O Acórdão do STJ de 3.2.2005 [proferido no processo n.º 4745/04-5, relator Simas Santos, sumário em http://granosalis.blogspot.com/] definiu que «1 – O crime de burla desenha-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;– determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial.2 – É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.3 – Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo o burlão utilizar expedientes constituídos ou integrados também por contratos civis.4 – A linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil, uma vez que dolo in contrahendo cível determinante da nulidade do contrato se configura em termos muito idênticos ao engano constitutivo da burla, inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo, deve ser encontrada em diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência, tendo-se presente que o dolo in contrahendo é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla.5 – Há fraude penal:– quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico:– quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto;– quando se verifica um violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;– quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir;– quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;– quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio6 – Nos negócios, em que estão presentes mecanismos de livre concorrência, o conhecimento de uns e o erro ou ignorância de outros, determina o sucesso, apresentando-se o erro como um dos elementos do normal funcionamento da economia de mercado, sem que se chegue a integrar um ilícito criminal; mas pode também a fraude penal pode manifestar-se numa simples operação civil, quando esta não passa de engodo fraudulento usado para envolver e espoliar a vítima, com desprezo pelo princípio da boa fé, traduzindo-se num desvalor da acção que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena.7 – Há mera reserva mental só relevante no plano civil, quando o arguido queria efectivamente comprar determinadas mercadorias e só entrega como garantia um cheque correspondente a parte do preço, de que anteriormente havia comunicado o extravio, o que não foi determinante da entrega dos bens por parte do vendedor.».