Durante anos defendeu-se o sistema de Justiça considerando que não permitia o arbítrio, o discricionário, o favoritismo. Que era igual para todos.
Nem sempre foi fácil essa defesa: a indeterminação e a imprevisibilidade da jurisprudência, a assimetria nas penas aplicadas a situações em que o idêntico ressaltava, os diferenciados ritmos de processamento, os arquivamentos contestáveis, as acusações selectivas, a simultaneidade de alguns agendamentos com eventos do foro político mantiveram sempre acesa a chama da polémica, permitiram a dúvida, legitimaram a suspeita. Começou, além disso, a tornar-se trivial ouvir-se da boca dos próprios responsáveis pela Justiça que há uma para ricos outra para pobres. E claro a culpar os Advogados por isso, os suspeitos do costume.
Uma coisa é certa: resistiu-se, tentando mostrar em que medida o essencial do sistema se mantinha dentro dos parâmetros da decência, porque era resistir pelo espírito de corpo, pela segurança jurídica, contra as intromissões exteriores, face aos atrevimentos da política e dos grupos de pressão, era lutar pela cidadania e pela independência do Judiciário, pelo Estado de Direito.
Esse tempo acabou.
Com a justiça negociada abre-se a porta àquilo contra o que se combateu estes anos. Transaccionadas aqui, pactuadas acolá, as decisões judiciais passarão a ficar à mercê da casuística, dos arranjos dos que aceitarem a contratualização, do mais hábil negociador, da menos sindicável motivação, da conveniência e do interesse, do mais poderoso.
Vendo como vejo tantos magistrados tão contentes pelo menos trabalho que assim os aguarda como efeito desta justiça da transa, percebo que o poder político os despreze relegando-os para o desdém com que trata os seus funcionários.
A política venceu, enfim! Pela justiça negociada deixa de ser preciso alterar as leis à medida ou de decretar amnistias convenientes. Tudo se resolverá nos gabinetes, com discrição. E com o Poder Judicial a aplaudir, assinando a sua incondicional rendição. Vergonha!