Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Ocultação de riqueza: a proposta da ASJP

 


A Associação Sindical dos Juízes Portugueses formulou uma proposta de criminalização da ocultação da riqueza durante o período de exercício de altas funções públicas. O texto pode ser lido aqui.

Trata-se de propostas de redacção relativamente à  Lei 52/2019, de 31 de Julho [cujo texto pode ser consultado aqui], complementadas com considerações sobre a necessidade, oportunidade e constitucionalidade dos temas subjacentes à noção que visa ser alternativa à derrotada ideia da criminalização do enriquecimento ilícito, que fora reprovada pelo Tribunal Constitucional [Acórdão 377/2015], como se pode ler aqui.

O texto está estruturado numa linha de diálogo crítico ante a iniciativa governamental consubstanciada na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção [2020-2024, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 37/2021, RD nº 66, Série I, 6ABR2021], em cuja discussão pública a ASJP participou [mediante documento entre na Assembleia da República a 16 de Outubro de 2020], quer pela recuperação pública que o dito órgão associativo lançara em 2011 através de um jornal diário.

Clarificando a noção de «altas funções públicas», o documento refere que com ela se abrange os «sujeitos das obrigações declarativas da Lei 52/2019, de 31 de Julho», ou seja:

Artigo 2.º
Cargos políticos

1 - São cargos políticos para os efeitos da presente lei:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) Os Deputados à Assembleia da República;
e) Os membros do Governo;
f) O Representante da República nas Regiões Autónomas;
g) Os membros dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas;
h) O

s Deputados ao Parlamento Europeu;
i) Os membros dos órgãos executivos do poder local;
j) Os membros dos órgãos executivos das áreas metropolitanas e entidades intermunicipais.
2 - Para efeitos das obrigações declarativas previstas na presente lei, excecionam-se do disposto na alínea i) do número anterior os vogais das Juntas de Freguesia com menos de 10 000 eleitores, que se encontrem em regime de não permanência.
3 - Para efeitos das obrigações declarativas previstas na presente lei são equiparados a titulares de cargos políticos:
a) Membros dos órgãos executivos dos partidos políticos aos níveis nacional e das regiões autónomas;
b) Candidatos a Presidente da República;
c) Membros do Conselho de Estado;
d) Presidente do Conselho Económico-Social


Artigo 3.º
Altos cargos públicos

1 - Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos:
a) Gestores públicos e membros de órgão de administração de sociedade anónima de capitais públicos, que exerçam funções executivas;
b) Titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este;
c) Membros de órgãos de gestão das empresas que integram os sectores empresarial regional ou local;
d) Membros de órgãos diretivos dos institutos públicos;
e) Membros do conselho de administração de entidade administrativa independente;
f) Titulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados, e dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais e dos serviços municipalizados, quando existam.
2 - Para efeitos das obrigações declarativas previstas na presente lei são equiparados a titulares de altos cargos públicos:
a) Os chefes de gabinete dos membros dos governos da República e regionais;
b) Os representantes ou consultores mandatados pelos governos da República e regionais em processos de concessão ou alienação de ativos públicos.

A intervenção da ASJP segue num caminho diverso daquele que vinha sendo proposto quando das precedentes iniciativas quanto à criminalização do então denominado enriquecimento ilícito, visando claramente evitar as questões de constitucionalidade que se haviam suscitado a propósito desta figura. A propósito consta do documento:

«Parece razoavelmente evidente que os comportamentos potencialmente corruptivos relacionados com o exercício de altas funções públicas, independentemente da sua tipificação penal, apresentam, em abstracto, um denominador comum: aquisição e ocultação de património incongruente com os rendimentos conhecidos no período coincidente com o exercício das funções. É do senso comum que as pessoas que adquirem rendimentos ou património por via da prática de crimes, não o declaram às autoridades nem os colocam em posição de serem facilmente detectados. Não é, por isso, temerário estabelecer uma relação causal de alta probabilidade entre a ocultação intencional de riqueza adquirida naquele período e a existência uma prévia acção ilícita. Por outro lado, conhecem-se as dificuldades de investigar e provar a prática de crimes de corrupção e conexos no exercício de altas funções públicas. É reduzido o número de casos investigados e punidos, quando comparado com a percepção existente sobre a dimensão do fenómeno. Daí resulta que as normas penais incriminadoras e a multiplicação dos tipos legais para prevenir e reprimir comportamentos dessa natureza são reconhecidamente tidos como ineficazes. Foi precisamente para superar esta dificuldade que surgiram as tentativas anteriores de criminalização do enriquecimento ilícito. Sendo razoável supor, com base nas evidências do senso comum, a existência de um nexo causal entre os actos corruptivos e o enriquecimento incongruente e não sendo viável, em muitas situações, punir o fenómeno pela efectiva comprovação da ilicitude do acto causal, procurou-se fazê-lo através da incriminação do seu resultado objectivo. Essa não é, contudo, uma via constitucionalmente aceitável. O Tribunal Constitucional, através dos acórdãos nºs 179/2012 e 377/2015, julgou inconstitucionais as normas que visavam criminalizar o enriquecimento ilícito ou injustificado, aprovadas, respectivamente, pelos Decretos da Assembleia da República nºs 37/XII e 369/XII. Para o Tribunal Constitucional uma norma dessa natureza (i) não respeita o princípio da proporcionalidade, por ausência de bem jurídico definido na esfera de protecção da norma e por violação do princípio da subsidiariedade do sistema penal; (ii) não respeita o princípio da legalidade, pois não identifica a acção ou omissão proibida e (iii) não respeita a proibição da presunção de inocência, nos segmentos da inversão do ónus da prova, do in dubio pro reo e do direito ao silêncio e à não auto-incriminação. Deve, pois, ter-se como adquirida e indiscutível a inconstitucionalidade de qualquer solução de criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado, com o sentido das anteriores tentativas legislativas.»

Perante tal perspectiva [a de não aceitar qualquer solução que assente na criminalização], sugere a Associação;

«O sentido da proposta da ASJP é, portanto, outro. Uma proposta que, a bem da necessidade de clarificar conceitos e não inquinar a discussão pública, abandona de vez designações como “enriquecimento ilícito”, “enriquecimento injustificado” “enriquecimento incongruente” ou outras equivalentes. O que está em causa, primordialmente, não é apontar o foco para o desvalor da ilicitude do enriquecimento no exercício de altas funções públicas, mas sim reforçar a protecção do bem jurídico da transparência no exercício dessas funções, aperfeiçoando os mecanismos previstos na LOD de declaração da situação patrimonial dos titulares de altas funções públicas e de responsabilização criminal em caso de incumprimento. Consequentemente, por razões de coerência sistemática e de melhor identificação do bem jurídico protegido, defende-se a alteração das normas pertinentes da LOD e não a criação de qualquer tipo criminal autónomo, a inserir no Código Penal ou noutro diploma legal.»

E assim, eis o que vem proposto:

Artigo 14º (actualização da declaração) 

Número 5 (novo): 

Nas declarações previstas neste artigo deve constar também a descrição de promessas de vantagens patrimoniais futuras que possam alterar os valores declarados, referentes a alguma das alíneas do nº 2 do artigo anterior, em montante superior a 50 salários mínimos mensais, cuja causa de aquisição ocorra entre a data de início do exercício das respectivas funções e os três anos após o seu termo. 

Explicação: Visa-se incluir nas obrigações declarativas a que se refere o artigo 14º, que são aquelas que permitem fiscalizar as variações ocorridas no período já considerado relevante por lei, as promessas de obtenção de vantagens futuras com valor económico. Sem uma norma como esta, a protecção do bem jurídico da transparência no exercício do cargo é incompleta, na medida em que o recebimento da vantagem depois de 3 anos após a cessação de funções pode traduzir-se num aumento significativo de riqueza não sujeita a qualquer tipo de fiscalização ou sanção. 

Número 6 (novo): Nas declarações previstas neste artigo deve constar também a indicação dos factos geradores das alterações que deram origem ao aumento dos rendimentos ou do activo patrimonial, à redução do passivo ou à promessa de vantagens patrimoniais futuras.

Explicação: Na declaração correspondente ao início do cargo a indicação dos factores geradores da riqueza não é relevante para a protecção do bem jurídico em causa na LOD. Porém, nas declarações subsequentes, previstas no artigo 14º (60 dias após a cessação de funções, 30 dias após as alterações patrimoniais relevantes e 3 anos após o fim do exercício de funções), que permitem fiscalizar as variações ocorridas no período correspondente, considera-se que as declarações devem também indicar a fonte da riqueza adquirida, visando aumentar a protecção do bem jurídico e tornar mais efectiva a possibilidade de fiscalização.


Artigo 18º (incumprimento das obrigações declarativas) 

Números 4, 5, 6 e 7: Eliminar.

Explicação: A tipificação penal da omissão de entrega de declaração ou de ocultação de rendimentos e património deve ser feita em norma autónoma. 


Artigo 19º (desobediência qualificada e ocultação intencional de riqueza) 

1 – Sem prejuízo do disposto do artigo 18º, a não apresentação intencional das declarações previstas nos artigos 13º e 14º, após notificação, é punida por crime de desobediência qualificada, com pena de prisão até 3 anos. 

2 – Quando a não apresentação intencional das declarações referidas no número anterior não tenha sido acompanhada de qualquer omissão de declaração de rendimento ou elementos patrimoniais perante a autoridade tributária durante o período do exercício de funções ou até ao termo do prazo previsto no artigo 14º nº 4, a conduta é punida com pena de multa até 360 dias. 

3 – Quem, fora dos casos previstos no º 1, com intenção de ocultar elementos patrimoniais, rendimentos ou promessas de vantagens patrimoniais futuras que estava obrigado a declarar em valor superior a 50 salários mínimos mensais, não apresentar a declaração prevista no artigo 14º nº 2 ou omitir de qualquer das declarações apresentadas a descrição ou justificação daqueles elementos patrimoniais ou rendimentos ou promessas de vantagens patrimoniais futuras nos termos do artigo 14º nºs 5 e 6, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 

4 – Incorre na mesma pena prevista no número anterior quem, com intenção de os ocultar, não apresentar no organismo ali previsto as ofertas de bens materiais ou serviços a que se refere o artigo 16º, quando o seu valor for superior a 50 salários mínimos mensais. 

5 – Os acréscimos patrimoniais não justificados apurados ao abrigo do regime fiscal tributário, de valor superior a 50 salários mínimos mensais, são tributados, para efeitos de IRS, à taxa especial de 80%.

Explicação: Nº 2: Visa-se aperfeiçoar a redacção por o período relevante para a fiscalização prevista na LOD não ser apenas o correspondente ao exercício de funções, como erradamente parece decorrer do actual nº 5 do artigo 18º, mas dever incluir também os 3 anos a que se refere o artigoº 14º nº 4. Nº 3: O nº 1 (correspondente ao actual nº 4 do artigo 18º) pune como desobediência a não entrega da declaração devida após notificação para o efeito da entidade fiscalizadora. Simplesmente, tratando-se da alteração patrimonial ocorrida no exercício de funções, prevista no artigo 14º nº 2 al. a), a entidade fiscalizadora dificilmente notificará o titular do cargo para apresentar a declaração em falta porque não terá, em regra, conhecimento dessa alteração. Daí resulta que, no regime em vigor, o titular do cargo que não apresente a declaração de alteração patrimonial superior a 50 salários mínimos mensais não é punido. Não comete crime de desobediência porque não foi notificado previamente para a apresentar e não comete o crime do actual artigo 18º nº 6 porque este não se refere à falta de entrega de declaração mas sim à omissão de indicação de elementos patrimoniais ou rendimentos numa declaração entregue. Ora, no caso de se verificar no decurso de funções uma alteração patrimonial superior a 50 salários mínimos mensais, o que deve ser punido como ocultação intencional de riqueza é a própria omissão de apresentação da respectiva declaração. Nº 4: Com o regime em vigor, o titular do cargo que no período correspondente ao seu exercício receba ofertas de bens ou serviços e não as apresente ao organismo competente, nos termos do artigo 16º, não sofre qualquer consequência penal. Tratando-se de uma oferta com valor superior a 50 salários mínimos mensais, a omissão dessa apresentação com intenção de a ocultar deve ser equiparada para efeitos penais à omissão de declaração de elementos patrimoniais ou rendimentos. No que respeita ao agravamento da pena proposto, ele resulta do facto de haver um aumento de ilicitude da acção, resultante do maior desvalor da violação da obrigação não apenas de declarar os rendimentos e património mas também de justificar a respectiva proveniência. Por outro lado, mesmo com o regime actual, considera-se que existe uma desproporção nas medidas das penas previstas nos números 4 e 6 do artigo 18º, que esta proposta também elimina. É diferente e maior o desvalor da acção de ocultação intencional de riqueza adquirida no período do exercício de altas funções públicas que relativamente ao desvalor da simples omissão de entrega da declaração. No primeiro caso está em causa a falsidade de uma declaração com intenção de ocultar riqueza, ao passo que no segundo se trata apenas da desobediência a um comando legal, sem essa intenção. A pena que se propõe, de 1 a 5 anos de prisão, é a que corresponde actualmente aos crimes de falsificação de documentos por funcionários no exercício de funções, previstos nos artigos 256º nº 4 e 257º do Código Penal, que se consideram de desvalor jurídico equivalente. 

A ASJP e o CPP: apresentação de livro

O vídeo que regista a apresentação, a 24 de Janeiro, na Biblioteca da Assembleia da República, do livro da Associação Sindical dos Juízes Portugueses com as propostas para a revisão do Código de Processo Penal, pode ser visto aqui
A matéria é da exclusiva competência do Parlamento, só podendo o Governo legislar após autorização legislativa. Ali foi discutida, até ao ínfimo pormenor, a proposta que daria a Lei n.º 78/87, a qual deu ao Governo poderes para aprovar o Código de Processo Penal que o Parlamento conheceu então como se fosse seu.

ASJP e a revisão do CPP

É hoje apresentado em livro o documento que consubstancia as linhas gerais da proposta da Associação Sindical dos Juízes Portugueses quanto à reforma do sistema processual penal. Ei-las, segundo o sumário que introduz o relatório. Teremos oportunidade de as comentar especificadamente. Agora apenas o resumo.

Inquérito

Avocação obrigatória do processo pelo superior hierárquico do magistrado do MP no termo do prazo máximo fixado na lei, precedida, se necessário, da concessão pelo superior hierárquico de prazo até 30 dias para que o titular inicial proferir despacho de encerramento do inquérito;
O superior hierárquico que avocou o inquérito deverá concluí-lo em novo prazo que não ultrapasse um terço do legalmente estabelecido ou requerer ao juiz de instrução nova prorrogação, por uma só vez, invocando e demonstrando a impossibilidade de o terminar e indicando o prazo necessário para o efeito, que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado;
O juiz de instrução depois de ouvir o arguido avaliará os fundamentos para a prorrogação do prazo, podendo conceder novo prazo pelo tempo objetivamente indispensável à conclusão da investigação mas que não pode exceder um terço do prazo regra legalmente fixado; não sendo concedida a prorrogação o MP disporá ainda de 30 dias para encerrar o inquérito;
A violação dos prazos referidos deverá ser causa de rejeição da eventual acusação que venha ainda assim a ser proferida;
O prazo do inquérito deve suspender-se, para além dos casos já previstos na lei, quando seja expedida carta rogatória e ordenada a realização de perícias ou outras diligências requeridas pela defesa, enquanto estiver pendente outro processo com relevância para o sucesso da investigação e enquanto o estiverem a decorrer diligências para a aplicação de pena por consenso;
O período total de suspensão não deverá em qualquer dos casos exceder metade do prazo que corresponder ao inquérito, acrescido de 3 meses em caso de pluralidade de causas de suspensão.

Pena consensual

A alteração que se propõe para a aplicação de pena consensual parte do modelo atual do processo sumaríssimo e assenta nos seguintes vetores fundamentais:
Com vista ao encerramento do inquérito, será obrigatória a audição pelo MP do arguido acompanhado de defensor, em diligência especialmente destinada a ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo ou de pena consensual, de acordo com os respetivos pressupostos;
O MP, sob pena de nulidade, fundamentará, de modo conciso mas com base em factos determinados, a razão pela qual não promove a aplicação da suspensão provisória do processo ou da aplicação de pena consensual;
A aplicação de pena consensual será admissível sempre que o MP, face aos indícios recolhidos no inquérito e à respetiva qualificação jurídica, entenda dever ser aplicada no caso concreto pena que, depois de reduzida em um terço, não seja superior a 5 anos de prisão;
A pena ou medida de segurança proposta pelo MP e aceite pelo arguido será sujeita a homologação pelo juiz, que no caso de concordar condena na sanção penal respetiva;
O juiz rejeitará o requerimento quando este for manifestamente infundado, não existirem indícios suficientes da prática do crime, estiver indiciada a prática de crime mais grave ou entender que a sanção proposta é insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
Se o arguido não aceitar a sanção proposta pelo MP o processo será remetido para julgamento mas a pena aplicável não poderá ser mais gravosa na sua espécie e medida, exceto se em audiência se apurarem circunstâncias que traduzam uma maior gravidade do facto ou da culpa que não tenham sido consideradas;
Se o processo seguir para julgamento fica impedido de nele participar o juiz que tiver rejeitado a homologação do requerimento do MP ou que tiver participado na determinação da sanção não aceite pelo arguido.

Instrução

A alteração preconizada vai no sentido de reduzir a instrução facultativamente requerida pelo arguido à discussão da decisão de acusar, em diligência oral e contraditória, correspondente, nessa parte, ao atual debate instrutório, sem que haja lugar a produção de prova. A instrução requerida pelo arguido visará, pois, a discussão da acusação de forma contraditória perante o órgão independente, tribunal, de modo a que a sua sujeição a julgamento não dependa apenas e decisão do órgão comprometido com a acusação. E terá, assim, como objeto a apreciação de indícios resultantes da prova recolhida no inquérito, bem como a apreciação de nulidades e questões prévias ou incidentais que possam conduzir à não pronúncia, incluindo as proibições de prova

Sentença abreviada

Deve pois ser consagrada a permissão de em determinadas circunstâncias ser possível proferir uma sentença apenas com indicação dos factos provados e da parte dispositiva, relegando-se para ulterior momento, se necessário em função do recurso, a fundamentação exaustiva da motivação probatória da decisão.

Declarações anteriores

Defende-se, portanto, a possibilidade de valoração em audiência das declarações do arguido anteriormente prestadas, mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente, caso se verifiquem cumulativamente os seguinte requisitos:
Tiverem sido prestadas perante juiz, na presença do seu defensor;
O arguido tiver sido advertido de que as suas declarações podem ser usadas em audiência de julgamento mesmo que se remeta ao silêncio ou esteja ausente;
As declarações tiverem sido gravadas em áudio e vídeo, pelo menos em regra;
O arguido tiver sido informado por escrito, aquando da prestação de T.I.R., do efeito legalmente reconhecido às suas declarações no caso de a audiência ter lugar na sua ausência.

Recursos

O recurso para o tribunal constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, não deve ter efeito suspensivo sobre a decisão recorrida quando esta tiver sido proferida por tribunal superior na sequência de decisão ou decisões anteriores igualmente condenatórias;
Deve tornar-se obrigatório o conhecimento e a reparação pelo tribunal recorrido dos vícios geradores de nulidade (ou efeito equivalente) total ou parcial da decisão final, evitando assim que o recurso suba ao tribunal superior, nomeadamente quando se trata de vício manifesto;
Deve tornar-se também obrigatório que o tribunal de recurso conheça e decidida todas as questões suscitadas, mesmo que haja anulação da sentença, restringindo-se o leque argumentativo dum futuro novo recuso e rentabilizando-se de forma mais coerente o trabalho do tribunal de recurso, evitando-se nova distribuição do processo e que outros juízes tenham que conhecê-lo e preparar a nova decisão.

Proibições de prova

O quadro actual impõe uma clarificação legislativa das proibições de prova em aspetos como a sua autonomização face às nulidades, a maior ou menor amplitude dos seus efeitos e respetiva base legal, as dificuldades de caracterização como proibição de prova ou nulidade de muitas das invalidades previstas.

Defesa oficiosa

Propõe-se, portanto, uma revisão que incorpora as vantagens do sistema de defesa pública mas não põe em causa a liberdade e independência que caracterizam a advocacia, obedecendo aos seguintes princípios:
A defesa deve ser assegurada por advogados independentes e não por juristas funcionários do Estado; 
Os defensores devem ser recrutados por concurso e ter maior qualificação técnica e mais disponibilidade, com um sistema de vinculação temporária ao Estado por contrato;
É necessário garantir o respeito pelo direito constitucional à escolha do defensor;
- A gestão do sistema deve ser assegurada por entidade pública autónoma do Estado e não pela Ordem dos Advogados, assente exclusivamente em critérios de interesse público;
Têm de ser criados mecanismos de remuneração adequada e digna e financeiramente comportáveis, plenamente transparentes e fiscalizados.

O mundo de Sísifo

O blog Sine Die, tem trazido vários posts de reflexão em torno das propostas avançadas num estudo que acompanhou o último Congresso da ASJP. E anuncia mesmo um livro de Figueiredo Dias sobre o assunto.  Lêr aqui.
Confesso a minha frustração ao ler, pois quando divulguei aqui o estudo em causa, interiorizei que o analisaria atentamente e traria a público, em voz alta, uma reflexão sobre o lido. E até agora nada. Bem haja pois aquele blog por ter aberto o pensamento em público sobre as propostas. E parabéns.
Quanto a mim, sucede que isso exigiria tempo e, mesmo descontando à pena de prisão, que é ter de advogar, todo o tempo de privação da liberdade que sofri, e com gosto a sofro, em outros processos ainda por findar, como são o da escrita e o da leitura, ainda é curto o espaço de libertação.
Talvez um pouco de organização mo permita. Hoje, dia de greve geral, poderia por exemplo, ficar-me pelos devaneios e pela liberdade de espírito. Mas os prazos para amanhã não saltam este dia, nem as responsabilidades decorrentes da profissão e o que ela sustenta. Mesmo acordando pelas seis da manhã para este mundo de Sísifo, de que o visível e mediático é apenas a espuma de um subterrâneo sem cores nem brilho, oblíquo, o eterno retorno do ter de ser.

Congresso da ASJP

As conclusões do 9º Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, os discursos e comunicações estão aqui. O estudo elaborado, após um ano de trabalho pelo Grupo de Estudo e Observatório dos Tribunais dessa Associação lê-se aqui.
Não me é possível comentar de imediato o segundo, mas quanto às conclusões do Congresso, nota-se o carácter vago de todas elas. Não sei se por não ter sido viável alcançar um acordo convergente em torno de ideias menos indeterminadas ou se foi uma forma de deixar margem aberta para uma política de não compromisso. 
Lê-se, por exemplo, a propósito do processo penal: «3- No processo penal há que assumir a diferenciação e simplificação processual, nomeadamente agilizando o inquérito e a fase instrutória e dando uma maior abertura à sentença abreviada».
Ora quer isto dizer precisamente...nada! O que é pena.
Vou ler o estudo, esperançado em realidades úteis.

Hey, cowboy!

Primeiro veio no jornal, aqui, assim, e alguém, que afinal tinha sabido pelo jornal, também mo resumiu do mesmo modo: «A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) propõs esta terça-feira "uma revolução no Código de Processo Penal". O Ministério Público passaria a poder negociar a pena com o arguido, ao estilo americano; a fase de instrução seria resumida a um só debate; e a acusação teria de estar concluída dentro de um prazo a estipular, findo o qual, o processo abortaria».
Claro que ante um tal resumo o melhor é pensar coisa nenhuma: porque vago, porque impreciso, porque formulado em termos  de linguagem de leigo; «processo abortaria», «negociar a pena», «prazo a estipular», sei lá o quê.
Confesso que achei insólito que uma tal vacuidade merecesse logo pronto apoio da parte de um académico, como se vê aqui.
Na ânsia de encontrar algo de mais concreto fui ao site da ASJP, aqui. Nada ou as minhas dioptrias aumentaram.
Em suma: estamos a discutir chavões e generalidades. «Justiça à americana». Sobre isso, já deixei aqui vários posts que resumem o que penso acerca do essencial daquela Justiça. 
Espero que os pro-yankees se pronunciem sobre o que querem. Depois conversaremos. Até aqui são frases, das que enchem jornal.