Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Mysterios da Boa Hora


Sem ostensivo nome de autor, surgindo no final um abreviado José Maria, mas apenas o da tipografia Gutierres, ao 92 da Rua do Norte, onde fora impresso, o folheto está escrito naquele magnífico estilo irreverente que caracterizou a época, publicado que foi em 1882. Encontrei-o nem sei como, talvez por encomenda ao meu alfarrabista de eleição.

Abre a fantasiosa cena com uma caminhada para São Bento onde dois deputados, descritos pelo desconchavo, são seguidos por um jornalista. «A S. Bento, a S. Bento.. é a voz que se ouve repetir nas lojas e nos cafés». E porquê?

Siga a narrativa, pícara e esclarecedora [para ler, clicar na imagem, ampliando-a]:


Ora quando tudo parecia encaminhar-se para as Cortes, e para a magna questão das finanças judiciárias que ali se discutia, em pleno fontismo, eis que as palavras Escândalos! Maldita Boa Hora, distraindo-a da atenta vigilância em que se encontrava à conversa dos pais da Pátria, «lhe feriram o ouvido». E então:


E eis, por isso, que os passos se alteram e o infatigável jornalista, ávido de escândalo, segue pela Rua Formosa [hoje Rua do "Século", nome que tomou do vetusto jornal, entretanto falido], ali em busca de «dois íntimos», fontes alegadamente credível de informação. Segue a prosa:


Que se passaria na Boa-Hora? De que escândalos se trataria? Hoje, ficamos por aqui. Como nos folhetins, importa criar suspense. Aguardam-se, pois, cenas dos próximos capítulos.

A estética como critério de competência jurisdicional

Este blog tem andado indevidamente ao sabor dos intervalos que a profissão permite. Poderia ser fruto de uma equipa; não é, sou. Poderia eu ter a vida melhor organizada, repartindo o tempo entre os deveres e as apetências; não tenho, aqueles devoram o espaço destas. Poderia a minha má consciência gerar o efeito propulsor de vir aqui dar melhor imagem de mim; não gera, porque pago o preço do  mal que de mim possam pensar.
Enfim, uma única razão me leva a periodicamente fazer a jura de que serei regular, pontual, previsível: a ideia de que a vida pode ser ordenada e não é, por isso cruzo os dedos quando juro.
Além do mais, dou ao pouco tempo que sobra aquele mínimo horizonte sem o qual o confinamento torna o ser humano um robot; desdobro-me em várias vivências e assim iludo o que pode ser uma vida integralmente realizada.
Volto aqui, ainda em intervalo.
Razões de vida tornaram-me, ainda que por pouco tempo, próximo de Afonso Lopes Vieira. Foi advogado e sobretudo poeta.
Segundo um apontamento que li durante este fim de semana, da autoria de Alfredo Gândara, Vieira terá vestido a toga uma só vez ou se mais, não muitas mais. Desta feita para defender Hipólito Raposo quando este foi julgado no Tribunal Militar se Santa Clara, creio que pelo envolvimento na conspiração monárquica de 1919 e ali condenado a uma pena de prisão no Forte de São Julião da Barra. 

E, a propósito, faz hoje anos que Paiva Couceiro foi preso, ouvi esta tarde numa efeméride da Antena 2-Rádio. 
Defendendo, a 20 de Julho de 1920, aquele seu colega de profissão, ideólogo do movimento filosófico do Integralismo Lusitano, Afonso Lopes Vieira, ante o facto de o caso estar a ser ali julgado, no foro militar, usaria da ironia como argumento do discurso e, dirigindo-se ao presidente do tribunal, Encarnação Ribeiro, disse, a abrir as alegações orais: «Deixe-me V. Ex.ª dizer-lhe isto: eu e o meu constituinte temos gosto em que esta causa tenha sido trazida aqui... por um motivo estético, decorativo, pois este tribunal é muito mais artístico que o da Boa Hora».

De facto, o Palácio do Lavradio, onde a partir de 1875 se instalaria a justiça castrense, ladeando o Palácio de Sinel de Cordes, quando comparado com o convento da Boa Hora, que antes havia sido o Pátio das Comédias, suplanta-o sem discussão. Esteticamente, diga-se.

À espera da hora...

Os tribunais reabriram hoje sem que eu tenha notado propriamente que chegaram a encerrar. Eu e, afinal, todos os que estamos sujeitos a prazos ou às necessidades da vida.
A reabertura é, na sua total verdade, um dos eufemismos que caracterizam o sistema. Há quem possa tirar uns dias de ausência, as exigências do trabalho podem diminuir, mas fica-se por aí.
O que renasce sempre é a expectativa de que algo vai mudar. Aqui há uns meses parece que a sorte do País, a possibilidade de haver investimento privado na economia, uma das exigências mesmo da troika que nos governa eram a celeridade processual e o que se chamou o mapa judiciário.
Os meses volveram, entre discursos e especulações estamos rigorosamente na mesma.
Talvez se legisle por aí sobre o processo civil, havendo já quem vaticine a confusão, ou sobre a nova geografia judiciária, não faltando os que antecipam o custo que vai ter e os bloqueios que vai gerar. Nas "férias" da Pàscoa cá estaremos todos para assitir.
A Boa-Hora, por exemplo, continua sem se saber para quê. Nem porquê. E assim sucessivamente. Estamos todos sempre à espera da hora...

As notícias que se dão

A notícia já tem alguns dias «Governo compra Tribunal da Boa Hora por 6,15 milhões». O que não vi noticiado é o mecanismo concreto, documentado e pormenorizado, pelo qual se percebe como é que o Estado que tinha a disponibilidade do Tribunal da Boa Hora e a perdeu e agora para a recuperar vai levar um rombo de 6,15 milhões, isto segundo se noticia também para instalar lá o CEJ, tendo o Estado edifício para o CEJ, nem o que vai suceder ao edifício do CEJ. As notícias que se dão são as notícias que se encobrem.

A ilusão e os ilusionistas

Fiz parte do grupo que travou a quixotesca batalha final para tentar impedir o desalojamento do Tribunal da Boa-Hora e a ocupação do lugar por um hotel de charme, como se noticiou aqui. Fiz parte dos que nos últimos dias de presença naquele edifício daquele tribunal se uniram num evento cultural que marcou uma nostálgica cerimónia do adeus.
Leio esta noite na imprensa [por exemplo aqui] a notícia segundo a qual «a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, garantiu hoje que "tudo" fará para recuperar para a Justiça o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) e o Tribunal da Boa-Hora, que foram vendidos». O Tribunal foi, afinal, vendido. A ideia que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, nos transmitiu então de que algo poderia ser feito era puro ilusionismo político. Era ministro da Justiça Alberto Bernardes Costa. Como os factos o demonstraram [ler aqui]
Ante as notícias as questões tornam-se inevitáveis: quem vendeu afinal a Boa-Hora? A quem? Por que preço? Qual o papel que o projecto Frente Ribeirinha teve a ver com o negócio? Se a ideia era instalar um hotel que não se instalou? Qual o ponto de situação do projecto, se projecto há? Quanto se ganhou e quanto se perdeu com a mudança do tribunal? Porque não se instalaram ali equipamentos judiciários, pagando o Ministério o que paga pelo que os tribunais e outros serviços dispõem? Porque não se tornam públicos os dados, os lucros, as perdas, os benefícios, os beneficiários?
Para os eventos que simbolizaram o fim da Boa-Hora atrevi-me a escrever uma peça de teatro que foi graciosamente representada por dois actores da Barraca, o Jorge Sequerra e o José Neto. Publiquei-a aqui. Visto tudo à distância, a ingenuidade do gesto parece grotesca. O negocismo esse triunfou. Caído o pano da encenação, apagadas as luzes, termina o mundo da ilusão.
Mas mais: basta ler aqui na folha oficial [Decreto-Lei n.º 110/2011] de 25 de Novembro [há um mês!] para se perceber que a Câmara recuperou a Boa-Hora! Cito em linguagem clara: «A CML passa a ser responsável pela renovação e modernização da frente ribeirinha da Baixa Pombalina. Como compensação, irá receber o edifício do Tribunal da Boa Hora e cerca de 3.583 milhões de euros resultantes de um contrato entre a Frente Tejo e a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo para concessão do edifício do MAI».
Sendo isto assim, como é possível então que a ministra da Justiça venha dizer que «tudo fará» para o recuperar de quem o recuperou?