Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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O Reino da Dinamarca

Acabou o tempo do silêncio, o tempo da reserva, o tempo da discrição. Acabou o tempo do espírito de corpo, da solidariedade institucional. Diz o respectivo Estatuto que o Ministério Público é uma magistratura unitária. Nunca entendi bem o que quer dizer o termo. Não quer seguramente dizer que é uma magistratura unida. 
Nunca a diferença entre o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República foi tão patente. Nesta convergeria aquele se não estivessem todos em divergência.
O problema que tudo isto coloca não é a vantagem das verdades que se vão sabendo entre as mentiras cujo desmentido convence. Nem o desprestígio. O problema já é a penosa situação e ridícula em que ficam os que dos valores antigos da contenção guardam ainda o recato. Entre idiotas porque silenciosos e encobridores porque não intervenientes, leve o Diabo a escolha.
Confesso que já nem me dou ao trabalho de ler ou ouvir. Nem ler os que comentam ante o dito e o visto. 
A suspeita, essa, converteu-se numa certeza: tal como na cena IV do I Acto do Hamlet de Shakespeare «algo está podre no reino da Dinamarca».

O Mundo de Ontem


Deve um paroquiano abandonar um cortejo religioso para se deixar entrevistar sobre a sua profissão? Não deve, porque a comunhão com a Fé é incompatível com a profanação do verbo laico.
Deve um entrevistado, ainda que conheça o entrevistador, deixar-se tratar por «tu» e por «Carlos»? Não deve, porque há intimidades que supõem facilidades.
Deve um juiz, conhecido nacionalmente, incorporado num cortejo religioso, abandoná-lo e deixar-se entrevistar por alguém que o trata por «tu» e lhe chama «Carlos». Não pode porque há deveres de cargo que exigem o respeito do trato.
Deve um juiz referir-se ambiguamente, em tais preparos, ao que lhe terá sido dito em acto processual, por mais torpe que tenha sido o dito, mais insidioso, mais a tresandar a aliciamento ou a ameaça, seja a frase «onde o dinheiro fala,a verdade cala?». Não sabia que era possível.
Deve um tal juiz aproveitar o ensejo da entrevista, que se alonga, para dar público conhecimento de que não pertence a qualquer "congregação" ou "obediência"? Não convém porque há quem repare que omitiu "obra".
Devo eu, telespectador acidental, assistir a isto ontem e ainda hoje e não me sentir estranho, velho, ultrapassado, resquício de um mundo que já foi? Completamente impossível.
Uma ideia ficou, comentada no come-em-pé onde almoçava e o ouvia pela enésima vez: eis um homem de coragem, que diz as verdades, que está ameaçado pelo poder do dinheiro!
Dever um juiz dizer isto, assim, neste lugar, por esta forma e com estas referências, já está na base do «queremos lá saber».
Saí, esclarecido com o mundo que temos, isolado quanto ao mundo que supunha devermos ter, para vir aqui dizer isto.
Como dizia a minha Mãe quando eu era miúdo "pisco" e implicativo às refeições: «cala-te José António e come!». E acrescentava para que eu aprendesse uma moral que vejo hoje ser uma lição contemporânea de vida: «o que tu pesquinhas há muito quem queira!».

Gente que conta e quer contar...


Fotografia © Paulo Spranger- Global Imagens

Soube por aqui que o Presidente do STJ deu uma entrevista ao programa "Gente Que Conta". Em que fala de temas gerais da Justiça e também da sua intervenção num processo concreto em que estava envolvido o anterior primeiro-ministro. O célebre caso das "escutas".
Confesso que não tenho certezas quanto ao que pensar sobre a  compatibilização entre o dever de reserva e a necessidade de intervenção pública de um Presidente de um Tribunal Superior, nomeadamente do STJ.
Admito que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura possa proferir declarações públicas sobre assuntos que tenham a ver com questões gerais que se coloquem em relação ao órgão a que presida. Mas o Presidente de um Tribunal? E sobre um processo concreto, ainda que envolva um antigo primeiro-ministro, mesmo que se trate do decantado tema das escutas em que o mesmo surge em embaraços?
Talvez seja conservadorismo. Mas há algo em mim a repelir a circunstância. Acho que o protagonismo é antagónico com a função judicial. Quem quer ter palco abrace outra profissão pública. Quem quer ter intervenção na mudança do mundo vá para a política. O mundo judiciário tem de ser um universo de contenção regrada, de palavras prudentemente medidas, de silêncios eloquentes e parcimónias inteligentes. 
Que o Procurador-Geral tenha voz e fale sobre o geral, o particular e o concreto, ainda se poderá dizer que resulta daquela ambiguidade congénita do estatuto que torna o Ministério Público um advogado sem paixão e um juiz sem jurisdição. Mesmo assim, confesso que por vezes atinjo a perplexidade ante o que ouço. Agora que o mais alto magistrado judicial venha a público como já veio comentar até quem deveria estar ou não preso, como já o fez, reportando-se a processos de outros, ou se ele deveria ou não ter tentado que fossem destruídas as escutas que envolviam José Sócrates, decididamente não! Nem o cargo o autoriza nem a Justiça o reclama.
Por estarem na judicatura muitos que deveriam estar na política é que os políticos, julgando-os seus iguais e concorrentes, se permitem falar na judicialização da política.

A faena continua...

Escrevi isto em 17 de Junho de 2003. Encontrei-o hoje e dei comigo a pensar em touradas...

O tema não é fácil e permitam-me que vos diga que o sinto com especial acuidade.
Há catorze anos, regressado de uma efémera passagem pelo Governo de Macau, reabria banca de advogado. Nessa altura lançaram-se as televisões privadas e com elas uma apetência especial pelos casos judiciais que, até ali, pouco interesse despertavam à comunicação social.
Surgiram então jornais com o timbre de fazerem de cada denúncia uma «manchete» e da evolução de cada processo penal um interminável folhetim. Advogado limitado à área penal, senti em torno dos casos que defendia, o aperto da curiosidade pública e dos jornalistas.
O modo como alguns desses processos se desenvolviam terá, em alguns casos, acicatado a curiosidade jornalística a seu propósito. A tudo isto se juntou a sistemática verificação de fugas de informação, claramente oriundas em violações do segredo de justiça.
Perante este admirável mundo novo, poucos de nós sabíamos como agir.
Perguntei na altura a responsáveis da Ordem se devia, como advogado, limitar a minha defesa ao «papel selado» e consentir que os clientes fossem esfrangalhados na imprensa, chegando a tribunal em chaga viva, degradados que chegue para uma condenação, ou se devia ir à luta na própria imprensa onde se travava o combate, falando pelos que não tinham voz. Nunca obtive orientação clara.
Perguntei-me a mim mesmo como reagir face a essa multidão de violações do segredo de justiça, impunes, porque nunca havia prova da autoria e, porque, não sendo crime que legitimasse a constituição como assistente, todo o arquivamento era inimpugnável. Foram tempos difíceis.
Não sendo melhor do que os outros, terei feito também as minhas asneiras. Olhando para algumas atitudes que todos tomámos na altura de ingénuo colaboracionismo, seguramente que hoje o não faríamos.
Mas aprendi depressa. 

[continua aqui]

O mundo aos quadradinhos

Confesso que custa assistir a este espectáculo de comentadores sobre processos criminais que, nada sabendo do conteúdo do que está em causa - e confessando até a sua ignorância - se permitem emitir opiniões sobre eles, dar como certos e seguros factos dos mesmos e como inexistentes outros e até formular vaticínio sobre o que vai suceder.
Confesso que custa ter olhado de relance a entrevista da ministra da Justiça vê-la a ser perguntada sistematicamente sobre um certo processo concreto e a responder que não podia nem devia comentar e a entrevistadora a regressar com mais uma pergunta para obter a mesma resposta e, no entanto, a insistir pelo mesmo e no interstício das respostas ficar uma frase, uma meia-frase, uma sugestão de ideia, tudo logo a ser explorado com mais uma pergunta num ciclo que seria cómico se não fosse trágico, a tentativa de forçar o Executivo a pronunciar-se sobre o Judiciário, tentativa feita pela comunicação social a quem incumbe denunciar, sim, caso essa intromissão suceda.
Confesso que custa assistir a tudo isto e estar calado. Dar conta das mais altas figuras do Estado, de ministros a magistrados a pronunciarem-se sobre processos penais pendentes. Advogados que opinam publicamente sobre processos entregues a Colegas.
À conta de uma pretensa pedagogia ouvir dizer enormidades, intervenções que só não condicionam quem tem de intervir nos mesmos porque uma pessoa aprende a não ligar.
Num táxi onde ia, no rádio ligado, ouvi alguém dizer sobre o Portugal/Bósnia: «ontem o seleccionador nacional era uma besta e nós íamos levar uma goleada; hoje já se fala em que vamos ganhar a prova europeia!» Assim se fazem heróis e vilões. A mentalidade emotiva primária adora.
Um dia perguntaram ao Luiz Pacheco, o "escritor maldito", o que andava a ler. Ele respondeu «o Texas Jack». Ante o atónito entrevistador, respondeu: «o Texas Jack, pois! Porquê? Vem tudo no Texas Jack!». 
E de facto vinha. Aos quadradinhos e com pouca escrita que as pessoas gostam é de ver. Histórias explosivas! A pouco mais de vinte e cinco tostões.

Reserva

Aprendi uma regra de vida: não comento como cidadão os processos judiciais concretos por uma questão de respeito [absouto] para com a minha [muito relativa] inteligência, pois não os conheço e não sei o que neles se passou, não o faço como advogado porque há uma deontologia que o proíbe e mesmo que não houvesse cada um tem a ética a que se amarra, não comento o que se conta deles na comunicação social, porque na pressa da notícia contentam-se com a apressada opinião.
Não falo na base do «a partir, é evidente, do pressuposto que» nem com fundamento em «a situação poderá configurar-se, é claro, em várias alternativas», nem arrimado no «isto, claro, em geral e abstracto», porque não quero armar-me em douto sendo ignorante, nem erudito quando afinal, evasivo e muitos menos velhaco, fingindo ser teoria o que afinal é casuística.
Tento não fazer figuras tristes. Por mais que certos casos apeteçam e se prestem à demagogia de ficar bem na fotografia do comentário populista.
O princípio antes calado que "traga-malha", aprendi-o em pequenino. De vez em quando com uma chapada a ajudar a interiorizar a ideia. Agradeço a quem mas deu e as que a vida me aplicou na cara.
Vem isto a propósito do caso judicial que envolve o Presidente da Câmara de Oeiras e todos aqueles que envolvem os mais insignificantes casos de vizinhança, os mais escabrosos casos de intimidade familiar, os mais sensacionais escândalos financeiros, que tudo comenta em todo o lado, dos programas televisivos para donas de casa aos jornais ditos de "referência". Ainda não se sabe com rigor o que se passou, nem eu [limitado de neurónios que sou] compreendi onde esteve o quê e o porquê, e já é um "cafarnaum" de encartados comentadores.
Não tenho nada a ver com o caso, nem sou sequer munícipe, nem gosto da criatura. Sei só que os princípios são isso mesmo. Não têm fim. Um bom sábado para todos. Por falar em fim, é fim-de-semana. E eu a ter de trabalhar. Isso sim, sem comentários...