Acossado de trabalho, a ponto de já nem restar tempo sequer para o mínimo descanso, não tenho escrito, nem lido. Ainda por cima ando agora à mercê de insultos anónimos.
Um antigo aluno meu publicou um livro chamado e cito de memória «Cartas a um jovem Advogado». São conselhos. Se eu me desse para uma tal coisa, o livro teria uma só linha: «não venham para esta profissão». Acrescentaria, talvez, mais uma vírgula e um «salvo se quiserem passar uma vida a sofrer».
Tudo isto radica em duas coisas.Primeiro, na realidade do vivido, que nada tem a ver com o mito do carro do triunfo, os louros da vitória, a conucópia da riqueza com que muitos fantasiam os advogados, se não a mim próprio.
Segundo, no desejo do viver, que a escravidão da profissão impede, bestializando-nos aos prazos, ao receio de errar, às consequências e incompreensão quanto ao que fazemos.
Claro que eu não vim aqui falar do que fiz da minha vida nem do que ela é. Prezo demais a minha privacidade e a dos meus, para me vir expor em trajes menores, até para não desiludir os que me julgam um advogado aliciantemente feliz.
Vim aqui apenas falar da vida que gostava de viver. Mas isso, o que poderia ter sido, foi tudo há muitos, muitos anos, quando, a gatinhar na comarca de Sintra, ainda podia escolher.
Hoje, agrilhoado a deveres e anémico de optimismo, resta-me esperar que aconteça qualquer coisa inesperada que interrompa este ciclo infernal. Os advogados costumam ter essa sorte. Deus tem pena das duas almas perdidas e faz-lhes o favor de os despachar para o inferno, de repente!