Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Traduzir uma acusação? Para quê?


O Acórdão trata de vários assuntos, desde o mandado de detenção europeu à responsabilidade civil do Estado pela função jurisdicional, incluindo a contumácia, etc. 
Mas tem este momento que não pode deixar de se publicar: 


«V - A notificação da acusação deduzida contra um arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradução escrita por intérprete nomeado, não ficando lesadas, por esse facto, as suas garantias de defesa, estabelecidas nos arts. 32.º, n.º 1, da CRP, e 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH.». Eis o que definiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2013 [texto integral aqui].

Naturalmente, dirão muitos em aplauso! Para quê gastar dinheiro e perder tempo? Claro que a notificada [uma alemã que residia em Munique e ali foi notificada por via postal] não percebia nada do que lhe foi comunicado, no caso uma acusação em processo penal e um termo de identidade de residência, tudo ao abrigo do expedito referido MDE, e está em causa a sua responsabilização criminal. Vivia no estrangeiro! Além disso estamos ante uma Europa dos cidadãos construída para que o pilar da segurança tivesse tivesse como sustentáculo a protecção dos direitos humanos fundamentais. Uma Europa cuja burocracia gasta rios de dinheiro em traduções para que os seus documentos e intervenções sejam lidos e ouvidos nos areópagos, gabinetes e secretarias onde se trata do nosso destino comum. Mas que interessa isso quando se trata de um vulgar de Lineu embrulhado em responsabilidades criminais? Teve intérprete quando foi interrogada em Portugal, não teve? Basta. Quanto ao resto fica-se tudo pelo campo das nulidades sanáveis essa forma de em cinco dias estarem resolvidos problemas destes.

É que, como ali se escreve, a legitimar a situação: 

«Abre-se aqui um parêntesis para abordar uma sub-questão que se relaciona com esta: a circunstância da A. ser uma cidadã estrangeira, tendo a acusação sido remetida para a morada constante do TIR, desacompanhada de qualquer tradução.
Nos termos do n.º 4, do art. 20.º da Constituição, na redacção da lei Constitucional n.º 1/97, “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão [...] mediante processo equitativo”. Por outro lado, o n.º 1, do art. 32.º da CRP, prescreve que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, a relação existente entre estas duas normas constitucionais é evidente: “O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cf. art. 32.º) — garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc. (…)”. E os mesmos Autores acrescentam mais à frente: “Em “todas as garantias de defesa” engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (…)”.[26]
Decorre do art. 92.º, n.º 2, do CPP que: “Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada”.
Dispõe o art. 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH: “O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto espaço, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada”. A este preceito importa aproximar o que consta da al. e) do mesmo art. 6.º, n.º 3, que reconhece ao acusado o direito de “fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo”.
A preterição da obrigação de nomeação de intérprete a toda a pessoa que não domine a língua portuguesa assume contornos especiais quando essa pessoa é o próprio arguido: tratando-se o arguido de um cidadão estrangeiro que não conheça ou domine a língua portuguesa deve ser-lhe nomeado intérprete para qualquer acto processual em que o mesmo esteja presente, designadamente quando lhe são comunicados os seus direitos.
No caso de falta de nomeação de intérprete, a lei comina essa desconformidade como sendo uma nulidade sanável, que deverá ser suscitada pelo interessado e no caso do mesmo estar presente no próprio acto antes deste estar encerrado, sob pena da mesma ficar sanada, como decorre da conjugação do disposto no arts. 120.º, n.ºs 2, al. c), e 3, al. a), e 121.º, n.º 1, este por interpretação extensiva, do CPP.
No processo em que a recorrente era arguida, é ostensivo que aquela formalidade foi cumprida, conforme se alcança do auto de 1.º interrogatório judicial de arguido detido do qual resulta que lhe foi nomeada uma intérprete, sendo certo que nessa mesma ocasião foi determinada a prestação de TIR – cf. fls. 16 a 20.
A prestação de TIR, nos termos do art. 196.º do CPP, regula um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, cabendo ao primeiro indicar uma residência para as notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência, ficando o mesmo em auto, descrevendo-se aí as operações praticadas, fazendo este fé em juízo – cf. art. 99.º, n.ºs 1, e 3, als. a), c) e d), do CPP.
Trata-se de um acto pessoal do arguido, representando uma declaração vinculada, que possibilita uma via segura de comunicação dos actos do processo, que gera a eficácia nas notificações efectuadas pelo tribunal para a residência indicada, salvo casos fortuitos ou de força maior.
Tal como acentuado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 378/03, de 15-07, 545/06, de 27-09, e 111/07, de 15-02[27], no estatuto jurídico do arguido, tomando como referência os seus deveres específicos e complementares, sobressai o seu dever geral de diligência, não na perspectiva de um dever de colaboração, mas antes de dar funcionalidade àquele seu estatuto, que não é compatível com um posicionamento de alheamento processual e muito menos de violação dos seus deveres processuais – há que ter em conta, por um lado, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, e, por outro lado, a indiferença revelada pelo arguido, que, ciente da imputação de um facto punível, se desinteressa de obter o oportuno conhecimento da sorte do processo.[28]
Contrariamente ao referido pela recorrente, o Tribunal Constitucional já decidiu, no Acórdão n.º 547/98, de 23-09, que o art. 92.º, n.º 2, do CPP, em conjugação com o disposto no art. 111.º, n.º 1, al. c), do mesmo Código, interpretado no sentido de que a notificação da acusação deduzida contra o arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradução escrita pelo intérprete nomeado, não lesa as suas garantias de defesa, constitucionalmente estabelecidas nos arts. 32.º, n.º 1, e 6.º, n.º 3, al. a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.[29]
Aliás, o mesmo entendimento foi sufragado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no Caso Kamasinski (Acórdão de 19-12-89, série A, n.º 168), onde, entre outras questões, se suscitava a de saber se a Convenção obrigava, na comunicação da acusação ao arguido que não dominasse a língua usada no processo, à tradução escrita da peça acusatória. Muito embora chamando a atenção para o extremo cuidado de que deve revestir-se a notificação da acusação, o TEDH ali expressamente reconheceu que a Convenção não exige a tradução escrita da peça acusatória.
Nada, pois, de substancialmente diverso do que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, postula como garantia de defesa do arguido, a que se conforma o preceituado nos citados artigos do CPP.[30]
De igual modo, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2010, de 12-01-2010, escreveu-se “Também com relevância para o caso em apreço, importa ter presente que o artigo 6.º, n.º 3, alíneas c) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dispõe que o acusado tem inter alia o direito de defender-se a si próprio e de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os referidos direitos só podem ser exercidos plenamente na própria audiência de julgamento, para a qual o acusado tem de ser adequadamente notificado, sem prejuízo da possibilidade de ulterior renúncia ao direito de intervir na audiência (Decisão do caso Colozza v. Italy, de 12 de Fevereiro de 1985, Decisão do caso T. v. Italy, de 12 de Outubro de 1992, Decisão do caso Somogyi. v. Italy, de 18 de Maio de 2004, Decisão do caso Sejdovic. v. Italy, de 10 de Novembro de 2004, Decisão do caso R. R. v. Italy, de 9 de Junho de 2006, disponíveis em www.echr.coe.int).
Nestes arestos, o TEHD, quanto à forma adoptada para efectuar a notificação do acusado para a audiência de julgamento, entendeu que os Estados Contratantes gozam de uma ampla discricionariedade na escolha dos meios utilizados para realizar a referida notificação, desde que seja garantida a efectividade do conhecimento pelo acusado através dos procedimentos legalmente previstos, não relevando, assim, um conhecimento presumido, vago ou informal”.[31]
Não se verifica, assim, que tenha ocorrido violação dos arts. 92.º do CPP, 6.º, n.ºs 1 e 3, al. a) da CEDH, 20.º, n.º 4, e 32.º da CRP, art. 7.º da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em 20-04-1959, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94, de 14-07[32], e dos arts. 15.º e 16.º do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo em 08-11-2001, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/2006, de 07-12-2005[33], e art. 52.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14-06-1985[34].»+

+

[26] Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pp. 415 e 516.
[27] Acessíveis em texto integral em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[28] Por essa razão é que o incumprimento de tais deveres, por parte do arguido, legitima que este passe a estar representado pelo seu defensor em todos os actos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e a realização dos mesmos na sua ausência, de acordo com o estatuído no art. 196.º, n.º 3, al. d), do CPP, como seja a audiência de julgamento, mas neste caso nos termos do art. 333.º, daquele Código.
[29] Publicado no Diário da República II Série, de 13-03-1999.
[30] Em sentido análogo, cf. o Acórdão do STJ, de 03-08-2012, Proc. n.º 449/12.6TBMLD, proferido numa providência de habeas corpus.
[31] Publicado no Diário da República II Série, de 22-02-2010.
[32] O art. 7.º da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, intitulado “Entrega de documentos relativos a actos processuais e de decisões judiciárias - Comparência de testemunhas, peritos e arguidos”, estabelece que:
“1. A Parte requerida procede à entrega dos documentos relativos a actos processuais e a decisões judiciárias que lhe forem enviados, para esse fim, pela Parte requerente. Essa entrega pode fazer-se por simples transmissão do acto ou da decisão ao destinatário. Se a Parte requerente o solicitar expressamente, a Parte requerida efectua a entrega por uma das formas prescritas na sua lei para comunicações análogas, ou por forma especial compatível com essa lei.
2 - A prova da entrega faz-se por meio de recibo datado e assinado pelo destinatário, ou por declaração da Parte requerida verificando o facto, a forma e a data da entrega. Qualquer destes documentos é, de imediato, transmitido à Parte requerente. A pedido desta, a Parte requerida especifica se a entrega foi efectuada em conformidade com a sua lei. Se a entrega não puder efectuar-se, a Parte requerida informa imediatamente a Parte requerente das razões que a impediram.
3 - Qualquer Parte Contratante pode, no momento da assinatura da presente Convenção ou do depósito do respectivo instrumento de ratificação ou adesão, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, solicitar que a notificação para comparência relativa a um arguido que se encontre no seu território seja enviada às suas autoridades num determinado prazo anterior à data fixada para a mesma comparência. Este prazo é especificado na referida declaração e não pode ser superior a 50 dias. Tem-se em conta este prazo para a fixação da data de comparência e para o envio do pedido de notificação”.

[33] É o seguinte o teor dos arts. 15.º e 16.º do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal:

“Artigo 15.º - Língua dos actos processuais e das decisões judiciárias a transmitir
1 - As disposições do presente artigo aplicar-se-ão a qualquer pedido de entrega de documento feito nos termos do artigo 7.º da Convenção ou do artigo 3.º do seu Protocolo Adicional.
2 - Os documentos e as decisões judiciárias serão sempre transmitidos na língua ou nas línguas em que foram produzidos.
3 - Não obstante o disposto no artigo 16.º da Convenção, se a autoridade que está na origem dos documentos sabe ou tem razões para considerar que o destinatário apenas conhece outra língua, os documentos, ou pelo menos as passagens mais importantes dos mesmos, devem ser acompanhados de uma tradução nessa outra língua.
4 - Não obstante o disposto no artigo 16.º da Convenção, os actos processuais e as decisões judiciárias destinados às autoridades da Parte requerida devem ser acompanhados de uma descrição sumária do seu conteúdo traduzida na língua, ou numa das línguas, da Parte requerida”.
“Artigo 16.º - Entrega via postal
1 - As autoridades judiciárias competentes de qualquer Parte podem enviar directamente por via postal documentos e decisões judiciárias às pessoas que se encontrem no território de qualquer outra Parte.
2 - Os documentos relativos a actos processuais e as decisões judiciárias serão acompanhados de uma nota indicando que o destinatário pode obter da autoridade identificada na nota informações relativas aos seus direitos e obrigações que digam respeito à entrega dos documentos. O disposto no n.º 3 do artigo 15.º do presente Protocolo aplica-se a esta nota.
3 - As disposições dos artigos 8.º, 9.º e 12.º da Convenção aplicam-se por analogia à entrega por via postal. 
4 - As disposições dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 15.º do presente Protocolo aplicam-se igualmente à entrega por via postal”.
[34] Revogado, a partir de 23-08-2005, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 2.º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 53/2001, de 16-10, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/2001, de 21-06.

Crimes militares: prescrição à americana



É a imunidade pelo agraciamento quanto a crimes militares «In 1955 the Supreme Court ruled that veterans of the U.S. armed forces could not be court-martialed for overseas crimes that were not detected until after they had left military service. Territorial limitations placed such acts beyond the jurisdiction of civilian courts, and there was no other American court in which they could be adjudicated. As a result, a jurisdictional gap emerged that for decades exempted former troops from prosecution for war crimes.» [...] «In 2000 Congress attempted to close the jurisdictional gap with passage of the Military Extraterritorial Jurisdiction Act. The effectiveness of that legislation is still in question, however, since it remains unclear how willing civilian American juries will be to convict veterans for conduct in foreign war zones.»

Patrick Hagopian, autor do livro em que a questão da criminalização dos actos de guerra praticados por tropas americanas no exterior, é analisada, é leitor de História e Estudos Americanos na Lancaster University. Sobre a sua pessoa leia-se aqui. Quanto ao livro, editado em Novembro de 2013, poder ler-se mais aqui.

O Military Extraterritorial Jurisdiction Act e o respectivo processo legislativo estão publicados aqui.

H. L. A. Hart


Lembremos hoje H. [erbert]. L. [ionel] A. [dolphus] Hart [nasceu em 1907].

De origem polaca, trabalhou durante a Segunda Guerra nos Serviços Secretos britânicos.
Barrister de sucesso, seria professor de filosofia do Direito em Oxford. É uma personalidade central no pensamento jurídico contemporâneo [sobre a sua vida e obra ver um resumo aqui ou aqui] e autor de livros determinantes como Causation in the Law [1959], The Concept of the Law [1961], este uma exposição central sobre o positivismo jurídico contemporâneo, bem como especificamente na área jurídico-criminal como The Morality of Criminal Law [1965] e Punishement and Responsability [1968].
Foi um dos defensores da descriminalização em Inglaterra da homossexualidade, o que só se tornaria efectivo em 1967 relativamente a adultos de idade superior a 21 anos [ver o texto originário da lei aqui].

Nicola Lacey, professora na área criminal em Oxford, escreveu em 2006 uma sua biografia [ver aqui] intitulada The Nightmare and the Noble Dream. Um estudo sobre o seu pensamento, da autoria do Professor John Finnis pode ser lido aqui.

A Havard Law Review permite agora acesso gratuito ao seu estudo sobre o tema da discricionariedade, não apenas no domínio do Direito Administrativo mas, afinal, como uma categoria central da decisão jurídica, incluindo penal. Pode ser encontrada aqui.

Uma entrevista biográfica consigo levada a cabo pelo Professor David Sugarman está no youtube [consiste em nove partes; arquivei-a aqui].

Diante da Lei...

«Before the law, there stands a guard. A man comes from the country, begging admittance to the law. But the guard cannot admit him. Can he hope to enter at a later time? "That is possible," says the guard. The man tries to peer through the entrance. He had been taught that the law should be accessible to every man. "Do not attempt to enter without my permission," says the guard. "I am very powerful. Yet I am the least of all the guards. From hall to hall, door after door, each guard is more powerful than the last." By the guard's permission, the man sits down by the side of the door, and there he waits. For years, he waits. Everything he has, he gives away in the hope of bribing the guard, who never fails to say to him, "I take what you give me only so that you will not feel that you have left something undone." Keeping his watch during the long years, the man has learned to know even the fleas in the guard's fur collar. The man growing childish in old age, he begs the very fleas to persuade the guard to change his mind and allow him to enter. His sight has dimmed, but in the darkness he perceives a radiance streaming immortally from the door of the law. And now, before he dies, all he's experienced condenses into one question, a question he's never asked. He beckons to the guard. Says the guard, "You are insatiable! What is it now?" Says the man, "Every man strives to attain the law. How is it then that in all these years, no one else has ever come here, seeking admittance?" His hearing has failed, so the guard yells into his ear, "No one else but you could ever have obtained admittance! No one else could enter this door! This door was intended only for you! And now, I am going to close it." This tale is told during the story called "The Trial". It has been said that the logic of this story is the logic of a dream... a nightmare.» [Orson Welles, The Trial]


A caminhada para o Sol


Alguém lembrou ontem que ontem precisamente, ao ter-se iniciado o Solestício de Inverno, começaram os dias a caminhar para o Sol do Verão. 
Quis o destino que ontem mesmo a alegria trouxesse o entusiasmo esperançoso e com ele o desejo de regressar. 
Há na vida hiatos que são a única forma de a continuidade se exprimir.
Vou, entre hoje e amanhã, encerrar para a revista Jurismat um artigo sobre um tema com que tropecei um dia destes, o da direito de presença e o dever de comparência no processo penal. 
Tenho até ao final do mês outros compromissos de escrita, um sobre a proporcionalidade penal, outro sobre direitos fundamentais comparando o regime político actual e o que a Constituição de 1933 enunciava programaticamente, este último para a revista Julgar.
Na sequência do livro que escrevi sobre o crime de peculato, aprontarei em Janeiro o já há tempo prometido sobre o crime de participação económica em negócio. Revi provas finais de um artigo sobre a prova pericial a sair num colectânea, editada pela Coimbra Editora, texto para um colóquio organizado pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Em meados do ano editarei uma biografia do Professor José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
Para ter voz própria, relancei uma editora, a Labirinto de Letras, que, também no campo jurídico, vai abrir-se ao sector da edição digital.
Continuo a subsistir da minha profissão, sendo ela o mecenato destas aventuras.
Fazendo o balanço de uma vida em que a ligação ao Direito me envolveu, acho honestamente fiquei até agora aquém do que devia, fui por vezes além do que me era possível. 
Entre a frustração e o esgotamento a vida resolveu-se. 
Não tive vida académica, apenas a memória grata de uma vivência universitária, a obra escrita poucas vezes foi além da divulgação, o essencial dela pauta-se entre a incompletude e a dispersão. Juntei uma biblioteca que exige, porém, ser actualizada. A força dos deveres esgotou-me tempo que poderia ter dedicado a escrever. E depois sempre houve mais mundos que aqueles em que o Direito se confina.
Mas o eterno começo, esperança de Sísifo impenitente e pertinaz. Como escreveu Albert Camus, é preciso imaginar um Sísifo feliz.
Tudo visto, ao Natal, festa religiosa do culto solar, segue o ano novo, simbólica de esperança para além de uma folha caída na renovação do calendário.
A quantos têm sido pacientes amigos, um abraço grande. São eles a força moral, a razão do regresso.