Último dia do ano. A comunicação social e as redes sociais estão carregadas de balanços da década e promessas para o que se inicia amanhã. Fazem-se listas dos top's no sucesso e na desgraça. Acho que, nessa matéria, para além de falar de mim, não me sinto habilitado a muito mais e eis o que estas linhas pretendem significar.
Termino 2019 com a revitalização deste espaço, que iniciei em Janeiro de 2005, e sinto-me gratificado com isso, no que tal significa esperança e esforço numa idade em que há a tentação do desespero ou do descanso.
Sei, porém, em que medida fiquei aquém. Tinha pensado regressar à escrita que circunstâncias da vida fizeram interromper, mas apenas consegui uns dispersos, sem expressão de maior, e sem ter encontrado ainda o fio condutor do pensamento que me assegure a ideia, ilusória seja, da originalidade e sentir assim, com fundamento, ter algo que valha a pena ser lido. Entro o ano com esse projecto prometido.
Numa faceta mantive-me fiel a um princípio que anunciei no pórtico deste blog, não trazer para aqui o que tivesse a ver com a minha profissão. Por mais difíceis que tenham sido os momentos que nela vivi, por mais sentido fizesse vir por vezes aqui prestar esclarecimentos sobre os casos que me são confiados e que, como advogado, senti amiúde exigiam explicação ou melhor informação quanto ao modo como se desenrolavam, nunca o fiz, porém. Por maioria de razão, somado isso ao respeito pelo mínimo ético dessa mesma profissão, nunca comentei em público os casos profissionais dos outros, valha também nisso o apreço devido à minha modesta inteligência que se recusaria a falar do que não sei.
Advogado, continuo advogado e disso me honro; ao encerrar o ano dos meus 70 anos, pressinto que não saberia ter outra profissão na área forense: nunca a procuradoria, no que isso significaria agir por regra em prol da acusação, impedido estaria agora de pedir absolvições quando as julgasse de justiça, até porque há um espírito de contida rebeldia no meu ser que o incompatibilizaria com a ideia de hierarquia funcional; nunca a judicatura, no que tal exige julgar o meu semelhante através dos factos que ele terá praticado, já que há em mim uma noção da incapacidade de condenar todos pecados sabendo-os alguns passíveis de serem meus, incapaz, por isso de uma tal responsabilidade.
Sou advogado que é a minha área natural, a profissão liberal, vivida, em contra-ciclo, neste mundo contemporâneo da indústria jurídica, em que a advocacia foi tornada empresarial, em regime de prática isolada.
Servi, quando convocado, a minha Ordem e esgota-se este ano o último contributo: estive no executivo, porque duas vezes no Conselho Geral, no jurisdicional, porquanto duas vezes no Conselho Superior, na segunda como Presidente, e enfim, no consultivo, presidindo no mandato do Bastonário Guilherme Figueiredo, ao Gabinete de Política Legislativa.
Trabalho, porque me sinto válido para isso, e porque tenho encargos que o exigem e tento fazê-lo com gosto, vencendo as contigências das minhas limitações e daquelas em que o meio se tornou.
Tento que a vida seja mais do que a profissão, mais do que a vida jurídica, procuro portanto, pois há mais mundos, pela leitura e pela escrita, ser um outro ser, indiferente aos que me aconselhem a não mostrar esse outro lado tão pessoal, e a acantonar-me, sim, à tecnocracia da profissão ou à reclusão talar da reserva dos cargos, a primeira rendosa, a segunda defensiva: exponho-me como pessoa.
Terei um dia, e os anos somam, diminuindo, antecipada pena do que ficar, mas mais ainda do que não tiver vivido. Cada ano é, nisso uma benção, ao renovar a esperança de que ainda há tempo, e o meu tempo é sempre o tempo de hoje.
Em paz comigo, descontadas as nódoas negras sentimentais e aquilo em que o ânimo alquebra, encaro a vida com 22 anos de entusiasmo, como quando então dei os primeiros passos no mundo do Direito, o pequeno escritório de advogado na comarca de Sintra, os livros jurídicos de filho de solicitador. Bom Ano, pois!