Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Audição parlamentar da ministra da Justiça

Encontra-se aqui o vídeo da audição da ministra da Justiça na reunião em sessão conjunta da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República. Quanto ao texto inicial apresentado pela ministra, o mesmo está aqui. Foi nessa intervenção que a ministra anunciou a atribuição da presidência do grupo de trabalho incumbido da definição, a propor ao Governo, de uma estratégia contra a corupção. Nas suas palavras:

«O Governo identificou no seu Programa um amplo conjunto de medidas e tem em curso a promoção de uma estratégia nacional integrada, compreendo a prevenção e a repressão dos fenómenos corruptivos - robustecendo instrumentos jurídico-processuais já existentes e prosseguindo o processo de reforço dos recursos humanos e tecnológicos do Ministério Público e da Polícia Judiciaria. A definição das linhas dessa estratégia está a cargo de um grupo de trabalho liderado pela senhora professora Maria João Antunes, da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.»

Depoimento indirecto: validade sem confirmação

Por lei, o depoimento indirecto é admissível desde que seja confrontado com a fonte em que se baseia, o que obriga o tribunal ao dever de apurar a fonte de ciência para que o possa valorar. A excepção reside, nos termos da mesma lei, quando a pessoa a quem se ouviu dizer não puder ser inquirida, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

É o que dispõe o artigo 129º, n.º 1 do CPP: 

«Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».

Ora no sentido da interpretação deste último requisito [«impossibilidade de serem encontradas»], o Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2019 [proferido no processo n.º 602/16.3GBVVD.G1, relatora Ausenda Gonçalves, texto integral aqui] estatuiu:

«Para ser ultrapassada a proibição de valoração do conteúdo do testemunho indirecto, enunciada no comando do citado art. 129º, basta que a fonte da informação seja chamada ao processo - quer ela compareça em juízo quer se mostre impossível encontrá-la -, não impondo a lei que esse conteúdo venha a ser confirmado pela fonte material originária de onde provinha o conhecimento dos factos.»

Mas o cerne do entendimento plasmado é este excerto:

«Assim, a lei limita-se a impor que o tribunal diligencie no sentido de obter o depoimento da fonte, cessando a proibição de valoração inerente ao artigo 129.º do CPP com o chamamento a depor da fonte originária, mesmo que posteriormente a mesma se recuse legitimamente a depor, pois a valoração não depende do conteúdo do depoimento da mesma. Para ser ultrapassada a proibição de valoração enunciada nesse comando, basta que a fonte da informação seja chamada ao processo, quer ela compareça em juízo quer se mostre impossível encontrá-la para depor.»

Ou seja, e sendo claro, não estarei errado ao afirmar que onde a lei estatui restritivamente como excepção a impossibilidade de a testemunha-fonte ser encontrada, este acórdão basta-se com a mera notificação e não audiência, pois assumo que, assim interpretado, não fará sentido se não como lapso de formulação pela negativa o excerto «quer ela compareça em juízo».

Em abono do decidido o acórdão cita, para além de um estudo de Costa Pinto [Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa” in Estudos e homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra editora, 2010, págs. 1047-1048] outro da mesma Relação e secção, proferido no proceso n.º 3202/17.7T8GMR [relator por Cruz Bucho], segundo o qual:

«Como é sabido, na fase de transição que mediou entre a entrada em vigor da Constituição de 1976 e a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, os textos nacionais que estiveram na génese do novo regime apontavam genericamente para a proibição do testemunho de ouvir dizer [cfr. Parecer do Prof. Costa Andrade publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJ), ano VI, 1981, tomo 1, págs 5-11, Figueiredo Dias, “Para uma reforma global do processo penal português”, in AAVV, Para uma nova justiça penal, Coimbra editora, 1983, págs. 207-209 e 219 e o parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 que esteve na base da resolução do Conselho da Revolução n.º 146/81, que declarou inconstitucional o artigo 439.º do CPP de 1929)]. A proscrição de testemunhos de outiva ou de ouvir dizer, na linha dos direitos de raiz anglo-saxónica que proibiam a “hearsey evidence”, não foi, porém, consagrada de forma absoluta.É hoje unânime o entendimento segundo o qual o Código português consagrou um regime de “admissibilidade condicionada” (cfr. Carlos Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e Arguido”, in Revista do CEJ, n.º2, 1º semestre 2005, págs. 131-133, Paulo Dá Mesquita, A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra editora, 2011, pág. 520 e Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, cit., págs 1043 e ss). Na síntese de Dá Mesquita (A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, cit., pág. 532):«O regime português do depoimento indirecto não compreende uma política preventiva que obste à admissão do ouvir dizer, o depoimento faz emergir os deveres procedimentais do tribunal (determinação da fonte e chamamento a depor da mesma) e as proibições não derivam do processo inferencial gerado pelo ouvir dizer, mas traduzem restrições por força do procedimento adoptado. Proibição irrestrita, no caso da fonte indeterminada e dependente do achamento a depor no caso da fonte determinada que não foi inquirida, admitindo-se excepções em que aquela não tem que ser chamada».

Convocando o tema à luz dos preceitos de salvaguarda dos direitos humanos, e louvando-se no aresto que citou em apoio ao que sufragou, acrescenta o decidido:

«A jurisprudência do TEDH admite a validade dos testemunhos de ouvir dizer desde que a ausência do testemunho directo esteja devidamente justificada (cfr. Sentenças do TEDH 19 de Dezembro de 1990, Delta c. França, § 37, de 19 de Fevereiro de 1991, Isgro c. Itália, § 35 ; de 26 de Abril de 1991, Asch c. Austria , § 28, de 28 de agosto de 1992, Artner c. Austria , §§ 22-24 e de 14 de Dezembro de 1999, A.M . c. Itália , § 25) e desde que a condenação não seja fundamentada (...) uniquement ou dans une mesure déterminante (...) sur des dépositions faites par une personne que l’accusé n’a pu interroger ou faire interroger ni au stade de l’instruction ni pendant les débats (CEDH 27 de Fevereiro de 2001, Lucà c Itália, § 40). Esta última regra dita “de la preuve unique ou déterminante » foi abandonada pelo Ac da Grande Câmara de 15-12-2011, n° 26766/05 et 22228/06, Al-Khawaja e Tahery v. Reino Unido (cfr. detalhadamente, Nicolas Hervieu, Admissibilité des preuves par ouï-dire et droit de contre-interrogatoire en matière pénale, in licithttp://combatsdroitshomme.blog.lemonde.fr), abandono reafirmado no Ac. Schatschaschwili c. Alemanha , n.º 9154/10, de 15 de Dezembro de 2015.».

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Este texto foi objecto de rectificações, incluindo o título, por ter havido lapsos na escrita que lhe desvirtuavam o sentido.

Despacho que converte multa em prisão: notificação postal simples

A eterna questão das notificações ao arguido, entre a celeridade, a economia financeira e a segurança jurídica. Eis a Relação de Coimbra a considerar, no seu acórdão de 15.01.2010 [proferido no processo n.º 43/14.7PFLRA-A.C1, relatora Alcina da Costa Ribeiro, texto integral aqui] que:

«A notificação da decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do CPP, converte a pena de multa em prisão subsidiária, pode ser efectuada via postal simples, para a residência escolhida pelo arguido quando da prestação do TIR».

Em causa estava um recurso do Ministério Público de despacho que indeferiu a notificação do arguido, via postal, com prova de depósito, do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária; o recorrente entendia que haveria lugar à notificação judicial simples para a morada declarada no termo de identidade e residência.

A decisão louva-se num raciocínio que, para efeitos da lógica de relativização das consequências do decidido, começa por qualificar o despacho em causa como não restritivo da liberdade do arguido, porquanto, porquanto como explicita: 

«[...] o despacho que converte a multa em prisão, nos termos do nº 1 do artigo 49º, do Código Penal, ainda não restringe a liberdade do arguido, pois entre o momento em que é decretada e o respectivo cumprimento, ainda o condenado pode evitar a privação da liberdade, pagando total ou parcialmente a multa.»

Para além disso, e em complemento argumentativo, o acórdão dá como assente a existência de um dever legal de manutenção de ligação à residência declarada em sede de TIR. Na expressão do aresto:

«O arguido prestou termo de identidade e residência, escolheu a morada para efeitos de notificação dos actos processuais, não tendo, como devia, indicado a alteração da morada.
Com a sentença condenatória em pena de multa, sabia o arguido que a sua relação com o Tribunal só terminaria com a extinção da pena.
Se, ao Estado cumpre diligenciar pela notificação do arguido, dando-lhe a conhecer o teor das decisões tomadas no processo-crime; ao condenado exige-se que tome as diligências adequadas para tornar efectivo esse conhecimento, com uma atitude simples e fácil, a de comunicar a alteração da morada que ele mesmo escolheu e indicou, para efeitos de notificação dos actos processuais. A facilidade do cumprimento deste dever, perante a importância dos fins que visa atingir, não o torna desproporcional ou ilegítimo.»

E, no sentido de enfrentar o tema da eventual inconstitucional de uma orientação como a que sufraga cita dois aresto do Tribunal Constitucional que decidiram sobre a valoração do desvalor das notificações por via postal simples: o Acórdão n.º 17/2010 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de fevereiro de 2010) e o Acórdão nº 109/2012 do mesmo Tribunal.

Enfim, dando conta que o tema é polémico na jurisprudência, a decisão cita:

«É conhecida a abundante jurisprudência suscitada sobre o regime de notificações das decisões condenatórias em processo penal, abordando questões várias, de entre as quais, se salienta, para o caso, a forma que devem revestir.
Especificamente sobre a questão da notificação da decisão que converte a multa em prisão subsidiária, a divergência surge entre os que defendem que aquela notificação deve ser efectuada por contacto pessoal (v.g. entre outros, Acórdão desta Relação de 9 de Maio de 2012, Processo nº 100/08.9GBMIR-A.C1 e de 25 de Junho de 2014, Processo nº 414/99.7TBCVL-B.C1; da Relação de Évora de 30 de Outubro de 2012, Processo nº 63/09.3 PAOLH.E1 e de 19 de Março de 2013, Processo nº 99/05 3PATVR-B.E1; da Relação de Lisboa de 14 de Fevereiro de 2018, Processo nº 210/15.6PESNT.L1-3 e de 19 de Fevereiro de 2019, Processo nº 124/14.7PTOER-A-.L1-5; da Relação do Porto de 18 de Maio de 2011, Processo nº 241/10.2PHMTS-A.P1 e 14 de Dezembro de 2011, Processo nº 344/09.6PBMTS-B.P1) e os que entendem a notificação pode ser por via postal (Acórdão desta Relação de 22 de Maio de 2013; da Relação do Porto de 30 de Junho de 2018, Processo nº 92/15.8GBOAZ-A.P1, de 12 de Setembro de 2018, documento nº RP20180912390/13.5GBOAZ-A.P1; de 31 de Outubro de 2018, Processo nº 665/14.6GBOAZ-A.P1, de 6 de Fevereiro de 2019, Processo nº 1630/15.1T9VFR.P1 e de 29 de Novembro de 2016, processo nº 1239/06.0PTPRT-A.P1; da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, Processo nº 385/11. 3GGSTB-A.E1).»



Gabinete de Política Legislativa: termo de funções

Cessou hoje, com exoneração a meu pedido, a presidência do Gabinete de Política Legislativa da Ordem dos Advogados. Faço aqui referência não como excepção à regra a que me amarrei de não trazer para este espaço a minha actividade como advogado, sim por se ter tratado de missão pública, sendo, pois, relevante, a meu ver, dar notícia do facto.
O fruto desse triénio está divulgado no Portal da Ordem dos Advogados, faltando apenas a difusão do relatório respeitante ao ano antecedente.

Leniência em cartéis: exemplo brasileiro

A Autoridade da Concorrência promove no próximo dia 24, pelas 16:00, um Seminário Aberto sob o tema “A leniência na luta contra cartéis – exemplos do CADE", em que será orador Alexandre Barreto de Souza. O evento terá lugar na Biblioteca de Concorrência Abel Mateus (instalações da AdC, Av. Berna, 19, 1.º andar - Lisboa. A entrada é livre, sujeita, embora a inscrição, a efectuar aqui.

Conselho Superior da Magistratura: audição parlamentar de candidatos


Está aqui o vídeo das audições, a 19 de Dezembro do transacto ano, dos candidatos a membros do Conselho Superior da Magistratura: Vítor Pereira Faria, Lício Lopes Martins, José António Pinto Ribeiro, António Vieira Cura, António Barradas Leitão, Inês Ferreira Leite, André de Oliveira Miranda, Paulo da Costa Valério, Luís Eleias Pereira e Telma Solange Carvalho.

Assembleia da República: iniciativas

É este o ponto de situação das iniciativas legislativas registadas na 1ª CACDLG em matéria de projectos de lei como relevo para o tema deste blog:

[178/XIV, PAN]: Regulamenta a atividade de lobbying e procede à criação de um Registo de Transparência e de um Mecanismo de Pegada Legislativa (procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, e à décima quarta alteração à Lei n.º 7/93, de 1 de março)

TEDH: novas regras

As novas regras do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entraram em vigor no dia 1 de Janeiro. O texto das regras bem como indicações práticas pode ser encontrado aqui.

Conselho de Ministros: elisão fiscal


No Conselho de Ministros de ontem foram aprovados diplomas sobre a denominada elisão fiscal. Segundo o comunicado [texto integral aqui]:

«Foram aprovadas duas propostas de lei, a submeter à apreciação da Assembleia da República, relativas ao combate à elisão fiscal, designadamente através do estabelecimento:

- da obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, transpondo a Diretiva (UE) 2018/822 no que respeita à troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade em relação aos mecanismos transfronteiriços a comunicar.

Desta proposta de lei resulta um regime jurídico integralmente novo, revitalizado e reforçado, que integra de forma coerente as vertentes interna e externa da União Europeia, de comunicação obrigatória à AT de mecanismos que contenham determinadas características-chave bem tipificadas. Tais características traduzem a indiciação de um potencial risco de evasão fiscal, incluindo o contornar de obrigações legais de informação sobre contas financeiras ou de identificação dos beneficiários efetivos.

A Diretiva assume expressamente como objetivo um melhor funcionamento do mercado interno, desencorajando a utilização de mecanismos de planeamento fiscal agressivos, no pressuposto de que tal objetivo é mais bem alcançado ao nível da União, em termos que são conformes com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

- de regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno no que respeita a assimetrias híbridas com países terceiros, mediante a transposição parcial da Diretiva (UE) 2016/1164, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

A proposta de lei introduz diversas alterações ao Código do IRC que visam essencialmente neutralizar os efeitos fiscais das práticas de elisão fiscal transfronteiriças realizadas com vista ao aproveitamento de disparidades entre os sistemas fiscais de diferentes jurisdições em matéria de fixação de base tributável, impedindo que as entidades envolvidas possam beneficiar de duplas deduções fiscais, taxas de tributação mais reduzidas ou, no limite, de uma redução da tributação efetiva dos seus lucros.

A neutralização dos efeitos de assimetrias híbridas é um instrumento de combate à elisão fiscal totalmente inédito no ordenamento jurídico nacional e que reforça o compromisso do Governo nesta matéria, em consonância com as recomendações do relatório final da ação 2 do Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting Plan) apresentado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com o apoio político do G20.»

DCIAP: quadro de procuradores


Considerando que «o DCIAP tem por vocação matricial a luta contra a criminalidade violenta, económico-financeira altamente organizada ou de especial complexidade, mediante intervenção em três vertentes: prevenção criminal, direção da investigação da criminalidade de natureza transdistrital (dispersão territorial) e coordenação da direção da investigação a nível nacional (desconcentração dos poderes hierárquicos de coordenação)», a Portaria n.º 9/2020 - Diário da República n.º 12/2020, de 17 de Janeiro, fixou, com flexibilidade, entre 30 a 36 o número de procuradores da República do quadro do DCIAP. A Portaria n.º 328/2006, de 6 de Abril, havia fixado o número em 12 mais o procurador-geral adjunto que o dirige. Em 1999, data da sua fundação, o número de procuradores do quadro era de oito.
No portal da Procuradoria-Geral da República estão publicados relatórios de actividades do Departamentos [o último de 2017].

Data Venia: uma revista


Acrescentei à lateral esquerda deste blog a revista jurídica on line Data Venia [acesso à mesma aqui], administrada pelo esforço do incansável juiz Joel Timóteo Ramos Pereira, a quem se deve, desde há anos, o serviço público de divulgação do Direito.

Cito o texto de apresentação:

«A Data Venia é uma revista digital de carácter essencialmente jurídico, destinada à publicação de doutrina, artigos, estudos, ensaios, teses, pareceres, crítica legislativa e jurisprudencial, apoiando igualmente os trabalhos de legal research e de legal writing, visando o aprofundamento do conhecimento técnico, a livre e fundamentada discussão de temas inéditos, a partilha de experiências, reflexões e/ou investigação.

As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não traduzem necessariamente a opinião dos demais autores da Data Venia nem do seu proprietário e administrador.

A citação, transcrição ou reprodução dos conteúdos desta revista estão sujeitas ao Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.

É proibida a reprodução ou compilação de conteúdos para fins comerciais ou publicitários, sem a expressa e prévia autorização da Administração da Data Venia e dos respectivos Autores.

A Data Venia faz parte integrante do projecto do Portal Verbo Jurídico. O Verbo Jurídico é um sítio jurídico português de natureza privada, sem fins lucrativos, de acesso gratuito, livre e sem restrições a qualquer utilizador, visando a disponibilização de conteúdos jurídicos e de reflexão social para uma cidadania responsável.»


Multa em prestações

Estabelece o artigo 489º do CPP:

1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Dispõe os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 47º do Código Penal:

3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ira além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
4  -Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
5  - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.

E decreta, enfim, o artigo 49 do mesmo Código:

1- Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.
2 – O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado.
3 – Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

Conjugando estes preceitos, determinou o Acórdão da Relação de Coimbra de 18.12.2019 [proferido no processo n.º 51/17.6T9CVL.C1, relatora Maria José Nogueira, texto integral aqui] que:

«Revestindo o prazo fixado no n.º 2 do artigo 489.º do CPP natureza peremptória, o pagamento fraccionado (em prestações) da multa, por constituir também uma forma de execução voluntária, deve ocorrer no mesmo limite temporal de 15 dias, sob pena de preclusão do direito consagrado naquele normativo.»

O aresto tem consciência de que o decidido não é unânime na jurisprudência e, por isso, convoca outras decisões em abono da que teve por conforme do Direito e, direi, à Justiça, e assim se exprime:

«Em suma, pese embora a questão não seja pacífica no seio da jurisprudência dos tribunais superiores, concluímos no sentido de revestir o prazo fixado para o pagamento voluntário da pena de multa no n.º 2 do artigo 489.º do CPP, natureza perentória, pelo que consubstanciando o seu pagamento fracionado (em prestações) uma forma de execução voluntária da multa criminal, não sendo o mesmo requerido no dito prazo – uma vez ultrapassado - resulta precludido o direito de mais tarde o exercer (cf. artigos 104.º do CPP e 139.º, n.º 3 do CPC).

«Semelhante orientação tem sido igualmente defendida em arestos proferidos por esta Relação, sendo disso exemplo os acórdãos de 03.07.2013 (proc. n.º 74/07.3TAMIR-A.C1) 18.09.2013 (proc. n.º 68/11.3GBLSA-A.C1), de 11.02.2015 (proc. n.º 12/12.1GECTB-A.C1), de 29.06.2016 (proc. n.º 158/14.1GATBU-A.C1).»

Equidade, questão de Direito?

A chegada de Paulo Ferreira da Cunha ao Supremo Tribunal de Justiça haveria de marcar novidade, e por isso polémica, quanto modo de decidir e sobretudo um refrescamento dos fundamentos eruditos das decisões, para o que contribui a génese filosófica do seu percurso. Avulta isso de um recente Acórdão proferido a 17.12.2019 [processo n.º 669/16.4T8BGC.S1, texto integral aqui, com um voto de vencido de Alexandre Reis, maioria formada com o voto de Maria Clara Sottomayor].

Em causa dois temas: a possibilidade de o Supremo Tribunal poder conhecer, em revista, o tema do quanto indemnizatório [matéria relativamente à qual se suscitou o voto de vencido] e a definição do critério de equidade como modo de aferição de danos não patrimoniais.

Pelo seu interesse e sobretudo pela argumentação expendida para a decisão, mormente no que se refere à configuração da questão da equidade como tema de Direito que não de facto [passível pois de conhecimento pelo Supremo Tribunal], permito-me citar:

«5.No seu Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 378, Antunes Varela (que – deve referir-se – sempre desejou acautelar a unidade do sistema jurídico), depois de explicar que a equidade é a “justiça do caso concreto”, avança que o significado da expressão na lei é o da possibilidade, dada ao juiz, de se afastar claramente da norma aplicável, em certas circunstâncias.

O que para nós tem mais relevância, hic et nunc, é que o ilustre civilista sublinha o desvio da norma aplicável permitido ao juiz. Tal parece, assim, encontrar-se do lado das funções jurisdicionais especificamente de direito do julgador, e não meramente no domínio dos factos. Por razões de equidade não procede o juiz dando como apurados ou não estes ou aqueles factos, mas usando a norma de maneira menos convencional, no limite, com finalidade de justiça do caso concreto.

6.No mesmo sentido vão António Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier, na “Revista de Direito e Estudos Sociais”, vol. IV, p. 124 que, igualmente depois de definirem a equidade como a justiça do caso concreto, referem: “Ao julgar segundo a equidade dá-se ao caso a solução que parecer mais justa, atendendo unicamente à sua especificidade e prescindindo das normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis”.

7.Já Aristóteles debateu a questão da relação entre o équo e o justo, tendo chegado à conclusão que “o équo, sendo superior a uma certa justiça, é em si mesmo justo, e não é como pertencendo a um outro género diferente que ele é superior ao justo” (Ética a Nicómaco, V, 14 – 1137 b). Acrescentando: “Há assim realmente identidade entre o justo e o equitativo, e ambos são bons, embora o équo seja o melhor dos dois.” (Ibidem), dando mesmo célebre exemplo da Régua da Ilha de Lesbos, adaptável, pela sua ductilidade, aos objetos a medir (Ibidem). Para mais desenvolvimentos cf. Francesco D’Agostino, Epieikeia. Il tema dell’equità nell’antichità greca, e La tradizione dell’epieikeia nel medioevo latino, editados nos anos ’70 do séc. XX pela Giuffrè (e Paulo Ferreira da Cunha, L’Équité: Le legs realiste classique et la pensée de Michel Villey, “Notandum”, ano X, n.º 15, 2007, p. 5 ss..).

8.É globalmente este, com efeito, o significado prevalecente na doutrina e mesmo na vox populi. Esta última acaba por, sem os conhecer, sintonizar com máximas tais como: non omne quod licet honestum est (D. 50.17.144), semper in dubiis benigniora praeferenda (D. 50.17.56), et dubia sunt in meliore parte interpretanda (Summa Th. IIa, IIae, q. 60, art. 4).

9.Podem, porém, descortinar-se três funções para a equidade, e por essas funções ser-nos-á possível cunhar três tipos de equidade e três entendimentos a seu respeito:

1) “instrumento de individualização das normas”;

2) “fonte subsidiária de integração” das mesmas – e contudo, para alguns, como Maggiore e Recasens-Siches, ela seria uma espécie de “super-fonte”, “fonte universal do direito”.

3) “corretivo para as consequências injustas da norma jurídica” – esta última, aliás, muito próxima da posição de Cabral de Moncada ainda. (Cf. o erudito artigo de José Hermano Saraiva, “Equidade” in VELBC, vol. VII, cols. 731 ss.)

10.Como facilmente se retira desta enunciação, em nenhum caso se está no plano dos simples factos, mas sempre no plano do direito. Metodologia ou instrumentarium de recorte mais adequado de normas é direito, é prática de direito, de indagação e construção jurídica; fonte de direito, ainda que subsidiária, é igualmente questão de direito; e mesmo quando corretivo do direito não pode deixar de ser ainda direito – porque corretivo de um certo direito, de uma sua interpretação e não do direito que se tem por justo.

11.No mesmo sentido, vários autores, entre os quais Vives, aproximam a equidade do Direito Natural (que é – embora pouco na moda - Direito – embora haja quem o posso considerar filosofia ou moral ou mesmo política). O não recurso à equidade, nos casos em que ela é a solução aconselhável (como em casos mais singulares ou excecionais, mas não apenas), seria uma violação do Direito Natural segundo o Aquinate (Summa..., IIa IIae, q. 60, 5, 2).

12.Mesmo autores geral e fundamentalmente avessos à categoria, como parece haver sido o nosso Correia Teles (Discurso sobre a equidade, 1824), acabam por não prescindir inteiramente da mesma, e dentro do sistema: assim, a equidade “natural” remete para perspetivas jusnaturalistas (que são ainda jurídicas), e a equidade “hipotética” acaba por confundir-se com os princípios gerais do sistema jurídico. Estes últimos, como se sabe, têm uma interessante história, entre o art. 16 do Código de Seabra e o art. 10, n.º 3 do Código Civil em vigor, e ao nível internacional os princípios são reconhecidos pelo art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, devendo, embora a concreta expressão constante dessa norma ser objeto de uma interpretação atualista (Cf. Paulo Ferreira da Cunha, Teoria Geral do Direito, Oeiras, A Causa das Regras, 2019, e Idem, Repensar o Direito Internacional, Almedina, 2019, p. 181 ss. V. ainda, por todos (e são muitos), o clássico Clapham, Andrew, Brierly’s Law of Nations, 7.ª ed., Oxford, Oxford Univ. Press, 2012, p. 63 ss..).

13.Insiste-se: uma identificação da equidade com o Direito Natural não a retira do âmbito jurídico; mas, mesmo que assim se pensasse (considerando o Direito Natural metajurídico, moral, etc.), sempre restaria a perspetiva da equidade como equivalente aos princípios jurídicos, e, nessa medida, plenamente jurídica (“Que todo o ordenamento jurídico é constituído por normas de tipos diferentes, expressas ou não (...) e que algumas dessas possuem (...) o estatuto ou valor de ‘princípios’ é coisa que os juristas sabem e teorizam desde sempre” – começa por afirmar Riccardo Guastino em prefácio ao tratado de Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, 19.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2019, p. 13).

14.Neste tipo de casos, importa precisar que tipo de equidade está em causa. Não é, verdadeiramente, corretivo da norma que implique consequências injustas; antes se encontra entre a fonte auxiliar de integração (ajudando à individualização, rectius, concretização da norma no caso como justiça do caso concreto).

15.Em nenhuma dessas modalidades ou funções parece ser apenas questão de facto, ou de facto não já transmutado em Direito. Para lembrar a metáfora do mítico rei Midas, aliás usada por Hans Kelsen na sua Reine Rechtslehre (trad. port. e prefácio de João Baptista Machado, Teoria Pura do Direito, 4.ª ed. port., Coimbra, Arménio Amado, 1976, p. 376) e mais remotamente o brocardo ex facto oritur ius. Mas, para além desse problema complexo, da mutabilidade do facto em direito, ou da origem factual do direito (e isso nos levaria para a falácia naturalística), sabemos que do que há que curar aqui é da cisão metodológico-processual entre facto e direito (a célebre Questão-de-facto / questão de direito da tese de António Castanheira Neves). Que tem consequências na decisão ou não da questão nesta sede.

16.Com muita agudeza de espírito alude ao problema a tese, bem mais recente, de Delphine Louis-Caporal, La Distinction du Fait et du Droit en Droit Judiciaire Privé, na Universidade de Montpellier, defendida em 2014. E afirma, logo no início da sua longa indagação:

“Por que o jurista se ocupou do direito, sabe distingui-lo do facto. Porque o direito se distingue do facto (...) ele ganha em importância e o jurista, conhecendo-o, firma-se numa legitimidade no campo social (...). Para se assegurar essa legitimidade, o jurista será tentado a limitar o seu estudo ao objeto ‘direito’, e excluindo dele o facto. A distinção entre o facto e o direito passa assim a ser garantia de cientificidade.” (p. 15).

17.E acabará por, pouco depois, se perguntar pelo fenómeno da juridificação dos próprios factos:

“Podemos legitimamente perguntar-nos se estes factos a que o direito determina um regime não entraram no domínio jurídico, se não se trata de factos qualificados, se não existe uma categoria jurídica ‘facto’” (p. 16).

O facto tende a aproximar-se do Direito, ou o Direito a absorver o facto.

18.E afinal, ainda que mal se pergunte, de que Direito se trata? O que temos por Direito, para este efeito, pelo menos? Não desejamos uma indagação teórica e erudita, mas encontrar noção operacional, que nos esclareça o problema em mãos.

O problema, quando se afirma a colocação da equidade do lado dos factos e não do Direito, não terá na sua base um quadro de identificação, ao menos tendencial do Direito com a lei? É que, evidentemente, a equidade não é, em si, direito “legal” – muito importante mas apenas uma das modalidades jurídicas, das formas de direito (v., v.g., Francisco Puy, Tópica Jurídica, Santiago de Compostela, Paredes, 1984, p. 269 ss..). É, porém, em geral, direito jurisprudencial (cfr. ibidem, p. 531 ss.). Ou seja, direito que pode ser feito pelos tribunais, e mesmo pelos juristas em geral, de acordo com parâmetros do sistema jurídico e de justiça, obviamente, e não subjetivamente, ou como “direito livre” (cf. Juan Vallet de Goytisolo, Metodología Juridica, Madrid, Civitas, 1988, p. 183). É o que se retiraria também já de Aristóteles, Ética a Nicómaco, livro V, quando afirma que o équo (ou equitativo) é justo, mas não no sentido de legal ou segundo a lei, mas (precisamente) enquanto uma forma de retificação da justiça legal. E especificamente se explica que há coisas que estão por natureza fora da previsão legal (que não pode ser nem totalizante nem totalitária): “Esta também é causa de que nem tudo se regule pela lei, porque sobre algumas coisas é impossível estabelecer uma lei”.

19.Ora, evidentemente, não pode haver lei que seja precisa e justa na consagração de critérios (nem um algoritmo, hoje em dia, certamente) capazes de resolver plenamente as questões indemnizatórias, como esta.

E não se esqueça que a equidade não é um super-conceito (Oberbegriff) espúreo, errático, ou sequer categoria de um para-direito, pré-direito, ou meta-direito. É antes um conceito rigorosa e cabalmente jurídico, que nem se pode dizer sequer apenas ou simplesmente “admitido” pela ordem jurídica, porque está mais que apenas isso: nela se encontra plenamente integrado, dela sendo plena parte constituinte. E mesmo parte do direito positivo e para que o “direito legal” ou “legislado” remete.

Não nos devemos deixar iludir pela formulação (em pano de fundo positivista legalista, naturalmente) um tanto defensiva do art. 4.º do Código Civil. Ao de-limitar os casos de aplicação da equidade legalmente admissíveis, desde logo no início desse corpus iuris, a lei deixa de fora qualquer dúvida sobre uma sua pretensa ajuridicidade ou qualidade de mero critério moral, etc.

E na questão que nos importa até a lei é clara e explícita, remetendo para danos não patrimoniais designadamente no n.º 1 do art. 496 do CC.

20.São multidão as definições, descrições e tópicas aproximativas das noção, conceito e ideia de Direito (e mesmo autores como Michel Villey e Francisco Puy, que da matéria têm uma visão panorâmica, renunciaram a um empreendimento desse tipo; dizia também o romanista Sebastião Cruz que definir é de-limitar, o que empobrece). Contudo, sempre nos serviremos, para deixar as ideias mais claras, do incontestado privatista francês François Gény, no seu clássico Science et Technique em droit prive positif (2.ª tir., Paris, Sirey, 1922). Note-se que não é um tratado de esotérica jusfilosofia, mas de uma obra que, logo no título, se quer científica e técnica e no domínio específico do Direito Privado positivo. Nada, pois, de mais diretamente adequado ao nosso problema.

Procurando uma aproximação ao Direito através do estudo de vários tipos de normas, acaba por encontrá-lo em normas sem dúvida com tendência a um constrangimento social (vol. I, p. 48), mas também considera que “as regras de Direito visam necessariamente, e, creio, exclusivamente, a realização da justiça” (vol. I, p. 49). E não estaremos a pensar em juízos equitativos e afins quando lemos esta passagem, além do mais de imensa atualidade (dados os rumos doutrinais nesse sentido):

“Em si, o Direito positivo é antes de mais, essencialmente, uma arte, se por tal entendermos todo o mecanismo de concretização dos preceitos vitais (leis adquiridas e crenças), em vista de um fim prático. Mas a arte (assim entendida), que não faz senão adaptar os meios aos seus fins, supõe estabelecidos os fins em si mesmos (...) De forma que, no seu conjunto, o Direito nos surge como uma arte fundada na ciência.”.

Arte boa e équa (jus est ars boni et aequi), já se dizia do Direito entre os Romanos.

21.Sem ser necessário entrar em doutrina estrangeira e nas subtilezas da expressão “equity” (cf. os nossos artigos “Equity” e “Equity law” na “Verbo. Edição do Século XXI”, Lisboa / São Paulo, vol. X, cols. 545 ss. e 547 ss.), sempre se recordará, de entre os mais modernos clássicos, um John Rawls considerando a “justiça como equidade” (justice as fairness – embora esta palavra possa também ser traduzida, por exemplo, por lisura – A Theory of Justice, ed. revista, Cambridge, Ms., Harvard Univ. Press, 1991, p. 3 ss. et passim) e, entre nós, a equidade como “momento da concreta realização do direito” (A. Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 1968-1969, p. 244) (cf. estes e outros passos na apologia da equidade – por exemplo citando Orlando de Carvalho – que constitui o artigo de Alexandre Libório Dias Pereira, «Ius est Ars Boni et Aequi»: Da Equidade e da Arte de Bem Interpretar toda a Regra Jurídica, in RJLB, Ano 1 (2015), nº 3, p. 86 ss., máx. p. 87).

22.Se a equidade é “momento da concreta realização do Direito” (Castanheira Neves, op. loc. cit.), ou “medida das medidas” (Orlando de Carvalho, Ius — Quod iustum?, BFDUC, LXXII, 1996, p. 10) não pode estar no simples plano da factualidade a ter em consideração, a interpretar (Théodore Ivainier, L'Interprétation des faits en Droit, Paris, LGDJ, 1988) ou a dar como provada. Está noutro plano, não do ser (sein), mas do dever-ser (sollen), ou no caminho para ele.

23.E, por outro lado, o que são factos? Comecemos pelo facto jurídico: Acontecimento que produz efeitos na ordem jurídica (Marcello Caetano), acontecimento ou evento que produz efeitos jurídicos (Castro Mendes), evento juridicamente relevante (João Baptista Machado), todo o evento ou mudança que provoca efeitos jurídicos (José de Oliveira Ascensão), indo este mais longe: “Toda a situação jurídica é mesmo por natureza um efeito de factos” (Direito Civil. Teoria Geral, vol. II, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 10).

Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), por exemplo, é dos que distinguem, com recorte certeiro, factos jurídicos (os “juridicamente relevantes”) e os “factos sociais ou naturais indiferentes ao direito, isto é, desprovidos de qualquer eficácia jurídica” (p. 355 ss).

24.De qualquer forma, sempre os factos são do domínio do fenómeno, e apesar de as suas motivações, se forem voluntários, poderem estar tingidas de sentido e consequências ético-jurídicas, não são facilmente confundíveis com o Direito na sua vertente judicatória. Os atos jurídicos e os negócios jurídicos têm, é certo, uma forte componente de ligação com o Direito que em alguns momentos os podem fazer considerarem-se juridicidade (e pense-se até, por exemplo, nos atos reais ou operações jurídicas – a que a lei liga certos efeitos jurídicos – v. ibidem, p. 358). Mas não são entidades da mesma natureza. O que os separa não é medida, não é grau, nem mesmo perspetiva, é mesmo uma radical e essencial diversidade ontológica. Factos são factos, Direito é Direito.

25.É verdade que a juridicidade, em sentido lato, pressupõe entidades como “norma, facto e valor” (tridimensionalidade sobretudo divulgada por Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999), e ainda texto (José Calvo González) e até justiça (Paulo Lopo Saraiva) (cf. o Paulo Ferreira da Cunha, Filosofia do Direito, 2019, p. 371 ss.). Simplesmente, há a distinguir de um lado o facto e o texto, que são elementos materiais, dos elementos propriamente normativo-axiológicos, como a norma (e o princípio, que é norma também; sendo inclusivamente norma a Constituição, mesmo a principiológica, como sublinhou, v.g., García de Enterria), e o valor. Ora a Equidade tem que ter em consideração factos (isso é essencial, é uma sua conditio sine qua non). Tem que se balizar no contexto das normas (donde alguma doutrina se preocupe em delimitar os casos em que a equidade pode legalmente agir), que são hoje em dia sempre escritas (plasmadas num texto), e reportar-se aos valores, e muito especialmente ao valor Justiça. Mas o dever ter em consideração os factos não faz da equidade facto ou conjunto de factos, em vez de Direito e aplicação de Direito.

26.A distinção entre questão-de-facto e questão-de-direito, sendo sem dúvida complexa, como sublinham Henke e Kuchinke, inter alia, e nessa linha é reconhecido por um Jauernig, contudo pode aquilatar-se com clareza muito nítida a partir do sucinto texto que ao tema dedicou no seu Direito Processual Civil (trad. port. de Silveira Ramos, Coimbra, Almedina, 2002, p. 386):

“Visto que a instância de revista realiza apenas em princípio um exame jurídico, é necessária a distinção de questões de facto de questões de direito. A delimitação é difícil (...). Às questões de direito pertencem o menosprezo da norma jurídica aplicável, dos elementos constitutivos abstratos, a subsunção à norma dos factos constatados (p. ex., a conceitos como a negligência, atentado aos bons costumes, culpa comum, motivo ponderoso, pertinência do vício, ofensa da boa fé, erro, dissensão, etc.). (...) Nas questões de facto tem de contar-se a determinação de um facto concreto, por ex., que a declaração foi expressa e qual o seu teor, e ainda a apreciação das provas, por ex., a credibilidade duma testemunha, a força probatória de uma carta como documento particular de informação. Também a interpretação duma declaração de vontade habitual é questão de facto. Contudo, é questão de direito se a interpretação infringe normas de interpretação (...), leis do raciocínio ou regras de experiência ou não observa disposições legais (...)”.

O conjunto de questões que a Equidade coloca parece, assim, muito mais pender para o conjunto das que são consideradas aqui explicitamente como de Direito que para o rol aqui avançado como sendo questões de facto. Parece haver, na verdade, uma até intuitiva homologia de problemas, um ar de família entre essas questões (vejam-se designadamente os conceitos como a negligência, atentado aos bons costumes, culpa comum, motivo ponderoso, pertinência do vício, ofensa da boa fé, erro, etc.) e a Equidade. O mesmo não ocorrendo com os problemas elencados como sendo “de facto”.

27.Assim, não pareceria haver dúvidas “de que lado estará” a Equidade. Como disse Placentino de Montpellier, a equidade é convenientia rerum, sim, é adequação à coisa (deve estar adequada aos factos...), mas não é a própria coisa, a coisa em si mesma, porque, como dizia Baldo, é antes “aquilo a que a razão natural persuade”. Há até uma alusão ou sabor retórico nesta fórmula.»

Chegado a este ponto e assente para o decidido que se trataria de matéria jurídica que integraria o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal, restava alcançar critério de concretização do que em termos de equidade resultasse. E eis, para tal, o que flui deste excerto:

«32.Tudo ponderado, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que se trata essencialmente de um rigor classificatório que na prática não obsta ao vero conhecimento em sede de uma equidade prática e concreta. Porquanto “controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” realmente, na grande maioria dos casos, desde que feito com espírito (animus) de Justiça que sempre deve animar o julgador, conseguirá obter resultados muito idênticos, se não até exatamente os mesmos, que o uso de uma equidade sem limites (que na verdade é uma componente da Justiça, como bem recorda António Braz Teixeira, Reflexão sobre a Justiça, in “Nomos. Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado”, n.º 1, Janeiro-Junho 1986). Parte da Justiça que é, da equidade dificilmente se consegue prescindir, quando tenha pertinência para a concretização (precisamente concretização) dessa mesma Justiça. Sobre a ligação da Equidade e da Justiça, especificamente em sede de dano moral, v.g., Maria Francisca Carneiro, na sua obra Método de valuación del daño moral, Buenos Aires, Hammurabi, 2001, assim comenta o nosso sistema (tradução nossa): “na nossa opinião, no direito português do ((dano)) moral, o que mais chama a atenção, o particular e diferente do que predomina no Ocidente, é que a fixação do montante da indemnização se deve dar pela equidade (própria da natureza da justiça) e não pelo arbítrio (que é uma falácia arbitrária)” (p. 105).

33.E permita-se-nos assinalar que a consideração dos pressupostos normativos do recurso à equidade (que é óbvia baliza imposta pela ordem jurídica – desde logo na dimensão da legalidade) e os limites de proporcionalidade e igualdade que permitam atingir um valor razoável na indemnização, como é o que se discute, são critérios absolutamente pertinentes.

Ou seja, ainda que não se considere a equidade tout court e na sua máxima e livre extensão aplicativa uma matéria de direito, ao limitar a sua apreciação a questões de proporcionalidade e igualdade com vista à obtenção da razoabilidade no valor encontrado, não se fecha a porta à Justiça pela total limitação dessa sua válvula de segurança, e tal poderá certamente apreciar-se pela justeza dos julgados nessa ordem de ideias.

34.Cremos assim que o obstáculo por assim dizer epistemológico (porque de ordem conceitual) que se poderia colocar à consideração da equidade acaba por poder ser entendido, no limite, um problema de designação e (concedamos) de algumas cautelas (essas justificadas) para que não se caísse no que consideramos ser já negação da equidade, ou seja, juízos desvinculados e subjetivistas de “direito livre”. Não repugna, de modo algum, balizar a equidade nos termos e limites da proporcionalidade, da igualdade e da razoabilidade (parâmetros que também de forma alguma estão isentos de polissemia e possíveis derrapagens semânticas). E é o que faremos sempre que a ela nos referirmos. Também, por exemplo, a jurisprudência germânica quando desenvolve o seu labor no domínio da boa fé (cf., entre nós, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1984) acaba por se abeirar, se não mesmo por adentrar-se no terreno da Equidade. Havendo, assim, um diálogo e por vezes mais ou menos subtil fungibilidade entre categorias, conceitos, institutos. O que, se torna difícil categorizações rígidas e didáticas, pode contribuir para o objetivo principal do trabalho jurisprudencial, que não pode deixar de ser a constante e perpétua vontade de justiça.

35.O desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial (v., v.g., já Martim de Albuquerque, com a colaboração de Eduardo Vera Cruz, Da Igualdade. Introdução à Jurisprudência, Coimbra, Almedina, 1993; Acórdãos do Tribunal Constitucional 563/96, 319/00, 232/03 e 254/07) mais recente sobre aqueles três conceitos, que são princípios, e, pelo menos no caso da igualdade, valor, leva mesmo a ponderar que, pelo menos por vezes e em certo sentido, o uso do conceito, mais antigo (mas nem por isso muito mais elaborado), “equidade” acaba por ser deles “um outro nome”, uma forma de os sintetizar de uma forma prática e com pergaminhos históricos mais antigos e reconhecidos. (v., em geral, inter alia, José Sérgio da Silva Cristóvam, Colisões entre Princípios. Razoabilidade, Proporcionalidade e Argumentação Jurídica, Curitiba, Juruá, 2006; Willis Santiago Guerra Filho, Notas em torno ao Princípio da Proporcionalidade, in Perspectivas Constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976, ed. de Jorge Miranda, Coimbra, Coimbra Editora, 1996; Carolina Pereira Saéz, Una Contribución al estudio del empleo del Principio de Proporcionalidade en la jurisprudência reciente del Tribunal Constitucional Español, Separata do “Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña”, 8, p. 1043 ss.) Embora também haja riscos interpretativo / aplicativos na convocação da igualdade, por exemplo (cf. Paulo Ferreira da Cunha Direito Constitucional Anotado, Lx., Quid Juris, 2008, p. 128 ss.). E já tenha havido quem lhe preferisse, até constitucionalmente, a equidade – mas decerto por daquela ter uma visão muito aritmética e estática e não geométrica e dinâmica.»

Comentários

Quando me iniciei na blogoesfera admiti comentários em todos os meus escritos, mesmo os de natureza pessoal. Quase nunca tive de apagar algum por impropriedade. 
Sendo este um espaço privado, é natural que me reserve a possibilidade de assegurar moderação antes da publicação, evitando desvirtuar o intuito do blog, o qual evita agressividade e tenta ser construtivo, mesmo quando crítico.
Eis, pois, o que hoje se inicia, como experiência de retorno a um critério, na expectativa de, com isso, criar um contributo útil.

Locus Delicti: um blog obrigatório!

A conformação do endereço não me permite colocá-lo na lateral deste blog onde faço referência aos blogs jurídicos activos [com o antecipado pedido de compreensão para alguma omissão e pedido de que me seja assinalada a falta], mas é impossível não o visitar e dele obter a informação que regista.
O Locus Delicti [encontra-se aqui] é um espaço de permanente actualização, dedicado ao mundo jurídico, com particular incidência na matéria criminal; responsável por ele a investigadora e professora Ana Paula Pinto Lourenço, da Universidade Autónoma.
Encontrei hoje forma de colmatar a omissão, colocando a ligação para o mesmo na lateral esquerda deste espaço, onde refiro os periódicos jurídicos on line, que este não deixa de ser.
E aqui fica um abraço amigo à sua autora e votos de que prossiga este serviço público tão útil quanto interessante.

GOP's e OE no sector da justiça


No parecer, elaborado em sede da 1ª CACDLG da Assembleia da República, exarado sobre as GOP's e o OE consta, como síntese do proposto em sede de Grandes Opções do Plano:

Grandes Opções do Plano

Para tornar a Justiça mais próxima dos cidadãos, mais eficiente, moderna e acessível, o Governo refere que  irá: 

Implementar um sistema de apoio judiciário mais efetivo, apto a abranger aqueles que efetivamente dele necessitam e que, simultaneamente, assegure uma boa gestão dos recursos públicos, com garantia da qualidade dos profissionais que prestam esse serviço, fomentando a sua formação contínua e a troca de experiências entre si;

Aprovar a Lei de Programação do Investimento em Infraestruturas e Equipamentos do Ministério da Justiça que, à semelhança da Lei de Programação Militar e da Lei de Programação das Infraestruturas e equipamentos para as Forças e Serviços de Segurança do Ministério da Administração Interna, estabeleça a programação dos investimentos com vista- à implementação de uma estratégia plurianual de construção, requalificação e conservação das infraestruturas, bem como a renovação e modernização dos equipamentos, dos sistemas de tecnologias de informação da justiça e veículos, no horizonte temporal de 2020 a 2023 e que, por essa via, permita concretizar as prioridades previstas no Relatório sobre o Sistema Prisional e no Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede dos Tribunais,·

Reduzir as situações em que as custas processuais comportam valores excessivos, nos casos em que não exista alternativa à composição de um litígio; 

Melhorar a formação inicial e contínua dos magistrados, de forma desconcentrada e descentralizada e com especial enfoque na matéria da violência doméstica, dos direitos fundamentais, do direito europeu e da gestão processual,·

Garantir que o sistema de Justiça assegura respostas. rápidas, a custos reduzidos, acrescentando competências aos julgados de paz, articulando a expansão da rede com os municípios e maximizando o recurso aos sistemas de resolução alternativa de litígios. nomeadamente através do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas;

Desenvolver novos mecanismos de simplificação e agilização processual nos vários tipos de processo, designadamente através da revisão de intervenções processuais e da modificação de procedimentos e práticas processuais que não resultem da lei. pese embora signifiquem passos processuais acrescidos resultantes da prática judiciária;

Aumentar a capacidade de resposta da jurisdição administrativa e tributária, tirando pleno partido das possibilidades de gestão e agilização processual, designadamente quanto a processos de massas;

Manter um esforço pernanente de informatização dos processos judiciais, incluindo nos tribunais superiores, continuando a evoluir na desmaterialização da relação entre o tribunal e outras entidades públicas, e assegurando a gestão pública e unificada do sistema CITIUS;

Assegurar os investimentos necessários ao robustecimento tecnológico com vista ao reforço da qualidade e a celeridade do serviço prestado nos registos públicos, quer nos serviços presenciais, quer nos serviços desmaterializados, apostando na simplificação de procedimentos, em balcões únicos e serviços online;

Assegurar a citação eletrónica de todas as entidades administrativas e a progressiva citação eletrónica das pessoas coletivas, eliminando a citação em papel;

Melhorar os indicadores de gestão do sistema de justiça de modo a ter informação de gestão de qualidade disponível para os gestores do sistema, bem como mecanismos de alerta precoce _para situações de congestionamento dos tribunais;

Fomentar a introdução, nos processos cíveis, de soluções de constatação de factos por peritos ou técnicos, por forma a evitar o recurso excessivo à prova testemunhal ou a peritagens;

Reforçar a ação dos centros de arbitragem institucionalizados para · a resolução de conflitos administrativos enquanto forma de descongestionar os tribunais administrativos e fiscais e de proporcionar acesso à justiça para situações que, de outra forma, não teriam tutela jurisdicional efetiva; 

Continuar a execução do programa de requalificação do sistema de reinserção social, prisional e tutelar educativo e reforçar os mecanismos de articulação com o Ministério da Saúde no sentido de melhorar o nível de prestação dos cuidados de saúde nos Estabelecimentos Prisionais e Centros Educativos, nomeadamente ao nível da saúde mental;

Prosseguir a implementação das medidas do plano de ação "Justiça + Próxima" nas suas múltiplas valências e eixos, alinhando com as melhores práticas internacionais;

Simplificar e· desburocratizar os procedimentos de gestão e alienação de património não essencial à prossecução das atribuições do Ministério da Justiça;

Implementar um Sistema Integrado do Atendimento nos Registos, promovendo a melhoria do acesso, qualidade e eficiência do atendimento, no contexto presencial, telefónico e online;

Prosseguir a renovação dos diversos sistemas de informação de suporte aos Registos, articulando-os com novos desafios, nomeadamente, o relativo ao Registo Predial com o novo regime simplificado de propriedade rústica (BUPi .-Balcão Único do Prédio), garantindo a _sua atualização, maiores níveis de segurança e qualidade de dados; 

Visando aumentar a transparência na administração da justiça, prevê-se que o «Governo irá

Assegurar aos cidadãos, de dois em dois anos, um compromisso público quantificado quanto ao tempo médio de decisão processual, por tipo de processo e por tribunal;

Consolidar a Plataforma Digital da Justiça, enquanto ponto único de contacto e acesso a informação e serviços online relevantes para os cidadãos, empresas e profissionais da justiça;

Melhorar os indicadores de gestão do sistema de justiça de modo a ter informação de gestão de qualidade disponível para os gestores do sistema e desenvolver mecanismos de alerta precoce para situações de congestionamento dos tribunais;

Criar bases de dados, acessíveis por todos os cidadãos, que incluam também informação estruturada relativa aos conteúdos das decisões, números de processos distribuídos por tipo de processo por tribunal, tempo médio das decisões em cada tribunal em função da natureza do processo, etc.;

Reforçar as competências de gestão processual nos tribunais, enquanto condição necessária para garantir a prestação aos cidadãos de um serviço de justiça atempado e sem desperdício de recursos;

Simplificar a comunicação entre tribunais e outras entidades públicas, bem como a comunicação direta com os cidadãos, aproveitando as comunicações obrigatórias para dar informação sobre a tramitação processual em causa, eventuais custos associados e alternativas de resolução;

Assegurar que as citações, notificações, mandados ou intimações dirigidas a particulares utilizam sempre linguagem clara e facilmente percetível por todos os cidadãos.»

Com o objetivo de criar condições para a melhoria e eficácia das de,cisões judiciais, o Governo assume que irá: 

Aumentar os modelos alternativos ao cumprimento de pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional, em especial para condenados aos quais se recomende uma especial atenção do ponto de vista social, de saúde ou familiar;

Reforçar a resposta e o apoio oferecido às vítimas de crimes, em parceria com entidades públicas e privadas, e melhorar o funcionamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes;

Investir na requalificação e modernização das infraestruturas prisionais e de reinserção social, bem como no acesso a cuidados de saúde da população reclusa, designadamente ao nível da saúde mental;

Melhorar o sistema de registo criminal, garantindo a conexão entre bases de dados públicas, clarificando as respetivas consequências em articulação com o sistema de execução de penas;

Criar um corpo de assessores especializados para os tribunais e investir na sua formação inicial e contínua, a funcionar de forma centralizada, designadamente em matérias cuja complexidade técnica aconselha a existência de um apoio ao juiz;

Garantir adequada formação inicial e contínua aos oficiais de justiça, com reforço da capacitação e valorização das respetivas competências;

Agilizar o tempo de resposta em matéria de perícias forenses e demais serviços no âmbito da medicina legal;

Permitir e incentivar a composição por acordo entre a vítima e o arguido, nos casos em que não existe outro interesse público relevante;

Permitir a suspensão provisória do processo para um número mais alargado de crimes, desde que todas as partes estejam de acordo;

Revisitar o conceito e a forma de quantificação dos danos não patrimoniais, no sentido de corresponderem a uma efetiva tutela da pessoa e da dignidade humana.» 

O documento das Grandes Opções do Plano para 2020, anexo à Proposta de Lei em apreço, contém, ainda, no ponto "3.2. Melhorar a qualidade da democracia e combate à corrupção", medidas para prevenir e combater. a corrupção e a fraude, comprometendo-se o Governo a

Instituir o relatório nacional anticorrupção, que permita construir um panorama geral e o desenvolvimento e avaliação de um conjunto de medidas sobre a matéria;

Estabelecer que, de 3 em 3 anos, no âmbito dos relatórios de política criminal, a Procuradoria Geral da República deve reportar à Assembleia da República o grau de aproveitamento e aplicação dos mecanismos legalmente existentes no âmbito do combate à corrupção;

Assegurar uma maior cooperação com o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO);

Instituir campanhas de consciencialização para o fenómeno da corrupção, no âmbito da educação para a cidadania, bem como junto das entidades públicas, alertando para os comportamentos que podem indiciar corrupção;

Consagrar o princípio da "pegada legislativa", estabelecendo o registo obrigatório de qualquer intervenção de entidades externas no processo legislativo, desde a fase de conceção e redação do diploma legal até à sua aprovação final;

Consolidar e desenvolver a experiência; atualmente em curso, de avaliação da permeabilidade das leis aos riscos de fraude, corrupção e infrações conexas, consagrando a obrigatoriedade de avaliação prévia.fundamentada das medidas de política na ótica da prevenção da corrupção;Garantir, no âmbito do referido processo de avaliação legislativa, transparência e simplicidade jurídicas dissuasoras de comportamentos administrativos "facilitadores";

Prosseguir o programa SIMPLEX, numa perspetiva de promoção da confiança na Administração Pública, eliminando atos burocráticos e barreiras administrativas que possam motivar o fenómeno da corrupção; 

Adotar, neste programa, uma medida destinada a informar os cidadãos, no momento em que o pedido é apresentado, sobre o prazo em que será tomada a decisão, os responsáveis pela decisão, os serviços envolvidos e o valor a pagar;

Elaborar e publicitar guias de procedimentos, dirigidos aos cidadãos, sobre os vários serviços prestados pela Administração Pública, identificando os documentos necessários, as fases de apreciação, os prazos de decisão, bem como simuladores de custos relativos aos serviços prestados por cada entidade;

Obrigar todas as entidades administrativas a aderir a um código de conduta ou a adotar códigos de conduta próprios que promovam a transparência, o rigor e a ética na atuação pública,·

Consagrar o princípio, segundo o qual, qualquer decisão administrativa que conceda uma vantagem económica acima de determinado valor tem de ser assinada por mais do que um titular do órgão competente, ou confirmada por uma entidade superior, e publicitada num portal online;

Lançar a segunda geração de planos de prevenção de riscos de gestão focados nos resultados e na avaliação, com parâmetros de monitorização estandardizados, capacitando o Conselho de Prevenção da Corrupção;

Assegurar que, em entidades ·administrativas onde estejam em causa matérias que exigem- especial imparcialidade e transparência ou que lidem com a concessão de benefícios, existe um departamento de controlo interno que, com autonomia, assegure a transparência e imparcialidade dos procedimentos e das decisões;

Garantir a existência, em todas as entidades públicas, de normas de controlo interno, devidamente publicitadas, que tratem matérias como garantias de imparcialidade e legalidade na contratação e segurança de inventários, elaboradas de acordo com um modelo de partilha de conhecimentos,

Aumentar os níveis de cumprimento das obrigações de reporte das várias entidades públicas, e permitir uma análise e tratamento de dados com base na informação já disponibilizada em portais públicos (nomeadamente Base.gov ), relativamente a adjudicações excessivas por ajuste direto às · mesmas entidades;

Melhorar os processos de contratação pública, incrementando a transparência e eliminando burocracias, no âmbito dos procedimentos pré­contratuais, que possam conduzir à eliminação de propostas válidas;

Integrar os sistemas de gestão financeira com os sistemas de inventariação e contratação no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado, disponibilizando estas ferramentas também à Administração Regional e Local;

Promover uma publicação mais eficiente das contas dos partidos políticos, de forma uniformizada e facilitando o acesso, especialmente no que concerne aos períodos eleitorais;

Modernizar o registo de interesses dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, permitindo a recolha de mais informação e um melhor cruzamento de dados;

Aplicar a todos os órgãos de soberania a obrigação de . declaração de rendimentos, património e cargos sociais;

Instituir a obrigação de as médias e grandes empresas disporem de planos de prevenção de risCOf de corrupção, fixando os requisitos mínimos a que devem necessariamente obedecer os programas de conformidade das grandes empresas;

Estabelecer como condição de acesso a concursos para a realização de empreitadas de obras públicas e outros contratos públicos a partir de determinado valor, por parte de grandes empresas, a . existência e observância de planos de prevenção de riscos de corrupção; 

Expandir a utilidade do Regime Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), passando a. ser possível, de forma mais simples, desconsiderar a personalidade jurídica e agir contra o beneficiário efetivo de determinada organização; Simplificar o RCBE, designadamente por via do preenchimento · automátic[! da informação declarada com base em informação que resulte do registo.comercial;

Criar uma pena acessória para os titulares de cargos políticos condenados por corrupção, o que, através de decisão judicial, poderá impedir a sua eleição ou nomeação para cargos políticos em caso de condenação pela prática de crimes de corrupção, a decretar judicialmente por um período até 10 anos;

Rever a lei e atualizar as penas relativas aos crimes de aquisição ilícita de quotas ou ações e de prestação de informações falsas perante quem as sociedades comerciais devem responder, cujas penas máximas são atualmente incipientes;

Criar uma pena acessória para gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados por crimes de corrupção, por forma a que possa ser decretada judicialmente a sua idoneidade par(l o exercício dessas funções durante um certo período;

Responsabilizar as entidades reguladoras, as associações públicas profissionais e outras entidades competentes em determinados setores de atividade pela imposição de medidas adicionais _aos setores por si tutelados, promovendo boas práticas em setores como o sistema financeiro, da construção, desportivo e dos serviços públicos essenciais,·

Coligir e divulgar, sem identificação pessoal dos condenados e de forma resumida quanto à factualidade e à aplicação do direito, os casos de corrupção que deram origem a corndenações transitadas em julgado em cada triénio».



Orçamento do Estado

Em matéria de Orçamento do Estado, como síntese do preconizado pelo Governo em matéria de justiça, o seguinte [sem embargo do artigo 18.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de 2 de Agosto, que aprova o Estatuto do Ministério Público, atribuiu autonomia administrativa e financeira à Procuradoria-Geral da República, a qual passa a dispor de orçamento próprio inscrito nos encargos gerais do Estado] refere-se no aludido parecer:

Artigo 5.º, n.º 4, alínea d) (Afetação do produto da alienação e oneração de imóveis)-estabelece que o estatuído nos n.ºs 1, 2 e 3 deste artigo não prejudica disposto em legislação especial relativa à programação dos investimentos em infraestruturas e equipamentos para os organismos sob tutela do membro do Governo responsável pela área da justiça, em matéria de afetação da receita (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 7.º (Transferências orçamentais) - autoriza o Governo a proceder, nomeadamente, à transferência de verbas inscritas no orçamento do Camões, IP ara a Direção-Geral de Política de Justiça no âmbito da cooperação no domínio da justiça (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 27.º (Reforço do combate à corrupção, fraude e criminalidade económica e financeira) -prevê que o Governo adote, no ano de 2020, as iniciativas necessárias à otimização da capacidade e ao reforço da cooperação entre as inspeções administrativas setoriais e os. órgãos de polícia criminal 
especializados nos segmentos da prevenção e repressão da fraude contra os interesses financeiros do Estado, da corrupção e da criminalidade económico­ financeira nos segmentos da prevenção e repressão da fraude contra os interesses financeiros do Estado, da corrupção e da criminalidade económico­ financeira;

Artigo 31.º (Registos e notariado) -prevê seja concedida aos notários e oficiais do notariado que o requeiram a possibilidade de prorrogação, por mais um ano, da duração máxima da licença de que beneficiam, ao abrigo do n.º 4 do artigo 107. e do n. º 2 do artigo 108.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto­Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, na sua redação atual, nos casos em que esta caduque no ano de 2020 (norma semelhante consta da Lei do OE 2019);

Artigo 32.º (Magistraturas) -estabelece que o provimento de vagas junto de tribunais superiores, no Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos departamentos centrais e distritais e, bem assim, em lugares de magistrados junto de tribunal de círculo ou equiparado é precedida de justificação da sua imprescindibilidade pelo Conselho Superior de Magistratura, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou pelo Conselho Superior do Ministério Público (norma idêntica consta da Lei do OE 2019);

Artigo 33.º (Prestação de serviço judicial por magistrados jubilados) -permite que, mediante autorização expressa çlos respetivos conselhos, os magistrados jubilados possam prestar serviço judicial durante o ano de 2020, desde que  esse exercício de funções não importe qualquer alteração do regime remuneratório atribuído por força da jubilação (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 65.º (Estabelecimento prisional de São Miguel) - determina que o Governo dê continuidade aos trabalhos relacionados com a construção de um novo estabelecimento prisional no concelho de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel (norma idêntica consta da Lei do OE 2019); 

Artigo 151.º (Depósitos obrigatórios e processos judiciais eliminados) - determina, n_o n.º 1, que os depósitos obrigatórios existentes na Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 01/01/2004 e que ainda não tenham sido objeto de transferência para a conta do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça (IGFEJ), em cumprimento do disposto no n.º 8 do artigo 124.º do Código das Custas Judiciais, sejam objeto de transferência imediata para a conta do IGFEJ, independentemente de qualquer formalidade, designadamente de ordem do tribunal com jurisdição sobre os mesmos; determina, no n.º 2, que o IGFEJ e os tribunais possam notificar a CGD para, no prazo de 30 dias, efetuar a transferência de depósitos que venham as ser posteriormente apurados e cuja transferência não tenha sido ainda efetuada; e determina, no n.º 3, que os valores depositados na CGD ?U à guarda dos tribunais, à ordem de processos judiciais eliminados após o decurso dos prazos de conservação administra.tiva fixados na lei, consideram-se perdidos a favor do IGFEJ, I.P ((norma idêntica consta da Lei do OE 2019)); 

Artigo 154.º (Custas de parte de entidades e serviços públicos) -estabelece que as quantias arrecadadas pelas entidades e serviços públicos ao abrigo da alínea d) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 25.º, e da alínea e) do n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, que sejam devidas pela respetiva representação em juízo por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, constituam receita própria para os efeitos previstos nos respetivos diplomas orgânicos (norma idêntica consta da Lei do OE 2019;

Artigo 155.º (Estabelecimentos prisionais de Lisboa, Setúbal e Montijo e reinstalação dos serviços centrais do Ministério da Justiça, dos tribunais de Lisboa) - prevê que o Governo tome as medidas necessárias para a execução do plano que visa o encerramento gradual dos estabelecimentos prisionais de Lisboa e de Setúbal, e que dê continuidade aos trabalhos relacionados com a construção de um novo estabelecimento prisional nó concelho do Montijo, bem como as medidas necessárias à reinstalação dos serviços centrais do Ministério da Justiça e dos tribunais de Lisboa (norma idêntica consta da Lei do OE 2019 - a única diferença é a inclusão no OE 2020 da referência ao estabelecimento prisional do Montijo);

Artigo 156.º (Remessa de veículos automóveis, embarcações e aeronaves apreendidos)- determina o regime a que deve obedecer os veículos automóveis, embarcações e aeronaves que tenham sido apreendidos em processo penal em data anterior à da entrada em vigor do n.º 4 do artigo 185.º do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, . salientando-se a obrigação de o IGFEJ apresentar ao membro do Governo responsável pela área da Justiça, até 15 de dezembro de 2020, um relatório sobre cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 14.º ou no n.º 5 do artigo 17.º da Lei n.º 45/2011, de 24 de junho, na sua redação atual (venda de_ veículo automóvel, embarcação ou aeronave cujo valor resultante da avaliação seja inferior a €3.000) (norma idêntica consta da Lei do OE 2019);

Artigo 255.º ·(Alteração à Lei n.º 45/2011, de 24 de junho) - propõe o aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 15.º, com a consequente renumeração do atual n.º 3 que passa a n.º 4, atribuindo o benefício de isenção do imposto único de circulação aos órgãos de polícia criminal em todos os veículos apreendidos ou declarados perdidos a favor do Estado; 

Artigo 261.º (Alteração ao anexo I à Lei n.º 21/85, de 30 de julho12)- introduz um novo escalão para os juízes de Direito com 7 anos de serviço, atribuindo-­lhes o índice 155; 

Artigo 270.º (Alteração ao anexo II da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto13) -introduz um novo escalão para os- Procuradores da República com 7 anos de serviço, atribuindo-lhes o índice 155 e revoga a essa mesma categoria o escalão "com 5 anos de serviço e classificação não inferior a Bom em exercício de funções nos juízos locais de competência genérica", a que estava atribuído o índice "175" [com nota de que a revogação fere o princípio do paralelismo entre a magistratura judicial e a do Ministério Pùblico];

Artigo 276.º (Alteração ao Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro15) - propõe o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 2.º, relativo ao âmbito de aplicação deste diploma, prevendo que o processo de execução de dívidas à segurança social se aplique igualmente a todos os montante devidos à Caixa Geral de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), sendo a CPAS, para efeitos deste diploma, equiparada a instituição de segurança social; 

Artigo 277.º (Aditamento ao Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro16) -propõe o aditamento de um novo artigo 18.º-A a este diploma, que regula a execução de dívidas à CPAS.

Conclusão

Em síntese conclusiva, consigna o parecer:

1. Nas Grandes Opções do Plano para 2020, o Governo assume como objetivos principais tomar a Justiça mais próxima dos cidadãos, mais eficiente, moderna e acessível, aumentar a transparência na administração da Justiça, criar condições para a melhoria da qualidade e eficácia das decisões judiciais, bem como prevenir e combater a corrupção e a fraude.

2. No Orçamento do Ministério da Justiça para 2020, a despesa total consolidada ascende a 1.504, 7 milhões de euros, representando um crescimento de 7,3%comparativamente à estimativa de execução para o ano de 2019.

3. Os encargos com o pessoal continuam a ter um peso preponderante, absorvendo 67 ,4% do valor total do orçamento do Ministério da Justiça.

4. Em termos de investimento, o Programa Justiça atinge um total de 68,4 milhões de euros (menos 27,8% do que o orçamentado em 2019), dos quais 53,2 milhões de euros são financiados por fundos nacionais e 15,2 milhões de euros financiados por fundos comunitários.

5. As medidas orçamentais relativas à Segurança e Ordem Públicas -Administração e Regulamentação (50,2 %), Sistema Judiciário (26,4%) e Sistema Prisional, de Reinserção e de menores (14,7%)° são as que se destacam de entre os recursos financeiros afetos ao programa orçamental da Justiça.

6. Saliente-se que a dotação orçamental prevista para a Procuradoria-Geral da República (€16.418.342), a qual se encontra atualmente inscrita nos encargos gerais do Estado por força da atribuição de autonomia administrativa e financeira (cfr. artigo 18.􀂆 do novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), sofre uma redução de 7,1 % por comparação com o orçamentado em 2019 no âmbito do orçamento do Ministério da Justiça (€17.668.018).

7. Destaque-se, ainda, que, no orçamento do Tribunal Constitucional, a verba prevista para a nova Entidade para a Transparência, criada pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, é igual ao reforço adicional, aprovado em sede de especialidade no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, para a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos: €1.169.000. 

8. No quadro plurianual orçamental para os anos 2020-2023 está previsto que o limite de despesa coberta por receitas gerais no que respeita ao "P009-Justiça" é, no ano de 2020, de 615 milhões de euros, não estando especificado os limites para os anos de 2021, 2022 e 2023, embora esteja previsto o limite indicativo de despesa para esses anos em relação ao agrupamento a que pertence o Programa Justiça ("Soberania").