Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Fraude e evasão fiscal: um estudo

Com a devida vénia, transcrevemos do indispensável «site» Verbo Jurídico o sumário de um estudo elaborado pelo advogado Francisco Vaz Antunes no âmbito de um curso de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, cujo testxo integral pode ser ali obtido.
«1. Os impostos destinam-se, prima facie, à obtenção de receitas para a satisfação das necessidades públicas portadoras de vantagens claras para as populações. Mas constituem, também, um veículo fundamental para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os cidadãos. Não é, por isso, moralmente indiferente que os cidadãos recebam os benefícios do Estado sem pagar, ou que actuem fraudulentamente para não pagar a correspondente contraprestação;
2. Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade fiscal;
3. Os comportamentos subsumíveis em situações de evasão fiscal ilícita podem redundar na aplicação, por vezes cumulativa, de sanções de natureza preventiva (por exemplo o vencimento total e imediato de todas as dívidas fiscais pagas em prestações, por incumprimento de uma delas), reconstitutiva (a execução fiscal ou a anulação dos actos ou negócios ilegais, vg. simulados), compulsória (juros fiscais de mora), compensatória (juros fiscais compensatórios) e punitiva (coimas, multas e penas de prisão);
4. O planeamento fiscal não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica. As próprias leis tributárias contêm normas denominadas de desagravamento (normas negativas de tributação), nomeadamente exclusões tributárias, deduções específicas, abatimentos à matéria colectável, reporte de prejuízos, isenções fiscais, benefícios fiscais e zonas francas de baixa tributação
5. A evasão e a fraude fiscal podem ser combatidas através da utilização de medidas preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso. São também fundamentais o levantamento do segredo bancário, a flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis tributárias e celeridade na sua aplicação
6. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo que é dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado. O bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou Erário Público.
7. Os esquemas fraudulentos utilizados pelos contribuintes para se eximirem ao pagamento dos impostos, ou obterem reembolsos indevidos são diversos. Alguns dos mais praticados destinam-se a evitar o pagamento do IVA ou obter o seu reembolso indevido.
8. Com a consignação expressa do crime de fraude fiscal praticado mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes, por operações verdadeiramente inexistentes, o legislador veio admitir claramente a hipótese de o crime de fraude fiscal poder ser praticado através da denominada simulação absoluta, conforme já era defendido por alguma doutrina antes da entrada em vigor do RGIT.
9. A lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005 procedeu também à alteração de várias disposições dos diplomas fiscais. Com tais medidas o Governo mostra vontade em combater os fenómenos de evasão e fraude fiscal, mas, inexplicavelmente, extinguiu também medidas já existentes e cuja ratio era precisamente promover esse combate. É o caso do benefício fiscal assente na possibilidade de dedução À colecta do IVA suportado com determinadas despesas, agora revogado».

Despachos do relator em recurso: sua natureza

Interessante fórmula e com valia pedagógica, a do Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 1310/05-5, relator Santos Carvalho] quando estatuiu que «o despacho proferido pelo relator do Tribunal da Relação não “transitou” em julgado em sentido técnico-jurídico, pois a Relação é um tribunal colegial e as suas decisões são os acórdãos e não os despachos do relator. Destes cabe reclamação (e não recurso) para a conferência e esta é que decide por acórdão (recorrível)».

O «benefício» do recurso de co-arguidos

Enfim jurisprudência que põe termo a um pesadelo, decorrente de um ilogismo legal. Nos termos do artigo 402º, n.º 2, alínea a) do CPP, o recurso interposto por um dos arguidos, salvo se fosse fundado em motivos estritamente pessoais, «aproveita aos restantes». Daqui derivava que o arguido não recorrente [por se haver conformado com a sentença] não via transitar em relação a si o aresto quando o mesmo tivesse sido recorrido por um co-arguido. Ou seja, em nome do eventual benefício aos comparticipantes não recorrentes, causava-se-lhes o prejuízo de ficarem meses a fio privados dos benefícios de que goza um condenado em cumprimento de pena [saídas precárias, liberdade condicional, etc.], pois continuavam em prisão preventiva até se decidirem os recursos que eventualmente lhes estenderiam as ditas hipotéticas vantagens. De nada valia o não recorrente consignar que renunciava a qualquer benefício emergente do recurso de co-arguido e mais e entendia que ao caso se não aplicava a separação de processos prevista no artigo 30º, n.º 1, alínea a) do CPP. Eis pois uma situação de injustiça que que agora deixa de existir, pois que, como sentenciou o Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 2546/05-5, relator Santos Carvalho] «desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP). (...) O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva». É de aplaudir, mas fica um aparte: até os tribunais terem aberto este caminho, ficou, a ensombrar a Justiça um cortejo de sofrimento e de revolta dos arguidos que se prejudicaram por actos que não eram seus e para os quais o sistema já não encontrou uma satisfação. Serão os danos colaterais da luta pelo Direito, vítimas individuais de que não curam as grandes princípios, mas no entanto, tal como nas guerras, choca pensar que a paz não chegou a tempo de evitar a morte àqueles que perderam a vida por uma causa que perdeu interesse.

O plano de reflorestação

Há na clássica piada sobre a melhor maneira de ajudar um advogado a descer de uma árvore que é o cortar a corda uma ambiguidade latente, cuja dilucidação marca um mundo de diferença filosófica. Uns ouvem-na, à estafada graçola, a imaginar os advogados de facto ali pendurados, outros a desejar vê-los efectivamente assim. Na base aparente deste diferenciado modo de ver está a dicotomia entre o ser e o querer, no substracto real está a distinção entre os que lamentam o suicídio e os que desejam o homicídio. Tal como o disse «Dick the Butcher» pela boca de William Shakespeare: «the first thing we do, let's kill all the lawyers!» [Henry VI, Parte 2, acto iv: cena ii]. Cuidado, que anda por aí gente a plantar árvores!.

O problema do «já»

«A partir de agora, já é possível criar empresas na hora», dizem muito entusiasmados os jovens do blog «iuris», que também se chama «contrario sensu». Depois lê-se a norma de aplicação no tempo do Decreto-Lei n. º 111/05 que isso proclamou com tanta enfâse e verifica-se que algumas das normas do mesmo só entram em vigor mais tarde, algumas só no próximo ano. É isto que o Direito tem da magnífico, a capacidade de encantar a ingenuidade dos voluntaristas. Entre o «já» que os políticos anunciam com aparente convicção e o «logo se vê» da folha oficial ainda vai uma grande distância. O tempo da norma final e transitória...

Julga quem julga

Este blog tem sido até aqui um espaço essencialmente informativo, com algum apêndice crítico em relação ao que se escreve. Tenho evitado a dimensão polémica, por me parecer que a blogoesfera já contém aerópagos suficientes para isso. Mas talvez fosse interessante dar alguma oportunidade à reflexão.
A ideia proporcionou-se por causa de um comentário a um postal recente, onde vinha: o STJ [em suma, os tribunais superiores] julga quem julgou. É uma aproximação interessante à psicologia judiciária. Admito que tenha sido uma forma retórica de escrever, um adjuvante argumentativo por causa do raciocínio que estava em causa no momento, aliás amável, em que a frase surgiu. Mas uma tal expressão, a traduzir uma verdade, abre um mundo de cogitações! Visto o mundo de baixo para cima, imagine-se o sentimento de quem decide sabendo-se posto em causa por via do seu trabalho, aprovado ou reprovado. Pense-se na emulação de todos os que veêm o seu trabalho confirmado ou infirmado em sede de recurso. Encarado do ângulo dos tribunais [por isso mesmo] superiores, quanta medida de apreço ou de demérito pelo critério dos outros, os que antes julgaram, não estaria assim presente em cada acórdão. Claro que todos sabemos que, como na literatura, não está em causa nos recursos o homem mas a a obra. Claro que é evidente que quando se julga, julga-se uma culpa e aqui avalia-se uma rectidão. Claro que é a língua portuguesa quem, com a sua generalizada polissemia, nos leva a estes momentos de confusão semântica entre o julgar e julgar. Mas é pelo menos sintomático quando se lê que nos recursos se julga quem julgou. A ser ainda que minimamente verdadeira a noção, nas peças processuais de recurso urge então que os causídicos as findem, não com o clássimo clamor por «Justiça!», mas por ventura com um «Não levem a mal!». Um bom domingo a todos.

O «habeas corpus»: uma doutrina «actual»

Mais um acórdão do STJ [proc. n.º 2551/05-5, relator Simas Santos] a lembrar que «para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça». Bem sabem que assim é os que sofreram prisões ilegais. E pois que é assim, e o «habeas corpus» é configurado não como um recurso, mas sim como uma providência ou um remédio, basta que o autor da ilegalidade da prisão faça cessar a mesma, branqueando-se a situação no dia em que o STJ a conhecer, para que tudo esteja então conforme e nada possa ser feito através deste instituto. O expediente tem tradição. Já vinha assim no parágrafo único do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945: «Só pode haver lugar à providência referida neste artigo [habeas corpus] quando se trate de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer dos seguintes motivos (...)». Nessa altura, para que ficasse claro do que se falava, escreveu-se no preâmbulo do diploma legal: «com a cessação da ilegalidade da ofensa fica realizado o fim próprio do habeas corpus». Assinavam o diploma Manuel Cavaleiro de Ferreira e António de Oliveira Salazar. Cumpria-se a Constituição de 1933. Tudo fazia sentido.

Responsabilidade das pessoas colectivas

Discutível ainda o problema da responsabilidade penal das pessoas colectivas, mas discutível ainda mais a questão da sua responsabilização a nível contra-ordenacional. Relevante, por isso, a posição do Procurador junto da Relação de Lisboa, Paulo Antunes, quando [no âmbito do processo n.º 8030/05 9ª S.] escreveu que: «em sede de direito contra-ordenacional, a punição das pessoas colectivas não constitui mais que o resultante de um pensamento analógico, sendo sabido que apenas as pessoas singulares são susceptíveis de culpa – neste sentido, prof. Figueiredo Dias, em Sobre o Fundamento, Sentido e Aplicação das Penas em Direito Penal Económico, Textos Doutrinários, Coimbra editora, 1998, vol. I, p. 381. A censura que decorre da condenação feita à pessoa colectiva existe por esta não ter organizado as suas actividades de modo adequado a prevenir a violação de normas legais - daí que a autoridade administrativa tenha levado tal apenas à medida da coima, talvez no pressuposto de tal implicar uma inversão do ónus da prova, a cargo da recorrente, o qual não parece ter sido conseguido. Com efeito, a recorrente não provou qualquer forma de erro, única hipótese prevista no art. 8.º n.º 2 da L.Q.C.O., como possível para que fosse de julgar como sendo de afastar a sua responsabilidade. De facto, não pondo em causa que os factos foram praticados pelo seu motorista(1), defende a exclusão da responsabilidade por este ter actuado contra as suas ordens, citando, a propósito, parecer do Conselho Consultivo da P.G.R.. Ora este parecer reporta-se a outra noutra regra – o art. 3.º do Dec-Lei n.º 28/84 – que diz respeito a responsabilidade criminal, em que se contém um n.º 2 no sentido que defende, o qual não consta, nem se crê que seja aplicável aplicar em matéria contra-ordenacional. Mais foi dado como assente que o motorista actuou “no seu interesse”, o que parece, a propósito, bastar. De tudo o exposto, parece ser de manter a condenação, face à regra constante do art. 7.º n.º 2 do R.G.C.O., norma da qual decorre ser possível impor a responsabilidade à pessoa colectiva por actos dos seus “órgãos”. O dito parecer do C.C. da P.G.R. também se pronuncia sobre o que é “órgão” de uma pessoa colectiva - conceito também acolhido no n.º 2 do art. 7.º do R.G.C.O -., como um conceito amplo, sendo de interpretá-lo como aplicável àquele que aja em nome da pessoa colectiva, como é o gerente, ou o administrador de loja, e, sendo assim, também será o dito motorista, que, ao conduzir o veículo em excesso de carga, por si agia. No entanto, a jurisprudência tem vindo a exigir que seja explicitada o elemento subjectivo, o que colhe certa cobertura no disposto no art. 8.º n.º 3 e 58.º n.º 1 al. b) da L.Q.C.O., criticando a posição assumida pela autoridade administrativa como sendo de “jus deserts” ( assim, entre outros, o acs. da Relação do Porto de 30/4/04, no proc. 0413139, e da Relação de Lisboa de 28/4/04 no proc. 1947/07-3 e de 14/10/04 no proc. 4818/04-9 ). Parece não ser assim de entender, atentos os fins da punição por contra-ordenação, os quais têm uma menor ressonância ética. No entanto, nesse caso é apenas de determinar o reenvio para apuramento dessa questão, nos termos do art. 426.º n.º 1 do C.P.P.. Nestes termos, parece que o recurso é de julgar conferência, sendo de improceder. (1)De notar que, apesar de inicialmente este ter sido também autuado, não foi já pessoalmente sancionado pela autoridade administrativa, e pode ser que bem, face ao que se dispõe no art. 7.º n.º 2 do R.G.C.O., embora segundo a opinião de Isabel Marques da Silva em Responsabilidade Penal Comutativa, ed. da Universidade Católica, p. 80, devesse ter ocorrido também a sua punição, a fim e evitar situações de impunidade, tanto mais que se tratava de um delito comissivo por acção».

Advogados denunciantes: branqueamento de capitais

A questão coloca-se em Ingaterra. Os advogados enfrentam a cruel alternativa de cometerem o crime de não denunciarem os seus clientes em casos em que pode estar em causa o branqueamento de capitais ou de serem por eles processados civilmente, se o fizerem. O tema vem referido no último número da «Law Gazette» [http://www.lawgazette.co.uk/home.law], tal como o lembra o interessante «Correio jurídico» que a nossa Ordem dos Advogados circula pela classe, por email. Prevenindo o pior, aqui fica a menção.

Justo impedimento: indisponibilidade dos autos

É sempre motivo de atenção por parte dos advogados a jurisprudência sobre justo impedimento. Perseguidos pelos prazos às vezes há razões inesperadas para os não cumprirem. Assume, por isso, particular interesse a doutrina estatuída pelo Acórdão do Trinunal da Relação do Porto de 15 de Junho de 2005 [proferido no processo n.º 12 633/05 , relator Manuel Braz], segundo a qual «se o arguido, notificado da acusação, pretende consultar autos do processo, com vista a ponderar a possibilidade de requerer a abertura de instrução, e o processo não se encontra disponível na secção respectiva, por estar concluso ao juiz, a demora no acesso ao processo por tal motivo pode constituir fundamento de justo impedimento».
P. S. Lembro sempre, quando escrevo sobre isto, o sintomático passo do Acórdão da Relação de Lisboa de 15.10.91 [proferido no processo n.º 1578], segundo o qual «a morte do mandatário, na forma indicada, não é motivo de justo impedimento». Naturalmente.