Foi ao escrever um artigo, já atrasado, para a revista "Julgar" [ver aqui] que de novo ressurgiu, vinda do campo de batalha onde se trava o combate pela Justiça, a noção que é a lição de uma vida. E escrevi: «Para compreender o Direito é preciso surpreende-lo na política, nas ideologias, nas crenças e nos interesses, nos a priori dos Estados e das pessoas. Ele não é uma produção liofilizada, bacteriologicamente pura, nem uma silogística alcançável “more geometrico” como mera operação mental. É também argumentação e legitimação do conveniente, evasão à responsabilidade, triunfo de idiossincrasias. Trata-se da “luta pelo Direito”, como magistralmente o surpreendeu Rudolph Jhering»
«[...] O direito é o trabalho sem tréguas, e não somente o trabalho dos poderes públicos, mas sim o de todo o povo. Se passarmos um golpe de vista em toda a sua história, esta nos apresenta nada menos que o espectáculo de uma nação inteira despendendo ininterruptamente para defender o seu direito penosos esforços, como os que ela emprega para o desenvolvimento de sua actividade na esfera da produção económica e intelectual.
Todo aquele que tem em si a obrigação de manter o seu direito, participa neste trabalho nacional e contribui na medida de suas forças para a realização do direito sobre a terra.
Sem dúvida, este dever não se impõe a todos na mesma proporção. Milhares de homens passam sua vida de modo feliz e sem luta, dentro dos limites fixados pelo direito, e, se lhes fôssemos dizer, falando-lhes da luta pelo direito, — que o direito é a luta, não nos compreenderiam, porque o direito foi sempre para eles o reino da paz e da ordem.
Sob o ponto de vista de sua experiência pessoal, têm toda a razão; procedem como todos os que, tendo herdado ou tendo conseguido sem esforço o fruto do trabalho dos outros, negam esta proposição: — a propriedade é o trabalho.
O motivo desta ilusão está nos dois sentidos em que encaramos a propriedade e o direito, podendo decompor-se subjectivamente de tal modo que o gozo e a paz estejam de um lado, a luta e o trabalho noutro. Se interpelássemos aqueles que o encaram sob este último aspecto, certamente nos dariam uma resposta em contrário.
O direito e a propriedade são semelhantes à cabeça de Jano, têm duas caras; uns não podem ver senão um dos lados, outros só podem ver o outro, daí resultando o diferente juízo que formam do assunto.
O que temos dito do direito, aplica-se não somente aos indivíduos, mas sim às gerações inteiras. A paz é a vida de umas, a guerra a de outras, e os povos como os indivíduos estão, em consequência desse modo de ser subjectivo, expostos ao mesmo erro; e, embalados em um belo sonho de uma longa paz, cremos na paz perpétua, até o dia em que troe o primeiro tiro de canhão, vindo dissipar nossas esperanças, ocasionando com tal mudança o aparecimento duma geração, posterior à que vivera em deliciosa paz, que se agitará em constantes guerras, não desfrutando um só dia sem tremendas lutas e rudes trabalhos [...]».