Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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OE & CPP

O ano encerra com o Diário da República a publicar o Orçamento de Estado e nele, mantendo uma péssima tradição, a de publicar normas escondidas sobre ramos de Direito que dificilmente se podem considerar terem relevo orçamental directo, no caso duas ao Código de Processo Penal. São assim alterados os artigo 113º e 186º do referido diploma, no primeiro o n.º 13 e no segundo os seus números 3 e 4, os quais ficam assim redigido:

Artigo 113º

«13 - A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta da última residência do notificando e outro nos lugares para o efeito destinados pela respetiva junta de freguesia, seguida da publicação de anúncio na área de serviços digitais dos tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt.».

Esta nova redacção entra em vigor a 1 de Fevereiro de 2019.

A redacção anterior era a seguinte:

«13 - A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta do tribunal, outro na porta da última residência do arguido e outro nos lugares para o efeito destinados pela respectiva junta de freguesia. Sempre que tal for conveniente, é ordenada a publicação de anúncios em dois números seguidos de um dos jornais de maior circulação na localidade da última residência do arguido ou de maior circulação nacional.»

Suprime-se assim a colocação do edital na porta do tribunal, amplia-se o âmbito subjectivo da notificação a todos os notificandos e não apenas ao arguido, bem como a publicação em uma dos jornais de maior circulação.

Artigo 186º

«3 - As pessoas a quem devam ser restituídos os objetos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizerem, os objetos se consideram perdidos a favor do Estado.

«4 - Se se revelar comprovadamente impossível determinar a identidade ou o paradeiro das pessoas referidas no número anterior, procede-se, mediante despacho fundamentado do juiz, à notificação edital, sendo, nesse caso, de 90 dias o prazo máximo para levantamento dos objetos.»

A redacção anterior era esta:

«3 - As pessoas a quem devam ser restituídos os objectos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a suportar os custos resultantes do seu depósito. 
«4 - Se as pessoas referidas no número anterior não procederem ao levantamento no prazo de um ano a contar da notificação referida no número anterior, os objectos consideram-se perdidos a favor do Estado.»

A modificação vai no sentido de 1/ admitir a notificação edital para o caso de ser comprovadamente impossível determinar a identidade ou o paradeiro das pessoas a quem devem os bens em causa ser restituídos 2/ estabelecer um regime pelo qual é decretada a perda dos objectos a favor do Estado após um prazo mais curto [sessenta dias] decorrido sobre a notificação para o levantamento, suprimindo o prazo actual de noventa dias.

Apreensão e perda de objectos do crime

«A decisão de declarar perdido a favor do Estado o objeto apreendido ou de ordenar a sua restituição a quem de direito não faz parte do objeto do processo, razão pela qual pode ser proferida mesmo depois do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão onde deveria ter sido tomada», assim o decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 11.01.12 [relator Alves Duarte, texto integral aqui]. 
A justificar citou um Acórdão do STJ de 13.10.2011 [proferido no processo n.º 141/06.0JALRA.C1.S1] segundo o qual a determinação sobre o destino a dar aos objectos relacionados[20] com o crime, embora deva constar do dispositivo, o certo é que «já está para além da solução da concreta questão que é submetida ao tribunal. Tal como a remessa de boletins ao registo criminal, por exemplo. Tais requisitos devem integrar a decisão (…) mas rigorosamente não fazem parte do objecto do processo».

A propósito do problema do nexo causal entre a apreensão [e perda] de objectos e o crime com o qual se relacionam, não deixa de não ser interessante esta interpretação extensiva da regra da causalidade sobre a qual, como vimos, já o STJ se pronunciou [como vimos recentemente aqui] a considerá-la exigência fundamental: «Note-se, porém, que, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-04-2011, no processo n.º 1488/08.7GBAGD.C1, visto em www.dgsi.pt, a lei «não exige como condição do seu funcionamento que os objectos apreendidos tenham uma relação directa com o crime imputado ao arguido. A relação pode ser meramente indirecta, como sucede no caso do agente que é proprietário de arma de fogo e que ameaça dar um tiro em alguém, desde que essa ameaça seja credível ao ponto de, pelo menos, causar inquietação ao destinatário da ameaça (e portanto, constituindo crime), arrastando para o domínio de hipótese que deve ser acautelada a efectiva utilização de arma de fogo contra o visado. O facto de o agente ter na sua disponibilidade uma ou mais armas de fogo confere maior gravidade à ameaça, por a sua consumação se oferecer como plausível, reforçando as exigências cautelares tendentes a evitá-la, sendo essa circunstância suficiente, só por si, para justificar tanto a apreensão das armas como a sua ulterior perda, visto as armas de fogo constituírem por natureza objectos dotados de grande perigosidade e a sua perda não poder considerar-se desproporcionada à gravidade do ilícito cometido».

Perda de bens e confisco

Já escrevi aqui sobre este assunto, a apreensão e a perda de bens em processo penal. Pode tratar-se de um instrumento de política criminal na lógica do «água o deu, água o levou», fazendo reverter, através do Estado, para a comunidade, os bens ilicitamente obtidos. Nisso sou o primeiro a aplaudir.
Mas, a não haver controlo efectivo, pode tornar-se numa forma de "confisco", uma tributação forçada, a vertente Justiça do Estado ao serviços da Fazenda Nacional do Estado. E a permitir, negócios não menos ilícitos, no interior do próprio sistema.
Regressado de viagem, leio aqui estas conclusões atinentes ao projecto Fénix. Em nenhuma delas se prevê que os Estados prevejam mecanismos adequados à defesa da legítima propriedade privada e à efectiva defesa da mesma, nomeadamente a de terceiros de boa fé. Dir-se-à que isso é um sub-entendido. Mas afinal como todos os que constam das conclusões. 
Um mundo novo em que à privação da liberdade o Estado prefere a captura dos bens. É mais barato e mais rendoso. E sobretudo com menos formalidades. 
E tudo isto a instalar-se discretamente, porque a nossa cultura crítica está mais apta a gritar pela delicada privacidade individual própria do que pela rude mercadoria e suas valias patrimoniais dos outros. 
É o complexo de não querermos parecer burgueses, defendendo o que tem dono, o capital como vergonha.

P. S. O quadro que ilustra este  post chama-se "Confiscation".

O caçador

Pietro Grasso, procurador nacional italiano anti-Mafia está em França num seminário jurídico organizado pela AGRASC, a Agence de Gestion et de Récouvrement des Avoirs Saisis e Confisqués. O sítio deste organismo pode ser encontrado aqui
Segundo o jornal Le Figaro, onde li, a notícia, desde a sua criação, há oito meses, tratou 5000 casos correspondentes a 8000 bens apreendidos. [todo o texto aqui]. Ainda segundo o jornal as apreensões somavam em 30 de Setembro deste ano 134 milhões de euros: 78 em dinheiro, 54 em bens imobiliários, 0,9 em veículos e 1,1 em outro tipo de bens como jóias, roupas e até seguros de vida.
O magistrado diz que está em Paris para informar «tous les moyens mis en oeuvre en Italie pour saisir sur la base de simples indices et sans qu'une condamnation soit obligatoire». E acrescenta, contabilizando o produto do saque: «En trois ans, notre Justice a confisqué l'equivalent de 3 milliards d'euros!». E remata: «Ce n'est, bien sur, qu'un début».
Uma verdadeira caçada, pois, a presa seguida com base nas suas pegadas.

Prender e apreender

O blog Outros Direitos abre aqui uma questão essencial, a dos bens apreendidos pelo Estado. E fá-lo a propósito de uma decisão da ministra da Justiça sobre uns funcionários que terão doado o que estava apreendido. Permitam-me alinhar mais umas quantas ideias.
Se a titular da pasta da Justiça entendeu entrar no assunto - porque as questões patrimoniais da Justiça estão hoje na ordem do dia e prevalecem sobre todas as outras - que mande fazer uma funda sindicância a quanto se tem passado nesta matéria, um levantamento [que torne público] de situação que apure [entre tantas coisas]:

1º O critério que tem levado à apreensão de bens a propósito de servirem como meio de prova ou instrumento do crime [eu sei que o Governo não pode interferir na área processual penal concreta, mas é bom que fiquemos a saber como é que tem funcionado a jurisprudência concreta a tal respeito];
2º Quais os cuidados de conservação que existem em relação a esses bens, pois consta teimosamente que amiúde são devolvidos deteriorados por estarem ao Deus-dará, na rua ou em depósitos sem condições, inúteis.
3º Qual o tempo de duração dessas apreensões, pois não havendo prazo legal improrrogável as apreensões perpetuam-se no tempo, algumas indefinidamente, nisso incluindo dinheiro.
4º Se é verdade que todo o dinheiro apreendido está depositado na Caixa Geral de Depósitos ou se não há práticas [legalizadas ou assumidas como legais] de o depositar em outras instituições de crédito.
5º Quais os poderes de uso pelas autoridades [não só judiciárias mas também policiais e até governamentais] dos bens apreendidos enquanto não lhes é dado destino final, pois já assisti a um caso caso em que até um membro do Governo usou automóvel que estava à ordem do processo-crime, devolvendo-o no fim depois de "estafado" e até os estofos tinha mandado alterar, porque Sexa. não gostava da cor.
6º Quais as entidades que estão a ser beneficiadas e a que título com a fruição de bens apreendidos, nomeadamente viaturas.
7º O que aconteceu ao SIBAP, criado pelo ministro Rui Pereira, como se vê aqui no Ministério da Administração Interna, como se o assunto não tivesse a ver com a Justiça, de que ele gostaria por ventura de ter sido ministro.
8º Qual o critério vigente para o efectivo reembolso do dono dos bens em caso de devolução, pois que a miséria que é paga não compensa o dano causado ao apreendido.
9º Como se processam as vendas dos bens apreendidos por constar que há casos e casos a merecerem que se abra os olhos sobre o que rodeia esse negócio.

Veja-se como está a ser cumprida esta lei aqui, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 31/85, ou a quantas andamos no que se refere ao Gabinete de Recuperação de Activos, criado por esta Lei [do Governo anterior] aqui, a Lei 45/2011, não só do ponto de vista do recuperado para benefício do Estado [para isso já tínhamos a lógica predadora e instigadora à extensão da «perda ampliada», do projecto Fénix, orientada pelo apetite estadual sobre os bens alheios em nome e a pretexto do combate ao crime, como se evidencia aqui e aqui], mas do efectivo respeito pela propriedade dos donos dos bens. Porque no quadro europeu sabemos qual é a dinâmica: tornar o processo penal uma lógica de captação de bens e de meio de financiamento, como se percebe por aqui, ao ler a Lei n.º 25/2009.

É que na lógica do «Governo vai vender bens apreendidos para financiar Justiça», como foi título de notícia publicada aqui, já temos que baste. E lendo estas comunicações às instâncias internacionais, como aqui, está tudo conforme.

Digo o que já escrevi: num País em que a liberdade ambulatória é objecto de debate nacional, por causa da prisão preventiva, a liberdade patrimonial do cidadão anda a tratos de polé. O Estado permite-se tanta vez apreender com ampla liberdade, dá-se ao luxo de não conservar, pois não lhe dói a deterioração, e impunemente devolve o apreendido já deteriorado ou inutilizado, reembolsando com uma gorjeta.
Dir-se-á que  este modo de dizer é rude e que cometo o pecado da generalização injusta. Mostrem-me que não tenho razão. Gostava de não a ter.
A senhora ministra que se preocupe com o geral, já que se preocupou com o particular.