Tudo quanto permita restringir o direito ao recurso tem uma boa probabilidade de encontrar eco jurisprudencial, sendo o culpado legislador, que muitas vezes o é, por inconsideração, má técnica, ingenuidade e perversão. Não espanta, pois, ler o decidido pelo Tribunal da Relação de 14.05.2013 [proferido no processo n.º 137/12.3PBLRS-A.L1-5, relator José Adriano, texto integral aqui]:
I - O legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
II - A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as que revoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.»
Explicando o porquê e culpando o legislador pelo decidido explicita a decisão: «Até há pouco tempo, dispunha o art. 219.°, nos seus n.°s 1, 3 e 4, do CPP:
"1 - Só o arguido e o MP em benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no presente título.
2 - ...
3 - A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas previstas no presente título é irrecorrível.
4 - O recurso é julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos".
Perante tal normativo, a decisão ora impugnada era irrecorrível, sem quaisquer dúvidas.
Todavia, com a entrada em vigor (em 29/10) da Lei n.° 26/10, de 30/8, a redacção do aludido art. 219.° foi alterada, passando a ser a seguinte:
"1 - Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo MP, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos foram recebidos.
2 - ..."
Contrariamente ao que possa parecer à primeira vista, os anteriores números 3 e 4 não foram revogados — veja-se a norma revogatória do art. 4.°, da mencionada Lei, e a nova redacção dada pela mesma ao aludido art. 219.° do CPP, na qual não constam expressamente como revogados aqueles números, diversamente do que acontece relativamente ao n.° 6 do art. 389.° e n.° 3 do art. 391.°-E, do mesmo Código, que também foram alterados -, tendo a matéria desses números sido refundida com a do n.° 1, que passou a regular também a matéria que antes constava daqueles n.°s 3 e 4.
Consequentemente, tendo em conta esse n.° 1, terá de concluir-se que o legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as querevoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.
E não se venha argumentar que para tais situações vigorará a regra geral da recorribilidade de quaisquer decisões, nos termos previstos nos arts. 399.° e 400.° (este a contraio), do CPP — normas que foram, efectivamente, invocadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso -, pois, nesse caso, seria totalmente destituída de sentido a norma do art. 219.°, n.° 1, por inútil, salvo na parte em que fixa prazo para julgamento do recurso.
Partindo-se do pressuposto de que o legislador pensou devidamente o sistema e não criou normas inúteis, só pode concluir-se que quis manter afastada a recorribilidade das demais decisões não expressamente previstas naquele n.° 1 do art. 219.°, do CPP. Se, pelo contrário, fosse intenção do legislador abrir a porta à recorribilidade de todas as decisões que se pronunciassem sobre medidas de coacção, então bastar-lhe-ia revogar os n.°s 1 e 3, do art. 219.°, passando a vigorar a regra geral do art. 399.°, do mencionado Código. Não foi este, manifestamente, o intuito do legislador.»