Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Governo: alteração das leis de processo civil


Foi submetida pelo Governo à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 94//XIV/2 visando alterar o Código de Processo Civil, as normas regulamentares do regime da propriedade horizontal, o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância e o Código do Registo Predial
Pela sua relevância e por se tratar de lei eventualmente subsidiária no âmbito processual penal, aqui fica o preâmbulo, o qual é suficientemente explicativo. O texto integral bem como os pareceres obtidos estão aqui

«Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o surto da COVID-19 uma emergência de saúde pública de âmbito internacional, tendo considerado o surto como pandemia a 11 de março de 2020.

Na sequência da emergência de saúde pública internacional, muitos Estados, entre os quais Portugal, declararam o estado de emergência nacional, que determinou entre outras medidas o necessário confinamento dos cidadãos e, consequentemente, a redução da atividade dos Tribunais.

Neste quadro, considerando o natural aumento das pendências decorrente do entorpecimento da atividade judicial importa introduzir alterações na lei processual civil que agilizem o processado e, simultaneamente, clarifiquem os institutos permitindo uma melhor e mais célere administração da justiça.

Nessa medida, desde logo, introduz-se alterações no regime da prova pericial, alargando, de forma clara, o âmbito legal das entidades competentes para a sua realização a outras entidades oficiais ou particulares, como sendo as universidades, que de facto já as realizam nos processos judiciais de forma célere e credível, designadamente no domínio do reconhecimento de letra ou assinatura.

Por outro lado, reserva-se o direito da parte requerer a realização de perícia colegial apenas para os casos em que a especial complexidade do objeto ou o conhecimento de matérias distintas o justificar.

Por último, neste conspecto, a fim de evitar a marcação da diligência de prestação de compromisso do perito, que ocupa a agenda do Tribunal e obriga à deslocação injustificada dos envolvidos, estabelece-se a obrigatoriedade do compromisso escrito sempre que o juiz não assista à diligência.

Repristina-se a redação anterior do artigo 560.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, para assegurar, por um lado, a igualdade entre autores que estão e não estão representados por mandatário judicial e, por outro lado, entre o autor e o réu no tocante à falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça.

Na sequência da reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, instituiu-se na lei processual civil, como princípio, a obrigatoriedade da realização da audiência prévia.

Ora, a prática judicial dos últimos anos tem demonstrado ser imperiosa a revisão de tal matéria, porquanto mostra-se de difícil compreensão, especialmente em contexto de pandemia, a obrigatoriedade da realização de uma diligência judicial, com necessária deslocação de intervenientes e preenchimento de agenda, quando ao juiz apenas cumpra apreciar exceções dilatórias ou conhecer do mérito da causa, desde que já tenha sido cumprido o contraditório quanto a estas questões, por escrito.

Assim, restringe-se a obrigatoriedade da realização de audiência prévia quando a mesma seja relativa a questões sobre as quais as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar.

A fim de evitar a realização, no mesmo processo, de várias audiências prévias ou várias sessões da referida diligência, mormente com o fundamento da suspensão da instância a requerimento das partes, estatui-se que a audiência prévia não pode ter lugar mais do que uma vez.

Por último, considerando a simplicidade do ato em causa, estende-se a possibilidade de dispensa da audiência prévia, pelo juiz, quando a mesma tenha por finalidade a mera programação da audiência final.

A prática judiciária tem também demonstrado que a convocação de tentativas de conciliação é por vezes efetuada de forma dilatória e desnecessária em casos em que já teve lugar ou há lugar a audiência prévia.

Donde, restringe-se a realização da tentativa de conciliação aos processos em que esta não tenha tido lugar, ou não haja lugar, a audiência prévia, impedindo que a mesma possa ser suspensa ou realizar-se, exclusivamente para esse fim, mais que uma vez.

Como é consabido, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, fixa em 10 o número de testemunhas que podem ser oferecidas pelas partes, embora, em função da complexidade do processo, o juiz possa admitir número superior. Contudo, não vigora atualmente qualquer limite ao número de testemunhas produzidas por cada facto.

Ora, é de toda a conveniência consagrar na lei processual civil um limite de produção de testemunhas – três – por cada facto, sendo que sempre poderão ser ouvidas mais se o juiz o entender necessário, por não ter ficado suficientemente esclarecido.

No mais, no plano internacional são reconhecidas as vantagens de celeridade processual do recurso ao depoimento testemunhal escrito ou previamente produzido no domicílio profissional de um dos advogados, atualmente previstos nos artigos 517.º e 518.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual.

Trata-se de um modelo muito utilizado no regime processual civil francês e norte-americano, que demonstra reconhecidas vantagens para a celeridade e tempo de duração dos processos, mas que no sistema judicial português ainda tem utilização meramente residual.

Nessa medida, tendo em vista estimular as partes a recorrer a este meio de produção de prova testemunhal estatui-se que as custas do processo são reduzidas a metade, sempre que, até ao despacho que marque a audiência final, for apresentada ata de inquirição da totalidade das testemunhas arroladas pelas partes.

Por outro lado, altera-se o regime do depoimento apresentado por escrito permitindo a sua utilização, sem a necessidade de autorização judicial nesse sentido, desde que as partes estejam de acordo ou no caso de a testemunha ter conhecimento de factos por virtude do exercício das suas funções. Introduz-se, ainda, a obrigação do depoimento vir acompanhado de cópia de documento de identificação do depoente e indicação da existência de alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes ou qualquer interesse na ação.

Por último, neste conspecto, permite-se que o depoimento por escrito possa ser efetuado perante notário, bem como a possibilidade de o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes, determinar a renovação do depoimento na sua presença.

Com exceção do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, não é possível à luz da lei processual civil portuguesa a prolação oral de sentenças. Ora, julga-se que inexiste fundamento para manter tal situação.

Assim, institui-se a possibilidade, de nos casos de menor complexidade, a sentença ser oralmente proferida para a ata e sumariamente fundamentada, à semelhança do que já acontece no processo penal no âmbito dos processos sumário e abreviado.

Nesse caso, a discriminação dos factos provados e não provados pode ser feita por remissão para as peças processuais onde estejam alegados, sendo que a sentença limitar-se-á à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.

Em sede de aplicação do direito aos factos, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, já permite que o juiz não resolva todas as questões jurídicas suscitadas, desde que para tanto a decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por maioria de razão, agora estende-se este regime à matéria de facto, permitindo que o juiz, em sede de decisão da matéria de facto, não tenha de julgar toda a factualidade alegada, quando seja manifesto o juízo de prejudicialidade existente entre as questões, segundo as várias soluções plausíveis da matéria de direito.

Reintroduz-se o articulado da réplica para resposta às exceções alegadas pelo réu e retoma-se o tratamento da compensação como exceção peremptória, em coerência com a sua natureza de causa de extinção das obrigações que lhe é assinalada pela lei substantiva: a compensação só constitui objeto de pedido reconvencional no caso de o réu pretender a condenação do autor no pagamento do excedente do seu crédito sobre o crédito alegado pelo primeiro.

No que respeita ao regime do maior acompanhado introduz-se a regra de conhecimento oficioso da incompetência relativa, bem como a possibilidade de audição do beneficiário por meios telemáticos sempre que este não resida na área do concelho onde se mostre sediado o tribunal onde pende o processo, de modo a assegurar, por um lado, a proximidade entre o tribunal e o beneficiário e, por outro lado, de modo a obstar às dificuldades de mobilidade que afetam grande parte do universo dos beneficiários, especialmente em contexto de pandemia.

No tocante ao recurso de apelação clarificam-se os ónus, e a sede da sua alegação, que vinculam o recorrente que impugne a decisão da questão de facto, e reconhece-se ao juiz relator a faculdade de decidir liminar e sumariamente essa impugnação, sempre que, logo em face da alegação mesma do recorrente, ela se mostre patentemente infundada.

A aferição dos fundamentos específicos da revista é agora atribuída, em exclusivo, ao juiz relator do Supremo Tribunal do Justiça, cabendo da decisão deste, que admita ou rejeite a revista, reclamação para a formação constituída por três juízes, cuja decisão, sumariamente fundamentada, é definitiva. Por uma razão de extensão de competência, aquela formação é ainda competente, tendo a reclamação como fundamento a verificação de alguns dos pressupostos específicos da revista, para apreciar os restantes fundamentos invocados pelo reclamante, com o que se evita a duplicação de procedimentos reclamatórios, dirigidos a órgãos diversos.

Ordenada pelo propósito de garantir a tutela da confiança dos particulares, consagra-se a faculdade de o Supremo Tribunal de Justiça, orientado por critérios de segurança jurídica e de equidade, estabelecer os efeitos temporais da uniformização de jurisprudência, prevenindo os inconvenientes, para a situação jurídica dos particulares, da sua aplicação retroativa irrestrita.

Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão são objeto de uma reponderação geral, através da individualização das patologias processuais que, à luz dos parâmetros do processo equitativo, devem permitir a revisão de uma sentença transitada em julgado. Mantém-se, porém, um adequado equilíbrio entre a intangibilidade do caso julgado e a possibilidade da sua rescisão por inarredáveis imperativos de justiça, de modo a que se possa proceder à reparação da injustiça da sentença transitada em julgado e ao proferimento de uma nova decisão fundada no direito.


Em sede de matéria recursória introduzem-se também alterações no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/83, de 29 de junho, na sua redação atual, estatuindo que para além dos casos em que é sempre admissível recurso, do acórdão da Relação cabe, ainda, recurso se puder ser invocado um dos fundamentos específicos enumerados no n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, harmonizando, assim, o regime geral dos recursos com as normas próprias de recursos inscritas no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/83, de 29 de junho, na sua redação atual.

II

No tocante ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância resolve-se, de modo expresso, o problema suscitado pela falta de resposta do autor à compensação invocada pelo réu, harmonizando o regime da sentença destes procedimentos com a alteração prevista para o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual.

Por último, dissipam-se as dúvidas quanto à exequibilidade extrínseca da ata da assembleia de condóminos, estatuindo-se que o título executivo suscetível de permitir a realização coativa das prestações devidas ao condomínio é constituído por aquela ata e pelo documento de notificação admonitória do condómino relapso, com a especificação dos valores em dívida.»

O problema da arguição: a never ending story...


Quando integrei a Comissão de que saiu o projecto do que seria o Código de Processo Penal de 1987 pensei que ali se tinha resolvido [ver aqui o texto aprovado] o problema da arguição, quando, afinal, se tinha resolvido apenas parte desse problema. Ante a fórmula consagrada, julguei que já não seria possível inquirir-se abusivamente como testemunha aquele sobre o qual incidia a investigação e que, por isso, teria de ser constituído como arguido. Isto porque, por um lado, se indicava expressamente os casos em que haveria lugar à constituição obrigatória como arguido; por outro porque se dava ao inquirido o direito de requerer a sua investidura nesse estatuto, como arguido, no caso de estarem a ser feitas diligências de investigação contra ele; enfim, porque a partir da acusação ou do requerimento de abertura de instrução contra certa pessoa esta assumiria automaticamente o estatuto de arguido. E, enfim, que estava tudo resolvido.
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A verdade é que a partir daqui passou-se de um extremo ao outro: onde, outrora, era frequente ouvir como testemunha quem deveria ser arguido e, assim, negar ao ouvido em auto o direito a defensor e ao silêncio e obrigar o ouvido ao dever de declarações e verdadeiras, sob ameaça penal, agora passou a generalizar-se a audição como arguido à mínima eventualidade de poder recair sobre o declarante qualquer suspeita. Milhares de pessoas perguntavam-se como era possível serem arguidos com tanta facilidade e encontravam da parte das autoridades a mesma resposta: para seu benefício! Assim pode ter advogado, recusar-se a falar e até a mentir impunemente...
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Tentando enfrentar o problema a reforma de 2007 passou a exigir uma substanciação dos pressupostos de constituição de arguido, isto é a necessidade de haver fundamento indiciário suficiente para que alguém fosse constituído como tal evitando a ligeireza a que a primitiva redacção tinha dado origem [ver aqui o artigo 58º na redacção modificada]. E, diga-se, tinha dado origem porque as autoridades também receavam que a denegação do estatuto de arguido pudesse abrir qualquer brecha no sentido da invalidade do acto e, assim, fazer perigar o processo, de cuja "blindagem" lhes cabia cuidar.
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O panorama actual mostra que se trata de uma "never ending story". Se é verdade que não se castigam pessoas fazendo-as ouvir como "testemunhas" - adstritas ao dever de declarar e com verdade sob ameaça penal * - quando, pois que suspeitas, deveriam ser tratadas e ouvidas como arguidos, o certo é que se está à sombra da lei a evitar a arguição quando o próprio "inquirido" sente e sabe que, ao ser mantido como testemunha, é beneficiado pela investigação criminal que, concomitantemente, o usa para a prova que pretende. Uma sociedade de mútuo interesse.

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* A presença de advogado passou a ser possível também para as testemunhas, de modo a prevenir o testemunho auto-incriminatório sem assistência de defensor.

O tira-teimas

O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, em artigo citado aqui, no blog Cum Grano Salis, insurgiu-se contra a impossibilidade de confronto em audiência entre o que as testemunhas ali dizem e o que está nos autos de inquérito. Porque isso exige acordo dos sujeitos processuais, explica, e o mesmo raramente se alcança.
A frase parte de um pressuposto que, sem que o autor do mesmo se aperceba, demonstra a hipocrisia global do sistema sob o qual vivemos: o de que o juiz se apercebe da contradição porque afinal terá lido o depoimento prestado em inquérito [necessariamente à socapa] e só não pode é usá-lo. 
A ser tudo isto assim para toda a gente [e não é porque há juízes que se recusam a deixarem-se impressionar pelos autos de inquérito e fazem triunfar a oralidade, como aliás manda a lei] o sistema é pérfido: o juiz apercebe-se que a testemunha está a mentir ou mentiu antes e fica no ar a dúvida sem que ela se possa esclarecer pelo confronto entre o dito antes e o dito agora.
Por mim, que estive na comissão legislativa de onde saiu o Código de Processo Penal de 1987, convenci-me na altura de que os autos de inquérito eram para uso do MP e nele se ficavam, para legitimar a sua acusação ou o arquivamento; a haver instrução, o juiz desta fase podia ler os depoimentos testemunhais e formular o seu juízo na decisão instrutória, levando-os em conta. Mas a fase de julgamento era aquela muralha intransponível ante a qual tais autos não passariam, pois só se avaliraia o dito em audiência. 
Julgamento plenamente oral, totalmente contraditório, absolutamente público, parecia-me ser a regra em três pontos que garantia o processo justo. Autos de prova testemunhal em inquérito valeriam o que valeriam as notas dos advogados quando reuniram provas para a audiência, elementos de trabalho, instrumentais.
Claro que com o uso sorrateiro dos autos de inquérito e suas perversões tudo se alterou. Então é tempo de rever o sistema.
Sabe-se que a grande dúvida quanto a tais autos é que, sendo na sua maioria policiais, prestam-se a que a testemunha [e o arguido, afinal] possa alegar o «não foi isso que eu disse». 
A ser assim, é simples: passa a gravar-se o que foi dito nas esquadras ou nos gabinetes dos Procuradores e tudo passa a ser usado em julgamento, o antes e o depois. 
Em caso de contradição explicará a testemunha qual a memória mais fresca para não ficar a dúvida de qual o interesse mais apetecível. Carrega-se num botão a é o tira-teimas.
E acabamos de vez com o reino do faz de conta.