Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Pessoal


A quantos visitam este espaço em busca de novidades e não o encontram regularmente actualizado, peço compreensão: a vida nem sempre permite ser o que se deve ser. Àqueles que leram promessas várias vezes  por mim feitas aqui de que manteria a regularidade na escrita, que poderei pedir se não que entendam que sou o primeiro a envergonhar-me de não ter cumprido?
O meu contacto com o Direito não tem sido fácil: faço dele profissão e confesso que, ao fim destes anos, são muitas as vezes em que o desânimo se apodera pela superficialidade com que dele me socorro, pela ligeireza com que o vejo ser aplicado. O fosso entre a teoria que se ensina e a prática que deveria reproduzi-la atinge, por vezes, no quotidiano da vida, dimensões insuportáveis. 
Numa outra dimensão, procurei escrever, sobretudo livros, mas tenho consciência de que raramente fui além do que são obras de divulgação, de sistematização de ideias, a juntar ao já disperso, poucas vezes com um pensamento próprio. 
Há bem pouco retomei a escrita jurídica. Espero para muito breve um livro, incerto quanto ao dia desta semana em que estará produzido.Será o primeiro de uma série, talvez o primeiro de muitos outros em nome da ideia de que talvez tenha algo a dizer e alguém que me queira ouvir. 
De qualquer modo escrever é uma inevitabilidade, na Literatura em geral e, assim estejamos com ele reconciliados, no Direito também.
Houve tempos em que estudei para ensinar. Sinto que tenho de voltar a estudar.
A quantos me lerem hoje aqui em busca aqui de algo que não este momento pessoal, digo que a vida não é apenas a objectividade do que se faz, mas também a alma de quem o faz, irregular e incerta a minha. Como uma fractura no gelo, que pode ser o anúncio da Primavera da vida. 

O caminho pedregoso


Talvez ao sair da Faculdade eu já não tivesse do Direito a noção de que ele se exprimia more geometrico, como uma racionalidade de postulados demonstráveis, como uma escolástica de silogismos dedutíveis. Apenas o meu contacto com zonas crescentes do pensamento filosófico que então me povoavam o espírito e que me levaram a visitar a genialidade de Leibnitz e todos os outros que o antecederam, terminando então em Norbert Wiener, e a traduzir mesmo um capítulo do livro Giuscibernetica, macchine e modelli cibernetici nel Diritto do professor Mario G. Losano para uma antologia de textos sobre as novas epistemologias - a qual a PIDE entretanto apreendeu em ainda em fase de provas para revisão por suspeitar que poderia trazer o vírus da subversão, imagino porque alguns autores do livro viriam da "Cortina de Ferro" - apenas tudo isso me faziam supor que houvesse alguma homologia entre os modelos que a ciência do mundo físico estudava e aquilo de que o Direito tratava, uma possibilidade de extrapolar da lógica alética para a lógica deôntica, como imaginou o finlandês von Wright e eu aprendi, conhecendo-os, com o espanhol Miguel Sánchez-Mazas e o polaco Georges Kalinowsi.
Esse tempo passou. O que poderia ter sido um caminho, que me traria uma falsa pista intelectual, salvando o Direito do desprezo, mas talvez por troca com uma vida universitária, foi. Pelas minhas mãos, a incúria, a sorte da vida, sei lá.
Regressei à estrada por onde estão os marcos miliários romanos que mostram que o caminho do Direito se faz pelo solo pedregoso e pela heurística da tentativa e erro. Advogado, aprendi pela forma mais dura de se aprender, rasgando as mãos a abrir caminho onde caminho teria de haver.
Estou hoje convencido de que o apriori pesa muito em muitas mentes, o jurídico torna-se em pura legitimação para todas as possíveis soluções. Que a razão é apenas um modo.
Lembrei-me disso este começo de manhã, não por saudade desse tempo de vida acumulado mas por me perguntar se não haverá da decência da Justiça um modo pelo qual tudo se não resuma à retórica e à sofística da argumentação.

Começar de novo


A quantos me visitam com regularidade, na esperança defraudada de aqui encontrarem algo de novo e nas últimas largas semanas se defrontam com o vazio, peço compreensão.
Há momentos em que a vida nos concentra naquele mínimo que é a sobrevivência. No meu caso as circunstâncias fizeram com que tentasse não falhar no cumprimento dos deveres da minha profissão e pouco mais. A alma sensível, essa, espelhou-se, como um reflexo, num ou outro escrito, em outro lugar, em poética de nostalgia, mesmo assim incerta. O resto foi a mecânica do que estava feito e sua irrupção à luz do dia, em aparência de novidade, ilusão de criação.
Deveria ser o jurídico, eu sei, e nele o seu intrínseca humanismo, terra justa e recta do Homem para o Homem, que me deveria ter feito vir aqui, não ter deixado de vir aqui. Não foi, porém, assim.
A docência inesperada fez de mim um aprendiz de processualista. Estudei então para tentar ensinar. Talvez por isso a técnica e a forma tenham, nesse meu ser que se tornou improvisado professor, obnubilado a substância. Dezassete anos de docência, mais de quarenta de profissão nesta área foram-me inimizando em amargura e incompreensão.
No Direito Criminal, nos subterrâneos do seu pulsar, está a tragédia humana na sua máxima expressão, a latrina social no seu mais fétido odor, o universo de moribundos sem Lei e dos que se destroem destruindo, vítimas todos, culpados quantos. E, no entanto, é ali, essencialmente ali, que pulsam os sentimentos da maior nobreza e da maior baixeza, é ali que a sociedade trava com o indivíduo, através do Estado, a cruel batalha para que aquela viva e este consiga sobreviver. Está ali o amor e o desamor, a essência do que há.
No Processo Criminal, nesse porém, alberga-se, quantas vezes, como numa fria autópsia de cinismos, o modo de tornar esses humanos em corpos, essas misérias expiações, a batalha em técnica, a vida em pura função. Por ele, assim não haja o escrúpulo de o tornar serviço de uma essência, instrumento de valores, tudo se perverte ainda que em aparência de verdade.
Talvez, por isso, no campo onde tudo isto sucede, eu devesse ter sido outro ou devesse ter aprendido a ser outro. 
Tenho, arrastado há anos, progressivamente soterrado pelo entulho de legislação que se sucede, o que poderia ter sido um livro sobre essa ramo do Direito adjectivo. A última vez que juntei as folhas eram mil e quinhentas. 
Em bom rigor há que começar por rasgá-las. 
Há um dia em que o Homem dá conta ao espelho que se esqueceu da Humanidade, soterrado ele próprio no local onde o Direito os vai sepultando e às suas vítimas.
Encontrei-me hoje ali. Hei-de conseguir novos olhos e novos braços. Medíocres que sejam, permitir-me-ão escalar ao local onde o ser encontra a existência e com ela defrontar-me. Há na contrição intimidade. O mundo não é só subsistir.

O sonho americano


Fica como arquivo a crónica publicada na edição on line do jornal Público. Texto original aqui.


Não foi mais do que o sonho de uma noite de Verão, o de que o modelo americano de Justiça se poderia transpor para Portugal. A operação foi bem organizada mas o poder político não arriscou. Danos colaterais: ficaram evidentes as fragilidades do sistema.
As condições pareciam propícias.
Primeiro, Pinto Monteiro chegava ao fim do seu consulado como Procurador-Geral da República ante a ideia de que o Ministério Público eram bolsas autónomas de poder e não uma hierarquia organizada sob a regência do Palácio de Palmela.
O PGR vivia sob a suspeita permanente de que os processos de “certas e determinadas pessoas” corriam sob a sua alçada. Exigia-se, pois, a fiscalização democrática da Justiça pela participação popular, uma justiça pelo povo e para o povo.
Depois, a lentidão dos processos fazia constante notícia nos jornais, estava no auge a campanha de que os poderosos conseguiam através do expediente processual retardar a Lei, salvando-se dela. Reclamava-se, por isso, a celeridade e a eficácia, os critérios de excelência eram os que o senhor Henry Ford impôs nas suas fábricas de automóveis.
O admirável mundo novo tinha então o seu tempo histórico.
Politicamente, a esquerda judiciária tinha tido a sua oportunidade na geração antecedente, guindada ao sindicalismo e mesmo à função de modo a prosseguir com ela, até no foro, a luta de classes por outros meios. Tinham sido os tempos da gestão processual por critérios de selectividade, a criminalização retumbante de uns em detrimento de outros, a prescrição como modo de agraciamento do incómodo, a estigmatização de certas classes, de certas pessoas, de determinadas organizações.
Agora, supostamente mortas as ideologias, rendidos os seus radicais antecessores, os soixante-huitards das barricadas, às prebendas do capitalismo financeiro e às alcatifas do poder eurocrático, surgia a nova vaga da tecnocracia intelectual, misto de pragmatismo moral e de funcionalismo estatutário, para quem a Justiça era em breve uma forma de resolver processos com rapidez já que, afinal, anos de cultura inspectiva fazia com que a estatística contasse decisivamente para a promoção e, por essa forma, uma engenharia social, tal como a sanitária.
O “sonho americano” teve, então a sua janela de oportunidade. Foi título da revista Sub Judice na primavera de 1998, cantando então loas às virtudes do Supremo Tribunal enquanto órgão de poder na Federação dos Estados Unidos da América.
Seria o 2011 que traria, enfim, a possibilidade de se ir mais longe. De Coimbra o professor Figueiredo Dias emprestaria a sua indiscutível autoridade académica a uma ideia discutível: a da justiça negociada na forma dos acordos sobre a sentença penal, transacionada, em regime paritário, entre o acusador público o acusado e seu defensor e com envolvimento do próprio juiz a quem caberia julgar o caso. Com uma precisão científica a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em mudança de direcção, traria a ideia como bandeira programática para o campo da discussão.
Que resultou? No plano legal, nada, porque a Constituição impede esta justiça da combina e da transacção, permitindo embora que o consenso opere nos casos em que já foi consagrado por lei no domínio do Código de Processo Penal.
Mostraram-se, isso foi, as fissuras do edifício judiciário: ante a inacção do PGR, houve Procuradorias Distritais que emitiram orientações que viabilizam o sistema, outras omitiram conhecê-lo. Há, pois tribunais em que sim e tribunais em que não.

As galés

Uma coisa é certa, nunca deixei de trabalhar na minha profissão. Quando tudo parou, até quase o ânimo para pensar e assim poder escrever, a mão não largou o remo da advocacia, esta vida que é uma espécie de condenação às galés.
Sempre achei uma ironia trágica chamar a isto profissão «liberal» e não de escravatura.
Sempre achei que a melhor demonstração da completa desconsideração pública que os advogados merecem é a sua falta a um acto processual só quase por favor dar azo ao seu adiamento, as leis quase todas a dizerem que não. «É que se aceitássemos adiar», dizem alguns, entre o convicto em alta voz de uma proclamada verdade e sussurrantes no que ela sugere, «nunca mais havia julgamentos porque os advogados inventavam motivos».
Claro que há os motivos que a vida inventa. Mas desses não cura o pretor.
Fui a todas, actos e prazos, excepto aqui. 
Regressei hoje. Temo que algo tenha mudado para estar tudo na mesma.

A geografia de uma vida

Não é este um blog referente à minha actividade profissional. Mas é um blog pessoal, um espaço de liberdade. Tento que seja informativo e por vezes falha-me tempo para informar-me e poder divulgar. Quero que seja crítico mas nem sempre tenho possibilidade de meditar para me precaver do comentário superficial. Venho hoje falar de um assunto meu.
Este mês a Ordem dos Advogados concedeu-me a reforma como Advogado. Por causa dos encargos a que estou a amarrado, terei de continuar, porém, a trabalhar nos tribunais. Estou naquela idade a quem já ninguém daria outro emprego. E depois viciei-me neste.
Num momento destes pensa-se no que foi ter sido Advogado, no que poderia ter sido, no que acabou por ser. No meu caso a data não se tornou numa efeméride, apenas um momento de encontro de contas com a Caixa de Previdência da minha Ordem, uma das que restam livres neste País em que o Estado engoliu o sociedade civil.
Comecei a advogar em Sintra, feito o estágio em Lisboa no escritório do Dr. Francisco Salgado Zenha. Naquela vila o Tribunal eram dois juízos, instalados no edifício da Câmara Municipal. Lembro-me do nome dos escrivães, o Senhor Alvarez e o Senhor Aleluia. Quando comecei eram a minha referência directa, o primeiro lado visível da Justiça. Não me atrevia a confessar-lhes a minha ignorância, estudava dia e noite por pudor.
Eu era então o benjamim da comarca. Comecei a fazer de tudo, desde registos prediais, a escrituras de habilitação. Propus acções cíveis, execuções de letra, divórcios, processos-crime. Nos dias de mercado esperava que me chegassem "clientes". Vinham da Sintra rural, da Várzea, da Ulgueira, de Pero Pinheiro, de Dona Maria.
Tinha aberto escritório com cinquenta contos que a minha Mãe poupara. Comprados os tarecos e uma máquina de escrever, assinalei-me o propósito de continuar se aquele dinheiro não acabasse sem eu ter ganho algum para ir repondo. Não tinha fotocopiadora. Não havia faxes. Escrevia-se em papel selado.
Tem sido assim, no bom e nos maus momentos, um mundo que pode terminar a cada instante. Os que tomam os outros pelo que deles fantasiam, imaginarão coisas, muitos a medida da frustração, outros do que ambicionam. 
O real, mesmo quando invisível, existe.
Ao longo da vida conheci de tudo. Ninguém tem o monopólio da virtude. Um dia mudei-me para Lisboa, para um pequeno gabinete, na Rua Marquês de Fronteira. 
Talvez por ter estado sete anos ligado à docência na Faculdade de Direito da Universidade Clássica, na área do Direito Criminal e do Processo Penal, e depois mais dez nas Universidades Lusíada e Internacional, fui-me centrando nestes ramos do Direito. De vez em quando aventuro-me por outros territórios. Com gosto e frequentemente com resultado. Mas acabei por ficar um Advogado criminalista em prática isolada. O modo de ser profissional é o modo de ser da pessoa que exerce a profissão.
Não há Advogados que ganhem sempre; quem o diz ou não advoga ou cruza os dedos atrás das costas. Aliás a Advocacia não é o mundo onde tenha se se alcançar o orgulho de ganhar uma causa para não sofrer a humilhação de perdê-la. 
Tenho perdido processos que merecia ter ganho e ganho outros que merecia ter perdido. Em ambos os casos a Justiça perdeu sempre. Houve coisas que gostaria de não ter sabido, outras que gostaria de não ter feito ou visto fazer.
Se eu tivesse a arrogância de escrever um livro sobre como é advogar não saberia escrevê-lo. É uma Arte, não uma Ciência. Quando se tem o holofote em cima, o público ilude-se com o ruído das luzes, porque não se notam os bastidores nem as horas a fio de ensaio.
Com o 25 de Abril o meu patrono foi o primeiro ministro da Justiça da democracia. Chamou-me para seu secretário. Julguei que a Pátria precisava de mim e eu podia oferecer-me ao Governo. Fui para secretário do ministro. Desde então ficou-me o gosto pela causa pública. Deixou-me no final de tantos tombos gosto amargo. Regressei sempre à minha banca de Advogado.É o útero onde me fiz.
Hoje acabei um prazo, amanhã tenho um julgamento. E serviço acumulado por cansaço. Tenho vergonha de o dizer porque há centenas de colegas sem trabalho. Sou nisso um privilegiado. Fiz o que quis fazer de mim. Tudo começou há muitos anos. Em Fevereiro de 1972 comecei o estágio. A fotografia deste postal mostra como era o meu eu exterior nesse tempo. 
A geografia de uma vida é o mapa que a vida nos desenha no rosto.

L'avenir de l'homme

Uma semana sem escrever porque nem sempre é possível. Diria que mesmo este mundo jurídico é um mundo humano e o humano é imperfeito. Diria mas por arrastamento de um pensamento preguiçoso, como quem acorda vindo de uma dormência. Corrijo! Sobretudo este mundo do Direito tem de ser um mundo humano. Lembro-me do Código Civil de Seabra, que terminou a sua vida quando eu comecei o meu curso. Abria com a palavra «homem». Só o homem é susceptível de direitos e obrigações. [ver aqui]. Depois veio o tecnicismo germanístico do Código que vigora. E o homem passou a chamar-se sujeito e colocado na estante da sistemática ao lado do facto, do objecto e da garantia. 
Estava consumada a desumanização. O Direito assumiu-se como falsa Ciência, quando é Arte.
Os japoneses não aceitam a simetria porque só o assimétrico imperfeito abre a porta para o mundo do mais que perfeito. 
Voltei. Só o futuro é mais do que perfeito, porque a ânsia do construir une.

Soerguer

Lembro-me do tempo em que o Diário da Republica vinha em papel, pelo correio e tinha de se abrir as folhas e organizar por vezes os cadernos, quando eram vários. Quando se colavam nos Códigos as folhinhas cortadas à tesoura, editadas pelo Dr. Ernesto de Oliveira, actualizando-os. Tempo em que as fichas de jurisprudência azuis e as de legislação brancas chegavam nuns saquinhos de papel pardo e se coleccionavam alfabeticamente, trabalho paciente do Dr. Simões Correia. Época em que não havia Internet nem a Colectânea de Jurisprudência. Em que se escrevia em papel selado, com uma cópia para o tribunal, outra para cada parte que vivesse em economia separada, mais uma de almaço para a reforma dos autos e a folha final em papel de seda, para o nosso arquivo e tudo a papel químico, mais o «radex» ou a borracha dura e a vassourinha para as emendas em todas e cada uma das folhas cada vez que uma pessoa se enganava.Em que não havia fax e pouquíssimos tinham telex.
Lembro desse tempo em que havia menos leis, duravam mais tempo e a jurisprudência era mais certa. Em que éramos uma família. Em que na Biblioteca da Ordem dos Advogados Dona Lita Scarlatti, o Senhor Homem de Figueiredo, o Senhor Malta Jotta e à noite o Senhor Joaquim Parro partilhavam simpatia e informação bibliográfica com os leitores, advogados, magistrados, estudantes de Direito e todos ali convivíamos com amigável espírito.Tempos em que, sob a Ditadura, se lutava pelas liberdades mas havia espírito de luta e respeito pela contenda.
Lembro-me, porque há dias em que uma pessoa, ao levantar-se da cama, para este mundo em que a informação está ao alcance de um click, a maquinaria nos simplifica a burocracia, e tudo parece fácil e moderno, imagina que na zoologia dos seres que povoa este mundo errático estamos piores todos e vivemos mais infelizes. Tornámos isto num lúgubre covil.

O intervalo e o enredo

Retomo hoje este blog depois de uns dias de ausência, espécie de justo impedimento. Tentarei ver como vai o mundo jurídico. Que não seja como aquelas telenovelas em que, quando se perdem uns episódios, nunca se perde o enredo da história.

A Cidade Ideal

Haveria um ponto ideal, eu ser diário na presença neste blog ou até repetindo por mais de uma vez a presença neste espaço. Mas a vida ultrapassa essa possibilidade criando deveres, lazeres, dificuldades, impossibilidades, desejos e sujeições. É seguramente melhor assim, esta assimetria do que a funcionalização da regularidade. Além disso, há também o haver momentos em que nada há para dizer e outros em que não se sabe como dizer e outros sem razão sequer que explique.
Nisso, este lugar é a expressão da vida com a sua turbulência. 
Fosse assim o Direito, incerto, irregular, ocasional, sujeito à possibilidade e ao momento e talvez fosse o caos. Fosse imperfeito, irrequieto, fragmentário. Fosse dependente do ser humano e das suas vicissitudes. E de facto é. A sua verdade é sê-lo, precisamente nisto que é o que parece defectivo, o sinal da sua incompletude. 
Nos recolhimentos das cátedras constroem-se seguramente cidades ideais de lógicas edificações, coerentes, sistematicamente harmónicas, perceptível nelas o trânsito, iluminados os cidadãos pelo Sol da certeza e reconfortados pela segurança. 
São, porém, cidades de papel. A vida encarrega-se de incendiá-las quotidianamente, a Justiça fruto de construtores da sua própria arquitectura, sobre ruínas interminavelmente.
Foi hoje na Rádio Renascença, ao meio-dia, no programa Em Nome da Lei, um debate sobre os "acordos sobre a sentença». Tive a oportunidade de dizer que o penso. Convidado o Professor Figueiredo Dias. Comentários dos "residentes" Luís Fábrica e Eurico Reis. Quem quiser ouvir, clique aqui.

A ASJP e o CPP: apresentação de livro

O vídeo que regista a apresentação, a 24 de Janeiro, na Biblioteca da Assembleia da República, do livro da Associação Sindical dos Juízes Portugueses com as propostas para a revisão do Código de Processo Penal, pode ser visto aqui
A matéria é da exclusiva competência do Parlamento, só podendo o Governo legislar após autorização legislativa. Ali foi discutida, até ao ínfimo pormenor, a proposta que daria a Lei n.º 78/87, a qual deu ao Governo poderes para aprovar o Código de Processo Penal que o Parlamento conheceu então como se fosse seu.

Actualizações e omissões

Procuro actualizar regularmente este blog. Este começo de manhã foi a parte onde estão as ligações para a Cooperação Internacional. Quanto a blogs jurídicos nomeadamente os que se referem à área jurídico-criminal  julgo não cometer omissões, mesmo em relações àqueles que descaradamente fazem de conta que este meu espaço não existe. Eles lá sabem porquê. Alguns silêncios são uma honra. Adiante. Como já pedi em tempos, a haver falhas de referência agradeço que mo façam saber. Ignorâncias deliberadas aqui não há.

À conversa com...

O a propósito foi o livro "Levante-se o Véu!" de que sou co-autor. Foi na RTP Notícias, uma conversa com Laborinho Lúcio, conduzida por Cristina Esteves. A intervenção começa aos cinco minutos e trinta segundos. Pode ser vista aqui.

Corrupção: algumas ideias

Ter estado hoje de tarde em Faro a falar sobre o papel das vítimas no crime de corrupção permitiu-me entender-me comigo quanto a um conjunto de ideias sobre esse tipo de ilícito:

primeiro, que a tipificação do crime é como se o considerasse o legislador um crime de enriquecimento, quando ele é afinal um crime de dano àqueles que não souberam usar o suborno como instrumento de geração da vantagem a seu favor; 

segundo, que só a manipulação das categorias conceituais - ditas dogmáticas - é que permite considerá-lo [como o fez a doutrina com aplauso na jurisprudência] crime de resultado e não de mera actividade, pois que se considera [para mim de modo insólito] como resultado o facto psicológico da oferta ou do pedido serem levados ao conhecimento da outra parte, quando o resultado tipicamente relevante se supõe ser algo tangível e valioso do ponto de vista dos interesses protegidos pelas normas legais;

terceiro, que na lei e na prática a corrupção é considerada como se fosse um crime em si, autónomo e sem contexto, quando ele é um crime instrumental do (s)  ilícito (s)  - tantas vezes criminosos - que se mercadejou (aram) em contrapartida do suborno e que bem poderiam ser objecto de perseguição em sede de concurso real com ele;

quarto, que o desenho típico introduzido nas normas legais - mesmo a partir de 2008 na que criminaliza a corrupção no sector privado pura e simplesmente escorraça a existência de vítimas do crime, e no entanto no plano de Acção Comum da União Europeia [de 2003] estava prevista uma formulação em que os elementos de substância [lesão à concorrência ou dano a terceiros] eram considerados como relevantes;

enfim, que não se diga que tratar-se de crime de acção penal popular [artigo 68º do CPP] é forma de habilitação da intervenção das vítimas, pois que do que se trata é de não terem estas, devido à formulação típica do crime em causa, estatuto de ofendidos e como tal nem a lesão de que foram vítimas por esse crime poder ser demandada em processo que o tome como objecto.

Enfim, mais houve. A ideia é demonstrar em que medida tudo concorre, neste contexto para a impunidade da corrupção. O texto vai ser publicado. Darei notícias do mesmo. Ficam aqui, em estilo telegráfico, algumas ideias e o agradecimento à organização do evento.

Levante-se o Véu!

Permiti-me fazer menção ao livro aqui. Coloquei-a na lateral deste blog. Compreendam que afixe aqui o convite. Tenho sempre dúvidas quanto a ser mal interpretado. Sou o maior crítico do que escrevo. Convidar é expor-mo-nos no bom e no mau. Eis o risco. Até o de ninguém querer ler. Não é, pois, vaidade, mas sim atrevimento.
 

Levante-se o Véu!

A editora não levará a mal que revele o que é este texto de abertura do que escrevi. Espero que os leitores não tomem esta citação como vaidade. É apenas uma forma de prevenir para o tom e para agradecer a oportunidade que me deram de, levantando a cabeça do quotidiano, pensar o que tenho visto e vivido.

«Num mundo dual, num mundo que se simplificou, num mundo em que o maniqueísmo virou modo de sobrevivência dos ingénuos e de dominação dos perversos, a distinção entre o bem e o mal [na Justiça] tem sentido e sucesso: os críticos ganham o seu espaço hiperbólico, o de diabolização do que há, os apologistas o seu território de redenção, legitimando quanto é. A pequena esquadra destes, mercenários tantos deles, não consegue, porém, nem se atreve, a enfrentar o esquadrão de todos os outros. Nem batalha há, mas longo cerco, com o seu cortejo de depredação, desânimo, ruína. É a crise permanente da Justiça, a banalização da noção de crise, a indiferença ante tudo isso.
Olhando para quantos estão no intra-muros da Justiça não há gente feliz. Nenhuma testemunha, nenhum ofendido, nenhum arguido, nenhum cidadão gostou do que viu ou gostaria de viver aquilo pelo que passou, fosse só uma outra vez».