Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Equidade, questão de Direito?

A chegada de Paulo Ferreira da Cunha ao Supremo Tribunal de Justiça haveria de marcar novidade, e por isso polémica, quanto modo de decidir e sobretudo um refrescamento dos fundamentos eruditos das decisões, para o que contribui a génese filosófica do seu percurso. Avulta isso de um recente Acórdão proferido a 17.12.2019 [processo n.º 669/16.4T8BGC.S1, texto integral aqui, com um voto de vencido de Alexandre Reis, maioria formada com o voto de Maria Clara Sottomayor].

Em causa dois temas: a possibilidade de o Supremo Tribunal poder conhecer, em revista, o tema do quanto indemnizatório [matéria relativamente à qual se suscitou o voto de vencido] e a definição do critério de equidade como modo de aferição de danos não patrimoniais.

Pelo seu interesse e sobretudo pela argumentação expendida para a decisão, mormente no que se refere à configuração da questão da equidade como tema de Direito que não de facto [passível pois de conhecimento pelo Supremo Tribunal], permito-me citar:

«5.No seu Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 378, Antunes Varela (que – deve referir-se – sempre desejou acautelar a unidade do sistema jurídico), depois de explicar que a equidade é a “justiça do caso concreto”, avança que o significado da expressão na lei é o da possibilidade, dada ao juiz, de se afastar claramente da norma aplicável, em certas circunstâncias.

O que para nós tem mais relevância, hic et nunc, é que o ilustre civilista sublinha o desvio da norma aplicável permitido ao juiz. Tal parece, assim, encontrar-se do lado das funções jurisdicionais especificamente de direito do julgador, e não meramente no domínio dos factos. Por razões de equidade não procede o juiz dando como apurados ou não estes ou aqueles factos, mas usando a norma de maneira menos convencional, no limite, com finalidade de justiça do caso concreto.

6.No mesmo sentido vão António Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier, na “Revista de Direito e Estudos Sociais”, vol. IV, p. 124 que, igualmente depois de definirem a equidade como a justiça do caso concreto, referem: “Ao julgar segundo a equidade dá-se ao caso a solução que parecer mais justa, atendendo unicamente à sua especificidade e prescindindo das normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis”.

7.Já Aristóteles debateu a questão da relação entre o équo e o justo, tendo chegado à conclusão que “o équo, sendo superior a uma certa justiça, é em si mesmo justo, e não é como pertencendo a um outro género diferente que ele é superior ao justo” (Ética a Nicómaco, V, 14 – 1137 b). Acrescentando: “Há assim realmente identidade entre o justo e o equitativo, e ambos são bons, embora o équo seja o melhor dos dois.” (Ibidem), dando mesmo célebre exemplo da Régua da Ilha de Lesbos, adaptável, pela sua ductilidade, aos objetos a medir (Ibidem). Para mais desenvolvimentos cf. Francesco D’Agostino, Epieikeia. Il tema dell’equità nell’antichità greca, e La tradizione dell’epieikeia nel medioevo latino, editados nos anos ’70 do séc. XX pela Giuffrè (e Paulo Ferreira da Cunha, L’Équité: Le legs realiste classique et la pensée de Michel Villey, “Notandum”, ano X, n.º 15, 2007, p. 5 ss..).

8.É globalmente este, com efeito, o significado prevalecente na doutrina e mesmo na vox populi. Esta última acaba por, sem os conhecer, sintonizar com máximas tais como: non omne quod licet honestum est (D. 50.17.144), semper in dubiis benigniora praeferenda (D. 50.17.56), et dubia sunt in meliore parte interpretanda (Summa Th. IIa, IIae, q. 60, art. 4).

9.Podem, porém, descortinar-se três funções para a equidade, e por essas funções ser-nos-á possível cunhar três tipos de equidade e três entendimentos a seu respeito:

1) “instrumento de individualização das normas”;

2) “fonte subsidiária de integração” das mesmas – e contudo, para alguns, como Maggiore e Recasens-Siches, ela seria uma espécie de “super-fonte”, “fonte universal do direito”.

3) “corretivo para as consequências injustas da norma jurídica” – esta última, aliás, muito próxima da posição de Cabral de Moncada ainda. (Cf. o erudito artigo de José Hermano Saraiva, “Equidade” in VELBC, vol. VII, cols. 731 ss.)

10.Como facilmente se retira desta enunciação, em nenhum caso se está no plano dos simples factos, mas sempre no plano do direito. Metodologia ou instrumentarium de recorte mais adequado de normas é direito, é prática de direito, de indagação e construção jurídica; fonte de direito, ainda que subsidiária, é igualmente questão de direito; e mesmo quando corretivo do direito não pode deixar de ser ainda direito – porque corretivo de um certo direito, de uma sua interpretação e não do direito que se tem por justo.

11.No mesmo sentido, vários autores, entre os quais Vives, aproximam a equidade do Direito Natural (que é – embora pouco na moda - Direito – embora haja quem o posso considerar filosofia ou moral ou mesmo política). O não recurso à equidade, nos casos em que ela é a solução aconselhável (como em casos mais singulares ou excecionais, mas não apenas), seria uma violação do Direito Natural segundo o Aquinate (Summa..., IIa IIae, q. 60, 5, 2).

12.Mesmo autores geral e fundamentalmente avessos à categoria, como parece haver sido o nosso Correia Teles (Discurso sobre a equidade, 1824), acabam por não prescindir inteiramente da mesma, e dentro do sistema: assim, a equidade “natural” remete para perspetivas jusnaturalistas (que são ainda jurídicas), e a equidade “hipotética” acaba por confundir-se com os princípios gerais do sistema jurídico. Estes últimos, como se sabe, têm uma interessante história, entre o art. 16 do Código de Seabra e o art. 10, n.º 3 do Código Civil em vigor, e ao nível internacional os princípios são reconhecidos pelo art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, devendo, embora a concreta expressão constante dessa norma ser objeto de uma interpretação atualista (Cf. Paulo Ferreira da Cunha, Teoria Geral do Direito, Oeiras, A Causa das Regras, 2019, e Idem, Repensar o Direito Internacional, Almedina, 2019, p. 181 ss. V. ainda, por todos (e são muitos), o clássico Clapham, Andrew, Brierly’s Law of Nations, 7.ª ed., Oxford, Oxford Univ. Press, 2012, p. 63 ss..).

13.Insiste-se: uma identificação da equidade com o Direito Natural não a retira do âmbito jurídico; mas, mesmo que assim se pensasse (considerando o Direito Natural metajurídico, moral, etc.), sempre restaria a perspetiva da equidade como equivalente aos princípios jurídicos, e, nessa medida, plenamente jurídica (“Que todo o ordenamento jurídico é constituído por normas de tipos diferentes, expressas ou não (...) e que algumas dessas possuem (...) o estatuto ou valor de ‘princípios’ é coisa que os juristas sabem e teorizam desde sempre” – começa por afirmar Riccardo Guastino em prefácio ao tratado de Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, 19.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2019, p. 13).

14.Neste tipo de casos, importa precisar que tipo de equidade está em causa. Não é, verdadeiramente, corretivo da norma que implique consequências injustas; antes se encontra entre a fonte auxiliar de integração (ajudando à individualização, rectius, concretização da norma no caso como justiça do caso concreto).

15.Em nenhuma dessas modalidades ou funções parece ser apenas questão de facto, ou de facto não já transmutado em Direito. Para lembrar a metáfora do mítico rei Midas, aliás usada por Hans Kelsen na sua Reine Rechtslehre (trad. port. e prefácio de João Baptista Machado, Teoria Pura do Direito, 4.ª ed. port., Coimbra, Arménio Amado, 1976, p. 376) e mais remotamente o brocardo ex facto oritur ius. Mas, para além desse problema complexo, da mutabilidade do facto em direito, ou da origem factual do direito (e isso nos levaria para a falácia naturalística), sabemos que do que há que curar aqui é da cisão metodológico-processual entre facto e direito (a célebre Questão-de-facto / questão de direito da tese de António Castanheira Neves). Que tem consequências na decisão ou não da questão nesta sede.

16.Com muita agudeza de espírito alude ao problema a tese, bem mais recente, de Delphine Louis-Caporal, La Distinction du Fait et du Droit en Droit Judiciaire Privé, na Universidade de Montpellier, defendida em 2014. E afirma, logo no início da sua longa indagação:

“Por que o jurista se ocupou do direito, sabe distingui-lo do facto. Porque o direito se distingue do facto (...) ele ganha em importância e o jurista, conhecendo-o, firma-se numa legitimidade no campo social (...). Para se assegurar essa legitimidade, o jurista será tentado a limitar o seu estudo ao objeto ‘direito’, e excluindo dele o facto. A distinção entre o facto e o direito passa assim a ser garantia de cientificidade.” (p. 15).

17.E acabará por, pouco depois, se perguntar pelo fenómeno da juridificação dos próprios factos:

“Podemos legitimamente perguntar-nos se estes factos a que o direito determina um regime não entraram no domínio jurídico, se não se trata de factos qualificados, se não existe uma categoria jurídica ‘facto’” (p. 16).

O facto tende a aproximar-se do Direito, ou o Direito a absorver o facto.

18.E afinal, ainda que mal se pergunte, de que Direito se trata? O que temos por Direito, para este efeito, pelo menos? Não desejamos uma indagação teórica e erudita, mas encontrar noção operacional, que nos esclareça o problema em mãos.

O problema, quando se afirma a colocação da equidade do lado dos factos e não do Direito, não terá na sua base um quadro de identificação, ao menos tendencial do Direito com a lei? É que, evidentemente, a equidade não é, em si, direito “legal” – muito importante mas apenas uma das modalidades jurídicas, das formas de direito (v., v.g., Francisco Puy, Tópica Jurídica, Santiago de Compostela, Paredes, 1984, p. 269 ss..). É, porém, em geral, direito jurisprudencial (cfr. ibidem, p. 531 ss.). Ou seja, direito que pode ser feito pelos tribunais, e mesmo pelos juristas em geral, de acordo com parâmetros do sistema jurídico e de justiça, obviamente, e não subjetivamente, ou como “direito livre” (cf. Juan Vallet de Goytisolo, Metodología Juridica, Madrid, Civitas, 1988, p. 183). É o que se retiraria também já de Aristóteles, Ética a Nicómaco, livro V, quando afirma que o équo (ou equitativo) é justo, mas não no sentido de legal ou segundo a lei, mas (precisamente) enquanto uma forma de retificação da justiça legal. E especificamente se explica que há coisas que estão por natureza fora da previsão legal (que não pode ser nem totalizante nem totalitária): “Esta também é causa de que nem tudo se regule pela lei, porque sobre algumas coisas é impossível estabelecer uma lei”.

19.Ora, evidentemente, não pode haver lei que seja precisa e justa na consagração de critérios (nem um algoritmo, hoje em dia, certamente) capazes de resolver plenamente as questões indemnizatórias, como esta.

E não se esqueça que a equidade não é um super-conceito (Oberbegriff) espúreo, errático, ou sequer categoria de um para-direito, pré-direito, ou meta-direito. É antes um conceito rigorosa e cabalmente jurídico, que nem se pode dizer sequer apenas ou simplesmente “admitido” pela ordem jurídica, porque está mais que apenas isso: nela se encontra plenamente integrado, dela sendo plena parte constituinte. E mesmo parte do direito positivo e para que o “direito legal” ou “legislado” remete.

Não nos devemos deixar iludir pela formulação (em pano de fundo positivista legalista, naturalmente) um tanto defensiva do art. 4.º do Código Civil. Ao de-limitar os casos de aplicação da equidade legalmente admissíveis, desde logo no início desse corpus iuris, a lei deixa de fora qualquer dúvida sobre uma sua pretensa ajuridicidade ou qualidade de mero critério moral, etc.

E na questão que nos importa até a lei é clara e explícita, remetendo para danos não patrimoniais designadamente no n.º 1 do art. 496 do CC.

20.São multidão as definições, descrições e tópicas aproximativas das noção, conceito e ideia de Direito (e mesmo autores como Michel Villey e Francisco Puy, que da matéria têm uma visão panorâmica, renunciaram a um empreendimento desse tipo; dizia também o romanista Sebastião Cruz que definir é de-limitar, o que empobrece). Contudo, sempre nos serviremos, para deixar as ideias mais claras, do incontestado privatista francês François Gény, no seu clássico Science et Technique em droit prive positif (2.ª tir., Paris, Sirey, 1922). Note-se que não é um tratado de esotérica jusfilosofia, mas de uma obra que, logo no título, se quer científica e técnica e no domínio específico do Direito Privado positivo. Nada, pois, de mais diretamente adequado ao nosso problema.

Procurando uma aproximação ao Direito através do estudo de vários tipos de normas, acaba por encontrá-lo em normas sem dúvida com tendência a um constrangimento social (vol. I, p. 48), mas também considera que “as regras de Direito visam necessariamente, e, creio, exclusivamente, a realização da justiça” (vol. I, p. 49). E não estaremos a pensar em juízos equitativos e afins quando lemos esta passagem, além do mais de imensa atualidade (dados os rumos doutrinais nesse sentido):

“Em si, o Direito positivo é antes de mais, essencialmente, uma arte, se por tal entendermos todo o mecanismo de concretização dos preceitos vitais (leis adquiridas e crenças), em vista de um fim prático. Mas a arte (assim entendida), que não faz senão adaptar os meios aos seus fins, supõe estabelecidos os fins em si mesmos (...) De forma que, no seu conjunto, o Direito nos surge como uma arte fundada na ciência.”.

Arte boa e équa (jus est ars boni et aequi), já se dizia do Direito entre os Romanos.

21.Sem ser necessário entrar em doutrina estrangeira e nas subtilezas da expressão “equity” (cf. os nossos artigos “Equity” e “Equity law” na “Verbo. Edição do Século XXI”, Lisboa / São Paulo, vol. X, cols. 545 ss. e 547 ss.), sempre se recordará, de entre os mais modernos clássicos, um John Rawls considerando a “justiça como equidade” (justice as fairness – embora esta palavra possa também ser traduzida, por exemplo, por lisura – A Theory of Justice, ed. revista, Cambridge, Ms., Harvard Univ. Press, 1991, p. 3 ss. et passim) e, entre nós, a equidade como “momento da concreta realização do direito” (A. Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 1968-1969, p. 244) (cf. estes e outros passos na apologia da equidade – por exemplo citando Orlando de Carvalho – que constitui o artigo de Alexandre Libório Dias Pereira, «Ius est Ars Boni et Aequi»: Da Equidade e da Arte de Bem Interpretar toda a Regra Jurídica, in RJLB, Ano 1 (2015), nº 3, p. 86 ss., máx. p. 87).

22.Se a equidade é “momento da concreta realização do Direito” (Castanheira Neves, op. loc. cit.), ou “medida das medidas” (Orlando de Carvalho, Ius — Quod iustum?, BFDUC, LXXII, 1996, p. 10) não pode estar no simples plano da factualidade a ter em consideração, a interpretar (Théodore Ivainier, L'Interprétation des faits en Droit, Paris, LGDJ, 1988) ou a dar como provada. Está noutro plano, não do ser (sein), mas do dever-ser (sollen), ou no caminho para ele.

23.E, por outro lado, o que são factos? Comecemos pelo facto jurídico: Acontecimento que produz efeitos na ordem jurídica (Marcello Caetano), acontecimento ou evento que produz efeitos jurídicos (Castro Mendes), evento juridicamente relevante (João Baptista Machado), todo o evento ou mudança que provoca efeitos jurídicos (José de Oliveira Ascensão), indo este mais longe: “Toda a situação jurídica é mesmo por natureza um efeito de factos” (Direito Civil. Teoria Geral, vol. II, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 10).

Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), por exemplo, é dos que distinguem, com recorte certeiro, factos jurídicos (os “juridicamente relevantes”) e os “factos sociais ou naturais indiferentes ao direito, isto é, desprovidos de qualquer eficácia jurídica” (p. 355 ss).

24.De qualquer forma, sempre os factos são do domínio do fenómeno, e apesar de as suas motivações, se forem voluntários, poderem estar tingidas de sentido e consequências ético-jurídicas, não são facilmente confundíveis com o Direito na sua vertente judicatória. Os atos jurídicos e os negócios jurídicos têm, é certo, uma forte componente de ligação com o Direito que em alguns momentos os podem fazer considerarem-se juridicidade (e pense-se até, por exemplo, nos atos reais ou operações jurídicas – a que a lei liga certos efeitos jurídicos – v. ibidem, p. 358). Mas não são entidades da mesma natureza. O que os separa não é medida, não é grau, nem mesmo perspetiva, é mesmo uma radical e essencial diversidade ontológica. Factos são factos, Direito é Direito.

25.É verdade que a juridicidade, em sentido lato, pressupõe entidades como “norma, facto e valor” (tridimensionalidade sobretudo divulgada por Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999), e ainda texto (José Calvo González) e até justiça (Paulo Lopo Saraiva) (cf. o Paulo Ferreira da Cunha, Filosofia do Direito, 2019, p. 371 ss.). Simplesmente, há a distinguir de um lado o facto e o texto, que são elementos materiais, dos elementos propriamente normativo-axiológicos, como a norma (e o princípio, que é norma também; sendo inclusivamente norma a Constituição, mesmo a principiológica, como sublinhou, v.g., García de Enterria), e o valor. Ora a Equidade tem que ter em consideração factos (isso é essencial, é uma sua conditio sine qua non). Tem que se balizar no contexto das normas (donde alguma doutrina se preocupe em delimitar os casos em que a equidade pode legalmente agir), que são hoje em dia sempre escritas (plasmadas num texto), e reportar-se aos valores, e muito especialmente ao valor Justiça. Mas o dever ter em consideração os factos não faz da equidade facto ou conjunto de factos, em vez de Direito e aplicação de Direito.

26.A distinção entre questão-de-facto e questão-de-direito, sendo sem dúvida complexa, como sublinham Henke e Kuchinke, inter alia, e nessa linha é reconhecido por um Jauernig, contudo pode aquilatar-se com clareza muito nítida a partir do sucinto texto que ao tema dedicou no seu Direito Processual Civil (trad. port. de Silveira Ramos, Coimbra, Almedina, 2002, p. 386):

“Visto que a instância de revista realiza apenas em princípio um exame jurídico, é necessária a distinção de questões de facto de questões de direito. A delimitação é difícil (...). Às questões de direito pertencem o menosprezo da norma jurídica aplicável, dos elementos constitutivos abstratos, a subsunção à norma dos factos constatados (p. ex., a conceitos como a negligência, atentado aos bons costumes, culpa comum, motivo ponderoso, pertinência do vício, ofensa da boa fé, erro, dissensão, etc.). (...) Nas questões de facto tem de contar-se a determinação de um facto concreto, por ex., que a declaração foi expressa e qual o seu teor, e ainda a apreciação das provas, por ex., a credibilidade duma testemunha, a força probatória de uma carta como documento particular de informação. Também a interpretação duma declaração de vontade habitual é questão de facto. Contudo, é questão de direito se a interpretação infringe normas de interpretação (...), leis do raciocínio ou regras de experiência ou não observa disposições legais (...)”.

O conjunto de questões que a Equidade coloca parece, assim, muito mais pender para o conjunto das que são consideradas aqui explicitamente como de Direito que para o rol aqui avançado como sendo questões de facto. Parece haver, na verdade, uma até intuitiva homologia de problemas, um ar de família entre essas questões (vejam-se designadamente os conceitos como a negligência, atentado aos bons costumes, culpa comum, motivo ponderoso, pertinência do vício, ofensa da boa fé, erro, etc.) e a Equidade. O mesmo não ocorrendo com os problemas elencados como sendo “de facto”.

27.Assim, não pareceria haver dúvidas “de que lado estará” a Equidade. Como disse Placentino de Montpellier, a equidade é convenientia rerum, sim, é adequação à coisa (deve estar adequada aos factos...), mas não é a própria coisa, a coisa em si mesma, porque, como dizia Baldo, é antes “aquilo a que a razão natural persuade”. Há até uma alusão ou sabor retórico nesta fórmula.»

Chegado a este ponto e assente para o decidido que se trataria de matéria jurídica que integraria o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal, restava alcançar critério de concretização do que em termos de equidade resultasse. E eis, para tal, o que flui deste excerto:

«32.Tudo ponderado, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que se trata essencialmente de um rigor classificatório que na prática não obsta ao vero conhecimento em sede de uma equidade prática e concreta. Porquanto “controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” realmente, na grande maioria dos casos, desde que feito com espírito (animus) de Justiça que sempre deve animar o julgador, conseguirá obter resultados muito idênticos, se não até exatamente os mesmos, que o uso de uma equidade sem limites (que na verdade é uma componente da Justiça, como bem recorda António Braz Teixeira, Reflexão sobre a Justiça, in “Nomos. Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado”, n.º 1, Janeiro-Junho 1986). Parte da Justiça que é, da equidade dificilmente se consegue prescindir, quando tenha pertinência para a concretização (precisamente concretização) dessa mesma Justiça. Sobre a ligação da Equidade e da Justiça, especificamente em sede de dano moral, v.g., Maria Francisca Carneiro, na sua obra Método de valuación del daño moral, Buenos Aires, Hammurabi, 2001, assim comenta o nosso sistema (tradução nossa): “na nossa opinião, no direito português do ((dano)) moral, o que mais chama a atenção, o particular e diferente do que predomina no Ocidente, é que a fixação do montante da indemnização se deve dar pela equidade (própria da natureza da justiça) e não pelo arbítrio (que é uma falácia arbitrária)” (p. 105).

33.E permita-se-nos assinalar que a consideração dos pressupostos normativos do recurso à equidade (que é óbvia baliza imposta pela ordem jurídica – desde logo na dimensão da legalidade) e os limites de proporcionalidade e igualdade que permitam atingir um valor razoável na indemnização, como é o que se discute, são critérios absolutamente pertinentes.

Ou seja, ainda que não se considere a equidade tout court e na sua máxima e livre extensão aplicativa uma matéria de direito, ao limitar a sua apreciação a questões de proporcionalidade e igualdade com vista à obtenção da razoabilidade no valor encontrado, não se fecha a porta à Justiça pela total limitação dessa sua válvula de segurança, e tal poderá certamente apreciar-se pela justeza dos julgados nessa ordem de ideias.

34.Cremos assim que o obstáculo por assim dizer epistemológico (porque de ordem conceitual) que se poderia colocar à consideração da equidade acaba por poder ser entendido, no limite, um problema de designação e (concedamos) de algumas cautelas (essas justificadas) para que não se caísse no que consideramos ser já negação da equidade, ou seja, juízos desvinculados e subjetivistas de “direito livre”. Não repugna, de modo algum, balizar a equidade nos termos e limites da proporcionalidade, da igualdade e da razoabilidade (parâmetros que também de forma alguma estão isentos de polissemia e possíveis derrapagens semânticas). E é o que faremos sempre que a ela nos referirmos. Também, por exemplo, a jurisprudência germânica quando desenvolve o seu labor no domínio da boa fé (cf., entre nós, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1984) acaba por se abeirar, se não mesmo por adentrar-se no terreno da Equidade. Havendo, assim, um diálogo e por vezes mais ou menos subtil fungibilidade entre categorias, conceitos, institutos. O que, se torna difícil categorizações rígidas e didáticas, pode contribuir para o objetivo principal do trabalho jurisprudencial, que não pode deixar de ser a constante e perpétua vontade de justiça.

35.O desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial (v., v.g., já Martim de Albuquerque, com a colaboração de Eduardo Vera Cruz, Da Igualdade. Introdução à Jurisprudência, Coimbra, Almedina, 1993; Acórdãos do Tribunal Constitucional 563/96, 319/00, 232/03 e 254/07) mais recente sobre aqueles três conceitos, que são princípios, e, pelo menos no caso da igualdade, valor, leva mesmo a ponderar que, pelo menos por vezes e em certo sentido, o uso do conceito, mais antigo (mas nem por isso muito mais elaborado), “equidade” acaba por ser deles “um outro nome”, uma forma de os sintetizar de uma forma prática e com pergaminhos históricos mais antigos e reconhecidos. (v., em geral, inter alia, José Sérgio da Silva Cristóvam, Colisões entre Princípios. Razoabilidade, Proporcionalidade e Argumentação Jurídica, Curitiba, Juruá, 2006; Willis Santiago Guerra Filho, Notas em torno ao Princípio da Proporcionalidade, in Perspectivas Constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976, ed. de Jorge Miranda, Coimbra, Coimbra Editora, 1996; Carolina Pereira Saéz, Una Contribución al estudio del empleo del Principio de Proporcionalidade en la jurisprudência reciente del Tribunal Constitucional Español, Separata do “Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña”, 8, p. 1043 ss.) Embora também haja riscos interpretativo / aplicativos na convocação da igualdade, por exemplo (cf. Paulo Ferreira da Cunha Direito Constitucional Anotado, Lx., Quid Juris, 2008, p. 128 ss.). E já tenha havido quem lhe preferisse, até constitucionalmente, a equidade – mas decerto por daquela ter uma visão muito aritmética e estática e não geométrica e dinâmica.»

Comentários

Quando me iniciei na blogoesfera admiti comentários em todos os meus escritos, mesmo os de natureza pessoal. Quase nunca tive de apagar algum por impropriedade. 
Sendo este um espaço privado, é natural que me reserve a possibilidade de assegurar moderação antes da publicação, evitando desvirtuar o intuito do blog, o qual evita agressividade e tenta ser construtivo, mesmo quando crítico.
Eis, pois, o que hoje se inicia, como experiência de retorno a um critério, na expectativa de, com isso, criar um contributo útil.

Locus Delicti: um blog obrigatório!

A conformação do endereço não me permite colocá-lo na lateral deste blog onde faço referência aos blogs jurídicos activos [com o antecipado pedido de compreensão para alguma omissão e pedido de que me seja assinalada a falta], mas é impossível não o visitar e dele obter a informação que regista.
O Locus Delicti [encontra-se aqui] é um espaço de permanente actualização, dedicado ao mundo jurídico, com particular incidência na matéria criminal; responsável por ele a investigadora e professora Ana Paula Pinto Lourenço, da Universidade Autónoma.
Encontrei hoje forma de colmatar a omissão, colocando a ligação para o mesmo na lateral esquerda deste espaço, onde refiro os periódicos jurídicos on line, que este não deixa de ser.
E aqui fica um abraço amigo à sua autora e votos de que prossiga este serviço público tão útil quanto interessante.

GOP's e OE no sector da justiça


No parecer, elaborado em sede da 1ª CACDLG da Assembleia da República, exarado sobre as GOP's e o OE consta, como síntese do proposto em sede de Grandes Opções do Plano:

Grandes Opções do Plano

Para tornar a Justiça mais próxima dos cidadãos, mais eficiente, moderna e acessível, o Governo refere que  irá: 

Implementar um sistema de apoio judiciário mais efetivo, apto a abranger aqueles que efetivamente dele necessitam e que, simultaneamente, assegure uma boa gestão dos recursos públicos, com garantia da qualidade dos profissionais que prestam esse serviço, fomentando a sua formação contínua e a troca de experiências entre si;

Aprovar a Lei de Programação do Investimento em Infraestruturas e Equipamentos do Ministério da Justiça que, à semelhança da Lei de Programação Militar e da Lei de Programação das Infraestruturas e equipamentos para as Forças e Serviços de Segurança do Ministério da Administração Interna, estabeleça a programação dos investimentos com vista- à implementação de uma estratégia plurianual de construção, requalificação e conservação das infraestruturas, bem como a renovação e modernização dos equipamentos, dos sistemas de tecnologias de informação da justiça e veículos, no horizonte temporal de 2020 a 2023 e que, por essa via, permita concretizar as prioridades previstas no Relatório sobre o Sistema Prisional e no Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede dos Tribunais,·

Reduzir as situações em que as custas processuais comportam valores excessivos, nos casos em que não exista alternativa à composição de um litígio; 

Melhorar a formação inicial e contínua dos magistrados, de forma desconcentrada e descentralizada e com especial enfoque na matéria da violência doméstica, dos direitos fundamentais, do direito europeu e da gestão processual,·

Garantir que o sistema de Justiça assegura respostas. rápidas, a custos reduzidos, acrescentando competências aos julgados de paz, articulando a expansão da rede com os municípios e maximizando o recurso aos sistemas de resolução alternativa de litígios. nomeadamente através do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas;

Desenvolver novos mecanismos de simplificação e agilização processual nos vários tipos de processo, designadamente através da revisão de intervenções processuais e da modificação de procedimentos e práticas processuais que não resultem da lei. pese embora signifiquem passos processuais acrescidos resultantes da prática judiciária;

Aumentar a capacidade de resposta da jurisdição administrativa e tributária, tirando pleno partido das possibilidades de gestão e agilização processual, designadamente quanto a processos de massas;

Manter um esforço pernanente de informatização dos processos judiciais, incluindo nos tribunais superiores, continuando a evoluir na desmaterialização da relação entre o tribunal e outras entidades públicas, e assegurando a gestão pública e unificada do sistema CITIUS;

Assegurar os investimentos necessários ao robustecimento tecnológico com vista ao reforço da qualidade e a celeridade do serviço prestado nos registos públicos, quer nos serviços presenciais, quer nos serviços desmaterializados, apostando na simplificação de procedimentos, em balcões únicos e serviços online;

Assegurar a citação eletrónica de todas as entidades administrativas e a progressiva citação eletrónica das pessoas coletivas, eliminando a citação em papel;

Melhorar os indicadores de gestão do sistema de justiça de modo a ter informação de gestão de qualidade disponível para os gestores do sistema, bem como mecanismos de alerta precoce _para situações de congestionamento dos tribunais;

Fomentar a introdução, nos processos cíveis, de soluções de constatação de factos por peritos ou técnicos, por forma a evitar o recurso excessivo à prova testemunhal ou a peritagens;

Reforçar a ação dos centros de arbitragem institucionalizados para · a resolução de conflitos administrativos enquanto forma de descongestionar os tribunais administrativos e fiscais e de proporcionar acesso à justiça para situações que, de outra forma, não teriam tutela jurisdicional efetiva; 

Continuar a execução do programa de requalificação do sistema de reinserção social, prisional e tutelar educativo e reforçar os mecanismos de articulação com o Ministério da Saúde no sentido de melhorar o nível de prestação dos cuidados de saúde nos Estabelecimentos Prisionais e Centros Educativos, nomeadamente ao nível da saúde mental;

Prosseguir a implementação das medidas do plano de ação "Justiça + Próxima" nas suas múltiplas valências e eixos, alinhando com as melhores práticas internacionais;

Simplificar e· desburocratizar os procedimentos de gestão e alienação de património não essencial à prossecução das atribuições do Ministério da Justiça;

Implementar um Sistema Integrado do Atendimento nos Registos, promovendo a melhoria do acesso, qualidade e eficiência do atendimento, no contexto presencial, telefónico e online;

Prosseguir a renovação dos diversos sistemas de informação de suporte aos Registos, articulando-os com novos desafios, nomeadamente, o relativo ao Registo Predial com o novo regime simplificado de propriedade rústica (BUPi .-Balcão Único do Prédio), garantindo a _sua atualização, maiores níveis de segurança e qualidade de dados; 

Visando aumentar a transparência na administração da justiça, prevê-se que o «Governo irá

Assegurar aos cidadãos, de dois em dois anos, um compromisso público quantificado quanto ao tempo médio de decisão processual, por tipo de processo e por tribunal;

Consolidar a Plataforma Digital da Justiça, enquanto ponto único de contacto e acesso a informação e serviços online relevantes para os cidadãos, empresas e profissionais da justiça;

Melhorar os indicadores de gestão do sistema de justiça de modo a ter informação de gestão de qualidade disponível para os gestores do sistema e desenvolver mecanismos de alerta precoce para situações de congestionamento dos tribunais;

Criar bases de dados, acessíveis por todos os cidadãos, que incluam também informação estruturada relativa aos conteúdos das decisões, números de processos distribuídos por tipo de processo por tribunal, tempo médio das decisões em cada tribunal em função da natureza do processo, etc.;

Reforçar as competências de gestão processual nos tribunais, enquanto condição necessária para garantir a prestação aos cidadãos de um serviço de justiça atempado e sem desperdício de recursos;

Simplificar a comunicação entre tribunais e outras entidades públicas, bem como a comunicação direta com os cidadãos, aproveitando as comunicações obrigatórias para dar informação sobre a tramitação processual em causa, eventuais custos associados e alternativas de resolução;

Assegurar que as citações, notificações, mandados ou intimações dirigidas a particulares utilizam sempre linguagem clara e facilmente percetível por todos os cidadãos.»

Com o objetivo de criar condições para a melhoria e eficácia das de,cisões judiciais, o Governo assume que irá: 

Aumentar os modelos alternativos ao cumprimento de pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional, em especial para condenados aos quais se recomende uma especial atenção do ponto de vista social, de saúde ou familiar;

Reforçar a resposta e o apoio oferecido às vítimas de crimes, em parceria com entidades públicas e privadas, e melhorar o funcionamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes;

Investir na requalificação e modernização das infraestruturas prisionais e de reinserção social, bem como no acesso a cuidados de saúde da população reclusa, designadamente ao nível da saúde mental;

Melhorar o sistema de registo criminal, garantindo a conexão entre bases de dados públicas, clarificando as respetivas consequências em articulação com o sistema de execução de penas;

Criar um corpo de assessores especializados para os tribunais e investir na sua formação inicial e contínua, a funcionar de forma centralizada, designadamente em matérias cuja complexidade técnica aconselha a existência de um apoio ao juiz;

Garantir adequada formação inicial e contínua aos oficiais de justiça, com reforço da capacitação e valorização das respetivas competências;

Agilizar o tempo de resposta em matéria de perícias forenses e demais serviços no âmbito da medicina legal;

Permitir e incentivar a composição por acordo entre a vítima e o arguido, nos casos em que não existe outro interesse público relevante;

Permitir a suspensão provisória do processo para um número mais alargado de crimes, desde que todas as partes estejam de acordo;

Revisitar o conceito e a forma de quantificação dos danos não patrimoniais, no sentido de corresponderem a uma efetiva tutela da pessoa e da dignidade humana.» 

O documento das Grandes Opções do Plano para 2020, anexo à Proposta de Lei em apreço, contém, ainda, no ponto "3.2. Melhorar a qualidade da democracia e combate à corrupção", medidas para prevenir e combater. a corrupção e a fraude, comprometendo-se o Governo a

Instituir o relatório nacional anticorrupção, que permita construir um panorama geral e o desenvolvimento e avaliação de um conjunto de medidas sobre a matéria;

Estabelecer que, de 3 em 3 anos, no âmbito dos relatórios de política criminal, a Procuradoria Geral da República deve reportar à Assembleia da República o grau de aproveitamento e aplicação dos mecanismos legalmente existentes no âmbito do combate à corrupção;

Assegurar uma maior cooperação com o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO);

Instituir campanhas de consciencialização para o fenómeno da corrupção, no âmbito da educação para a cidadania, bem como junto das entidades públicas, alertando para os comportamentos que podem indiciar corrupção;

Consagrar o princípio da "pegada legislativa", estabelecendo o registo obrigatório de qualquer intervenção de entidades externas no processo legislativo, desde a fase de conceção e redação do diploma legal até à sua aprovação final;

Consolidar e desenvolver a experiência; atualmente em curso, de avaliação da permeabilidade das leis aos riscos de fraude, corrupção e infrações conexas, consagrando a obrigatoriedade de avaliação prévia.fundamentada das medidas de política na ótica da prevenção da corrupção;Garantir, no âmbito do referido processo de avaliação legislativa, transparência e simplicidade jurídicas dissuasoras de comportamentos administrativos "facilitadores";

Prosseguir o programa SIMPLEX, numa perspetiva de promoção da confiança na Administração Pública, eliminando atos burocráticos e barreiras administrativas que possam motivar o fenómeno da corrupção; 

Adotar, neste programa, uma medida destinada a informar os cidadãos, no momento em que o pedido é apresentado, sobre o prazo em que será tomada a decisão, os responsáveis pela decisão, os serviços envolvidos e o valor a pagar;

Elaborar e publicitar guias de procedimentos, dirigidos aos cidadãos, sobre os vários serviços prestados pela Administração Pública, identificando os documentos necessários, as fases de apreciação, os prazos de decisão, bem como simuladores de custos relativos aos serviços prestados por cada entidade;

Obrigar todas as entidades administrativas a aderir a um código de conduta ou a adotar códigos de conduta próprios que promovam a transparência, o rigor e a ética na atuação pública,·

Consagrar o princípio, segundo o qual, qualquer decisão administrativa que conceda uma vantagem económica acima de determinado valor tem de ser assinada por mais do que um titular do órgão competente, ou confirmada por uma entidade superior, e publicitada num portal online;

Lançar a segunda geração de planos de prevenção de riscos de gestão focados nos resultados e na avaliação, com parâmetros de monitorização estandardizados, capacitando o Conselho de Prevenção da Corrupção;

Assegurar que, em entidades ·administrativas onde estejam em causa matérias que exigem- especial imparcialidade e transparência ou que lidem com a concessão de benefícios, existe um departamento de controlo interno que, com autonomia, assegure a transparência e imparcialidade dos procedimentos e das decisões;

Garantir a existência, em todas as entidades públicas, de normas de controlo interno, devidamente publicitadas, que tratem matérias como garantias de imparcialidade e legalidade na contratação e segurança de inventários, elaboradas de acordo com um modelo de partilha de conhecimentos,

Aumentar os níveis de cumprimento das obrigações de reporte das várias entidades públicas, e permitir uma análise e tratamento de dados com base na informação já disponibilizada em portais públicos (nomeadamente Base.gov ), relativamente a adjudicações excessivas por ajuste direto às · mesmas entidades;

Melhorar os processos de contratação pública, incrementando a transparência e eliminando burocracias, no âmbito dos procedimentos pré­contratuais, que possam conduzir à eliminação de propostas válidas;

Integrar os sistemas de gestão financeira com os sistemas de inventariação e contratação no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado, disponibilizando estas ferramentas também à Administração Regional e Local;

Promover uma publicação mais eficiente das contas dos partidos políticos, de forma uniformizada e facilitando o acesso, especialmente no que concerne aos períodos eleitorais;

Modernizar o registo de interesses dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, permitindo a recolha de mais informação e um melhor cruzamento de dados;

Aplicar a todos os órgãos de soberania a obrigação de . declaração de rendimentos, património e cargos sociais;

Instituir a obrigação de as médias e grandes empresas disporem de planos de prevenção de risCOf de corrupção, fixando os requisitos mínimos a que devem necessariamente obedecer os programas de conformidade das grandes empresas;

Estabelecer como condição de acesso a concursos para a realização de empreitadas de obras públicas e outros contratos públicos a partir de determinado valor, por parte de grandes empresas, a . existência e observância de planos de prevenção de riscos de corrupção; 

Expandir a utilidade do Regime Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), passando a. ser possível, de forma mais simples, desconsiderar a personalidade jurídica e agir contra o beneficiário efetivo de determinada organização; Simplificar o RCBE, designadamente por via do preenchimento · automátic[! da informação declarada com base em informação que resulte do registo.comercial;

Criar uma pena acessória para os titulares de cargos políticos condenados por corrupção, o que, através de decisão judicial, poderá impedir a sua eleição ou nomeação para cargos políticos em caso de condenação pela prática de crimes de corrupção, a decretar judicialmente por um período até 10 anos;

Rever a lei e atualizar as penas relativas aos crimes de aquisição ilícita de quotas ou ações e de prestação de informações falsas perante quem as sociedades comerciais devem responder, cujas penas máximas são atualmente incipientes;

Criar uma pena acessória para gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados por crimes de corrupção, por forma a que possa ser decretada judicialmente a sua idoneidade par(l o exercício dessas funções durante um certo período;

Responsabilizar as entidades reguladoras, as associações públicas profissionais e outras entidades competentes em determinados setores de atividade pela imposição de medidas adicionais _aos setores por si tutelados, promovendo boas práticas em setores como o sistema financeiro, da construção, desportivo e dos serviços públicos essenciais,·

Coligir e divulgar, sem identificação pessoal dos condenados e de forma resumida quanto à factualidade e à aplicação do direito, os casos de corrupção que deram origem a corndenações transitadas em julgado em cada triénio».



Orçamento do Estado

Em matéria de Orçamento do Estado, como síntese do preconizado pelo Governo em matéria de justiça, o seguinte [sem embargo do artigo 18.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de 2 de Agosto, que aprova o Estatuto do Ministério Público, atribuiu autonomia administrativa e financeira à Procuradoria-Geral da República, a qual passa a dispor de orçamento próprio inscrito nos encargos gerais do Estado] refere-se no aludido parecer:

Artigo 5.º, n.º 4, alínea d) (Afetação do produto da alienação e oneração de imóveis)-estabelece que o estatuído nos n.ºs 1, 2 e 3 deste artigo não prejudica disposto em legislação especial relativa à programação dos investimentos em infraestruturas e equipamentos para os organismos sob tutela do membro do Governo responsável pela área da justiça, em matéria de afetação da receita (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 7.º (Transferências orçamentais) - autoriza o Governo a proceder, nomeadamente, à transferência de verbas inscritas no orçamento do Camões, IP ara a Direção-Geral de Política de Justiça no âmbito da cooperação no domínio da justiça (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 27.º (Reforço do combate à corrupção, fraude e criminalidade económica e financeira) -prevê que o Governo adote, no ano de 2020, as iniciativas necessárias à otimização da capacidade e ao reforço da cooperação entre as inspeções administrativas setoriais e os. órgãos de polícia criminal 
especializados nos segmentos da prevenção e repressão da fraude contra os interesses financeiros do Estado, da corrupção e da criminalidade económico­ financeira nos segmentos da prevenção e repressão da fraude contra os interesses financeiros do Estado, da corrupção e da criminalidade económico­ financeira;

Artigo 31.º (Registos e notariado) -prevê seja concedida aos notários e oficiais do notariado que o requeiram a possibilidade de prorrogação, por mais um ano, da duração máxima da licença de que beneficiam, ao abrigo do n.º 4 do artigo 107. e do n. º 2 do artigo 108.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto­Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, na sua redação atual, nos casos em que esta caduque no ano de 2020 (norma semelhante consta da Lei do OE 2019);

Artigo 32.º (Magistraturas) -estabelece que o provimento de vagas junto de tribunais superiores, no Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos departamentos centrais e distritais e, bem assim, em lugares de magistrados junto de tribunal de círculo ou equiparado é precedida de justificação da sua imprescindibilidade pelo Conselho Superior de Magistratura, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou pelo Conselho Superior do Ministério Público (norma idêntica consta da Lei do OE 2019);

Artigo 33.º (Prestação de serviço judicial por magistrados jubilados) -permite que, mediante autorização expressa çlos respetivos conselhos, os magistrados jubilados possam prestar serviço judicial durante o ano de 2020, desde que  esse exercício de funções não importe qualquer alteração do regime remuneratório atribuído por força da jubilação (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 65.º (Estabelecimento prisional de São Miguel) - determina que o Governo dê continuidade aos trabalhos relacionados com a construção de um novo estabelecimento prisional no concelho de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 151.º (Depósitos obrigatórios e processos judiciais eliminados) - determina, n_o n.º 1, que os depósitos obrigatórios existentes na Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 01/01/2004 e que ainda não tenham sido objeto de transferência para a conta do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça (IGFEJ), em cumprimento do disposto no n.º 8 do artigo 124.º do Código das Custas Judiciais, sejam objeto de transferência imediata para a conta do IGFEJ, independentemente de qualquer formalidade, designadamente de ordem do tribunal com jurisdição sobre os mesmos; determina, no n.º 2, que o IGFEJ e os tribunais possam notificar a CGD para, no prazo de 30 dias, efetuar a transferência de depósitos que venham as ser posteriormente apurados e cuja transferência não tenha sido ainda efetuada; e determina, no n.º 3, que os valores depositados na CGD ?U à guarda dos tribunais, à ordem de processos judiciais eliminados após o decurso dos prazos de conservação administra.tiva fixados na lei, consideram-se perdidos a favor do IGFEJ, I.P ((norma idêntica consta da Lei do OE 2019)); 

Artigo 154.º (Custas de parte de entidades e serviços públicos) -estabelece que as quantias arrecadadas pelas entidades e serviços públicos ao abrigo da alínea d) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 25.º, e da alínea e) do n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, que sejam devidas pela respetiva representação em juízo por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, constituam receita própria para os efeitos previstos nos respetivos diplomas orgânicos (norma idêntica consta da Lei do OE 2019;

Artigo 155.º (Estabelecimentos prisionais de Lisboa, Setúbal e Montijo e reinstalação dos serviços centrais do Ministério da Justiça, dos tribunais de Lisboa) - prevê que o Governo tome as medidas necessárias para a execução do plano que visa o encerramento gradual dos estabelecimentos prisionais de Lisboa e de Setúbal, e que dê continuidade aos trabalhos relacionados com a construção de um novo estabelecimento prisional nó concelho do Montijo, bem como as medidas necessárias à reinstalação dos serviços centrais do Ministério da Justiça e dos tribunais de Lisboa (norma idêntica consta da Lei do OE 2019 - a única diferença é a inclusão no OE 2020 da referência ao estabelecimento prisional do Montijo);

Artigo 156.º (Remessa de veículos automóveis, embarcações e aeronaves apreendidos)- determina o regime a que deve obedecer os veículos automóveis, embarcações e aeronaves que tenham sido apreendidos em processo penal em data anterior à da entrada em vigor do n.º 4 do artigo 185.º do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, . salientando-se a obrigação de o IGFEJ apresentar ao membro do Governo responsável pela área da Justiça, até 15 de dezembro de 2020, um relatório sobre cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 14.º ou no n.º 5 do artigo 17.º da Lei n.º 45/2011, de 24 de junho, na sua redação atual (venda de_ veículo automóvel, embarcação ou aeronave cujo valor resultante da avaliação seja inferior a €3.000) (norma idêntica consta da Lei do OE 2019);

Artigo 255.º ·(Alteração à Lei n.º 45/2011, de 24 de junho) - propõe o aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 15.º, com a consequente renumeração do atual n.º 3 que passa a n.º 4, atribuindo o benefício de isenção do imposto único de circulação aos órgãos de polícia criminal em todos os veículos apreendidos ou declarados perdidos a favor do Estado; 

Artigo 261.º (Alteração ao anexo I à Lei n.º 21/85, de 30 de julho12)- introduz um novo escalão para os juízes de Direito com 7 anos de serviço, atribuindo-­lhes o índice 155; 

Artigo 270.º (Alteração ao anexo II da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto13) -introduz um novo escalão para os- Procuradores da República com 7 anos de serviço, atribuindo-lhes o índice 155 e revoga a essa mesma categoria o escalão "com 5 anos de serviço e classificação não inferior a Bom em exercício de funções nos juízos locais de competência genérica", a que estava atribuído o índice "175" [com nota de que a revogação fere o princípio do paralelismo entre a magistratura judicial e a do Ministério Pùblico];

Artigo 276.º (Alteração ao Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro15) - propõe o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 2.º, relativo ao âmbito de aplicação deste diploma, prevendo que o processo de execução de dívidas à segurança social se aplique igualmente a todos os montante devidos à Caixa Geral de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), sendo a CPAS, para efeitos deste diploma, equiparada a instituição de segurança social; 

Artigo 277.º (Aditamento ao Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro16) -propõe o aditamento de um novo artigo 18.º-A a este diploma, que regula a execução de dívidas à CPAS.

Conclusão

Em síntese conclusiva, consigna o parecer:

1. Nas Grandes Opções do Plano para 2020, o Governo assume como objetivos principais tomar a Justiça mais próxima dos cidadãos, mais eficiente, moderna e acessível, aumentar a transparência na administração da Justiça, criar condições para a melhoria da qualidade e eficácia das decisões judiciais, bem como prevenir e combater a corrupção e a fraude.

2. No Orçamento do Ministério da Justiça para 2020, a despesa total consolidada ascende a 1.504, 7 milhões de euros, representando um crescimento de 7,3%comparativamente à estimativa de execução para o ano de 2019.

3. Os encargos com o pessoal continuam a ter um peso preponderante, absorvendo 67 ,4% do valor total do orçamento do Ministério da Justiça.

4. Em termos de investimento, o Programa Justiça atinge um total de 68,4 milhões de euros (menos 27,8% do que o orçamentado em 2019), dos quais 53,2 milhões de euros são financiados por fundos nacionais e 15,2 milhões de euros financiados por fundos comunitários.

5. As medidas orçamentais relativas à Segurança e Ordem Públicas -Administração e Regulamentação (50,2 %), Sistema Judiciário (26,4%) e Sistema Prisional, de Reinserção e de menores (14,7%)° são as que se destacam de entre os recursos financeiros afetos ao programa orçamental da Justiça.

6. Saliente-se que a dotação orçamental prevista para a Procuradoria-Geral da República (€16.418.342), a qual se encontra atualmente inscrita nos encargos gerais do Estado por força da atribuição de autonomia administrativa e financeira (cfr. artigo 18.􀂆 do novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), sofre uma redução de 7,1 % por comparação com o orçamentado em 2019 no âmbito do orçamento do Ministério da Justiça (€17.668.018).

7. Destaque-se, ainda, que, no orçamento do Tribunal Constitucional, a verba prevista para a nova Entidade para a Transparência, criada pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, é igual ao reforço adicional, aprovado em sede de especialidade no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, para a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos: €1.169.000. 

8. No quadro plurianual orçamental para os anos 2020-2023 está previsto que o limite de despesa coberta por receitas gerais no que respeita ao "P009-Justiça" é, no ano de 2020, de 615 milhões de euros, não estando especificado os limites para os anos de 2021, 2022 e 2023, embora esteja previsto o limite indicativo de despesa para esses anos em relação ao agrupamento a que pertence o Programa Justiça ("Soberania").

Ministra da Justiça: audição parlamentar

Está agendada para o próximo dia 20, pelas 16:00 a audição, no plenário da Assembleia da República, da ministra da Justiça em matéria de Plano e Orçamento de Estado.
O parecer sectorial na área da Justiça, subscrito a 6 de Janeiro pela deputada Mónica Quintela, pode ser consultado aqui e adiante farei menção detalhada ao mesmo.

Assembleia da República: iniciativas

É este o projecto de lei registado na 1ª CACDLG:

[178/XIV, CH]: Altera o Código Penal no seu artigo 274.º (Incêndio Florestal) agravando as molduras penais aplicáveis aos sujeitos que preencham os requisitos desta conduta criminosa e introduzindo o artigo 274.º–B, consagrando a possibilidade de substituição da indemnização a pagar ao Estado e demais lesados pela imposição de trabalho comunitário em prol da reflorestação da área ardida e/ou da reconstrução do património destruído

Em matéria de proposta de lei, a referida Comissão regista o seguinte:

[8/XIX]: Adapta os regimes sancionatórios previstos no Regimes jurídicos aplicáveis às sociedades gestoras de fundos de investimento e às sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos

INTERPOL: alerta vermelho

Não sendo uma polícia no sentido técnico do termo, antes uma central de apoio técnico às polícias de 194 países, nisso incluindo a difusão de informação, a Interpol difunde dois tipos de alertas: os vermelhos, relativos a pessoas procuradas pelas autoridades judiciais os amarelos, respeitantes a pessoas desaparecidas. Há também os alertas azuis [sobre antecedentes criminais], verdes [de natureza preventiva], e negro [cadáveres a identificar].
O alerta vermelho não constitui um mandado de detenção mas apenas a transmissão de uma ordem de detenção emitida pela entidade competente. Este tipo de alertas veio para a ordem do dia em virtude da sua emissão visando a localização do gestor Carlos Ghosn após a sua fuga do Japão onde se encontrava sujeito a prisão domiciliária.
Para saber mais sobre os alertas vermelhos ler aqui. Quanto à lista de países membros ver aqui.
Há actual 62 mil alertas com esse perfil mas apenas são conhecidos publicamente sete mil; no ano que findou foram emitidos 13 377. A lista pode ser consultada aqui e engloba também portugueses.
Portugal não integra a Comissão Executiva do organismo, tendo Angola aí assento através de um delegado. Sobre o Gabinete Nacional da Interpol ver aqui.

Jurisprudência: convergindo para o decidido

Há acórdãos cujo interesse acrescido nasce da circunstância de, na sua fundamentação, conterem uma resenha exaustiva da jurisprudência e da literatura jurídica sobre temas que neles se tornaram relevantes. 
Disso exemplo é o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019 [proferido no processo n.º 4695/15.2T9PRT.L1-9, relator Abrunhosa de Carvalho, texto integral aqui] o qual, decidindo um tema de crime contra a honra, menciona em extensa nota de rodapé, entre outra matéria, o seguinte quanto aos temas que se citarão, e cuja leitura se mostra, por isso, ilustrativa:


Fundamentação da sentença: «Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.»


Recurso quanto à matéria de facto: «Importa considerar que, como se afirma no Ac. do STJ de 17/02/2005, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt, processo 04P4324, “1 - O recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. 2 - Se o recorrente aceita que o teor expresso dos depoimentos prestados permite que a 1.ª Instância tenha estabelecido a factualidade apurada da forma como o fez e questiona tão só a credibilidade que, no seu entender, (não) deveria ter-lhes sido concedida, sem indicar elementos objectivos que imponham a sua posição, a sua pretensão fracassa pois a credibilidade dos depoimentos, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso. 3 - Se apesar de se esforçar, a 1.ª Instância não consegue estabelecer o motivo que levou o arguido a agir, mas estão presentes todos os elementos do respectivo tipo legal de crime, nenhuma dúvida se pode levantar sobre a culpabilidade do agente. …”.E no Ac. do STJ de 12/06/2008, relatado por Raul Borges, in www.dgsi.pt, processo 07P4375, de cujo sumário citamos: “I - A partir da reforma de 1998 passou a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades. II - No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo. Nesta forma de impugnação os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma. III - No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do mesmo diploma. IV - A alteração do art. 412.º do CPP operada em 1998 visou tornar admissível o recurso para a Relação da matéria de facto fixada pelo colectivo, dando seguimento à consagração do direito ao recurso resultante do aditamento da parte final do art. 32.º, n.º 1, da CRP na revisão da Lei Constitucional n.º 1/97, vindo a ser “confirmada” pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005 (in DR, I Série-A, de 07-12-2005), que estabeleceu: «Após as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal colectivo». V - Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação –, por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, quatro tipos de limitações: - desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. …”. [...] «No mesmo sentido, cf. o Ac. do STJ de 20/11/2008, relatado por Santos Carvalho, in www.dgsi.pt, processo 08P3269, de cujo sumário citamos: “I - O STJ tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. II - Conhecendo-se pela fundamentação da sentença o caminho lógico que, segundo a 1ª instância, levou à condenação do recorrente, deveria este ter-se limitado a sindicar os pontos de facto que nesse percurso foram erradamente avaliados, com a indicação das provas que impunham uma decisão diversa e com referência aos respectivos suportes técnicos. …”.»


Aferição da prova testemunhal: «Neste sentido, veja-se o acórdão da RG de 16/05/2016, relatado por João Lee Ferreira, no proc. 732/11.8JABRG.G1, com o seguinte sumário: “I) Na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação. II) A função do julgador consiste em determinar como os factos se passaram, raciocinando sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum. III) Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar depende, assim, de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.”.»


Requisitos de fundamentação da sentença: « Nesse sentido, ver os seguintes acórdãos:- do STJ de 29/06/1995, relatado por Lopes Pinto, in CJSTJ, tomo II, pág. 254 e ss., donde citamos: “… Esses factos (provados e não-provados) hão-de ser os essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias relevantes juridicamente, que influenciam na determinação da medida da pena - os factos inócuos, ainda que incluídos na acusação e/ou contestação não têm de ser enumerados (vd., entre outros, acs. STJ in CJ XVI/2/19 e CJ STJ 11/1/246). …”;
- do STJ de 05/02/1998, relatado por Nunes da Cruz, in CJ, I, pp. 245 e ss., de cujo sumário citamos: “…II - O tribunal não tem que pronunciar-se sobre todos os factos alegados na contestação, mas apenas sobre os que integram matéria essencial à caracterização do crime e das circunstâncias juridicamente relevantes, pois que só esses são relevantes para a decisão.”;
- do STJ de 15/01/1997, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, in CJSTJ, tomo I, pág. 181 e ss., donde citamos: “…Esta exigência visa garantir que o tribunal contemplou todos os factos que foram submetidos à sua apreciação; como se disse no acórdão deste STJ de 26/3/92, BMJ nº 415, pág. 499, "a lei visa assegurar ou garantir o desempenho da exaustiva cognição, abranger a totalidade do "thema probandum"". Porém, esta garantia tem que ser articulada com o fim em vista - a decisão de uma causa-, só tendo sentido enquanto se refere a factos úteis a essa decisão, na aplicação da ideia de que compete ao tribunal proceder a uma condensação que expurgue aquilo que não interessa. Assim, tem igualmente este STJ entendido que a descrição dos factos provados e não provados se refere aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstância juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação - acórdão de 3/4/91, Col. Jur. 1991-II-19-, e não compreende os factos que não influam no proferimento da decisão - acórdão de 28/9/94, Col. Jur. - S.T.J. 1994/III/206, que apreciou um caso em que, como sucedeu nos presentes autos, nada se mencionou quanto aos factos não provados. Isto é igualmente de entender quanto aos factos alegados na contestação, já que as garantias de defesa apenas obrigam a que se considere o que foi alegado utilmente na sua óptica, e não o que é matéria irrelevante e excrescente. …”;
- da RG de 17/05/2010, relatado por Maria Augusta, no processo 248/07.7GAFLG.G1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, “quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.359º, nº2”. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte. …”;
- da RC de 08/02/2012, relatado por Alberto Mira, no processo 38/10.0TAFIG.C1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Contudo, a razão de ser do art. 374.º, n.º 2, na vertente que ora importa ter em conta, tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela da norma enquanto estiverem em causa, como se disse, factos relevantes para a decisão de mérito[…].
Como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena[…], sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal.
Só pode por isso decidir-se no sentido dessa inocuidade ou irrelevância no caso de a sua verificação resultar suficientemente segura à luz destas considerações, essenciais à prossecução cuidada da justiça penal concreta. …”;
- da RC de 19/03/2014, relatado por Belmiro Andrade, no processo 811/12.4JACBR.C1, do qual citamos: “…comando legal do art. 374º, n.º2 do CPP, obrigando à enumeração dos factos provados e não provados, refere logo a seguir, quanto aos fundamentos, que a exposição deve ser “tanto quanto possível completa, ainda que concisa”.
E, como tem decidido o STJ – v. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229 - a elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação.
Daí que, como expressivamente, refere o Ac. STJ de 12.03.1998, BMJ 475º, p. 233, “o art. 374º, n.º2 do CPP não exige, relativamente aos factos não provados a mesma minúcia que preside à indicação dos factos provados, tendo o tribunal que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, maxime na contestação com interesse para a decisão”.
O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra relevantes para a decisão a proferir. Ou ainda que sejam a afirmação e a negação do mesmo “recorte de vida”, enquadrar a perspectiva da defesa, por referência à acusação que contesta, dentro do escopo do processo, o apuramento ou descaracterização dos pressupostos do crime imputado ao arguido. …”.»


Vício da insuficiência da matéria de facto: «Importante resenha doutrinal e jurisprudencial sobre o que constitui este vício consta do acórdão da RP de 06/10/2004, relatado por Torres Vouga, in www.gde.mj.pt, processo 0441909, do qual citamos: “… «Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 339 in fine], [«Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição» (Ac. do STJ de 6/4/2000, publicado in BMJ nº 496, pp. 169-180)]. «Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido» [Ac. da Rel. de Lisboa de 19/7/2002, proferido no Proc. nº 128169 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo ficado apenas provado que o arguido tinha em casa uma navalha de ponta e mola, sem se terem indicado as respectivas características, não se pode inferir que a mesma tivesse as que são próprias das armas proibidas, pelo que a decisão impugnada baseou-se em matéria de facto que é insuficiente para o enquadramento da conduta do arguido na comissão do crime do artigo 260º do Código Penal», o Ac. do STJ de 2/12/1992 (in BMJ nº 422, p. 215)], [Cfr., no sentido de que, «não se dando como provados nem como não provados na decisão factos alegados na contestação, virtualmente integradores da figura jurídica da legítima defesa, importa concluir que o tribunal os omitiu e sobre eles não fez as necessárias diligências tendentes à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que grandemente pode prejudicar os direitos de defesa dos arguidos», sendo que «dessa anomalia decorre uma insuficiência da matéria de facto, consignada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando não uma nulidade da decisão, estatuída nas disposições combinadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), a colmatar através das disposições dos artigos 426º e 436º, todos do mesmo diploma», o Ac. do STJ de 7/12/1993 (in BMJ nº 432, p. 262)], [Cfr., no sentido de que «padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a sentença que, relativamente a um crime de ofensas corporais por negligência, não menciona o tempo de doença e/ou de incapacidade para o trabalho eventualmente resultante das lesões sofridas pela vítima», o Ac. da Rel. de Lisboa de 30/6/1998, proferido no Proc. 0010015 e relatado pelo desembargador SIMÕES RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «o requisito subjectivo da reincidência é ao nível da matéria de facto que deve, em concreto, ser apurado, com respeito pelo princípio do contraditório e a partir da indagação sobre o modo de ser do arguido, a sua personalidade e o seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos», «não tendo o Tribunal Colectivo apurado factualmente esse elemento, enferma o respectivo acórdão do vício previsto no art. 410º, nº 2, alínea a) do C.P.Penal que, impossibilitando a Relação de decidir a causa, impõe, nos termos do artº 426º, nº1, o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a esta questão», o Ac. da Rel. de Lisboa de 25/1/2001, proferido no Proc. 76299 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que, «não actuando a reincidência de forma automática e constando da acusação, como se impõe, os respectivos pressupostos, está o tribunal vinculado a indagar, com respeito pelo princípio do contraditório, os respectivos factos fazendo-os constar da matéria de facto provada ou não provada», pelo que, «não constando de tal matéria designadamente que a condenação anterior não constituiu suficiente advertência para o arguido não voltar a delinquir, há insuficiência da matéria de facto que implica a anulação parcial do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento nesta parte», o Ac. da Rel. do Porto de 19/9/2001, proferido no Proc. nº 0110239 e relatado pelo Desembargador ESTEVES MARQUES (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como, «no crime de difamação basta o dolo genérico, em qualquer das suas formas, directo, necessário ou eventual, não sendo exigido qualquer dolo específico, integrado pelo fim de difamar ou "animus diffamandi "», «se na sentença apenas se atendeu a esta última modalidade, dada como não provada, omitindo-se qualquer referência às outras formas que o dolo pode revestir, ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a consequenciar o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 5/7/1995, proferido no Proc. nº 9540397 e relatado pelo Desembargador FONSECA GUIMARÃES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «sendo o dolo requisito essencial para a verificação do crime de desobediência e mostrando-se a sentença completamente omissa quanto aos factos que integram esse elemento subjectivo (se o arguido agiu voluntária e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e proibido por lei), há que concluir pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que implica o reenvio do processo para novo julgamento destinado à averiguação daquela questão», o Ac. da Rel. do Porto de 3/4/2002, proferido no Proc. nº 111347 e relatado pelo Desembargador HEITOR GONÇALVES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo-se dado como não provado o dolo directo, há insuficiência da matéria de facto se esta for omissa acerca do dolo eventual», o Ac. da Rel. do Porto de 10/12/2003, proferido no Proc. nº 0315176 e relatado pelo desembargador FERNANDO MONTERROSO], [Cfr., no sentido de que, «não tendo o tribunal colectivo apreciado, considerado e investigado os factos constantes da contestação relevantes para a decisão da causa, por serem susceptíveis de integrar uma situação de reintegração social do arguido, de influir na graduação da pena e de fundamentar um juízo de prognose social favorável, tal omissão configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que constitui o vício da alínea a) do n.2 do artigo 410 do Código de Processo Penal que implica o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 21/6/2000, proferido no Proc. nº 0040212 e relatado pelo Desembargador VEIGA REIS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «a indagação das condições pessoais do arguido, mormente em caso de condenação, é um elemento inseparável do thema probandum delineado pelo objecto do processo, que o tribunal tem o dever de esgotar convenientemente», «a matéria de facto recolhida pelo tribunal recorrido enferma do vício de insuficiência sempre que dela conste não serem conhecidas as condições pessoais do arguido e se comprove que aquele tribunal nada fez para o conseguir», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2003, proferido no Proc. nº 03P3370 e relatado pelo Conselheiro PEREIRA MADEIRA (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].Essa insuficiência tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. Na verdade, «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada tem de resultar do texto da decisão recorrida e só existe quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada» [Ac. do STJ de 1/4/1993 (in BMJ nº 426, p. 132). No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. do STJ de 24/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 413), de 4/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 376) e de 30/11/1993 (in BMJ nº 431, p. 404)], [Cfr., no sentido de que «a insuficiência da matéria de facto é vício da sentença que se não confunde com a omissão, a montante, de diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade ou com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida», o Ac. da Rel. de Lisboa de 5/7/2000 proferido no Proc. nº 0042415 e relatado pelo Desembargador PULIDO GARCIA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., também no sentido de que «a falta de inquirição de uma testemunha em julgamento nada tem a ver com o vício previsto na alínea a) do nº. 2 do artigo 410º do CPP (insuficiência da matéria de facto provada), configurando antes uma omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, nos termos da alínea d) do nº. 2 do artigo 120º do mesmo código, entretanto sanada, se o vício não for invocado antes de finda a audiência (nº. 3, alínea a) do mesmo artigo 120º)», o Ac. da Rel. de Lisboa de 26/9/1995, proferido no Proc. nº 0003665 e relatado pelo Desembargador ARAGÃO BARROS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que «a eventual omissão de diligência probatória - inquirição em julgamento de perito do Instituto de Medicina Legal - não constitui " insuficiência da matéria de facto para a decisão ", mas antes nulidade processual sujeita ao regime do artigo 120º, ns. 2 - alínea d) e 3 - alínea a) do Código de Processo Penal», o Ac. da Rel. do Porto de 27/9/1995, proferido no Proc. nº 9540284 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
«O vício da insuficiência, tributário do princípio acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo [Cfr., no sentido de que «o vício da insuficiência da matéria de facto contemplado no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal só pode ocorrer em correlação com o legítimo objecto do processo», pelo que ele «não se verifica se os factos que o recorrente pretende ver investigados não foram objecto da acusação», o Ac. da Rel. do Porto de 26/5/1993, proferido no Proc. nº 9350062 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício» [Ac. da Rel. do Porto de 20/3/96 proferido no Proc. nº 9640041 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA]. «Na pesquisa do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410º nº.2 alínea a) do Código de Processo Penal, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais, concluindo-se pela verificação de tal vício - insuficiência - quando houver factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objecto do processo (mas não necessariamente enunciados em pormenor na peça acusatória) e que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal criminal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver» [Ac. da Rel. do Porto de 6/11/1996, proferido no Proc. nº 9640709 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De notar que «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» [GERMANO MARQUES DA SILVA ibidem], [Cfr., no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 13/2/1991 (sumariado in Actualidade Jurídica, nºs 15/16, p. 7) e o Ac. do STJ de 3/11/1999 (in BMJ nº 491, p. 173)]. Na verdade, «a insuficiência a que se refere a alínea a), do artigo 410º, nº. 2, alínea a), do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre facto(s) alegado(s) ou resultante(s) da discussão da causa que sejam relevante(s) para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão» [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/1999, proferido no Proc. nº 99P348 e relatado pelo Conselheiro LEONARDO DIAS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. «Logo, o vício em apreço não tem nada a ver nem com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova …), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão proferida (em que, também, há erro, já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta)» [Ibidem].
Por isso, também «não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer dos outros previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender “contrapor às conclusões fácticas do Tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi”» [Ac. do STJ de 25/5/1994 (in BMJ nº 437, p. 228)], [Cfr., também no sentido de que «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto apurada não é bastante para suportar uma decisão de direito, quando há lacunas na investigação, omitindo factos ou circunstâncias relevantes para essa decisão e sem os quais não seja possível proferir decisão, factos que, por isso, é necessário investigar, o que é diferente da discordância do recorrente quanto à matéria de facto que o julgador, apreciando a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, entendeu considerar provada», o Ac. da Rel. do Porto de 11/2/98 proferido no Proc. nº 9610991 e relatado pelo Desembargador MARQUES SALGUEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De igual modo, «não se confunde a insuficiência de fundamentação a que se refere o artigo 374º, nº 2, para que remete o artigo 379º, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mencionada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código» [Ac. do STJ de 8/6/1994 (in BMJ nº 438, p. 184)], [Cfr., no sentido de que, «se a sentença não se pronunciar sobre factos essenciais descritos na acusação, tal omissão de pronúncia envolve nulidade de sentença (artigos 374º numero 2 e 379º alínea a) do Código de Processo Penal), mais do que o vício da alínea a) do numero 2 do artigo 410º do mesmo diploma: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», sendo que «o conhecimento das causas da nulidade da sentença precede a averiguação da existência dos vícios indicados no número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois, considerada nula a sentença, perderá interesse apurar a suposta existência desses vícios», o Ac. da Rel. do Porto de 22/1/1992, proferido no Proc. nº 9150789 e relatado pelo então Desembargador CASTRO RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. …”.
[28] Nesse sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 21/06/2007, relatado por Simas Santos, no proc. 07P2268, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…A insuficiência a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP decorre, pois, da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa. E dispõe o art. 339.º, n.º 4 do CPP, a propósito: (…) «a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia(…)». …”, e de 29/03/2007, do mesmo relator, no proc. 07P339, in www,dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “…4 – A insuficiência da matéria de facto a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP é um vício da matéria de facto e não da matéria de direito. Se se entende que a matéria de facto assente é insuficiente para afirmar a verificação de um determinado tipo de crime, então o que se pretende é afirmar a existência de um erro típico de direito: o erro e subsunção dos factos ao direito. …”.»