Escrevo com a convicção de que leitores amáveis pensarão que não é verdade, antes vaidade. Mas decidi-me a estudar Direito. Aos setenta anos, sim. Depois de ter saído da Faculdade em 1971, é verdade. Depois de ter tentado ensinar Direito durante dezassete anos e porque não.
A verdade é que há momentos na vida em que importa dar tudo como írrito e nulo e começar de novo. Li a frase, fantasiei que saiu da mente genial de Leonardo Coimbra, nas não a encontro.
Dir-se-à que é uma neurose esta, a da ilusão de se voltar a ter vinte anos. Seja, mas se nem tudo quanto é saudável é necessariamente bom, a inversa pode ter o seu espaço de oportunidade.
Dei conta de um mundo carregado de leis, as nossas, as europeias, as outras internacionais. Muitas dessas leis são apenas regulamentos, porque ainda há diferença.
Percebi que muito do pensamento jurídico está carregado de pompa erudita, tornando-se de tal modo ilegível que a meio o leitor desiste e fica a amarga sensação de cansaço inútil. Sobretudo quando ao ler se tem um fim em vista.
Tanta escrita jurídica, arrastando em pé de página o aluvião de todos os outros, lembra a música wagneriana, torrencial, em fluxos helicoidais, expectante de um termo mas, afinal um sem-fim de tirar o fôlego.
Por tudo isso, regressando ao princípio, aqui estou. Saturado de encargos da profissão, menos resistente ao cansaço, a não querer esgotar-me no Direito, recomeço neste. Por onde não sei. A cada um encontrar o seu caminho.
Um dia li um pequeno texto de João Baptista Machado sobre antropologia, existencialismo e Direito. Foi uma revelação. Imagine-se como uma obra que ficou lateral, pode tornar-nos outros.
A vida, entretanto, com o castigo das suas obrigações, a prática como o saber o mínimo só para o caso, que outros há na linha de montagem em que a profissão se tornou, tal como a fábrica do Senhor Henry Ford, acabou por tudo soterrar.
Urge, pois, cavar. Não como o conto do extraordinário José de Almeida Negreiros, O Cágado, que o cavador procurou, desesperado, inutilmente. Sim, jogando fora quanto inumou a mente e encontrando, não a frase, mas o sentido da frase, seja ela ou ou não do autor de A Alegria, a Dor e a Graça.