Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Assédio sexual: lei (francesa) e circular ministerial

Foi publicada em França uma lei sobre o assédio sexual, substituindo a legislação anteriormente vigente em virtude da declaração de inconstitucionalidade a que havia sido sujeita vista a imprecisão do enunciado típico. A notícia e demais informações podem encontrar-se aqui.
Citando para que se entenda: «La loi du 6 août 2012 relative au harcèlement sexuel, adoptée à l’unanimité par le Parlement, a été publiée au Journal Officiel du 7 août 2012. Elle a pour objectif principal de rétablir dans le code pénal l’incrimination de harcèlement sexuel prévue par l’article 222-33 de ce code, qui avait été abrogée par le Conseil constitutionnel dans sa décision n° 2012-240 QPC du 4 mai 2012 en raison de l’imprécision de sa rédaction qui résultait de la loi du 17 janvier 2002, et de tirer toutes les conséquences législatives de ce rétablissement».
 Interessante é que, na sequência da lei, o ministro da Justiça daquele País emitiu uma circular sobre a sua interpretação e aplicação dirigida a todas as estruturas do Ministério Público. Aqui seria considerada uma gravíssima intervenção do poder político no âmbito da função das magistraturas. Ali faz parte da cultura aceite. O texto da circular pode ler-se aqui. Interessante do ponto de vista da interpretação, não é irrelevante o seu conhecimento até por serem olhos com os quais se pode olhar o nosso sistema legal.

O direito a compreender

É uma reforma contra a opacidade do Direito, o carácter denso, confuso, contraditório, vetusto da sua linguagem. Em nome da regra segundo a qual a ignorância do Direito a ninguém aproveita e não pode ser invocada para se deixar de cumprir aquilo que a lei manda. Em Espanha, como se pode ler aqui. É a manifestação de um direito essencial de cidadania, o direito a compreender, as leis e as decisões processuais. Contra o hermetismo.

Bom senso e bom gosto

Olha-se para o site do Ministério da Justiça português, aqui. Compara-se com os sites dos Ministérios da Justiça de outros países. A diferença salta à vista: pouca actividade relatada. Quer isto dizer que não se trabalhe? Não quer necessariamente. Quer isto dizer que se esconde informação? Não quer por definição. Mas quer isto dizer seguramente que não há o cuidado de informar. E em democracia a partilha de informação é uma condição de transparência. Mais: a existir um site ele tem de ser um lugar dinâmico, em que as questões na ordem do dia encontrem espaço de expressão. 
Não quer isto dizer que o Ministério entre na polémica, que arregimenta barricadas, com a dança de nomes e contra-nome, quanto a saber quem deve ser o próximo PGR. Por uma questão de bom senso e bom gosto.

Matrimónio canónico

Não sou dos fanáticos da qualidade do ensino jurídico antes do 25 de Abril se isso pode servir como marco miliário. Como tudo, dependia. 
Lembro-me de quando me tentaram ensinar Direito de Família: o Professor porque nutria sentimentos próprios contra o divórcio, não ensinava essa matéria, sim as causas de anulação do matrimónio segundo o Direito Canónico. Assunto que interessava quase a ninguém. Era o triunfo da ideologia sobre a ciência, mesmo num pensador inteligente. Feita a cadeira tive de estudar por mim o que haveria para saber.
Lembrei isso esta manhã ao ver anunciado que «a Associação Portuguesa de Canonistas organiza entre 6 a 8 de Setembro um curso sobre “Questões controvertidas sobre o Matrimónio Canónico”, entre 5 e 8 de Setembro, em Fátima, com o objectivo de proporcionar aos advogados e outros licenciados em Direito um aprofundamento no Direito matrimonial canónico». Pode saber-se mais aqui ou aqui. Quanto ao portal da Associação, veja-se aqui.

Make Love, not Law


Houve quem com graça dissesse da análise freudiana que ela pressupunha que as pessoas caminhavam não em cima dos pés mas sim do sexo o que, além do mais - e aqui a ironia - deveria ser particularmente doloroso.
Na sua ânsia regulador ao Direito não escapou o sexo, por razões compreensíveis e pelas outras. Ler este livro talvez ajude a encontrar a posição exacta. O que neste caso marca toda a diferença...

A "vista grossa"

As revelações surpreendentes surgem de onde menos se esperam.
Camilo Pessanha, poeta, era antes disso ou independentemente disso, formado em Direito. Por tal facto foi conservador do Registo Predial, juiz e também advogado.
Pois foi sendo advogado - numa terra cujo nome omito, por razões que de súbito se compreenderão, para onde foi «chamado pelo Alberto Osório, que [oh! proximidades, digo eu] aqui é juiz municipal» - que deu conta que, em 1892, que «o escrivão daqui, um pobre diabo algarvio, frio e indolente, por preguiça, por desleixo, ganhando, como ganha, 800$000 rs. por ano, arranjou endividar-se para com a fazenda e para com os empregados do juízo em 400$000 rs. É uma bagatela. Mas a notícia correu e o homem não arranja quem lhe empreste os 400$000 rs.  O Alberto Osório quer evitar que o demitam, porque seria a ruína do pobre escrivão, de mais a mais carregado de filhos.».
Até aqui uma história de coração bondoso. A questão começa na solução: «Para o conseguir bastaria talvez arranjar um rapaz que se sujeitasse a vir para aqui ganhar 300$000, sendo o restante para o escrivão e para pagamento das dívidas. Se houvesse alguém que desse já os 400$000 rs. melhor era. Mas mesmo aos poucos, talvez tudo se pudesse compor».
Como se não bastasse, numa outra carta ao mesmo destinatário o autor da notável Clepsidra explica-se melhor: «Escrevi ao snr. Conselheiro - já duas vezes - sobre o caso do escrivão. Não me respondeu, como era bom de ver. Fazia-se tudo bem se ele arranjasse por terceira pessoa, que o juiz das Caldas fizesse vista grossa, e consentisse fora da lei que o escrivão fosse pagando a fazenda aos poucos. Visto o Snr. Conselheiro não se dignar responder, seria urgentemente necessário que o pretendente tivesse 300$000 rs. para dar de pronto à fazenda. Inda [sic] existe um pretendente que tenha 300$000 rs para dar de pronto? Trazendo-os, daria no primeiro apenas por exemplo a quarta parte dos seus vencimentos para pagar aos empregados de juízo e não daria nada nesse tempo ao escrivão proprietário. Oferecer-lhe-iam as condições mais favoráveis. Se desse, por exemplo, 600$000 rs. seria logo nomeado definitivamente sem nenhum ónus. O escrivão prefere tudo a ir parar à cadeia [...]». 
Pois pudera! A atentar na história a fundear na choça não iria só. 
Eis tudo. Ora para que fui eu saber dos prosaísmos de um poeta que na Literatura procurou refúgio e em cujo covil nos encontrámos ele e eu, um seu leitor?

José Hermano Saraiva

Disse dele que, tendo sido Advogado, procurou exlílio na História. Um de tantos que se saturaram da vida forense. Hoje, antes de iniciar o regresso a casa, tendo pela frente umas três centenas de quilómetros, ainda passei pelo escritório para trazer comigo o volume que, editado em 1964, guarda as três prelecções que proferiu entre Novembro e Dezembro do ano anterior, no Instituto da Conferência da Ordem dos Advogados. Era então Bastonário, Pedro Pitta.
José Hermano Saraiva morreu, mas não morre a irrequietude das ideias, e sobretudo a sua capacidade para nos animar a pensá-las.
Não falarei sobre o livro porque só li no ano de 1971, quando, estando a acabar o curso, me tilintaram, enfim, nos bolsos, alguns trocos para o ter adquirido na Livraria Petrony, na Rua da Assunção.
São reflexões filosóficas sobre "A Crise do Direito", ilustram bem a medida em que o conceito agónico de "crise" é conatural ao jurídico, é fruto, afinal, numa certa dimensão histórica da "crise de civilização".
Folheio-o, adiando para mais tarde o retorno a estas páginas amarelecidas, e encontro, quase a findar o texto, imputada a Husserl, a quem o pensamento existencial tanto deve, o motu «o maior perigo da Europa reside na fadiga».
Como tudo ganha sentido neste trágico momento.

O direito à procura da felicidade

Ei-las as férias chamadas "judiciais". Psicologicamente nunca as senti com aquele sentimento de ausência de responsabilidades, porque há os prazos dos arguidos presos e dos processos "urgentes" por força da lei. E há também aqueles casos em que as detenções são decretadas "em férias" murmurando-se que por estar de turno um certo juiz. E as supresas aflitivas.
É tudo fruto de uma vida em que as verdades legais são aparências de realidade, em que as certezas jurídicas se tornam em cepticismos irónicos, em que a fruição é o sabor adquirido da bebida amarga de que se aprende a gostar.
A ideia que guardo das férias é o da ânsia de renovação, de não voltar a fazer o que e errado se fez e tentar acertar desta vez naquilo em que tantas vezes se falhou. É a vantagem da distância, prudente porque pode ser-se chamado de urgência, como cirurgião ao hospital.
Quanto a mim, a deixar testemunho de férias, fica a ideia da promessa de revigoramento. Espero ter pronto em Setembro o primeiro de uma série de livros sobre os tipos de crimes que mais me afligiram os dias para que outros possam ter menos esforço no labirinto da sua interpretação no equilíbrio entre a segurança e a justiça.
Quanto ao mais, há muito decretei estar sempre de férias, nunca as distinguindo dos meses de trabalho, anulando por igual a diferença entre a noite e o dia.
É uma forma de se tentar ser feliz, o direito à procura da felicidade clausulado que está na Constituição Americana, como pecúlio individual inalienável.

Crónica do bom e do mau

Sobre o Tribunal Constitucional podem dizer-se muitas coisas, incluindo no que se refere à respectiva subsistência. 
Pode notar-se em que medida, seguindo os tiques do antigo STA, se especializou numa geometria jurisprudencial de círculos nunca coincidentes em que a dimensão normativa da norma tida por aplicada não coincide com a dimensão normativa da norma suscitada como desconforme com a Lei Fundamental ou em que a lei de cuja inconstitucionalidade se trata nunca foi aplicada no caso nos termos em que se suscitam ou aplicada sequer, ou em que a dimensão prevenida não é nem a aplicada nem a delineada no recurso, enfim tudo quanto, a juntar aos critérios formais serviu de base à rejeição liminar e à improcedência dos recursos que lhe são colocados também em legítima defesa face ao encurtamento do segundo grau de jurisdição.
O que não pode é, em nome de uma lógica interesseira, ser o bom Tribunal quando profere decisões convenientes e o mau Tribunal quando profere decisões que não convêm.
A propósito dos cortes nos subsídios foi-lhe colocada a questão. Legitimaram-no, assim, considerando-o apto a decidir, nessa iniciativa todos mesmo os que propugnam pela sua extinção.
O Tribunal decidiu agora, desagradando a todos: considerou a norma inconstitucional - e aí os hurras! - mas não este ano - e aí os morras! - e abriu a porta a que o Governo para defender a igualdade - que o tribunal considerou estar em causa - ameace os privados de lhes cortar também os subsídios - e ai os fora!, fora!, dos ameaaçados ante os parcialmente beneficiados.
Ora as questões de princípio não são assuntos de interesse. O relativismo moral só diminui a argumentação.
O Tribunal comportou-se politicamente  quando, em matéria de inconstitucionalidade, decidiu na base do sim, excepto, mas também.Agora estão todos contra ele: os impetrantes e os terceiros afectados. E estão estes contra aqueles.
É a unanimidade pela negativa. 
Um dia o Supremo Tribunal de Justiça, que conviveu, legitimando-as, com normas cuja gritante desconformidade com a Lei Suprema do País é hoje mais do que patente, e cuja inutilização faz parte do património da nossa cultura jurídica, terá os poderes que cabem ao Palácio de Ratton. Este é o propósito estratégico. Penso que não terei de demonstrar a primeira afirmação nem de explicar a minha contristada convicção quanto à segunda.

Juiz das liberdades, não das dificuldades

Não sei se com razão pois não conheço o caso e apenas posso aquilatar pelo que leio e não quero incorrer em superficialidade. Mas a expressão mais do que um estado de alma traduz um verdadeiro programa de acção: «2. O Juiz de Instrução Criminal deve ser o juiz que acautela as liberdades dos cidadãos face à impetuosidade da investigação criminal, mas não tem de ser o juiz das dificuldades sistemáticas para a investigação criminal.».
É a Relação de Évora no seu Acórdão de 26.06.12 [relator Martinho Cardoso, texto integral aqui].