Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Acórdãos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Acórdãos. Mostrar todas as mensagens

A singularidade do plural

Doravante não mais citarei um acórdão com menção ao nome do relator. 
Trata-se, no que aos acórdãos respeita, de acto colegial, convénio de vontades, que se supõem convergentes . 
Quando não há essa convergência, tem lugar o voto de vencido, individualizado e assinado.
A menção destacada ao relator inculca a ideia de que, naquele acto, um decidiu e os outros aderem, é o triunfo do individual sobre o plural.
Por lei, o que das mãos do relator sai é um projecto; se foi modificado ou não, quando da discussão, e se discussão chegou sequer a haver ou mera audição de resumo e assinatura, eis o que a mesma lei exige fique em sigilo.
Já basta o legislador ter tornado o que seria um colectivo de três em dois, porquanto o presidente só intervém havendo empate; agora a isso juntar o facto de ser possível dizer-se que, quando polémico, se assinou sem ler ou que a narrativa da decisão a outro pertence, isso não: será, numa aritmética degradante, tornar três em dois e dois em um, passarem os acórdãos a não se distinguirem de sentenças uninominais.
A solenidade de uma sentença, o prestígio da Justiça, exigem que, sendo secreta a deliberação e público o deliberado, aquele texto seja, sem discrepância, no decidido e na fundamentação, uma só voz.
De outro modo, como já chegou a ser escrito num muro contíguo ao Tribunal da Boa Hora, um destes dias, «sentença é uma opinião!»

Assentos e uniformização de jurisprudência: uma questão em aberto


Decisão judicial ou lei? Este era o núcleo problemático do instituto dos Assentos, sobre cuja natureza António Castanheira Neves escreveu a sua decisiva dissertação. Problema que de algum modo parecia reposto em novos termos antes os acórdãos uniformizadores de jurisprudência que tanto o processo civil como o penal acolheram. Mas é questão, afinal, em aberto.

Tirado em matéria cível, este, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.09.2014 [agora publicado na íntegra aqui] veio retomar o problema sentenciando que: «Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

Eis o passo essencial do raciocínio:

«Entre a rigidez interpretativa obrigatória dos antigos assentos e a mera natureza indicativa da jurisprudência em geral, está a jurisprudência uniformizada. Esta tem de ter um valor próprio que não se pode ficar pela mera sugestão (ainda que reforçada), hipótese em que perderia a razão de ser.
A regra só pode ser a de que a jurisprudência uniformizada não deve ser afastada pela mera discordância doutrinal do julgador, caso que não se distinguiria da restante jurisprudência.
A citação do conselheiro Abrantes Geraldes feita no acórdão em apreço resolve de forma lapidar a questão: “o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. (...)  “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior” Ou seja, não basta não se concordar com o entendimento do acórdão uniformizador. Essa é uma questão ultrapassada. É necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

[...]
«Citando novamente Abrantes Geraldes – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 379 – :

“Ou seja, a divergência ( com a jurisprudência uniformizada) não se justifica por si mesma, antes devendo ser encarada como um objectivo cujo alcance exige um percurso que, sem hiatos, tenha como ponto de partida a letra da lei e percorra todas as etapas intermédias.
Em suma, para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.”»