Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O tira-teimas

O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, em artigo citado aqui, no blog Cum Grano Salis, insurgiu-se contra a impossibilidade de confronto em audiência entre o que as testemunhas ali dizem e o que está nos autos de inquérito. Porque isso exige acordo dos sujeitos processuais, explica, e o mesmo raramente se alcança.
A frase parte de um pressuposto que, sem que o autor do mesmo se aperceba, demonstra a hipocrisia global do sistema sob o qual vivemos: o de que o juiz se apercebe da contradição porque afinal terá lido o depoimento prestado em inquérito [necessariamente à socapa] e só não pode é usá-lo. 
A ser tudo isto assim para toda a gente [e não é porque há juízes que se recusam a deixarem-se impressionar pelos autos de inquérito e fazem triunfar a oralidade, como aliás manda a lei] o sistema é pérfido: o juiz apercebe-se que a testemunha está a mentir ou mentiu antes e fica no ar a dúvida sem que ela se possa esclarecer pelo confronto entre o dito antes e o dito agora.
Por mim, que estive na comissão legislativa de onde saiu o Código de Processo Penal de 1987, convenci-me na altura de que os autos de inquérito eram para uso do MP e nele se ficavam, para legitimar a sua acusação ou o arquivamento; a haver instrução, o juiz desta fase podia ler os depoimentos testemunhais e formular o seu juízo na decisão instrutória, levando-os em conta. Mas a fase de julgamento era aquela muralha intransponível ante a qual tais autos não passariam, pois só se avaliraia o dito em audiência. 
Julgamento plenamente oral, totalmente contraditório, absolutamente público, parecia-me ser a regra em três pontos que garantia o processo justo. Autos de prova testemunhal em inquérito valeriam o que valeriam as notas dos advogados quando reuniram provas para a audiência, elementos de trabalho, instrumentais.
Claro que com o uso sorrateiro dos autos de inquérito e suas perversões tudo se alterou. Então é tempo de rever o sistema.
Sabe-se que a grande dúvida quanto a tais autos é que, sendo na sua maioria policiais, prestam-se a que a testemunha [e o arguido, afinal] possa alegar o «não foi isso que eu disse». 
A ser assim, é simples: passa a gravar-se o que foi dito nas esquadras ou nos gabinetes dos Procuradores e tudo passa a ser usado em julgamento, o antes e o depois. 
Em caso de contradição explicará a testemunha qual a memória mais fresca para não ficar a dúvida de qual o interesse mais apetecível. Carrega-se num botão a é o tira-teimas.
E acabamos de vez com o reino do faz de conta.