objectos relacionados[20] com o crime, embora deva constar do dispositivo, o certo é que «já está para além da solução da concreta questão que é submetida ao tribunal. Tal como a remessa de boletins ao registo criminal, por exemplo. Tais requisitos devem integrar a decisão (…) mas rigorosamente não fazem parte do objecto do processo».

A propósito do problema do nexo causal entre a apreensão [e perda] de objectos e o crime com o qual se relacionam, não deixa de não ser interessante esta interpretação extensiva da regra da causalidade sobre a qual, como vimos, já o STJ se pronunciou [como vimos recentemente aqui] a considerá-la exigência fundamental: «Note-se, porém, que, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-04-2011, no processo n.º 1488/08.7GBAGD.C1, visto em www.dgsi.pt, a lei «não exige como condição do seu funcionamento que os objectos apreendidos tenham uma relação directa com o crime imputado ao arguido. A relação pode ser meramente indirecta, como sucede no caso do agente que é proprietário de arma de fogo e que ameaça dar um tiro em alguém, desde que essa ameaça seja credível ao ponto de, pelo menos, causar inquietação ao destinatário da ameaça (e portanto, constituindo crime), arrastando para o domínio de hipótese que deve ser acautelada a efectiva utilização de arma de fogo contra o visado. O facto de o agente ter na sua disponibilidade uma ou mais armas de fogo confere maior gravidade à ameaça, por a sua consumação se oferecer como plausível, reforçando as exigências cautelares tendentes a evitá-la, sendo essa circunstância suficiente, só por si, para justificar tanto a apreensão das armas como a sua ulterior perda, visto as armas de fogo constituírem por natureza objectos dotados de grande perigosidade e a sua perda não poder considerar-se desproporcionada à gravidade do ilícito cometido».

Suspensão do processo: juiz de julgamento, não!

Vem mesmo a propósito de parte das questões que se suscitam em torno do envolvimento do juiz de julgamento nos momentos em que se traduz o princípio da oportunidade. Subjaz ao que de seguida se cita uma ideia de salvaguarda da independência de quem julga, pedra fundamental do Estado de Direito. «Após as alterações introduzidas pela Lei 26/2010, de 30 de Agosto, o juiz competente para proferir o despacho a que alude o artigo 384.º, n.º1 do CPP é o juiz de instrução», decidiu a Relação de Guimarães, no seu Acórdão de 19.01.12 [relator Fernando Chaves, texto integral aqui], segundo o qual: «Antes da revisão de 2010( - Décima nona alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, operada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, que entrou em vigor no dia 29 de Outubro de 2010.), a jurisprudência dividia-se relativamente à competência para a decisão do pedido de suspensão provisória do processo pois enquanto uns consideravam que a questão era decidida pelo Mº Pº e pelo juiz de instrução, outros entendiam que tal decisão podia ser tomada pelo Mº Pº e pelo juiz de julgamento( - Sobre esta questão vide Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2ª edição, páginas 1101 e 1102.). Agora, com a nova redacção conferida ao artigo 384.º, designadamente ao seu n.º 2, que regulamenta o processamento da suspensão provisória em sede de processo sumário, deixa de haver dúvidas sobre o juiz competente para se pronunciar acerca da suspensão provisória do processo: o juiz de instrução( - Cfr. Cruz Bucho, A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, página 102, disponível em www.dgsi.pt/jtrg/estudos; Acórdãos da Relação do Porto de 4/3/2011, 9/3/20011, 30/3/2011, 13/4/2011, 8/6/2011, 15/6/2011, 11/7/2001 e 31/10/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp.). Trata-se de uma consequência do princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República. A estrutura acusatória do processo supõe uma fase de investigação, secreta, sem contraditório, dominada pelo Ministério Público, em que se define o objecto do processo e uma fase de julgamento, pública, com contraditório, dominada pelo juiz, em que se julga o objecto do processo, impondo-se uma separação funcional e orgânica entre estas duas fases( - Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 7/87, de 9/1, 23/90, de 31/1 e 581/2000, de 20/12, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.). A suspensão provisória do processo nunca é decidida pelo “juiz do julgamento”, o qual também não tem qualquer intervenção nos procedimentos com vista à mesma, sendo a lei inequívoca ao indicar que o juiz que intervém é o de “instrução” por ser este quem, no nosso processo, profere as decisões de natureza jurisdicional antes da fase do julgamento( - Acórdão desta Relação de 29/9/2008, disponível em www.dgsi.pt/jtrg.). Aliás, tanto assim é que a lei estabelece que nenhum juiz pode intervir em julgamento relativo a processo em que tiver recusado a suspensão provisória do processo sob pena de nulidade – artigos 40.º, alínea e) e 41.º, n.º 3. A competência material para esse tipo de intervenção em toda a fase anterior ao julgamento é do juiz de instrução, tal como resulta directamente do disposto nos artigos 10.º, 17.º, 281.º, n.º 1, 307.º, n.º 2 e 384.º, n.ºs 1 e 2».

ASJP e a revisão do CPP

É hoje apresentado em livro o documento que consubstancia as linhas gerais da proposta da Associação Sindical dos Juízes Portugueses quanto à reforma do sistema processual penal. Ei-las, segundo o sumário que introduz o relatório. Teremos oportunidade de as comentar especificadamente. Agora apenas o resumo.

Inquérito

Avocação obrigatória do processo pelo superior hierárquico do magistrado do MP no termo do prazo máximo fixado na lei, precedida, se necessário, da concessão pelo superior hierárquico de prazo até 30 dias para que o titular inicial proferir despacho de encerramento do inquérito;
O superior hierárquico que avocou o inquérito deverá concluí-lo em novo prazo que não ultrapasse um terço do legalmente estabelecido ou requerer ao juiz de instrução nova prorrogação, por uma só vez, invocando e demonstrando a impossibilidade de o terminar e indicando o prazo necessário para o efeito, que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado;
O juiz de instrução depois de ouvir o arguido avaliará os fundamentos para a prorrogação do prazo, podendo conceder novo prazo pelo tempo objetivamente indispensável à conclusão da investigação mas que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado; não sendo concedida a prorrogação o MP disporá ainda de 30 dias para encerrar o inquérito;
A violação dos prazos referidos deverá ser causa de rejeição da eventual acusação que venha ainda assim a ser proferida;
O prazo do inquérito deve suspender-se, para além dos casos já previstos na lei, quando seja expedida carta rogatória e ordenada a realização de perícias ou outras diligências requeridas pela defesa, enquanto estiver pendente outro processo com relevância para o sucesso da investigação e enquanto o estiverem a decorrer diligências para a aplicação de pena por consenso;
O período total de suspensão não deverá em qualquer dos casos exceder metade do prazo que corresponder ao inquérito, acrescido de 3 meses em caso de pluralidade de causas de suspensão.

Pena consensual

A alteração que se propõe para a aplicação de pena consensual parte do modelo atual do processo sumaríssimo e assenta nos seguintes vetores fundamentais:
Com vista ao encerramento do inquérito, será obrigatória a audição pelo MP do arguido acompanhado de defensor, em diligência especialmente destinada a ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo ou de pena consensual, de acordo com os respetivos pressupostos;
O MP, sob pena de nulidade, fundamentará, de modo conciso mas com base em factos determinados, a razão pela qual não promove a aplicação da suspensão provisória do processo ou da aplicação de pena consensual;
A aplicação de pena consensual será admissível sempre que o MP, face aos indícios recolhidos no inquérito e à respetiva qualificação jurídica, entenda dever ser aplicada no caso concreto pena que, depois de reduzida em um terço, não seja superior a 5 anos de prisão;
A pena ou medida de segurança proposta pelo MP e aceite pelo arguido será sujeita a homologação pelo juiz, que no caso de concordar condena na sanção penal respetiva;
O juiz rejeitará o requerimento quando este for manifestamente infundado, não existirem indícios suficientes da prática do crime, estiver indiciada a prática de crime mais grave ou entender que a sanção proposta é insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
Se o arguido não aceitar a sanção proposta pelo MP o processo será remetido para julgamento mas a pena aplicável não poderá ser mais gravosa na sua espécie e medida, exceto se em audiência se apurarem circunstâncias que traduzam uma maior gravidade do facto ou da culpa que não tenham sido consideradas;
Se o processo seguir para julgamento fica impedido de nele participar o juiz que tiver rejeitado a homologação do requerimento do MP ou que tiver participado na determinação da sanção não aceite pelo arguido.

Instrução

A alteração preconizada vai no sentido de reduzir a instrução facultativamente requerida pelo arguido à discussão da decisão de acusar, em diligência oral e contraditória, correspondente, nessa parte, ao atual debate instrutório, sem que haja lugar a produção de prova. A instrução requerida pelo arguido visará, pois, a discussão da acusação de forma contraditória perante o órgão independente, tribunal, de modo a que a sua sujeição a julgamento não dependa apenas e decisão do órgão comprometido com a acusação. E terá, assim, como objeto a apreciação de indícios resultantes da prova recolhida no inquérito, bem como a apreciação de nulidades e questões prévias ou incidentais que possam conduzir à não pronúncia, incluindo as proibições de prova

Sentença abreviada

Deve pois ser consagrada a permissão de em determinadas circunstâncias ser possível proferir uma sentença apenas com indicação dos factos provados e da parte dispositiva, relegando-se para ulterior momento, se necessário em função do recurso, a fundamentação exaustiva da motivação probatória da decisão.

Declarações anteriores

Defende-se, portanto, a possibilidade de valoração em audiência das declarações do arguido anteriormente prestadas, mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente, caso se verifiquem cumulativamente os seguinte requisitos:
Tiverem sido prestadas perante juiz, na presença do seu defensor;
O arguido tiver sido advertido de que as suas declarações podem ser usadas em audiência de julgamento mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente;
As declarações tiverem sido gravadas em áudio e vídeo, pelo menos em regra;
O arguido tiver sido informado por escrito, aquando da prestação de T.I.R., do efeito legalmente reconhecido às suas declarações no caso de a audiência ter lugar na sua ausência.

Recursos

O recurso para o tribunal constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, não deve ter efeito suspensivo sobre a decisão recorrida quando esta tiver sido proferida por tribunal superior na sequência de decisão ou decisões anteriores igualmente condenatórias;
Deve tornar-se obrigatório o conhecimento e a reparação pelo tribunal recorrido dos vícios geradores de nulidade (ou efeito equivalente) total ou parcial da decisão final, evitando assim que o recurso suba ao tribunal superior, nomeadamente quando se trata de vício manifesto;
Deve tornar-se também obrigatório que o tribunal de recurso conheça e decidida todas as questões suscitadas, mesmo que haja anulação da sentença, restringindo-se o leque argumentativo dum futuro novo recuso e rentabilizando-se de forma mais coerente o trabalho do tribunal de recurso, evitando-se nova distribuição do processo e que outros juízes tenham que conhecê-lo e preparar a nova decisão.

Proibições de prova

O quadro actual impõe uma clarificação legislativa das proibições de prova em aspetos como a sua autonomização face às nulidades, a maior ou menor amplitude dos seus efeitos e respetiva base legal, as dificuldades de caracterização como proibição de prova ou nulidade de muitas das invalidades previstas.

Defesa oficiosa

Propõe-se, portanto, uma revisão que incorpora as vantagens do sistema de defesa pública mas não põe em causa a liberdade e independência que caracterizam a advocacia, obedecendo aos seguintes princípios:
A defesa deve ser assegurada por advogados independentes e não por juristas funcionários do Estado; 
Os defensores devem ser recrutados por concurso e ter maior qualificação técnica e mais disponibilidade, com um sistema de vinculação temporária ao Estado por contrato;
É necessário garantir o respeito pelo direito constitucional à escolha do defensor;
- A gestão do sistema deve ser assegurada por entidade pública autónoma do Estado e não pela Ordem dos Advogados, assente exclusivamente em critérios de interesse público;
Têm de ser criados mecanismos de remuneração adequada e digna e financeiramente comportáveis, plenamente transparentes e fiscalizados.

Terra de Lei

No dia 09 de Fevereiro de 2012, pelas 18.00 horas, no Auditório do Metropolitano de Lisboa, situado na estação Alto dos Moinhos, Benfica, Lisboa, realiza-se o lançamento da revista 'Terra de Lei', da Associação de Juristas de Pampilhosa da Serra.  O n.º 1 da 'Terra de Lei' tem o seguinte conteúdo:
 
NOTA DE ABERTURA
04 ESTATUTO EDITORIAL
05 EDITORIAL
06 NOTÍCIAS
12 ENTREVISTA - António Joaquim Piçarra, Juiz Conselheiro, ex-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra
16 EM FOCO - Corrupção em tempo de penúria (uma réstia de esperança em mar revolto). Euclides Dâmaso / Procurador-Geral Adjunto. Presidente da PGDC
26 OPINIÃO - A Justiça como valor nas comunidades da Beira Serra. António Henriques Gaspar / Juiz Conselheiro. Vice-Presidente do STJ
34 DOUTRINA
- Medidas de obtenção e preservação de provas no âmbito dos direitos de autor e Conexos. Salvador Costa / Juiz Conselheiro (jubilado).
- Democracia e criminalidade. Entre o risco e a confiança. Anabela Miranda Rodrigues / Professora Catedrática da FDUC.
- Consentimento informado. Maria do Céu Roque /Médica e Advogada
- Breves notas sobre a arbitragem voluntária ad-hoc em Portugal. Tânia Neves / Advogada  
74 JURISPRUDÊNCIA
- Arrendamento urbano para habitação (Acórdão de 3 de Maio de 2011 no recurso de apelação do procº 1996/08.OYXLSB.L1)
86 SOCIEDADE
- Agrupamento de escolas de Pampilhosa da Serra.
Manuel Porfirio /Professor e Administrador Escolar
92 CULTURA
- Conto: O Juiz de Fajão na Relação do Porto Extraído da colectânea Contos de Fajão.

Equipas mistas

«As equipas de investigação conjunta são um instrumento de cooperação judiciária previsto em diversos instrumentos de cooperação judiciária internacional que vinculam o Estado Português, designadamente no artº 13º,nº 1 al. a) e b) da Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 29 de Maio de 2000, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 53/2001, de 16 de Outubro (DR I Série - A nº 240) e na Decisão–Quadro (2002/465/JAI), de 13 de Junho de 2002, e, bem assim, nos artºs 145º, 145º-A e 145º –B, todos da Lei 144/99, de 31 de Agosto (Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal)».

Regulando o modo de formalizar a sua utilização surgiu o Despacho de 17 de Janeiro do PGR [texto integral, aqui]. No essencial encaminhamento via Eurojust e autorização pelo PGR.

A Lei 5/2002 e a mera suspeita

Reportando-se à medida prevista na Lei n.º 5/2002, de 05.01 , segundo a qual o legislador estabeleceu um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, em que se integra a medida de controlo de contas bancárias, decidiu este Acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.12 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] decidiu que «aquela medida, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe a existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo, bastando que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes» e isto porque «Importa deixar claro que o recurso a tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal. Á semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicas), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes». [sublinhado nosso, jab; a Lei n.º 5/2002, com as várias alterações sofridas pode ser encontrada aqui].

Irrecorribilidade da pronúncia e caso julgado

«O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º. (...) No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, o STJ, pelo Acórdão de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” e por Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004 (Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."(...) A interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004)».
Eis o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 20.01.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui, sublinhado nosso, jab]
Ora ante o carácter totalmente irrecorrível de decisão instrutória que seja obediente à acusação do Ministério Público, em que nem as questões prévias se adimite recurso, que dizer nesta mesma lógica?

Perda do automóvel...

É problemático o âmbito da expressão «instrumentos do crime» para efeitos da sua perda a favor do Estado. Tem havido por vezes tendência para interpretações extensivas do conceito em outros casos interpretações restritivas. 
Eis o que torna interessante ler que «Se o produto estupefaciente apreendido, transportado em veículo automóvel, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito, por não ser indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do arguido, seu proprietário, não pode concluir-se que tal viatura seja instrumento do crime e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, não havendo, por isso, lugar à declaração da perda de tal veículo a favor do Estado». Foi o decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 09.01.12 [relatora Elisa Sales, texto integral aqui].

O aresto louva-se na orientação do Supremo Tribunal de Justiça que assim resume: «Estabelece o n.º 1 do citado artigo 35º (na redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3.9) que «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos». Ora, como também vem mencionado na decisão recorrida, o STJ tem enveredado por uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º de acordo com a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada. Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt» [ver texto integral aqui]

A suspensão provisória e o MP

«O MP não está dispensado da verificação dos requisitos gerais da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, sua avaliação e concretização casuísticas, sempre que o crime for punível com prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão».Assim decidiu o Acórdão da Relação de Évora de 10.01.12 [relatora Ana Brito, texto integral aqui]. 
 
Justificando a sua asserção considerou: «A suspensão provisória do processo, consagrada no art. 281º do CPP, foi inicialmente vista pela doutrina como um desvio ao princípio da legalidade, porquanto se traduziria na faculdade do MP não deduzir acusação e num “mecanismo processual surgido sob o signo da oportunidade” (Pedro Caeiro, Legalidade e Oportunidade: a perseguição penal entre o mito da “justiça absoluta” e o fetiche da “gestão eficiente do sistema” Rev. MP 84, 2000, p. 39). Mas, na clara explicação de Pedro Caeiro, “a chamada `oportunidade´ consiste apenas num juízo sobre a verificação dos pressupostos legais da suspensão”, ou seja, traduz-se num “juízo cujo resultado constitui o MP num dever” (loc. cit. pp. 42-43). Recorde-se que o legislador de 2007 veio precisamente substituir a expressão “pode o MP” por “o MP determina”».

Trabalho prisional

Num País em que o trabalho prisional não é a regra, a ociosidade no cárcere um fomento à delinquência, talvez seja interessante dar conta desta ligação do sítio do Ministério da Justiça italiano referente à venda de produtos oriundos da mão de obra prisional. Terá tudo imensos defeitos não duvido. Mas o que está em causa é pensar-se no possível e necessário. «Porque é que não trabalham?», perguntei um dia. Responderam-me com direitos humanos, com a ausência de estruturas, com e com e com. Veja-se aqui. A imagem que ilustra este post é a de uma garrafa de vinho produzido numa cooperativa que funciona no interior de um estabelecimento prisional. A ver aqui.

Reforma do Processo Penal em Espanha

Também em Espanha está em curso uma modificação da lei processual penal. Quem já leu a Ley de Enjuiciamento Criminal de 1882 percebe que urgia uma reforma sistemática. Tratava-se de um diploma antiquado na formulação, jogado na casuística das previsões, sistematicamente confuso. O anteprojecto pode ler-se aqui. Quem quiser comparar, ei-lo.
Dando dele um resumo o Ministério da Justiça do país vizinho informa: «Se incorpora plenamente el derecho a la segunda instancia penal, se pone fin a la investigación indefinida, también conocida como ‘pena de banquillo’, y se regulan derechos y garantías constitucionales tan importantes para los ciudadanos como los de la persona detenida, el control judicial de las medidas que limitan la libertad, la interceptación de las comunicaciones, la entrada y registro o el derecho a no ser perseguido dos veces por los mismos hechos. Asimismo, se establece por primera vez el estatuto de las víctimas en el proceso penal y se elevan a rango orgánico aspectos vinculados al ejercicio del derecho de defensa y el secreto profesional.Se introduce un mayor control judicial. Frente al modelo actual, constituido por el juez instructor que investiga y el juez o tribunal que juzga, el nuevo modelo dispone la existencia de un juez de garantías (que controla la investigación del fiscal), un juez de la audiencia preliminar (que determina si existen elementos suficientes para sostener la acusación) y el juez o tribunal que finalmente juzgará la causa».

De Espanha...

Mudanças no altos cargos do Ministério da Justiça em Espanha: «Ruiz Gallardón destaca los retos que deberán afrontar los nuevos altos cargos de Justicia», re lata o sítio do Ministério aqui. «Con la designación de Marta Silva de Lapuerta como abogada general del Estado; Joaquín Silguero Estagnan como secretario general de Modernización y Relaciones con la Administración de Justicia; Ricardo Gonzalo Conde Díez como director general de Relaciones con la Administración de Justicia y Ángel José Llorente Fernández de la Reguera como director general de Cooperación Jurídica Internacional y Relaciones con las Confesiones se completa un equipo que el propio ministro calificó de 'reducido pero operativo'».

Mudar a Justiça Penal - convite

O Juízo final

Discutível que fosse, o Antigo Regime lançou os grandes edifícios dos Palácios de Justiça. Tentavam, pela sobriedade imponente, dar  o símbolo arquitectónico da dignidade austera. 
Hoje, em democracia, estamos a aquartelá-los, aos tribunais, em apartamentos habitacionais e em edifícios para escritórios, em salas acanhadas, com paredes de tabique, numa clausura deprimente, tudo a preços de escândalo público.
O Ministério da Justiça lembrou-se da História do que foi, talvez ante impossibilidade do que não há. 
Não são saudades do passado é pena pelo presente.
Veja-se aqui
O painel que ilustra este post, da autoria de Martins Barata, chama-se O Juízo Final. Está o Tribunal da Covilhã.

Prescrição rodoviária

Segundo fonte oficial «em 2008, data de criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foram prescritas 435 mil multas, em 2009 subiram para 598 mil». Um organismo destes deveria mudar de nome e retirar a palavra autoridade do designativo. Pior do que a quebra de receita é o desprestígio que gera. Pior do que o desprestígio é a insegurança que gera. É que no meio disto ninguém se lembra que as «multas» em princípio existem não só para gerar receitas públicas mas para garantir que alguns perigos se esconjurem.

PJM: nova orgânica

Corriam notícias sobre a sua extinção. Como na guerra de trincheiras ganha quem resiste.
A folha oficial de hoje mostra que, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 9/2012, de 18.01 [texto integral aqui], surge a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária Militar [sobre este organismo ver aqui].
A Lei n.º 97-A/2009, de 3 de Setembro, definira missão e as atribuições da PJM, bem como os princípios e competências que enquadram a sua acção, enquanto corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça. Pela nova legislação, que entra em vigor a 1 de Fevereiro, é revogado o Decreto -Lei n.º 300/2009, de 19 de Outubro.
Eis os preceitos com directo alcance para a área da investigação dos crimes militares, tal como os enuncia o Código de Justiça Militar [texto actualizado aqui].


Artigo 4.º
Estrutura
1 — A organização interna dos serviços da PJM obedece ao modelo de estrutura hierarquizada e compreende uma unidade orgânica nuclear de âmbito nacional — a Unidade de Investigação Criminal (UIC).
2 — A área geográfica de intervenção da UIC é a estabelecida no artigo 110.º do Código de Justiça Militar.
3 — O apoio técnico à UIC e a administração da PJM são garantidos por uma unidade orgânica flexível».
Artigo 6.º
Competências
Compete à UIC:
a) Assegurar a prevenção, detecção, investigação e coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente aos crimes da competência da PJM, e demais funções que pelo Código de Processo Penal sejam atribuídas aos órgãos de polícia criminal;
b) Assegurar o serviço permanente, nomeadamente de piquete e prevenção;
c) Fornecer a informação para a base de dados de investigação criminal da PJM;
d) Contribuir para a elaboração do plano de actividades, orçamento e relatórios anuais e demais instrumentos de gestão.
Artigo 7.º
Equipas de investigação
 
1 — A UIC desenvolve as suas competências através das equipas de investigação.
2 — As equipas de investigação são constituídas por um oficial investigador, chefe de equipa, e por outros investigadores, oficiais ou sargentos.
3 — São funções dos oficiais investigadores, chefes de equipa:
a) Chefiar pessoalmente as diligências de investigação criminal, planeando, distribuindo e controlando as tarefas executadas pelos investigadores da equipa;
b) Controlar e garantir o cumprimento de prazos processuais e das operações, acções, diligências e actos de investigação criminal, validando os respectivos relatórios;
c) Realizar as funções de prevenção e investigação criminais que lhe sejam cometidas pelo director da UIC;
d) Fornecer ao director da UIC todos os elementos de informação susceptíveis de o manter ao corrente das actividades de prevenção e investigação criminais;
e) Integrar os serviços de piquete e unidades de prevenção.
4 — São funções dos investigadores:
a) Realizar, sob orientação do respectivo chefe, acções e diligências de prevenção e investigação criminal e efectivar os correspondentes actos processuais;
b) Proceder a vigilâncias, detenções ou capturas;
c) Integrar os serviços de piquete e unidades de prevenção».

Sábado em tribunal

O conflito entre as crenças religiosas e o serviço forense está aberto. Uma procuradora cuja religião a impedia de trabalhar ao sábado requereu:

«a) A dispensá-la “da realização de turnos, já agendados, nos dias que coincidam com Sábado, mediante a compensação horária integral noutros dias de turno que não coincidam com o dia de Sábado, quer sejam de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidam com as suas férias pessoais;
«b) Cumulativamente, relativamente aos turnos que ainda não estejam agendados, deverá o Réu ser condenado a abster-se de atribuir à Autora os turnos que coincidam com o dia de Sábado, que serão integralmente compensados pela Autora em dias de turno que não coincidam com o dia de Sábado, quer sejam de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidam com as suas férias pessoais».

Eis o decidido pelo STA, aqui. Por paradoxo, segundo o Governo anunciou «trabalhar aos sábados deixará de dar direito a folga. O acordo de Concertação Social - que é assinado hoje entre Governo, patrões e UGT - estabelece a eliminação do descanso compensatório».

Arreando bandeiras

O economicismo que a troika impôs como critério à Justiça, mais o "liberalismo" que, vindo da política, contagiou a cultura judiciária, encontrou, de mãos dadas com a lógica do pragmatismo, agora os seus instrumentos de acção. Chamam-se funcionalização das magistraturas, taylorização do processo, negocismo sentencial.
Tudo com o aplauso dos que querem mais poder, a complacência dos que querem menos trabalho, a instigação dos que querem mais processos findos em menos tempo.
A aparência de moralidade com que o produto é servido chama-se a «filosofia do consenso».
Servida por magistrados tratados cada vez mais como simples funcionários, cuja valorização é aferida estatisticamente considerando como importante respectiva produtividade quantitativa, a Justiça é agora confrontada com um sistema pelo qual ao juiz caberá entrar em negociações com os procuradores e com os arguidos quanto à medida da pena para que, confessando estes, os processos andem mais depressa.
A isto junta-se o fenómeno galopante da desjudicialização, retirando cada vez mais casos aos tribunais e conferindo aos tribunais cada vez menos meios.
O modelo, dizem, seduzidos, vem da América. Percebe-se. Com o silêncio dos que desfraldaram em tempos bandeiras pela justiça soviética e pela justiça chinesa. 
Nada como o autoritarismo para conviver com o liberalismo. Divergem no que pensam quanto ao Estado, convergem no que sentem pela Nação: desprezo!

A lota

Mas terão alterado a Constituição? Terão revogado o Código de Processo Penal? Tudo isto enquanto eu dormia, esgotado de trabalhar? 
Confesso que ainda estou atónito. Vim aqui dizê-lo precisamente. Leiam o que eu li aqui, sobre os acordos de sentença», em que o arguido negoceia confessar e o tribunal, em troca, após «negociação», se limita a não o sentenciar com mais do que uma certa medida de pena. 
É não uma tese - a de um recente opúsculo de Figueiredo Dias - mas sim já uma "Orientação" da Procuradoria Distrital de Lisboa, a n.º 1 deste ano. 
«Com base na actual redacção do Código de Processo Penal», diz-se ali. Mas qual Código de Processo Penal, pergunto eu? E qual negociação? Mas qual Justiça Criminal digna desse nome e de um mínimo de respeitabilidade em que até as penas entram na lota pública, como se de um negócio privado se tratasse?
Desculpem a rudeza, mas devo estar a ficar velho. 
Ou novo demais pela revolta que sinto de ter de conviver com este admirável mundo novo em que tudo se iguala por baixo, num tu cá tu lá fruto espúrio do liberalismo negocista feito filosofia política primeiro e moral judiciária agora!
Mas não se inutilizará, sujeitando-se a ser "suspeito", um juiz que, antes de julgar, se comprometa nestas combinas com o Ministério Público e o arguido?

Suspensão da pena sob condição impossível

«Também nos crimes de peculato não há qualquer motivo para censurar como desproporcionado, o dever de pagamento da quantia apropriada como condição da suspensão da execução da pena — mesmo que, no momento da imposição do dever, o julgador se aperceba de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em causa, por impossibilidade de o fazer». Colocámos o itálico pela incapacidade em perceber como é que se suspende uma pena sob a injunção de um pagamento que se sabe a priori não vai ser cumprido por impossibilidade de tal ocorrer. É o Acórdão da Relação do Porto de 09.02.11 [relator Melo Lima].

P. S. Justificando diz-se: «É que, e entre o mais, a falta de pagamento da obrigação pecuniária fixada não determina, automática e necessariamente, a revogação de suspensão da execução da pena de prisão». Mesmo assim e ainda que relevando a inconstitucionalidade da prisão por dívidas, é-me difícil entender.

(In) Segurança nos Tribunais

Com a devida vénia citamos do Blog de Informação estes números oriundos do relatório da ASJP referente à segurança nos tribunais:


-» 89,1% dos tribunais não têm policiamento público;
-» 87,8% dos tribunais não têm segurança privada;
-» 76,6% dos tribunais não têm funcionário administrativo em funções de portaria ou segurança;
-» 77,9% dos tribunais não têm cofre para guarda e segurança de armas;
-» 59% dos tribunais não têm sistema de alarme contra intrusão; dos alarmes existentes, 37,3% não estão  ligados à polícia ou a entidade de segurança;
-» 82,7% dos tribunais não têm sistema de videovigilância;
-» 97,2% dos tribunais são livremente acessíveis a magistrados e funcionários fora do horário de
expediente; essas entradas e saídas apenas ficam registadas em 15,3% dos casos;
-» 38,3% dos tribunais não têm estacionamento próprio para veículos celulares e policiais;
-» 41,4% dos tribunais não têm celas de segurança;
-» Nos 85 tribunais onde há celas, 85,6% são suficientes e 87% são seguras;
-» 56,4% dos tribunais não têm acesso próprio dos locais de estacionamento para as celas;
-» O acesso dos estacionamentos para as celas de segurança é seguro em 70% dos casos;
-» 44,8% dos tribunais não têm acesso próprio das celas para as salas de audiência;
-» O acesso das celas para as salas de audiências é seguro em 59,2% dos casos;
-» 96% dos tribunais não têm salas específicas para interrogatórios de detidos com condições de segurança;
-» 48,7% dos tribunais não têm sistemas automáticos de detecção de incêndios;
-» 87,1% dos tribunais não têm sistemas automáticos de extinção de incêndios;
-» 78,5% dos tribunais não têm equipamentos passivos contra propagação de incêndios;
-» 92,6% dos tribunais não têm qualquer protecção especial contra incêndios nos arquivos de processos e documentação;
-» Há extintores inspeccionados de acordo com as especificações técnicas em 96,6% dos tribunais; os extintores têm instruções de utilização visíveis em 93,7% dos tribunais;
-» 86,7% dos tribunais não têm pessoal instruído para a utilização de extintores de incêndio;
-» 66,4% dos tribunais não têm afixados e visíveis planos e sinalização de evacuação em caso de incêndio;
-» 98,7% dos tribunais nunca realizou qualquer exercício de simulação de evacuação de incêndio;
-» 43,3% dos tribunais não têm sistemas automáticos de iluminação de segurança accionados por falhas de energia eléctrica;
-» 90,3% dos tribunais têm condições de estacionamento de veículos de bombeiros a menos de 30 metros de qualquer saída do edifício;
-» Os tribunais estão a uma distância média de 843 metros do quartel de bombeiros mais próximo;
-» 85% dos tribunais nunca foram inspeccionados pelo SNB;
-» 95,2% dos tribunais não têm planos de prevenção de risco de incêndio aprovados pelo SNB;

Apenas 2 tribunais situados em zonas de risco de inundação têm protecção especial nos arquivos de processos e documentação.

37,8% dos tribunais têm elevadores operacionais; esses elevadores são regularmente inspeccionados com periodicidade em 92% dos casos.

A fortaleza da reformatio in pejus

Estabelece o artigo 409º do CPP: «Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes». É o que se chama o princípio da reformatio in peius, a proibição, aliás constitucional, de agravamento por via do recurso, a fortaleza dos direitos fundamentais do arguido. O problema são os limites das muralhas.
A questão que se colocou consiste em saber se esse regime se aplica para os casos em que se opera novo julgamento por via da devolução pelo tribunal de recurso para novo julgamento no quadro de um reenvio. 
O Supremo Tribunal de Justiça já havia definido que sim. Outras instâncias haviam-no seguido. 
Ora é esta a doutrina sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 21.12.12 [relator João Carrola, texto completo aqui]. Reconhece tal decisão que «o texto citado parece inculcar a ideia que a aplicação deste principio se encontra reservada para o tribunal superior aquando da apreciação de recurso ou recursos interpostos por e no interesse do arguido». 
Mas, louvando-se no que fora enunciado pela Relação do Porto, num seu Acórdão de 14.10.09, considera, citando: «A proibição da reformatio in pejus não é absoluta, mas consagra tanto a decisão do tribunal de recurso como a que venha a ser proferida em novo julgamento determinado por anterior decisão que reenvia o processo para novo julgamento. Tal entendimento, digamos assim, mais lato que o que aparentemente resulta da letra da lei (artº 409º do CPP), da lei, encontra-se devidamente desenvolvido e fundamentado de forma clara e cristalina no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 236/2007 [...]o qual, (…), sufragamos, destacando aqui, apenas este pequeno passo: “Na verdade é igualmente inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, embora por via indirecta (na sequência de anulação do primeiro julgamento), o arguido, em situações em que é o único recorrente (ou na situação equiparada de o Ministério Público interpor recurso no exclusivo interesse da defesa), ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicialmente infligida, apesar de o Ministério Público se haver conformado com esta”».

Aliás, e assim se escreve neste aresto «como já se referia no acórdão do STJ de 27-11-2003 proferido no P.º 03P3393, em que foi relator o Exmo. Juiz Conselheiro Simas Santos [...]“(…) vem entendendo recentemente este mesmo Tribunal (cfr. Jorge Dias Duarte, Proibição de reformatio in pejus. Consequências processuais, Maia Jurídica, ano I, nº. 2 págs. 205-220), decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente».

E mais, como também se cita no mesmo: «O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso (cfr. neste sentido o voto de vencido do Conselheiro Henriques Gaspar, no Ac. de 9.4.03, proc. nº. 4628/03-3 e os Acs. de 29.4.03, proc nº. 768/03-5 , relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota e de 8.7.2003, proc. nº. 2616/03-5, do mesmo Relator)».

P. S. Questão problemática que não vejo considerada no aresto em causa: e se tiver lugar o reenvio total? Fica delimitada a liberdade de julgar do novo tribunal? Ou prevalece a tese de objecto delimitado? Será um novo caso ou um aperfeiçoamento do caso pré-existente.