Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Conselho de Ministros de 28.11.2019

É este o comunicado da reunião de hoje do Conselho de Ministros:

1. O Conselho de Ministros aprovou hoje o decreto-lei que procede à criação de juízos de competência especializada, nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Tendo por base a identificação dos tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários com volume processual significativo nas áreas de competência dos juízos especializados, procede-se ao seu desdobramento para combater o aumento significativo das pendências nessas áreas, e de modo a assegurar uma oferta judiciária mais adequada e eficiente onde ela se revela mais necessária.

Neste âmbito, é de realçar a criação dos juízos de competência especializada administrativa de contratos públicos nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição alargada sobre as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes, que visa adicionalmente assegurar a confiança necessária no domínio da economia e das finanças públicas, providenciando uma tramitação mais célere e especializada.

Para a concretização desta medida pesou não só a análise crítica dos dados estatísticos e empíricos disponíveis, que identificaram um elevado volume de processos nas áreas identificadas, mas também um estudo elaborado pelo Observatório da Justiça.


2. Foi aprovado o decreto-lei que altera o regime de adiamento de atos processuais nas situações de maternidade, paternidade ou falecimento de familiar próximo dos solicitadores.

O presente diploma vem reconhecer aos solicitadores o direito de beneficiarem, no exercício do mandato forense ou no âmbito do patrocínio oficioso, do regime já aplicável aos advogados no que respeita à dispensa de atividade durante um certo período, assegurando-se, assim, a igualdade de tratamento e permitindo uma melhor conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.


3. Foram aprovadas as minutas dos contratos fiscais de investimento a celebrar entre o Estado português e quatro sociedades comerciais (Panpor - Produtos Alimentares, Hutchinson Borrachas de Portugal, Eurostyle Systems Portugal - Indústria de Plásticos e de Borracha e Bosch Termotecnologia), relativos a projetos de investimento que reúnem as condições necessárias para a concessão de incentivos fiscais.

Tratando-se de projetos com particular interesse para a economia nacional – representam um investimento global superior a 68 milhões de euros, a criação de 610 novos postos de trabalho até 2022 e a manutenção dos atuais 1591 empregos – , é atribuído às empresas promotoras um crédito a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

A presente resolução aprova ainda um aditamento ao contrato fiscal de investimento celebrado a 9 de julho de 2014, com a sociedade 360 Steel Materials, que prevê um crédito a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.


4. Foi aprovada a resolução que delega na ESPAP - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública competências para condução dos procedimentos de contratação centralizada, ao abrigo dos Acordos-Quadro de Eletricidade, Gás Natural e Combustível Rodoviário.


5. Foram reapreciados os seguintes diplomas aprovados na anterior legislatura e que não concluíram o respetivo procedimento legislativo:

- Proposta de lei relativa ao novo regime jurídico da constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões. O diploma, a submeter à apreciação da Assembleia da República, assegura a transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) n.º 2016/2341, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016;

- Proposta de lei que inclui novas substâncias psicoativas na definição de droga, transpondo a Diretiva Delegada (UE) 2019/369, da Comissão.


6. Foi autorizada a realização de despesa relativa aos seguintes procedimentos:

- Aquisição, pela Guarda Nacional Republicana, dos serviços de viagens, transportes aéreos e alojamento para os seus militares;

- Reprogramação da despesa decorrente da contratação de fornecimento de eletricidade em regime de mercado livre pela Polícia de Segurança Pública;

- Contratação, pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, dos serviços de refeições confecionadas destinadas aos centros educativos e dos estabelecimentos prisionais.

Adiamentos, férias, e o jogo do pião

Ter feito parte da Comissão de que saiu o Código de Processo Penal de 1987 e ter ainda conservada uma relativa memória faz-me ter por vezes um pensamento que se diria pessimista se não fora realista.
Quis-se então, após acalorada discussão, evitar os adiamentos sucessivos de audiências, sobretudo aqueles que faziam mediar entre cada sessão um tempo tido por inaceitável.
O Código iria reflectir, de entre os vários princípios programáticos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a ideia do tempo razoável para a justiça restituir a paz social através de um processo que só assim seria justo.
Entre as várias soluções propostas - e todas elas sopesando experiências transactas que haviam redundado em fracasso - triunfou a de prever um prazo - trinta dias - entre cada adiamento de audiência, e uma penalização: a caducidade da prova.
A primeira partiu de uma asserção, a de para além de trinta dias, a memória humana, mesmo a privilegiada memória judicial - ademais a de quem tenha que reter factos de vários processos e sobretudo complexos - já começa a sofrer dúvidas e incertezas; a segunda resultou de uma constatação: a de norma procedimental para a qual o legislador não fixe sanção é, lamentavelmente, norma para não cumprir * .
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Ante isto a jurisprudência que fez?
Começou por duvidar sobre se, estando a prova gravada e podendo qualquer dos intervenientes processuais - maxime os juízes - consultarem as gravações, se justificaria este fundamento de perda de memória e se, nesse caso, o regime se aplicaria.
Depois, tendo de cumprir em férias judiciais, o ritual de designar audiência para que prova se produzisse, e tantas vezes ocorrendo que se tratava de mera burocracia - que um espírito irónico sintetizou, ante o caricato do que amiúda ocorria, com o «perguntar as horas ao arguido ou a uma testemunha e já está!» - e ante o desprestígio que tal implicava - pois continuar julgamentos em férias, eis algo que a pouquíssimos agradava - pura e simplesmente veio o legislador em socorro dos recalcitrantes e, com perda de memória ou em ela, já que a prova é gravada, pura e simplesmente os trinta dias contam sim, mas nas férias não!
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Eis os números 6 e 7 do artigo 328º do CPP, tal como resulta da Declaração de Rectificação n.º 105/2007, a qual, como se lembrarão alguns - foi há mais de trinta dias! - Rectifica a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procede à 15.ª alteração e republica o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro:

«(..)

6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respectivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita. 
7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar. 

(...)»

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Não gosto de ter opiniões definitivas. Mas pergunto se há lógica nisto porque, a existir, que se acabasse de vez com os trinta dias em férias e antes delas e ficasse a regra de que os julgamento começam quando é possível, continuam quando houver possibilidade e terminam quando chegar o momento. Claro que há a imediação e a concentração e todos esses princípios maiores do processo penal - e há quem ensine este ramo do Direito só com base em princípios, gerando ilusões - mas, ante a prática que os desmente, que melhor fazer do que uma legislação de franqueza?
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Dirão que o que acima fica é cinismo ou ironia. Seguramente sim. Estaria sempre contra uma tal lei, como estive contra aqueles casos em que para uma sessão vi marcados vários julgamentos, de que se faz um pouco de um e um pouco de outro, e assim sucessivamente, vários por manhã, outros por tarde, como piões vários a rodopiar.
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* Veja-se o que se passou em matéria dos prazos de duração do inquérito. Bem escreveu o legislador do artigo 276º do Código de Processo Penal e por duas vezes - uma na epígrafe do preceito outra no corpo do seu número 1 - que se tratava de prazos «máximos». Como para o desrespeito desses prazos não estipulou sanção, nem outra consequência salvo a inoperante aceleração - porque não sendo um mecanismo de habeas actum não contém uma intimação a agir, mas mera recomendação para que se aja - ficou tudo como aquilo que hoje é matéria de polémica na comunicação social: em suma, havendo prazos máximos escritos naquele artigos eles são, afinal, outros, pois o inquérito pode eternizar-se até à prescrição do procedimento criminal. Isto é, como se o legislador tivesse previsto: «O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação nos prazos máximos previstos nos artigos 118º a 121º do Código Penal» [seja os respeitantes aos prazos de prescrição do procedimento criminal].
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Fonte da imagem: aqui

Adiamentos e prova: o Acórdão n.º 1/2016


O tema da semana foi, na área penal, a publicação no Diáirio da República do Acórdão n.º 1/2016, do STJ, de 12 de Novembro [vê-lo aqui e já antes aqui] fixando jurisprudência quanto à perda de eficácia da prova por adiamento de audiência para além do prazo de trinta dias previsto na lei, tal como o prevê o artigo 328º do Código de Processo Penal. 

Tratou-se, diga-se, de uma forma jurisprudencial de remediar uma falta de previsão da lei numa matéria que carecia de norma, de uma jurisprudência criativa ante uma necessidade que o legislador não supriu.

Estive na Comissão, presidida pelo Professor Figueiredo Dias, de que saiu o Código de Processo Penal em vigor. E recordo a preocupação que houve em dar execução ao comando do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Homem no sentido de que os processos na área criminal tivessem a duração de um prazo razoável e não se arrastassem indefinidamente e., no que às audiências respeita, elas fossem orientadas por um princípio de continuidade [e concentração], segundo o qual, e numa fórmula para leigos, começassem para acabar sem hiatos, suspensões ou interrupções salvo o necessário e inevitável. [sou do tempo em que ainda havia julgamentos à noite na Boa-Hora para terminar audiências que de outro modo passariam para outro dia].

Um dos factores que foi tido em conta no estabelecimento das normas respectivas foi a circunstância de não haver memória humana que resista a intervalos entre audiências demasiadamente extensos, considerando-se que trinta dias era adequado pois, para além disso, já os sujeitos processuais poderiam começar a fazer confusões entre a prova produzida na sessão antecedente da audiência que estivesse em causa.

Foi com base nesta lógica que se redigiu o artigo 328º do Código de Processo Penal, o que está aqui em causa.

De modo a dotar o sistema de garantia de cumprimento - lamentável que as normas sem sanção, porque tidas por meramente ordenadoras, sejam incumpridas, como as do prazo máximo de inquérito - estabeleceu-se que, no caso de o intervalo entre as sessões de audiência ultrapassarem os trinta dias, perdia eficácia a prova produzida até aí. 

E nasceu aí o problema que tem vindo a incidir sobre o preceito: por um lado, aqueles que entendiam que ele era incompatível com o normal funcionamento dos tribunais, que não tinham agenda que resistisse a adiamentos aquém de trinta dias; por outro, os que lembravam que havia casos em que, aguardando-se, em fase de audiência, pelo cumprimento de diligências demoradas - uma informação, um exame, uma precatória ou rogatória - ou interpondo-se férias, para evitar o risco de se perder a prova, as audiências teriam de abrir em regime de mero "pro forma".

Convivemos todos com o caricato sistema de reabaerturas de audiência em que, no dizer irónico de alguém, «o juiz perguntava que horas eram ao arguido», de tal modo tudo se passava a fingir, expediente desprestigiante para a justiça; e todos vivemos com aqueles momentos, de agonia ou alegria - conforme os interesses - em que se temia que o arguido faltasse e não houvesse material humano para esse jogo de "faz de conta" orientado a que não prova não fenecesse

Era esta a redacção primitiva do texto do artigo que a tudo deu causa: « O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.»

Sistema demasiado drástico, comentaram alguns, quando o novo regime foi conhecido; sistema inviável, alegaram outros; sistema que teria de ter excepções pensaram quase todos.

Claro que já na altura, se teve em linha de conta que. doaravante, prevalecendo-se dos modernos meios tecnológicos, a prova em audiência seria gravada - prevendo-se até que o pudesse ser em vídeo - e por isso andou pela mente dos legisladores - e depois de alguma jurisprudência - que, uma vez que os intervenientes se poderiam socorrer das gravações, para refrescarem a memória, sempre se poderia abrir excepção à caducidade ao trigésimo dia; e dúvida surgiu quanto a saber se o sistema se aplicava também quando o intervalo surgisse entre o último dia de produção da prova e o dia em que a sentença fosse lida, após ter sido escrita e algumas eram imensamente extensas, sendo que sobre isso, aquilo que na Comissão se esperava e aquele que se viveu na prática dos tribunais houve um mundo de diferença: é que se há momento em que importa que a memória tudo recorde é esse, aquele em que se toma a decisão sobre toda a prova.

Mas há sobretudo algo que não poderia ser esquecido: a continuidade da audiência estava indissociavelmente ligada à sua concentração, pois que um julgamento que, semeado de intervalos extensos, sendo demasiado longo gera o indesejável mas expectável efeito de no último dia já haver só reminiscência de como começou. A sermos honestos com a realidade e excepcionando as "memória de elefante", que as há.

Mau grado a Justiça ter de enfrentar estas vicissitudes, a norma ficou sem modificações, mau grado as três alterações legislativas que incidiram sobre o preceito. E para além daquelas questões outras foram surgindo, mormente quanto à repetição das audiências por outros motivos. Tudo a exigir revisão global do sistema e ela a tardar.

A tentativa de adequação, essa, só surgiu com a Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, após a qual ficou assim: 

«6 -  O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita. 
«7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar.»

Como todas as reformas, mesmo as efectivadas com participação dos que têm, pela natureza das suas funções, de conviver com a vida prática, fica sempre algo por prever. 

E eis onde incidiu precisamente o Acórdão que cito, o qual vem resolver um problema que subsistia irresoluto, fazendo-o pela seguinte forma: «O prazo de 30 dias previsto no art 328.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, é inaplicável nas fases processuais em que, após a deliberação do tribunal sobre as questões da culpabilidade e da determinação da sanção, seguida ao encerramento da fase de discussão, seja verificada a necessidade de repetição de prova registada no decurso dessa anterior fase de discussão por haver deficiência no registo efectuado mantendo-se, portanto, a eficácia da prova.»

Era o que acontecia não poucas vezes, nomeadamente quando o tribunal de recurso, apercebendo-se da deficiência da gravação, ordenava a repetição de uma dada sessão de julgamento para que a prova fosse "repetida" - na verdade, afinal, de uma nova prova se tratava, tantas vezes diversa da anteriormente obtida.

Enfim, temos lei, através da interpretação jurisprudencial. Lei prática, dentro da lógica do sistema. Que nesse altura, em que se repete a prova, os participantes na audiência ainda se lembrem do que ocorreu antes, fica por demonstrar. Que se socorram de apontamentos fidedignos ou ouçam as gravações para colmatar lapsos de memória, eis o que só a consciência profissional de cada um ditará. Uma coisa ficou: a prova agora não se perderá quando a gravação se perdeu, ainda que surja uma outra prova a fazer de conta que é a mesma. A eficácia triunfou. E essa, ao menos, haveria que não fazer perder. 

Haveria alternativa para desatar este nó górdio? Eis o tema para reflexão. Como diz a sabedoria chinesa nem tudo o que é desejável é possível.

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Imagem: Jeff Wall, Untangling, 1994