No quadro da problemática dos limites ao depoimento dos OPC's é interessante esta doutrina emanada do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.05.06 [proferido no processo n.º 3702/06 3ª Secção, relator Rodrigues Simão]: «1. Tendo os agentes de autoridade acorrido ao local onde ocorreu um acidente de viação, constataram que aí se encontrava o arguido, dono do veículo, visivelmente embriagado, que lhes disse que era ele quem conduzia o veículo, facto que, nas circunstâncias constatadas pelos agentes, era verosímil,tendo o mesmo sido sujeito a teste de alcoolemia, com resultado posítivo. 2. O contacto pessoal com o arguido decorreu de obrigação legal dos agentes de autoridade de, recebida notícia de facto ilícito, fazerem consignar no auto de notícia tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes, obrigação decorrente dos artigos 242º e 243º, do CPP, e própria das funções de polícia definidas pelo artigo 272º da CRP. 3. Não se trata de declarações do arguido, de valoração proibida, podendo o tribunal valorar esses depoimentos na formação da convicção de que o arguido era o condutor do veículo».
Apresentação
O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.
José António Barreiros
Uso reprovável do processo penal
Muito interessante o estatuído no Acórdão da Relação de Lisboa de 01.06.06 [proferido no proceso n.º 3132/06 9ª Secção, relator Trigo de Mesquita] «1. 'Não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões...' (in Ac. Rel. Lx. nº 7995/01-3ª secção) ... até, enfim, à prescrição do procedimento criminal. 2. Com efeito, é legalmente inadmissível fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de v.g. conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 456º do CPC). 3. Por força do que preceitua o artº 720º CPC: 1- ' Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo (...), levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar (...) que o respectivo incidente se processe em separado. 2- O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada.' 4. A disciplina definida naquele artº 720º CPC - com igual consagração no Tribunal Constitucional (artº 84º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) - é aplicável ao processo penal, ex vi o artº 4º CPP. 5. Mas sempre se chegaria à mesma solução por mera aplicação de elementares princípios gerais do direito, como o da unidade e coerência do sistema jurídico, ou do princípio do poder-dever de direcção do processo pelo juiz, e dos princípios da cooperação, boa-fé e lealdade processuais (cfr. artºs 265º, 266º e 266º-A do CPC), e tendo-se em conta que os recursos posteriores à decisão final, em processo penal, têm sempre efeitos meramente devolutivo (cfr. artºs 406º e 408º do CPP). 6. In casu, é patente que o arguido vem procurando obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da reiterada suscitação de incidentes a ela posteriores e manifestamente infundados, impõe-se que os 'incidentes' suscitados sejam processados em separado, baixando os autos à 1ª Instância para imediata execução da pena aplicada ao arguido».
Honny soit
Alguém com amarga ironia escreveu na parede de um tribunal por onde andei hoje: «estamos à espera que a justiça nos caia do céu!». Seguindo a lição bíblica, a cair do céu, em línguas de fogo, só pode ser alguém ligado ao Espírito Santo. Mas que não haja confusões. Como disse Eduardo III ao apanhar, solícito, a liga que a Condessa de Salisbury, sua predilecta, deixara cair durante um baile: «Honny soît qu'y mal y pense...»
Mudos e quedos
Cá se fazem cá se pagam! Eu a escrever a noite passada dos juízes que mandam dizer pelo funcionário que não falam com advogados e logo hoje a levar na cara com um «mas a senhora procuradora não fala com advogados!». E fazem eles muitíssimo bem! Claro que a ideia era tentar evitar uma delonga processual, e simplificar um procedimento. Não faz mal! Vai em papel selado, se é que ainda se usa. Se não se usa, vai em qualquer papel, deste o costaneira, ao papel de arroz. Um dia, quando estas Suas Excelências não falantes quiserem gritar por socorro que os estão a jugular na sua autonomia e na sua independência, talvez já queiram falar com advogados. Para já, temem perder a isenção ou temem que nós percamos as estribeiras. Só pode ser isso. Ou então perderam a língua.
Um livro maduro
Miguel Poiares Maduro, licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, doutorado pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, advogado-geral português no Tribunal de Justiça das Comunidades, professor da Universidade Nova de Lisboa, autor de We The Court - The European Court of Justice and the European Economic Constitution e de A Constituição Plural - Constitucionalismo e União Europeia, publica agora o seu primeiro livro não juridico - Crónicas de um peixe fora de água. O livro é editado pela Entrelinhas, o lançamento realizar-se-á no Café dos Teatros, na Rua António Maria Cardoso, nº 38, em Lisboa no próximo dia 3 de Junho, pelas 18h00. A apresentação da obra, a cargo da jornalista Maria de Lurdes do Vale, será seguida de um debate com o autor do livro sobre "O papel dos cronistas: peixes dentro ou fora de água?", e em que participarão Rui Tavares, Pedro Mexia , Luciano Amaral e Pedro Lomba.
A dança das cadeiras
O ministro que trata dos da Justiça conseguiu, só com a dança das cadeiras, virar juízes contra procuradores. Ridícula paródia esta. Olhando para a polémica que se instalou, parece que aquilo onde põem a cabeça é menos importante do que aquilo onde sentam o rabo. A questão, como sabem, é o colocar os procuradores, na arquitectura das salas dos tribunais, abaixo dos juízes, talvez ao lado dos advogados. Por mim, tenho uma ideia feita. Não entro nessa mascarada. Não quero procuradores ao pé de mim, a simular uma igualdade que não existe, eles a gozarem da informação privilegiada, por estarem instalados dentro dos tribunais, nós, advogados, a pedirmos pelas alminhas para sermos recebidos e, muitas vezes, a levarmos um não mandado comunicar através do funcionário. A querer alguma coisa ao pé de mim, quero, como advogado, os meus constituintes. É mais prático para irmos conversando nos momentos de monotonia. Para muitos exaltados, até é mais lógico, pois acham que os advogados são uma continuação dos arguidos por outros meios. Assim, para não dar aos presuntivos incocentes a honra atrevida de se alçarem para a teia dos advogados, lado a lado dos mesmos, como na justiça cível, sugiro que nos sentemos no banco dos réus. É mais justo. Em frente a nós, alteados e superiores, juízes e procuradores, em suma, o Estado. Cá em baixo, anichados e rebatidos, os advogados e seus clientes, ou seja a sociedade civil. Tal como é, assim estará.
Gente feliz com lágrimas
Acontece «cerca de 50% das pessoas residentes na área geográfica abrangida pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados nunca ter consultado um advogado», diz o «Jornal de Negócios». Ainda há há gente feliz!
Pompa e circunstância
Desculpem vir aqui falar num assunto pessoal. Mas hoje de manhã ao ter lido esta notícia deu-me um baque: é que é verdade que fui convidado e aceitei um cargo que tem a ver com a Ordem dos Advogados, só que a função não é nada esta. Vejamos, com brevidade. A ideia que presidiu ao convite e consta de uma carta, era tão simplesmente esta: ser delegado da Ordem junto do Tribunal da Boa-Hora para assegurar, em diálogo com quem fosse juiz-presidente do Tribunal o necessário para garantir condições de eficácia à actuação dos advogados, meus colegas, nesse edifício. Pequenas coisas e rotinas que muitas vezes dificultam a vida aos que fazem do Direito uma profissão e que, andando pelos tribunais, não encontram na Ordem distante, a resposta adequada. Tive o cuidado de obter junto de quem me convidou que não me cabia entrar no tema dos litígios entre profissionais do foro, pois tudo isso tem órgãos próprios e formas próprias de se resolverem. Ao ler a notícia, que é gentil, que recebi vi-me investido numa pompa e numa farronca de funções que até me assusto. Desde «mediador» até o tal que tem como principal função «receber queixas e reclamações dos cidadãos e operadores judiciários e encaminhá-las para a Ordem dos Advogados, para o Conselho Superior da Magistratura ou para a Direcção-Geral da Administração da Justiça», vi que era suposto tratar de coisas bem mais longínquas do que me havia sido pedido. Não quero enganar ninguém! Eu serei só o que vai tratar das pequenas coisas, tentando gerir consensos e amabilidades. Não vou mediar, nem intermediar. Livra!
Conchavando-se
Esquecia-me de dizer que uma destas noites li no conto «A Sereníssima República» do Machado de Assis, que é um hino ao riso, que «o comentário à lei é a eterna malícia». Foi assim que «não sendo possível perseguir ninguém por defeitos de ortografia ou figuras de retórica, pareceu acertado rever a lei». Isso num primeiro momento. Depois, através do comentário interpretativo, «a mesma porta aberta à lealdade serviu a astúcia de um certo Nabiga, que se conchavou com o oficial das extracções para haver um lugar na assembleia».
Juízes iletrados
Na cidade onde eu nasci, no interior de Angola, o juiz era, muitas vezes, o Relvas, que tinha loja aberta de comerciante. O escrivão, o Pires, ainda era o único que, para além de comer sozinho um cabrito, saberia Direito, porque tinha o «formulário», o mesmo de que eu herdei uma cópia parecida, encadernada a pano, herança do meu pai, solicitador encartado. Advogados havia vários, como é costume, alguns «provisionários», como o velho Barros, de distinta figura e casaquinho branco. Um desses advogados, cabo-verdeano, foi o meu padrinho de baptismo. Tinha um empregado de escritório, negro, que se chamava Gafanhoto e escrevia à máquina como quem tocasse marimbas. Tinha África no sangue, esse escriturário, cada articulado era, nas suas mãos dactilográficas, um batuque forense. Não sei se a Justiça funcionava, mas lá se ia andando. O delegado interino chegou a ser o sobrinho do Relvas. Um dia escapou-lhe num julgamento um «ó tio», ao que o Relvas, severo, respondeu: «aqui não há tio nem meio tio, há o senhor doutor juiz». Dizem-me que pelo Ministério andam agora a pensar numa de juízes sem o curso de Direito. Acho muitíssimo bem, que é para ver se isto passa a andar no «ó tio ó tio»! Dizem-me que em outros países também é assim. E dizem bem! «Em outros países!...
Santos da casa
Dei agora conta que passei o dia do advogado enfronhado nos tribunais, sem dar conta sequer de que era o dia do advogado. Será, como qualquer outra, uma forma de comemorar, como o outro que celebrava a vida, vivendo-a. Só que neste meu caso, uma estranha forma de vida...
Um grande avanço!
O post sobre o primeiro congreso ibero-americano sobre blogs e Direito, a ter lugar em Saragoça de 4 a 6 de Junho vem anunciado no blog «Antígona» com data de 31 de Dezembro de 2006. Percebo que a blogoesfera seja um exercício diário de antecipação, mas tanta! Um abraço de bem-humorada ironia...
Advogados na deputação nacional
Na minha opinião o problema não é os deputados serem advogados. O problema é os advogados serem deputados. A advocacia faz-se nos tribunais ou em outros sítios. O Parlamento é para outras coisas, para as quais ser jurista é muito útil, ser advogado é muito equívoco. Quem quiser ser deputado, deixe de ser advogado. É simples e sobretudo higiénico. Sei que há muitos que não vão gostar de ler. Eu também não gosto de os ver.
Vigiar, punir ou enlouquecer
Sete em cada dez prisões estão sobrelotadas. E, no entanto, diz a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, com humor negro, isto já significa uma melhoria. Uma coisa adiantam as notícias: «A prisão com a menor taxa de ocupação é a do Hospital Psiquiátrico de São João de Deus, que apesar de ter uma capacidade para 195 reclusos, apenas detém 19 indivíduos». Percebe-se: a loucura é o sistema prisional comum, o hospital bem pode estar às moscas.
O segredo do Meco
O Bastonário dos Advogados diz que «o segredo de justiça é como impor a toda a gente que ande de smoking mesmo quando vai para a praia». Eu diria de modo diferente: é fingir que andamos todos vestidos de cerimonioso fraque, quando andamos todos mas é em pelota. É que, quanto à tutela de tal segredo, até se lhe vêem os fundilhos...
Um livro, um convite, uma outra pessoa!
Terminado que está mais um livro daquele meu outro eu, com o qual vou sobrevivendo à profissão, permitam-me que vos convide a estarem presentes nas sessões de apresentação da obra, nos dias 16 [em Lisboa], 17 [no Porto] e a 3 de Junho, em Faro. Pormenores podem colher-se a partir deste link. Uma coisa é certa, no meio da narrativa, lá vem um caso judiciário, ainda por cima, uma clamorosa injustiça. Eric Rohmer fez disso tema para o seu último filme. Eu conto a história num dos capítulos do que escrevi. Por falar em contar, não é um romance histórico, é a História a ser contada como se faz nos romances, dizendo-a.
Era só a brincar
Nada tenho contra o Habilus, tenho tudo contra os que o entregam a pessoas com uma formação insuficiente e que fazem o que podem. Mas hoje soube algo que me deixou, agora sim, preocupado! Será que é verdade que graças ao «Habilus» é possível andarem-se a ler os autos uns dos outros, mesmo aqueles que estão em segredo de justiça! Digam-me que é mentira, que a pessoa que mo disse, e que tenho por bem informada, estava só a brincar.
Pouco «habilus»
De repente abri o «Habilus». Eu confesso que nunca tinha aberto o «Habilus». Mas alguém me disse que o «Habilus» era muito útil! E eu lá me convenci e fui ao «Habilus». Ia tendo um ataque fulminante! Descobri que para hoje tinha dez marcações, dez, ao mesmo tempo! Nervoso, folheei a agenda, nada! Em angústia, telefonei para o escritório, idem! Angustiados, varremos os «dossiers», zero! Sabem o que se passava? Havia processos cujos julgamentos tinham sido adiados e que continuavam registados no «Habilus» como sendo neste dia. Havia processos que estavam registados cinco vezes na mesma data! Enfim, uma trapalhada total, disfarçada de boa organização. Tá visto! Eu não quero o «Habilus»! Eu prefiro o «Inabilus».
As prisões à venda
Será verdade que o ministro da Justiça quer privatizar os serviços prisionais e vender as prisões? Eu sei que o Governo anda aflito de dinheiro e há prisões em terrenos muito apetecíveis. Em tempos já se falou em vender o tribunal da Boa Hora para um hotel de charme. Nessa altura o Governo ainda podia mandar os magistrados para as prisões. Agora uma vez que as vendem, já nem sei que diga! Será que os privatizam também?
O jogo da apanhada
Sabiam que os perceves se chamam cientificamente «Pollicipes pollicipes»?. Lembrei-me disto porque o ministro da Justiça anda às turras com a Polícia. E lembrei-me porque hoje o «Diário da República» publica o «Regulamento da Apanha Comercial do Perceve (Pollicipes pollicipes)». Com esta fúria da privatização, e com a polícia falida, está tudo explicado.Mais dia menos dia, anda tudo no jogo da apanha comercial dos pollicipes...
Uma noite a folhear Madrid
Segundo anunciam de Madrid «Marcial Pons se suma el próximo día 20 de abril a 'La noche de los libros', iniciativa que marcará el punto de partida de la celebración del Día del Libro; Por unas horas nos convertirnos en punto de encuentro donde lectores podrán charlar con algunos de los autores españoles más relevantes. Como queremos que esta celebración de la cultura sea una auténtica fiesta, todos los que nos visiten podrán tomarse una copa mientras un grupo de música clásica ameniza una velada en la que el libro será el gran protagonista. Para la ocasión tendremos en nuestra librería ejemplares de la última obra de cada escritor que confirme su asistencia (entre otros: Alejandro Gándara, Clara Sánchez, Nativel Preciados, Paula Izquierdo, J.J. Armas Marcelo, Esther Bendahan...). Los amigos que nos visiten y que así lo quieran, puedan llevarse el libro con la dedicatoria de su autor con un 10% de descuento». É caso para se perguntar: não queres passar a noite comigo? A Marcial Pons é essencialmente uma livraria jurídica. Mas, já agora, e não só...
Línguas de fogo
Qual parábola, José Miguel Júdice reviveu ontem no jornal «Público» a história de Cristo, lembrando os Pedros, os Barrabás e os Pilatos. Percebe-se quem ele quer visar com esta descida aos Evangelhos. Li-o. Sou amigo dele, mas nem sempre tenho paciência para Bastonários ou para ex-Bastonários e, por isso, custou-me lê-lo. Sei quanto ele sofre neste momento, e sei da sua agonia neste Calvário que é a nossa profissão. Sei tudo, mesmo aquilo que nem quero saber. Mas, José Miguel, deixemos os personagens bíblicos em paz. Que te ilumine o Divino Espírito Santo, para que tu não invoques o Santo Nome de Deus em vão.
Cabecinhas pensadoras
O ex-Director da PJ, juiz conselheiro Santos Cabral, está ofendido pois o ministro da Justiça disse no Parlamento que «não queremos ter uma pilha de processos dos quais um número enorme acaba arquivado, sem acusação e sem julgamento». Perante tais declarações, é curioso que os do MP, e é o MP quem conduz a acção penal, estejam calados, como se aquilo não fosse com eles. Uma vez que receberam o bónus de um MP à frente da PJ, estarão ainda a pensar no que dizer? Pois é bom que pensem e pensem bem. É que uma coisa é certa: em matéria de processos arquivados, o Dr. Alberto Bernardes Costa, sabe do que fala. Olá se sabe.
Vai acima, vem abaixo, vai ao fundo!
O novo director-geral da PJ vai ser empossado pelo Primeiro-Ministro. Quem pensar que aquilo que anda a ser feito na Justiça não corresponde a ordens de cima, que se desiluda! Ordens de cima e para deitar abaixo, eis o que é.
Prolegómonos para uma dogmática jurídico-tauromáquina do crime impossível
Com a devida vénia e pelo seu intrínseco valor hermenêutico, transcrevem-se [por me haverem comunicados por mão amiga] extractos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII (2002), tomo 2, pagina 142 e seguintes: «O Ministério Público deduziu acusação pela prática de crime de ameaças porque "durante uma discussão, o arguido ameaçou o ofendido, dizendo que lhe dava um tiro nos cornos". "Com tais palavras o visado sentiu intranquilidade pela sua integridade física ". O Juiz (de julgamento) decidiu não receber a acusação "porque inexiste crime de ameaças (...) simplesmente pelo facto de o ofendido não ter «cornos», face a que se trata de um ser humano. Quando muito, as palavras poderiam integrar crime de injúrias, mas não foi deduzida acusação particular pela prática de tal crime". O Ministério Público recorreu da decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acolhido o seu recurso, dando-lhe razão, remetendo-se o processo para julgamento, entre outros, pelos motivos que de seguida se descrevem, em breves extractos. "Como a decisão (recorrida) não desenvolve o seu raciocínio - talvez por o considerar óbvio -, não se percebe quais as objecções colocadas à integração do crime. Se é por o visado não ter cornos estar-se-ia então perante uma tentativa impossível? Parece-nos evidente que não." "Será porque por não ter cornos não tem de ter medo, já que não é possível ser atingido no que não se tem ?" "Num país de tradições tauromáquicas e de moral ditada por uma tradição ainda de cariz marialva, como é Portugal, não é pouco vulgar dirigir a alguém expressão que inclua a referida terminologia. Assim, quer atribuindo a alguém o facto de "ter cornos" ou de alguém "os andar a pôr a outrem" ou simplesmente de se "ser como" (...) tem significado conhecido e conotação desonrosa, especialmente se o seu detentor for de sexo masculino, face às regras de uma moral social vigente, ainda predominantemente machista". "Não se duvida que, por analogia, também se utiliza a expressão "dar um tiro nos cornos" ou outras idênticas, face ao corpo do visado, como "levar nos cornos", referindo-se à cabeça, zona vital do corpo humano. Já relativamente à cara se tem preferido, em contexto idêntico, a expressão «focinho»". "Não há dúvida de que se preenche o crime de ameaças (...) uma vez que a atitude e palavras usadas são idóneas a provocar na pessoa do queixoso o receio de vir a ser atingido por um tiro mortal, posto que o local ameaçado era ponto vital"». Ainda eu me ria daquele velho Conselheiro, hoje já jubilado, quando, divertido, lembrava os seus tempos de delegado interino do Procurador da República, cargo que hoje sumiu, e lançado numa comarca rural ali vira deduzido pelo seu antecessor libelo público em que se dizia que «António dirigindo-se a Bento, aos gritos de que lhe partiria os cornos, gesto que consumou de seguida (...)»! A tradição jurídica, como se vê, neste particular do Direito Pátrio, já vem de longe.
Mudar de vida
Normalmente antes das férias judiciais acelera tudo! O correio ajouja-se de notificações, a agenda sobrecarrega-se de diligências. Agora que os dias são mais longos, as noites mais curtas, parece que já nem fora de horas consigo ter nada em dia. Claro que há o fax até à meia-noite, como a Cinderela que a partir dessa hora fica descalça. Quando for grande quero uma profissão em que os prazos sejam só ordenadores. Não é para me porem o serviço na ordem, é para eu poder desligar-me da Ordem e mudar de vida para não ficar sem ela.
Escutas e audiência
Como articular as escutas telefónicas com a publicidade da audiência quando naquelas se trata, afinal, da devassa da privacidade? Eis o que muito argutamente se pergunta no blog «O meu monte». Não tenho resposta, mas adiro à questão. As escutas são um meio excepcionalmente intrusivo, surpreendendo embaraçosamente quem fala, às vezes - aí o embaraço é maior - a falar de quem escuta! Mas como diz o povo: quem escuta de si ouve. Em tempos, nem sei paa quê, escrevi uma ideias sobre isso. Esta que acima fica é nova e interessante. É mais uma para quem de Direito pensar, se estiverem dispostos a escutar, do que muitas vezes duvido.
O MP e o cântico negro
Os do Ministério Público acham que a Lei-Quadro da Política Criminal é uma forma de receberem ordens. Qual soldadesca na caserna, lêem-na como magalas consultam a ordem do dia, antecipando as guias de marcha. Funesta ilusão... A Lei Quadro não é isso! O que ela vai ser é uma forma de o poder político lhes dizer por onde é que não devem ir. Após ela, cada procurador em cada comarca já sabe. É como no «Cântico Negro» do José Régio: «Não sei por onde vou, não sei para onde vou, sei que não vou por aí!»
O direito ao silêncio
Se um dia eu enlouquecer com isto que vivo e por isto que vejo, tenham piedade e não façam disso notícia. Não é por o assunto o não merecer, é só mesmo por respeito a eu ser uma pessoa. Se alguém me quiser visitar, faça-o no silêncio do seu coração. No mais, que não haja mais a dizer.
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