O que deve constar da sentença penal em matéria de confissão e arrependimento ou da sua ausência? A questão foi equacionada pelo Acórdão da Relação de Évora de 18.09.12 [proferido no processo n.º 980/11.0PCSTB.E1, relatora Ana Brito, texto integral aqui], segundo o qual:
«1. A confissão e o arrependimento devem constar dos factos provados, de modo a poderem ser positivamente valorados na pena.
«2. Mas a ausência de confissão, a ausência de arrependimento e o silêncio do arguido não devem ser incluídos nos factos, pois deles não pode retirar-se, positivamente, consequência negativa contra o arguido.
«1. A confissão e o arrependimento devem constar dos factos provados, de modo a poderem ser positivamente valorados na pena.
«2. Mas a ausência de confissão, a ausência de arrependimento e o silêncio do arguido não devem ser incluídos nos factos, pois deles não pode retirar-se, positivamente, consequência negativa contra o arguido.
«3. A não inclusão da confissão nos factos provados demonstra que o tribunal não considerou provado que o arguido tenha assumido os factos da acusação.»
Desenvolvendo o seu raciocínio argumentativo explica o aresto nesta problemática questão:
«A forma de impugnação da omissão de factos relevantes para a decisão é a arguição do vício previsto no art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal, e não a impugnação da matéria de facto por via do art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal. “Só os factos que na sentença sob recurso foram julgados provados ou não provados podem ser impugnados” (TRE 17-01-2012, António João Latas).
Os factos em causa integram-se num dos núcleos enunciados no art. 124º do Código de Processo Penal e, a provarem-se, interessam para a decisão sobre a pena.
Na verdade, a generalidade dos factores relativos à personalidade do agente, as “qualidades da personalidade”, relevam para a medida da pena preventiva (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, pp. 665 a 678).
Assim, importa sempre conhecer e tratar na sentença o modo como o agente pessoalmente se posiciona em relação aos crimes por si cometidos, quando os confessa e/ou quando demonstra reconhecimento e interiorização do mal do crime.
Contudo, já não será um facto, a tratar como tal na sentença, a ausência de confissão, a ausência de arrependimento ou, no limite, o próprio silêncio do arguido acerca dos factos que lhe são imputados.
Se é juridicamente errado incluir nos factos provados, por exemplo, que o arguido “manteve o silêncio” – o silêncio do arguido não é um facto, no sentido de facto-com-conteúdo-normativo porque, como exercício de um direito, dele não pode ser retirada qualquer consequência jurídica (contra o titular desse mesmo direito) – também o será consequentemente a não confissão.
O arguido não presta declaração no exercício de um direito reconhecido nos arts. 61º, nº1, al. d), 132º, nº 2, 141º, nº 4, a), e 343º, n. 1, do CPP e considerado como de tutela constitucional implícita.
O silêncio, mesmo que não beneficie, não pode prejudicar.
Logo, estamos perante um não-facto que, como tal, não poderá constar dos factos provados na sentença. E do nemo tenetur se ipsum accusare, do privilégio da não auto-incriminação, resulta ainda que o arguido não é obrigado a assumir os factos, ou seja, a confessar.
Não descortinamos, assim, razão que justifique que “o silêncio do arguido” e “a negação do crime” mereçam, formalmente e para este efeito, tratamento diferenciador na forma como devem ser (ou não ser) factualmente tratados na sentença.
Mas já a confissão, a verificar-se (por livre opção do arguido), deverá constar dos factos provados, de modo a poder ser positivamente valorada na pena. Pode redundar num juízo atenuante das exigências de prevenção, particularmente a especial.
Assim, o recorrente tem razão quando diz que a confissão – a provar-se, acrescentamos nós – deve constar dos factos provados. Já não a tem quando acrescenta que, a não se provar, deverá então constar dos factos não provados – o que, como dissemos, só se justificaria se da negação do arguido pudessem retirar-se, positivamente, consequências negativas contra ele.
E não devendo incluir-se nos factos a ausência de confissão, a omissão total na sentença (da expressão “o arguido confessou os factos”) não pode deixar de revelar um juízo negativo, por parte do tribunal, relativamente à prova da confissão.
Ou seja, a não inclusão da confissão nos factos provados demonstra inequivocamente que o tribunal não considerou provado que o arguido tenha assumido os factos.
E assim, neste caso, embora se trate de um facto com relevo para a decisão de direito, e que formalmente não aparece tratado como tal na sentença, esta omissão não consubstancia uma insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Tratando o art. 410º, nº 2 dos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do próprio texto ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar os vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste. A insuficiência da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
Só existe quando o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. É uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69).
Ora, devendo a confissão e o arrependimento, quando provados, ficar a constar dos factos provados, mas não o devendo a ausência de confissão e de arrependimento, a pretensão do recorrente não pode ser sindicável por via dos vícios do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal.
Como resulta de todo o exposto e da forma como o próprio recorrente apresentou o recurso, o que ele pretende é que se julgue provado um facto, que entende ter-se provado contrariamente ao que resulta do acórdão (em que a confissão não foi considerada provada).
Só que, para tanto, deveria ter impugnado a prova nos termos do art. 412º, nº3 do CPP, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (no sentido de se dever ter considerado provados a confissão e o arrependimento), fazendo-o por referência ao consignado na acta, com indicação das passagens em que fundava a impugnação (art. art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP).
O que não fez.
E não revelando o acórdão qualquer vício do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal, como se viu, não poderá já haver lugar à eventual modificação da decisão quanto à matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente.»