Este blog tem andado indevidamente ao sabor dos intervalos que a profissão permite. Poderia ser fruto de uma equipa; não é, sou. Poderia eu ter a vida melhor organizada, repartindo o tempo entre os deveres e as apetências; não tenho, aqueles devoram o espaço destas. Poderia a minha má consciência gerar o efeito propulsor de vir aqui dar melhor imagem de mim; não gera, porque pago o preço do mal que de mim possam pensar.
Enfim, uma única razão me leva a periodicamente fazer a jura de que serei regular, pontual, previsível: a ideia de que a vida pode ser ordenada e não é, por isso cruzo os dedos quando juro.
Além do mais, dou ao pouco tempo que sobra aquele mínimo horizonte sem o qual o confinamento torna o ser humano um robot; desdobro-me em várias vivências e assim iludo o que pode ser uma vida integralmente realizada.
Volto aqui, ainda em intervalo.
Razões de vida tornaram-me, ainda que por pouco tempo, próximo de Afonso Lopes Vieira. Foi advogado e sobretudo poeta.
Segundo um apontamento que li durante este fim de semana, da autoria de Alfredo Gândara, Vieira terá vestido a toga uma só vez ou se mais, não muitas mais. Desta feita para defender Hipólito Raposo quando este foi julgado no Tribunal Militar se Santa Clara, creio que pelo envolvimento na conspiração monárquica de 1919 e ali condenado a uma pena de prisão no Forte de São Julião da Barra.
E, a propósito, faz hoje anos que Paiva Couceiro foi preso, ouvi esta tarde numa efeméride da Antena 2-Rádio.
Defendendo, a 20 de Julho de 1920, aquele seu colega de profissão, ideólogo do movimento filosófico do Integralismo Lusitano, Afonso Lopes Vieira, ante o facto de o caso estar a ser ali julgado, no foro militar, usaria da ironia como argumento do discurso e, dirigindo-se ao presidente do tribunal, Encarnação Ribeiro, disse, a abrir as alegações orais: «Deixe-me V. Ex.ª dizer-lhe isto: eu e o meu constituinte temos gosto em que esta causa tenha sido trazida aqui... por um motivo estético, decorativo, pois este tribunal é muito mais artístico que o da Boa Hora».
De facto, o Palácio do Lavradio, onde a partir de 1875 se instalaria a justiça castrense, ladeando o Palácio de Sinel de Cordes, quando comparado com o convento da Boa Hora, que antes havia sido o Pátio das Comédias, suplanta-o sem discussão. Esteticamente, diga-se.