Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Mora processual penal e pedido cível de indemnização


 Nem sempre é fácil integrar a noção de demora processual que liberte o lesado do princípio de ter de formular no processo penal o pedido cível por indemnização emergente de crime. Percebe-se a lógica e o risco: para que não fique o ressarcimento de quem sofreu do crime o dano dependente do longo tempo de pendência de um processo penal, permite-se-lhe que se socorra dos meios judiciais civis, correndo-se o risco de haver, entre as duas jurisdições, decisões de sentido contraditório. 

Tem por isso interesse o decidido pelo Acórdão da Relação de Évora de 16.12.2021 [proferido no processo 483/21.5T8FAR-A.E1, relator Rui Machado e Moura, texto integral aqui], quando estatui que: 

«O artigo 71.º do C.P.P. impõe que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal (princípio da adesão) e o artigo 72.º do mesmo Código prevê excepções a este princípio, nomeadamente as respeitantes a situações em que a demora do processo penal põe em crise o interesse do lesado num rápido ressarcimento (alínea a).
«A faculdade atribuída ao lesado de deduzir pedido cível em separado quando o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses após a notícia do crime, prevista no citado artigo 72.º n.º 1, alínea a), do C.P.P., não opera se o lesado não usou essa faculdade oportunamente, conformando-se com a demora, não deduzindo pedido cível após a acusação e só intentando a presente acção cível em separado decorridos que foram cerca de 20 meses depois da referida acusação.»

E interesse tem também esta vertente do decidido quanto conclui: «a ação de indemnização ora proposta no tribunal civil infringe as regras de competência em razão da matéria, constituindo uma excepção dilatória, oportunamente invocada pelo R., e, como tal, implicará a abstenção do conhecimento do pedido formulado pelo A. e a respectiva absolvição do R. da instância – cfr. artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil.»



Perda de vantagens e indemnização: cumulação?

 


Problemático saber se a perda de vantagens emergentes do crime, a denominada "perda clássica", pode ser cumulada com condenação no pagamento de indemnização por danos emergentes do crime.

No sentido dessa possível cumulação, leia-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07.09.2021 [proferido no processo n.º 95/18.0T9LLE.E1, relator Nuno Garcia, texto integral aqui], segundo o qual tal cumulação só não se verificar «se no decurso do processo se comprovar que o agente do crime ressarciu o ofendido em montante exactamente igual ao das vantagens que obteve com a prática do crime.»

Útil, por enunciar em seu apoio a literatura jurídica e a  jurisprudência que tem militado no mesmo sentido, é este excerto do decidido:

«A propósito da perda de vantagens, agora prevista no artº 110º do C.P. (redacção introduzida pela L. 30/2017 de 30/5, já em vigor à data da prática do último acto levado a cabo pela recorrente), e anteriormente previsto no artº 111º do C.P., refere o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, pág. 632: “Nas vantagens, diversamente, o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o ‘crime’ não compensa”.

E mais adiante, pág. 633, § 1005, a propósito precisamente da questão concreta em causa neste recurso: “À primeira vista, a consagração da perda de vantagens como providência de carácter criminal pode parecer absurda: em princípio, com efeito, ela resulta automaticamente das regras da responsabilidade civil (nomeadamente, sob a forma da restituição em espécie). A providência justifica-se, no entanto, de um duplo ponto de vista. Por uma parte, o lesado pode prescindir da reparação, não apresentando o respectivo pedido; caso em que as finalidades de prevenção, geral e especial, acima apontadas dão fundamento autónomo ao decretamento da perda. Por outra parte, casos haverá em que as vantagens vão além daquilo em que a vítima foi prejudicada. Suscita-se, nestas hipóteses, o problema de saber até onde deverá a perda das vantagens ser decretada (infra § 1009). Mas seja como for quanto a este ponto, também aqui há lugar e justificação autónomos para a perda. Sem deixar de reconhecer-se, em todo o caso, que, sempre que tenha havido pedido civil conexo com o processo penal, poucas serão as hipóteses em que a perda de vantagens poderá vir a ser decretada utilmente”.

Temos, portanto, que a perda das vantagens tem como primeiro objectivo fazer com que o agente do crime não retire qualquer vantagem com a sua prática, fazendo ver a todos (prevenção geral) que para além da punição criminal propriamente dita, não é possível obter qualquer tipo de benefício com a mesma.

E tal objectivo faz sentido mesmo que ocorra condenação no pedido de indemnização formulado pelo ofendido/lesado.

É que mesmo havendo condenação no pedido de indemnização pode sempre o beneficiário desta vir a prescindir da mesma ou permanecer inactivo com vista à sua cobrança. Se tal viesse a ocorrer, e inexistindo declaração de perda da vantagem a favor do Estado e condenação do arguido nesse pagamento, sempre ficaria frustrado o acima referido objectivo e nesse caso ficaria nas mãos do ofendido o crime “compensar”, ou não.

Assim se entendeu, entre outros, no ac. da rel. de Lisboa de 18/6/2019, assim sumariado:

“- O instituto intitulado de “perda de vantagens” constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança com intuitos exclusivamente preventivos.

- A perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática de um ilícito [v.g. “o crime não compensa”, nem os seus agentes dele retirarão compensação de qualquer natureza].

- Reconhece-se, assim, que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial demonstrada na acusação, e causada em consequência de um facto antijurídico. Este retorno, sublinhe-se, deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, por algum motivo tenha sido julgado improcedente ou seja relativo a valor inferior à vantagem patrimonial que ocorra.

- A reserva constante do n.º 2, do citado art. 111ºC.P., em benefício dos direitos do ofendido ou terceiros de boa-fé, não lhes concede poderes derrogatórios das medidas dessa natureza aí previstas, significando apenas que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes e no mesmo sentido vai a estatuição do art. 130º, n.º 2, do Cód. Penal, ao prever que o tribunal possa “atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º”.

- O direito ao pedido de indemnização civil não pode contender ou substituir o direito de o Estado ser de imediato reintegrado na sua esfera patrimonial com os bens/direitos/vantagens que lhe foram subtraídos com a prática do crime.

- Não há qualquer incompatibilidade entre o requerimento ou promoção de perda de vantagens formulado pelo Ministério Público e o pedido de indemnização civil cuja apresentação caberia à Segurança Social.”

E no texto do referido acórdão:

“Ao contrário do que parece defender o Tribunal recorrido, não há nenhuma incompatibilidade entre o requerimento ou promoção de perda de vantagens formulado pelo Ministério Público e o pedido de indemnização civil cuja apresentação caberia à Segurança Social, tal como a jurisprudência tem vindo consistentemente a decidir no seguimento de informada doutrina (cfr., entre outros, “O confisco das vantagens e a pretensão patrimonial da Autoridade Tributária e Aduaneira nos crimes tributários” - Dr. João Conde Correia e Dr. Hélio Rigor Rodrigues, in Revista Julgar Online, Janeiro de 2017).

Vejam-se, neste sentido e a título de exemplo, os seguintes Acórdãos: - Acórdão de 22 de Fevereiro de 2017, processo n° 2373/14.9IDPRT, no qual foi Relatora a Exma. Sra. Desembargadora Maria Deolinda Dionísio; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Março de 2017, processo n° 86/14.0IDPRT, no qual foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Francisco Mota Ribeiro; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Junho de 2017, processo n° 25/15.1IDPRT, no qual foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador José Carlos Borges Martins; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Julho de 2017, processo n° 149/16.8IDPRT, no qual foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Langweg; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Maio de 2017, processo n° 259/15.9IDPRT, no qual foi Relatora a Exma. Sra. Desembargadora Lígia Figueiredo; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2018, processo n° 176/16.5PAVFR, no qual foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Ernesto Nascimento; e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 2018, processo n° 126/14.3GBAMT, no qual foi Relatora a Exma. Sra. Desembargadora Maria Deolinda Dionísio.”

O mesmo no ac. da rel. do Porto de 26/10/2017, assim sumariado: .

“Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artº 111º CP, num crime de burla tributária, ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime.”

Acontece que se, por um lado, o lesado não pode ser prejudicado pela declaração de perda das vantagens (cfr. nº 6 do artº 110º do C.P.), podendo o mesmo nos termos do artº 130º, nº 2, do C.P. “fazer-se pagar” quanto aos danos causados pelo valor das vantagens recebidas pelo Estado, por outro lado, não pode ocorrer execução simultânea pelo Estado e pelo ofendido/lesado ou só por aquele quando, como acontece muitas vezes, designadamente nos crimes fiscais, é o Estado o próprio ofendido.

Mas isso é questão que só posteriormente se colocará, se for caso disso, pois que, como bem se refere no voto de vencido proferido no ac. da rel. do Porto de 30/4/2019:

“Não compete ao tribunal, de primeira instância ou de recurso fixar ressalvas sobre que direitos não podem ser prejudicados com esta perda nem como devem ser reduzidos pagamentos; essas questões terão que ser atendidas no momento próprio (na decisão em primeira instância ou em sede de recurso se já tiverem ocorrido pagamentos ou em execução se ocorrerem depois daquelas decisões) e sempre sem prejuízo de direitos legalmente conferidos não havendo que o declarar.”

Uma coisa é certa, repete-se: a recorrente não será “obrigada” a pagar duas vezes a mesma quantia, ou seja, por duas vezes a quantia de que ilicitamente se apropriou, pois tal constituiria um empobrecimento sem justificação, para além do que se pretende que ocorra: inexistência de benefício com a prática do crime. A recorrente deve voltar a estar na situação patrimonial em que se encontrava antes da prática do crime, não mais “pobre” (em duplicado) do que estava.

É como se refere no texto do acima referido rel. do Porto de 26/10/2017:

“É por isso mesmo, porque não pode ser executada duas vezes (sob pena de se modificar a natureza jurídica do confisco: em vez de colocar o arguido no status patrimonial anterior à prática do facto ilícito típico seria um mecanismo de redução do seu património lícito) que Jorge de Figueiredo Dias refere quer nesses casos, decretar o confisco poderá não ter utilidade. Da sua asserção não se pode, todavia, retirar que o confisco cessa quando existe um pedido de indemnização civil, mas apenas que «poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá ser decretada utilmente» (Direito Penal Português…, p. 633). O que não significa, por exemplo, que não tenha já relevância (teórica) ou que não possa vir a ganhá-la no futuro (v.g. porque o título executivo já existente prescreveu entretanto).”

Como é sobejamente referido, designadamente pelo Prof. Figueiredo Dias, a declaração judicial de perdimento da vantagem pode vir a revelar-se inútil, inconsequente, mas isso não significa que, pelas razões já referidas, não deva ser decretada. Só assim não será se no decurso do processo se comprovar que o agente do crime ressarciu o ofendido em montante exactamente igual ao das vantagens que obteve com a prática do crime. Aí sim: aquando da condenação já se sabe que a declaração de perda é completamente inútil.»

Irregularidades e nulidades

A propósito da omissão da comunicação da possibilidade de arbitramento de indemnização em matéria de processo por violência doméstica, o Acórdão da Relação de Évora de 28.10.2019 [processo n.º 231/18.7PATVR.E1, relatora Ana Bacelar Cruz] teceu este interessante apontamento sobre o regime jurídico das irregularidades em processo penal, relevando quanto as aproxima, nos seus efeitos, do regime jurídico das nulidades:

«O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.

Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.

E as irregularidades são tratadas, também na lei processual penal, como uma subespécie das nulidades, fazendo-lhes corresponder um vício de menor gravidade e submetendo-as a um regime de arguição limitado.

Mas o “retrato” nítido das irregularidades apenas se consegue por contraposição com o regime das nulidades propriamente ditas, sendo tendencialmente correto afirmar que constitui irregularidade aquele defeito que não é causa de nulidade. E dizemos “tendencialmente” porque o legislador, associando às irregularidades os defeitos que não são causa de nulidade, acaba por lhes atribuir – contra o que seria de esperar – efeitos invalidantes próprios das nulidades [algumas irregularidades determinam a invalidade do ato a que se referem e dos termos subsequentes que aqueles possam afetar, acabando por produzir os mesmos efeitos das nulidades].

Por outro lado, em matéria de irregularidades consagrou-se uma “válvula de segurança”, no n.º 2 do artigo 123.º do Código de Processo Penal, quando se permite ordenar oficiosamente a reparação daquelas que possam afetar o valor do ato praticado.

Dito de outra forma, quando na génese da irregularidade está uma omissão, pode ordenar-se a reparação oficiosa desse vício quando o ato omitido, podendo ainda ser praticado, afete o valor dos atos subsequentes.»

O sumário do aresto é o seguinte: «A omissão da comunicação da possibilidade de arbitramento de indemnização traduz uma intolerável compressão do direito de defesa – direito ao contraditório – e constitui irregularidade, de conhecimento oficioso, e que exige reparação – através da declaração de invalidade da sentença relativa à condenação em indemnização, que deverá ser repetida depois de concedido o contraditório com a possibilidade de requerer a produção de prova em audiência com relevância para a fixação dessa indemnização.»

Dano corporal

Decidiu o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 10.04.12 [relatora Ana Brito, texto integral aqui] que «os valores constantes da Portaria nº 377/2008, que cuida da apresentação de propostas de indemnização pelas seguradoras, não são de aplicação judicial obrigatória. Não devem, no entanto, os tribunais menosprezar as virtualidades de um diploma que se pretende uniformizador, o que apenas se prossegue se judicialmente se lhe atender como quadro de critérios ou valores de referência».

Relativamente à interpretação da citada Portaria, que está publicada aqui, e desenvolvendo o seu raciocínio justificou, assim fundamentando o entendimento: «a verdade, este diploma, publicado em 26 de Maio e alterado pela portaria nº 679/2008 de 25 de Junho, prevê uma tabela (legal) de ressarcimento do dano corporal.
Com ela visou o legislador, não a fixação final e última dos quantum indemnizatórios, mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios tendentes a agilizar a apresentação pelas seguradoras de propostas razoáveis, possibilitando a avaliação pela autoridade da supervisão, em quadro de objectividade, da respectiva razoabilidade” (Salvador da Costa, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, Cadernos do Cej. – Acidentes de Viação I, 2011).
Pelo que tais valores nunca serão definitivos e a tabela não é de aplicação judicial obrigatória. Ela cuida da apresentação de propostas de indemnização pelas seguradoras. Não estão, por isso, os tribunais vinculados a efectuar as operações de cálculo indemnizatório de acordo com a portaria, sem prejuízo de poderem ter presente os valores constantes deste diploma, uma vez que com ele se visou também uniformizar critérios.
Tem vindo a ser esta a posição da jurisprudência, que cremos aqui uniforme.
Assim, “no que diz respeito à indemnização pelo dano da morte, a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, tem um âmbito institucional específico de aplicação extra-judicial” (Ac. STJ 07.08.2009); “A portaria 377/2008 não visa mais do que fornecer valores mínimos que sirvam de base de negociação para a determinação das indemnizações. Os valores por ela indicados não são vinculativos, não têm em conta as circunstâncias do caso, que são essenciais para a formulação do juízo de equidade que o nº 3 do art. 496º do C.C., impõe” (Ac. STJ 25.03.2010, Maia Costa).
Apesar de não vinculativo para os tribunais, repete-se, consideramos no entanto que as virtualidades de um diploma que se pretende também uniformizador não devem ser menosprezadas, o que se prossegue apenas se judicialmente se lhe atender como quadro de critérios ou valores de referência. Na verdade, a portaria contribuiu para “introduzir no sistema regras, critérios e valores que permitirão balizar a aplicação do prudente arbítrio do julgador” e implementar um “sistema indemnizatório socialmente mais justo” e “alinhado com as tendências do mercado comunitário” (Paulo Baião Figueiredo, Contributo para a Compreensão dos Critérios e Valores Orientadores da Proposta Razoável de Indemnização do Dano Corporal resultante de Acidente de Viação, Cadernos do Cej. – Acidentes de Viacção I, 2011).
O lesado não está nunca impedido de recorrer à via judicial quando entenda que os valores oferecidos pela seguradora e considerados como proposta razoável de acordo com a portaria não são, na sua perspectiva, suficientes para o ressarcir do dano.»

O preço da liberdade

Significativo: «[...] e tendo em conta, finalmente, que este Supremo Tribunal tem fixado compensações que raramente ultrapassam os € 15 000, mesmo em casos de perdas mais significativas do que as sofridas pelo autor (por exemplo, perda da liberdade por prisão ilegal ou manifestamente infundada) [...]». É o que se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.12 [relator Nuno Cameira, texto integral aqui].
Eis pois quanto vale um dos supremos bens, a liberdade: quinze mil euros no máximo.

Indemnização: critérios

«Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida. E o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica», determinou o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.12 [relatora Maria Pilar Oliveira, texto integral aqui].
O aresto contém uma exaustiva e útil enunciação das referências doutrinais sobre o tema da responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais.