Ter feito parte da Comissão de que saiu o Código de Processo Penal de 1987 e ter ainda conservada uma relativa memória faz-me ter por vezes um pensamento que se diria pessimista se não fora realista.
Quis-se então, após acalorada discussão, evitar os adiamentos sucessivos de audiências, sobretudo aqueles que faziam mediar entre cada sessão um tempo tido por inaceitável.
O Código iria reflectir, de entre os vários princípios programáticos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a ideia do tempo razoável para a justiça restituir a paz social através de um processo que só assim seria justo.
Entre as várias soluções propostas - e todas elas sopesando experiências transactas que haviam redundado em fracasso - triunfou a de prever um prazo - trinta dias - entre cada adiamento de audiência, e uma penalização: a caducidade da prova.
A primeira partiu de uma asserção, a de para além de trinta dias, a memória humana, mesmo a privilegiada memória judicial - ademais a de quem tenha que reter factos de vários processos e sobretudo complexos - já começa a sofrer dúvidas e incertezas; a segunda resultou de uma constatação: a de norma procedimental para a qual o legislador não fixe sanção é, lamentavelmente, norma para não cumprir * .
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Ante isto a jurisprudência que fez?
Começou por duvidar sobre se, estando a prova gravada e podendo qualquer dos intervenientes processuais - maxime os juízes - consultarem as gravações, se justificaria este fundamento de perda de memória e se, nesse caso, o regime se aplicaria.
Depois, tendo de cumprir em férias judiciais, o ritual de designar audiência para que prova se produzisse, e tantas vezes ocorrendo que se tratava de mera burocracia - que um espírito irónico sintetizou, ante o caricato do que amiúda ocorria, com o «perguntar as horas ao arguido ou a uma testemunha e já está!» - e ante o desprestígio que tal implicava - pois continuar julgamentos em férias, eis algo que a pouquíssimos agradava - pura e simplesmente veio o legislador em socorro dos recalcitrantes e, com perda de memória ou em ela, já que a prova é gravada, pura e simplesmente os trinta dias contam sim, mas nas férias não!
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Eis os números 6 e 7 do artigo 328º do CPP, tal como resulta da Declaração de Rectificação n.º 105/2007, a qual, como se lembrarão alguns - foi há mais de trinta dias! - Rectifica a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procede à 15.ª alteração e republica o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro:
«(..)
6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respectivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.
7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar.
(...)»
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Não gosto de ter opiniões definitivas. Mas pergunto se há lógica nisto porque, a existir, que se acabasse de vez com os trinta dias em férias e antes delas e ficasse a regra de que os julgamento começam quando é possível, continuam quando houver possibilidade e terminam quando chegar o momento. Claro que há a imediação e a concentração e todos esses princípios maiores do processo penal - e há quem ensine este ramo do Direito só com base em princípios, gerando ilusões - mas, ante a prática que os desmente, que melhor fazer do que uma legislação de franqueza?
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Dirão que o que acima fica é cinismo ou ironia. Seguramente sim. Estaria sempre contra uma tal lei, como estive contra aqueles casos em que para uma sessão vi marcados vários julgamentos, de que se faz um pouco de um e um pouco de outro, e assim sucessivamente, vários por manhã, outros por tarde, como piões vários a rodopiar.
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* Veja-se o que se passou em matéria dos prazos de duração do inquérito. Bem escreveu o legislador do artigo 276º do Código de Processo Penal e por duas vezes - uma na epígrafe do preceito outra no corpo do seu número 1 - que se tratava de prazos «máximos». Como para o desrespeito desses prazos não estipulou sanção, nem outra consequência salvo a inoperante aceleração - porque não sendo um mecanismo de habeas actum não contém uma intimação a agir, mas mera recomendação para que se aja - ficou tudo como aquilo que hoje é matéria de polémica na comunicação social: em suma, havendo prazos máximos escritos naquele artigos eles são, afinal, outros, pois o inquérito pode eternizar-se até à prescrição do procedimento criminal. Isto é, como se o legislador tivesse previsto: «O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação nos prazos máximos previstos nos artigos 118º a 121º do Código Penal» [seja os respeitantes aos prazos de prescrição do procedimento criminal].
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