Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Revisão penal e erro quanto à pessoa


Eis o caso sujeito ao STJ: «o ora Recorrente não é a pessoa que no dia 02/12/2009, pelas 18h00, foi detido em flagrante delito pela PSP e no dia 03/12/2009 foi submetido a primeiro interrogatório judicial, nem tampouco a pessoa que foi julgada e condenada pelo douto acórdão datado de 28/05/2012, já transitado em julgado, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. art.º 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93, de 22/01», e, consequentemente, de que «após análise de tais factos e meios de prova ora apresentados, cremos que os mesmos suscitam efectivamente, em nossa opinião, graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente».

É sabido o critério restritivo do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recurso extraordinário de revisão de sentença, sobretudo no que se refere à interpretação dos requisitos «factos novos» ou «novos meios de prova». Rememorando a linha de orientação do Tribunal, o recente Acórdão desse Tribunal de 06.11.2019 [processo n.º 43/09.9PJVFX-A.S1, relator Lopes da Mota] veio configurar que o error in personam integra o segundo pressuposto desta espécie de recurso. 

Cito do momento relevante do sumário:

«II. Constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento no n.º 1, al. d), deste preceito, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos”, acrescenta-se, são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

III. O recorrente fundamenta a sua pretensão em erro sobre a identidade, afirmando não ser a pessoa que foi julgada no processo.

IV. Das diligências realizadas e da prova produzida em instrução do pedido de revisão resulta que o recorrente nunca foi ouvido nem participou no processo e viu a sua identidade usurpada pela pessoa que foi detida, interrogada pelo juiz de instrução, julgada na ausência e condenada.

V. Devendo estes factos e meios de prova ser considerados «novos», suscitam-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação, que justificam a revisão.»


Da fundamentação constam igualmente estes elucidativos excertos:

«No actual CPP, a possibilidade de revisão alargou-se, porém, para além das situações em que possa haver «graves presunções da inocência do acusado». Por virtude da nova formulação – «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – expandiu-se o campo das possibilidades de revisão com base em novos factos ou meios de prova, em harmonia com o conteúdo do princípio da presunção da inocência e do direito a um processo justo, embora, como tem sido sublinhado, aquelas situações continuem a reconduzir-se ao núcleo essencial da previsão da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, com a limitação resultante do n.º 3 deste mesmo preceito, que se traduz na inadmissibilidade da revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada (sobre este ponto, Conde Correia, O «Mito» do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 381ss).»

[...]

«14. A jurisprudência consolidada deste Tribunal tem sublinhado que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, são «novos meios de prova» os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são, pois, aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção de prova [como se tem salientado, no sentido, nomeadamente, do acórdão de 10.04.2013, proc. 127/01JAFAR-C.S1 (Henriques Gaspar), em www.dgsi.pt]. 

Porém, «novos» meios de prova são apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se ainda que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).

15. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada. Não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» [como se nota, entre outros, nos acórdãos de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 cit. e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1 (Pires da Graça)], 3.ª Secção), isto é, que, na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 125.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.»