O tempo pesa e com ele as memórias. E à nossa volta aumenta a clareira dos ausentes. E com isso a solidão, sombra que persegue a esperança nos que nos sucedem.
Ontem recebi a tristíssima notícia do falecimento do meu Bastonário, António Osório de Castro, o poeta António Osório.
Ao longo do empenhamento que fui tendo na vida e obra da nossa Ordem dos Advogados, foi-me dado conhecê-lo, com aquele acanhamento de embaraçada admiração que coloco na relação com os outros.
Hoje, dia triste, as memórias surgem. Entre elas, a mais longínqua, a jubilosa ocasião em que me foi possível fazer, sob a sua presidência, a primeira ligação de um computador digital e por um primitivo modem acústico e rede analógica, a uma base de dados jurídicos, o CREDOC, em Bruxelas, facto de tal modo insólito que, ante a sala repleta e incrédula, como que se avizinhava, em surpresa, ao primeiro passo do Homem na Lua. O que hoje se tornou banal era então futurologia, e é de poetas antevê-lo por entre o nevoeiro dos prosaicos descrentes.
E depois a última, os passeios aqui tão perto, acompanhado pela sua filha Gabriela, em que, tomando Sol pelos jardins da Gulbenkian, já indeciso o passo e confusas as lembranças, mantinha o porte e a galhardia que lhe davam a nunca perdida aura de senhoria e elegância.
Pelo meio os livros que teve a amabilidade de autografar e os que fui juntando, requintado o verbo, cuidadosa a tipografia.
Num blog que dedico às coisas da Literatura, vistas com os olhos das minhas incertas leituras, escrevi a 3 de Outubro de 2012 isto que aqui deixo como homenagem dorida à sua figura, apontamento sobre umas breves memórias que nos deixou:«O título devia ser "Breve Autobiografia". Só que dezenas de pessoas, de parentes, animais, bichos, árvores, trabalhadores rurais, que estão dentro dele, disseram já muito do que tinham a dizer». É assim, com este mote como se de São Francisco de Assis que o poeta António Osório abre esta narrativa na primeira pessoa, que acaba por ser singular porque resumida, como se um desfolhar da agenda de uma vida, recordando os prazos e as diligências que deram da vida o ser ao advogado António Osório de Castro.
Vim aqui escrever pelo que me comoveu a referência que faz a sua Mãe, ao publicar-lhe, tiradas da intimidade, uma das cartas que escreveu ao marido, desde que faleceu, e que regularmente lhe levava ao cemitério no Alto de São João.
Trata-se da primeira, redigida a 19 de Janeiro de 1968, no seu italiano natal, «um poema sem uma palavra a mais»:
«Caro Miguel
Non posso vivere lontano da te. Più il tempo passa e più sento la tua mancanza, anche nelle minime cose. La mia vita al tuo lato è sata una completa felicità, fra due periodi tormentosi. Quando giovanni, ho sofferto tanto per aspettarti: adesso sofro di pi`perchè sei che aspetti me. A riverdeci, Miguel carissimo La tua Giú».
Se um dia perguntarem o que é o amor, físico e para além dele, o amor integral, intangível e indizível, está aqui, no livro O Concerto Interior.»