Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Sigilo bancário: veto presidencial


É este o texto oficial do veto do Presidente da República à iniciativa governamental sobre o acesso pela Autoridade Tributária a contas bancárias. Aditámos entre parêntesis as ligações aos diplomas legais citados, para melhor referência. A ideia é que a discussão em torno do tema se faça em termos de conhecimento rigoroso e assim objectivo do que está em causa.


“Senhor Primeiro-Ministro,


1. O presente Decreto é fundado em autorização legislativa concedida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016.

2. Na parte em que cumpre obrigações resultantes de transposição de regras europeias (Diretiva 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de Dezembro) [ver aqui] ou do acordo com os Estados Unidos da América (Foreign Account Tax Compliance Act) [ver aqui e aqui], é indiscutível.

E corresponde a fundamentais exigências de maior transparência fiscal transfronteiriça, defendidas pela OCDE, visando controlar quem tenha contas bancárias em Estados diversos daqueles em que reside ou declara residência fiscal.

3. Simplesmente, o decreto vai mais longe e aplica o mesmo regime de comunicação automática às contas em Portugal de portugueses e outros residentes fiscais no nosso País, mesmo que não tenham residência fiscal nem contas bancárias no estrangeiro.

Limita-a a saldos de mais de 50.000 euros, mas não exige, para sua aplicação, qualquer invocação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património.

4. Relativamente a esta segunda parte do Diploma suscitaram-se objeções de vária natureza, olocadas por variados quadrantes políticos e institucionais:


1.º Que esse alargamento a portugueses ou outros residentes, incluindo sem qualquer atividade fiscal ou bancária fora de Portugal, não era imposto por nenhum compromisso externo.

2.º Que existem já numerosas situações em que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, sem dependência de autorização judicial, nomeadamente quando existam indícios de prática de crime em matéria tributária, de falta de veracidade do declarado, de acréscimos de património não justificado.

3.º Que a Comissão Nacional de Proteção de Dados, no seu Parecer de n.º 22/2016, de 5 de Julho de 2016 [ver aqui], questionara a conformidade do novo regime, na parte em causa, em especial com o princípio constitucional da proporcionalidade, ou seja, o uso de meios excessivos - por falta de regras especificadoras de indícios ou riscos justificativos - no sacrifício de direitos fundamentais, num contexto em que já existiam outros meios de atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, sem necessidade de decisão de juiz.

E que a aludida objeção da Comissão Nacional de Proteção de Dados não tinha sido ultrapassada com os ajustamentos pontuais introduzidos na versão definitiva do diploma, conforme esclarecimento divulgado pela mesma a 13 deste mês.

4.º Que, de acordo com dados publicamente disponibilizados por entidades atuando no setor, o novo regime para residentes em Portugal, sem residência fiscal ou qualquer conta bancária no estrangeiro, era, nos seus termos, mais irrestrito do que o vigente na maioria dos Estados-membros da União Europeia. Ou porque nestes Estados não há qualquer controlo automático, ou há de abertura de contas mas não de saldos, ou o limiar é mais elevado, ou se formulam exigências e regras de acesso e controlo inexistentes no presente decreto.

5.º Que a inovação legislativa não fora precedida do indispensável e aprofundado debate público, exigido por uma como que presunção de culpabilidade de infração fiscal de qualquer depositante abrangido pelo diploma, independentemente de suspeita ou indício.

5. Sem embargo da relevância que possa ser atribuída às diversas objeções enumeradas, a decisão tomada quanto a este decreto baseia-se, antes do mais, na sua patente inoportunidade política.

Vivemos num tempo em que dois problemas cruciais, entre si ligados, dominam a situação financeira e económica nacional.

O primeiro é o de que se encontra ainda em curso uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário. O segundo, com ele intimamente associado, é o da confiança dos portugueses, depositantes, aforradores e investidores, essencial para o difícil arranque do investimento, sem o qual não haverá nem crescimento e emprego, nem sustentação para a estabilização financeira duradoura.

É a pensar, desde logo, nestas razões, antes mesmo de se equacionar as obrigações da não vinculação externa, da necessidade, retroatividade e proporcionalidade do novo regime, do seu cabimento constitucional, da comparação internacional, ou de escasso debate público, que considero ser um fator negativo e mesmo contraproducente, para a presente situação financeira e económica nacional, a adoção do novo regime legal, na parte em que não corresponde a compromissos europeus ou internacionais.

Tendo em conta estes argumentos e nos termos do Artigo 136.º, n.º 4 da Constituição da República, devolvo ao Governo, sem promulgação, o projeto de Decreto-lei registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o número 127/2016, que regula a troca automática de informações financeiras no domínio da fiscalidade.

Marcelo Rebelo de Sousa”

Os "Panama Papers"


A libertação de informação decorrente dos chamados Panama Papers por um consórcio internacional coloca inúmeras questões com recorte jurídico, a saber no que à investigação criminal respeita quanto a tais notícias:

-» Valor probatório de tais documentos, ainda que a nível indiciário ou de mera notícia de infracção, não conferidos que estão oficialmente com os originais, desmentida que tem sido a sua fidedignidade em alguns casos;

-» Valor das ilações que se podem extrair e extraem, nomeadamente na comunicação social, quanto ao que tais documentos podem significar, sucedendo que, numa lógica de mera associação de ideias tem passado a noção segundo a qual, evidenciando prima facie intuito de secretismo na guarda e movimentação do dinheiro, dali pode decorrer - por pura ilação - a suspeita tida por fundada, sem mais fundamentação, de que estão ao serviço de branqueamento de capitais, logo tendo como precedente crimes que têm sido ventilados como possíveis, desde a mera fraude e abuso de confiança fiscal até ao terrorismo e ao narcotráfico, sem esquecer a corrupção, o tráfico de armas e  a transmissão até de arte roubada pelos nazis.

Para além disso, no plano (re) construtivo, nada mais será igual e têm-se multiplicado, a nível dos Estados e organizações internacionais, iniciativas no sentido da modificação da legislação que:

-» Permite e regula os denominados paraísos fiscais, e a figura das offshores;

-» Regula o regime do segredo bancário e a obrigação de informação por parte dos Estados relativamente a informações e documentos pertinentes a investigações criminais solicitados ao abrigo da cooperação internacional;

-» Define os crimes de catálogo que legitimam a criminalização do branqueamento e a quebra do segredo bancário.

Num outro registo está em agenda o saber da legitimidade dos jornalistas recusarem cooperação com as autoridades judiciárias e/ou fiscais quanto às informações reveladas na comunicação social.

No imediato, temos duas vertentes claramente presentes: o núcleo essencial dos Estados que integram o G20, o G5 [Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Espanha] caminha no sentido de implantar um sistema padronizado de registo e troca de informações sobre os BO's ou UBO's [beneficiários ou últimos beneficiários] de companhias que estejam situadas em países que estejam listados como paraísos fiscais; o próprio Panamá já admitiu, pela sua Vice-Presidente, que o caminho para a transparência, se tornou inevitável.

O que possa resultar em termos efectivos no campo legislativo, está para se ver. Para já, cada um dos Estados relativamente aos quais ocorrem revelações - que, é patente, estão a ser selectivas, o que já por si é uma questão interessante - estão a desencadear acções mais ou menos conseguidas no que se refere à revisão da situação financeira e fiscal dos visados. 

Banco de Portugal-segredo bancário


O Banco de Portugal clarificou a sua doutrina em matéria de segredo bancário quanto à sua própria actuação face a terceiros, nomeadamente no que se refere à Assembleia da República. Ver aqui. «É um dever de confidência em relação a segredos alheios» (...) «Não resulta da necessidade de manter certas decisões fora do conhecimento público, em virtude da sensibilidade da matéria ou do risco de intervenção indevida de terceiros». «O segredo de supervisão não é estabelecido pela lei em benefício do Banco de Portugal mas sim como meio de protecção de informação relativa a terceiros». Tal segredo «só é derrogável com base no consentimento dos interessantes ou mediante um procedimento de levantamento do segredo em processo judicial ou equiparado».

O grande segredo: revogar tacitamente...

Cito do blog Justiça Criminal este Acórdão da Relação de Lisboa de 19.10.11 [relator Paulo Fernandes da Silva], o qual não consta, porém, aqui, para já não falar aqui, mas está aqui no site da dgsi no qual se trata do regime do segredo bancário trata como o configura o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Diz a Relação: «O entendimento aqui sufragado implica que se tenha por tacitamente revogado o disposto no artigo 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal em sede de quebra de sigilo bancário [...]. Conferindo-se ora às «autoridades judiciárias», Ministério Público e Juízes de Direito, a faculdade de derrogar o sigilo bancário, carece de sentido querer aplicar a este tal normativo, que por certo o legislador não desconhecia ao fazer publicar a Lei n.º 36/2010: diversamente do referido artigo 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, a quebra do sigilo bancário nos termos da Lei n.º 36/2010 pode ora ser determinada pelo Ministério Público ou por Tribunal de 1.ª instância, não dependendo, pois, da intervenção de Tribunal Superior. .] Conferindo-se. Claro que o Tribunal da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem ser sempre chamados na situação. Trata-se, contudo, de uma intervenção em sede recursivo e nunca para justificar uma recusa lícita de quebra de sigilo bancário, como sucedia em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 36/2010». [e cita em abono de tal tese os trabalhos parlamentares e um autor].

Curiosa a articulação desta revogação tácita com a doutrina promanada do Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 2/2008, que pode ser lido aqui]. Leia-se a medite-se.

Mas curioso sobretudo, a ferir a sensibilidade jurídica mais couraçada, que sobretudo uma matéria com esta importância se esteja à mercê de revogações tácitas quando estamos ante diplomas que tanta revogação e alteração expressa mereceram! É isto a segurança jurídica? Ou é um mundo em alçapões?


Só para ilustrar o conceito o Código de Processo Penal foi «aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 17/91, de 10 de Janeiro, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis n.os 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro»!


E o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, e sucessivamente alterado pelo DL n.º 246/95, de 14.09, DL n.º 232/96, de 05.12, Rectificação n.º 4-E/97, de 31.01, DL n.º 222/99, de 22.06, DL n.º 250/2000, de 13.10, DL n.º 285/2001, de 03.11, DL n.º 201/2002, de 26.09, DL n.º 319/2002, de 28.12, DL n.º 252/2003, de 17/10, DL n.º 145/2006, de 31/07, DL n.º 104/2007, de 03.04, DL n.º 357-A/2007, de 31.10, Rectificação n.º 117-A/2007, de 28/12, DL n.º 1/2008, de 03.01, DL n.º 126/2008, de 21.07, DL n.º 211-A/2008, de 03.11, Lei n.º 28/2009, de 19.06, DL n.º 162/2009, de 20.07, Lei n.º 94/2009, de 01.09, DL n.º 317/2009, de 30.10, DL n.º 52/2010, de 26.05, Lei n.º 71/2010, de 18.06, Lei n.º 36/2010, de 02.09, DL n.º 140-A/2010, de 30.12, Lei n.º 46/2011, de 24.06, e DL n.º 88/2011, de 20/07...


Fora, claro, como se acaba de aprender, as revogações tácitas, as que só se descobrem depois que tinham acontecido sem se ter dado conta!

O queijo gruyère

O segredo bancário suíço tornou-se um queijo gruyère. Basta ler esta notícia:

«Credit Suisse Group AG (CSGN), Switzerland’s second-biggest bank, told U.S. clients it is giving confidential client account data to the Swiss tax authorities, who will decide whether to disclose it to the Internal Revenue Service. The U.S. is probing whether Credit Suisse helped Americans evade taxes, and the IRS used a 1996 tax treaty to request data for certain accounts held between 2002 and 2010, according to Nov. 2 letter sent to a client by the bank. The IRS sought data for accounts owned through domiciliary companies in which clients are the beneficial owners, according to the letter».

O resto da história vem aqui. País de chocolates, o que era doce, acabou-se...