Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A Cidade Ideal

Haveria um ponto ideal, eu ser diário na presença neste blog ou até repetindo por mais de uma vez a presença neste espaço. Mas a vida ultrapassa essa possibilidade criando deveres, lazeres, dificuldades, impossibilidades, desejos e sujeições. É seguramente melhor assim, esta assimetria do que a funcionalização da regularidade. Além disso, há também o haver momentos em que nada há para dizer e outros em que não se sabe como dizer e outros sem razão sequer que explique.
Nisso, este lugar é a expressão da vida com a sua turbulência. 
Fosse assim o Direito, incerto, irregular, ocasional, sujeito à possibilidade e ao momento e talvez fosse o caos. Fosse imperfeito, irrequieto, fragmentário. Fosse dependente do ser humano e das suas vicissitudes. E de facto é. A sua verdade é sê-lo, precisamente nisto que é o que parece defectivo, o sinal da sua incompletude. 
Nos recolhimentos das cátedras constroem-se seguramente cidades ideais de lógicas edificações, coerentes, sistematicamente harmónicas, perceptível nelas o trânsito, iluminados os cidadãos pelo Sol da certeza e reconfortados pela segurança. 
São, porém, cidades de papel. A vida encarrega-se de incendiá-las quotidianamente, a Justiça fruto de construtores da sua própria arquitectura, sobre ruínas interminavelmente.

Uma questão de perfil

Conheci-o de perto na Comissão legislativa de que saiu o Código de Processo Penal de 1987. Sem que ele o suspeitasse sequer, conheci-o no acto da escolha, como um dos dois nomes que estiveram na altura em causa para o cargo de Procurador-Geral da República. Depois, foi assistir à sua entronização no Palácio de Palmela, o redimensionar progressivo do seu poder, um processo que levaria, pelo culto da personalidade, a fazerem-no supor um candidato possível à Presidência da República. 
Estive nas primeiras linhas dos que criticaram muito do que fez, do que propunha como avantajamento do Ministério Público em detrimento do poder judicial. Sofri muitos dos efeitos dessa cultura de poder e de antagonismo na pele, nos processos em que intervim, quantas vezes do lado menos fácil. Tempos de luta corpo a corpo. Recusei deixar-me arrastar para o campo dos que queriam rebaixá-lo, atrelando a PGR à carroça do Executivo.
Um dia moveu-se uma campanha porque eu era advogado e havia sido escolhido pela Assembleia da República para membro do Conselho Superior do Ministério Público onde havia aliás outros Advogados, um até escolhido pelo Ministro da Justiça, mas contra os quais nem um piar se ouviu. Cercado, pedi-lhe audiência e fiz-lhe saber que ser Advogado me obrigava a uma lealdade à minha profissão que não poderia deixar-me cair naquela ratoeira que tinha um propósito: fazer-me sair. Saí.
As nossas relações, entretanto, tinham esfriado. Quando regressei de Macau em 1988, tinha tido a gentileza de me convidar para um almoço onde, sem para quê, lhe confiei a integralidade do que vivera. Quando saiu de Procurador-Geral tive o cuidado de lhe escrever uma carta a exprimir, sem porquê, o que sentia. Percebemos que já não havia remédio.
Hoje, anos volvidos, chegado aqui, quero ser honrado com a minha consciência: mau grado tudo o que nos separou, o que nos dividiu, o que nos levou ao confronto, com quanto me chocaram e doeram as omissões daquilo que fingiu não ver e não ler, ele do alto da majestade do cargo que desempenhou eu no meu plantão de soldado de trincheira na advocacia, José Narciso da Cunha Rodrigues é a imagem e o perfil do Procurador-Geral da República. Tenho dito.

O "pesadelo" das perícias...

«Pinto Monteiro, que falava perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito do relatório de execução da Lei de Política Criminal para o biénio 2009/2011, disse que em 2010 havia 1.048 exames periciais por fazer no distrito de Lisboa, que se encontravam no laboratório de polia científica. No mesmo ano, mas no distrito do Porto, o total de exames periciais por fazer cifrava-se em 1.258, em Coimbra era de 910 e em Évora atingia os 429. Segundo o PGR, aqueles números reportavam-se a exames pendentes há um ano ou dois, razão pela qual questionou se não era possível haver outras instituições que fizessem aqueles exames. Exemplificou com os exames grafológicos (à escrita), que apenas podem ser realizados pela Polícia Judiciária, que leva três a quatro anos a realizá-los, enquanto há instituições que os fazem em muito menos tempo».

A "burrasca giurisdizionalista"

O livro é da autoria do Professor Fabio Vecchi. Chama-se Controversie giurisdizionali nel Portogallo del primo quarto del XVII secolo. Tirei daqui este seu resumo: «L'indagine storiografica persevera in un'ingiustificata disattenzione attorno alla vicenda giuridica nel Regno di Portogallo ed Algarve nonostante sia teatro - ne è prova la quadruplice codificazione regia - di straordinari momenti dell'esperienza del diritto moderno. A tali dinamiche di trasformazione non si sottraggono i rapporti Stato-Chiesa ed i rispettivi fori nella burrasca giurisdizionalista del Seicento. Il confronto serrato che oppone Nunzi e Collettori apostolici al Principe filippino e ai suoi ministri dà vita ad un giurisdizionalismo sui generis, ben diverso dai coevi modelli europei. Fatto salvo il foro episcopale, i tribunali ecclesiastici del post-tridentino, l'inquisitoriale e dell'ius fisci, perdono d'importanza perché la stirpe atlantica di Ulisse onora la tradizione del diritto patrio, lo "estylo do Reino", corroborato da portentosi giuristi regalisti e da una vitalissima giurisprudenza».

A Brave New World

Até aqui a discussão sobre o processo penal era o problema do Estado e dentro dele a questão corporativa e assim o tema do poder: quem manda? A matéria desdobrava-se numa miríade de assuntos mas todos em torno do mesmo: a quem compete o poder de dirigir o inquérito, aos procuradores ou a juízes? pode o Ministério Público decretar nulidades ou tal é pecúlio privativo do poder judicial? Deve a instrução ser um acto de cassação sobre a decisão da acusar ou arquivar ou um acto de sobreposição jurisdicional determinando o caso julgado do definitivo arquivamento pela não pronúncia e a forçosa submissão a julgamento mesmo que em termos discrepantes com o acusado? Deveria, em matéria de medidas de coacção, o juiz ir para além do requerido pelo Ministério Público? Fazia sentido a "correcionalização" do processo penal pelo qual se singularizava, sem que o poder judicial se pudesse a tal opor, em detrimento da competência natural do colectivo, assim o Ministério Público o quisesse?
A degradação da vítima, a diabolização da defesa faziam parte da retórica pela qual o Estado se impunha à sociedade civil.
Hoje, olhando para o panorama que começa a ganhar corpo, esse mundo acabou.
Talvez porque o Estado tenha deixado de querer ser muito Estado e tenha perdido legitimidade moral para se assumir como Estado, talvez porque os do Estado o foram cedendo à sociedade comercial, "outsourcizando-o" interesseiramente; talvez porque os jovens que hoje determinam a agenda pública cheguem às escadarias do mando e do pensamento que mandará seduzidos pelo neoliberalismo político, filho espúrio do serôdio capitalismo em que vivemos. Assim como os seus pais foram o fruto do marxismo ideológico, do qual emergiu a centelha da cultura judiciária que ainda impera.
Virou a página. Hegel morreu, envenenado por Marx.
Olhando para o que começa a emergir, o modelo é o americano. Fez a sua entrada pela porta da criminologia radical. A escola sociológica abriu as portas a que toda uma literatura tida por científica fizesse a sua aparição na cultura jurídica portuguesa e através dela a civilidade do quantitativo como critério de validação pragmática da verdade eficaz. O que fora a sedução pela germanofilia que centrara arraiais durante a Guerra no pensamento coimbrão, com a exportação da pesada sistemática alemã e sua dogmática imperial, tida como a única inteligente e universalmente pertinente, enquanto abstracção conveniente à legitimação dos voluntaristas diktats necessários e seus contrários, está a finar-se.
Ontem passei pela "Arco Íris" que há anos que já é Coimbra Editora. Ali estava Paulo Dá Mesquita e um grosso tomo sobre o direito probatório...segundo o modelo americano. Já o tinha visto anunciado aqui. A Brave New World.

Aperfeiçoar sim, mas só as conclusões

«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso Relação de Évora de 7 de Fevereiro de 2012 [relator Sénio Alves, texto integral aqui].
Isto porque, segundo o mesmo aresto, «da leitura conjugada dos nºs 3 e 4 do artº 417º do CPP é forçoso concluir: a) o convite ao aperfeiçoamento restringe-se às conclusões e só pode abarcar matéria já contida no texto da motivação; b) nem as conclusões “devem manter-se aquém ou exceder as questões que ficaram afloradas no corpo da motivação, nem devem ser tão ou mais abrangentes que a própria motivação em si” – Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., 511 [no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC de 9/7/2008 (rel. Luís Ramos), www.dgsi.pt.: “(…) até por força do disposto no nº 4 do artº 417º (…) há que concluir que o não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões”]».

Fundamentação e imprecisão

A propósito da fundamentação das sentenças, determinou a Relação de Coimbra no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relator Alberto Mira, texto integral aqui] que «fórmulas genéricas e imprecisas, tais como "não se provaram os restantes factos", são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais».
 
P. S. O quadro chama-se "Vacuidade".

Suspensão da pena e condenações anteriores

«Assim, essa suspensão é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se. Aliás, o facto de o condenado já ter anteriormente sofrido outras condenações poderá até nem ser um obstáculo à suspensão da execução da pena de prisão, principalmente quando os crimes foram todos praticados anteriormente à primeira condenação – cfr. Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2008, in CJ (S), Tomo I». Eis a Relação de Coimbra a decidir no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relatora Brízida Martins, texto integral aqui].

Indemnização: critérios

«Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida. E o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica», determinou o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.12 [relatora Maria Pilar Oliveira, texto integral aqui].
O aresto contém uma exaustiva e útil enunciação das referências doutrinais sobre o tema da responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais.