Foi apresentado, debatido e aprovado nos dias 30 e 31 de Outubro o Programa do XXII Governo Constitucional. Cita-se o que está previsto para a área da Justiça. Não que tudo quanto se prevê se realize e também não que tudo quanto se realize siga o previsto, pois há as circunstâncias, entre as da política, a dos meios e das contigências. Com esta reserva aqui fica o que está na perspectiva governamental.
Tornar a Justiça mais próxima dos cidadãos, mais eficiente, moderna e acessível
Uma Justiça ao serviço dos direitos dos cidadãos e do desenvolvimento económico-social tem de ser, em primeiro lugar, eficiente. Eficiência exige celeridade das decisões e um modelo de funcionamento simplificado, que permita a todos os cidadãos aceder à Justiça em condições de igualdade. A morosidade e a complexidade processuais, bem como o atual sistema de custas processuais são um obstáculo à plena realização dos direitos e também um entrave ao desenvolvimento económico. É vital implementar soluções modernas, simples e eficientes. Com este objetivo, o Governo irá:
• Implementar um sistema de apoio judiciário mais efetivo, apto a abranger aqueles que efetivamente dele necessitam e que, simultaneamente, assegure uma boa gestão dos recursos públicos, com garantia da qualidade dos profissionais que prestam esse serviço, fomentando a sua formação contínua e a troca de experiências entre si;
• Reduzir as situações em que as custas processuais importam valores excessivos, nos casos em que não exista alternativa à composição de um litígio;
• Melhorar a formação inicial e a formação contínua dos magistrados, de forma desconcentrada e descentralizada e com especial enfoque na matéria da violência doméstica, dos direitos fundamentais, do direito europeu e da gestão processual;
• Garantir que o sistema de Justiça assegura respostas muito rápidas, a custos reduzidos, acrescentando competências aos julgados de paz e maximizando o recursos aos sistemas de resolução alternativa de litígios;
• Desenvolver novos mecanismos de simplificação e agilização processual nos vários tipos de processo, designadamente através da revisão de intervenções processuais e da modificação de procedimentos e práticas processuais que não resultem da lei, pese embora signifiquem passos processuais acrescidos resultantes da prática judiciária;
• Aumentar a capacidade de resposta da jurisdição administrativa e tributária, tirando pleno partido das possibilidades de gestão e agilização processual, designadamente quanto a processos de massas;
• Criar mecanismos mais céleres em matéria de urbanismo e proteção do ambiente;
• Manter um esforço permanente de informatização dos processos judiciais, incluindo nos tribunais superiores, continuando a evoluir na desmaterialização da relação entre o tribunal e outras entidades públicas, e assegurando a gestão pública e unificada do sistema CITIUS;
• Assegurar a citação eletrónica de todas as entidades administrativas e a progressiva citação eletrónica das pessoas coletivas, eliminando a citação em papel;
• Melhorar os indicadores de gestão do sistema de justiça de modo a ter informação de gestão de qualidade disponível para os gestores do sistema, bem como mecanismos de alerta precoce para situações de congestionamento dos tribunais;
• Fomentar a introdução nos processos cíveis de soluções de constatação de factos por peritos ou técnicos, por forma a evitar o recurso excessivo à prova testemunhal ou a peritagens;
• Reforçar significativamente, até ao final da legislatura, o número de julgados de paz, em parceria com as autarquias locais, entidades intermunicipais e outras entidades públicas, alargando as suas competências e criando também julgados de paz especializados, a funcionar de forma desmaterializada, designadamente em questões de regulação do poder paternal, condomínio e vizinhança;
• Reforçar os sistemas de mediação públicos e o acesso à mediação, designadamente familiar e laboral;
• Reforçar a ação dos centros de arbitragem institucionalizados para a resolução de conflitos administrativos enquanto forma de descongestionar os tribunais administrativos e fiscais e de proporcionar acesso à justiça para situações que, de outra forma, não teriam tutela jurisdicional efetiva;
• Assegurar os investimentos necessários ao robustecimento tecnológico com vista ao reforço da qualidade e a celeridade do serviço prestado nos registos públicos, quer nos serviços presenciais, quer nos serviços desmaterializados, apostando na simplificação de procedimentos, em balcões únicos e serviços online.
Aumentar a transparência e o escrutínio na administração da justiça
A administração da justiça é um serviço público que integra o cerne do Estado de Direito Democrático. Por isso, a justiça – nas suas várias dimensões e, em especial, no que se refere ao seu funcionamento e resultados – deve atuar de forma transparente e ser plenamente escrutinável pelos cidadãos. Neste âmbito, o Governo irá:
• Assegurar aos cidadãos, de dois em dois anos, um compromisso público quantificado quanto ao tempo médio de decisão processual, por tipo de processo e por tribunal;
• Criar bases de dados, acessíveis por todos os cidadãos, que incluam também informação estruturada relativa aos conteúdos das decisões (não apenas a decisão em si, mas o sentido das decisões em termos estatísticos: por ex., percentagem de casos em que são aplicadas sanções acessórias), números de processos distribuídos por tipo de processo por tribunal, tempo médio das decisões em cada tribunal em função da natureza do processo, etc.;
• Reforço das competências de gestão processual nos tribunais, enquanto condição necessária para garantir a prestação aos cidadãos de um serviço de justiça atempado e sem desperdício de recursos;
• Simplificar a comunicação entre tribunais e outras entidades públicas, bem como a comunicação direta com os cidadãos, aproveitando as comunicações obrigatórias para dar informação sobre a tramitação processual em causa, eventuais custos associados e alternativas de resolução;
• Assegurar que as citações, notificações, mandados ou intimações dirigidas a particulares utilizam sempre linguagem clara e facilmente percetível por todos os cidadãos.
Criar condições para a melhoria da qualidade e eficácia das decisões judiciais
As decisões judiciais têm uma legitimidade própria, que lhes é conferida pela Constituição e pela lei. Contudo, e sendo essa legitimidade indiscutível, têm de ser criadas todas as condições – legais, materiais e outras – para as tornar efetivas, melhorar o processo de decisão e aumentar a aceitação das sentenças pela comunidade, designadamente em setores como a justiça penal, de família e laboral. Para o efeito, o Governo irá:
• Aumentar os modelos alternativos ao cumprimento de pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional, em especial para condenados aos quais se recomende uma especial atenção do ponto de vista social, de saúde ou familiar;
• Reforçar a resposta e o apoio oferecido às vítimas de crimes, em parceria com entidades públicas e privadas, e melhorar o funcionamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes;
• Investir na requalificação e modernização das infraestruturas prisionais e de reinserção social, bem como no acesso a cuidados de saúde da população reclusa, designadamente ao nível da saúde mental;
• Melhorar o sistema de registo criminal, garantindo a conexão entre bases de dados públicas (ex. registo criminal de pessoas condenadas por crimes de abuso sexual de menor e serviços que implicam contactos com crianças e jovens), clarificando as respetivas consequências em articulação com o sistema de execução de penas;
• Criar um corpo de assessores especializados para os tribunais e investir na sua formação inicial e contínua, a funcionar de forma centralizada, designadamente em matérias cuja complexidade técnica aconselha a existência de um apoio ao juiz;
• Garantir adequada formação inicial e contínua aos oficiais de justiça, com reforço da capacitação e valorização das respetivas competências;
• Agilizar o tempo de resposta em matéria de perícias forenses e demais serviços no âmbito da medicina legal;
• Permitir e incentivar a composição por acordo entre a vítima e o arguido, nos casos em que não existe outro interesse público relevante;
• Aumentar o leque de crimes em que é possível o ofendido desistir da queixa;
• Permitir a suspensão provisória do processo para um número mais alargado de crimes, desde que todas as partes estejam de acordo;
• Revisitar o conceito e a forma de quantificação dos danos não patrimoniais, no sentido de corresponderem a uma efetiva tutela da pessoa e da dignidade humana.