Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Acontece!

O senhor juiz leu a sentença oralmente mas não a depositou na secretaria; por ventura tê-la-à lido «por apontamento». Passa o tempo. Nos termos da lei, o prazo para recorrer corre do dia do depósito da dita peça processual na mencionada secretaria. Só que esta entende que não é obrigada a notificar do dito depósito. Vai daí a parte desdobra-se em visitas ao tribunal a perguntar em cada dia se foi hoje. Passa entretanto o tempo. A secretaria aborrece-se com a parte, a parte cansa-se da secretaria. Um dia, quando der por ela, o prazo para recorrer já passou. O senhor juiz tinha depositado a sentença, entretanto. Não é fantástico? Pois é, mas dizem-me que para além de fantástico, aconteceu.

O direito à indignação emigrou?

Eu sei que é uma área reservada do «site» da Ordem dos Advogados. Mas não será inescrupuloso trazer a público esta menção. Um dos capítulos desse «site» é dedicado à «indignação profissional». Duas solitárias queixas, e nada mais por ali há. Será que os advogados perderam a capacidade de indignação, ou será que foram indignar-se para outro lado? Responda quem souber.

A PSP ao serviço da Ordem dos Advogados?

A Ordem dos Advogados contava com a colaboração da PSP para que esta fizesse diligências no âmbito do combate à procuradoria ilícita, a pedido dos Conselhos Distritais. Esta recusou. A Ordem insiste, em parecer [E-9/05] do seu Conselho Geral, de 17 de Junho, no sentido de ter razão face ao artigo 8º do seu Estatuto e espera que, abordada institucionalmente aquela força policial, a questão se resolva. Veremos.

Fraude ao IVA: responsabilidade solidária

De leitura obrigatória, o Despacho n.º 14 839/2005 MF (2.ª série), de 16 de Junho de 2005 / Ministério das Finanças.referente às transmissões de bens em que é aplicável o regime de responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a que se refere o artigo 72.º-A do Código do IVA de 1984 [provado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, tem a última redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 111/2005, de 8 de Julho]. Vem publicado na II série nº.129 de 7 Julho 2005, página 9801.
Lembra-se que o citado artigo 74.º-A do Código do IVA foi aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (orçamento do Estado para 2005) tendo em vista o combate à fraude no IVA.

Estelionato, a burla brasileira

Curiosa situação, vem reportada no blog Juris [http://doc.jurispro.net/]: no Brasil foi acusado de «estelionato» o o jovem que enviou mensagens, em nome de bancos, com cavalos de tróia, para capturar informações dos utilizadores. O autor do blog menciona que não temos este crime tipificado. Na tipificação brasileira, trata-se de alguém «obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento». Trata-se, enfim, da nossa burla.

DisLEXias: um blog necessário

Depois de três meses parado, na ânsia de actualizar este blog, verifico que muitos dos bogs jurídicos estão em letargia, outros espraiam-se pela política e pela cultura, escapando-se do Direito. Um surgiu entretanto, sóbrio, informativo e como tal necessário: http://dis-lex-ias.blogspot.com/. Parabéns e ânimo!

Assistente penal por falsidade de depoimento

É de facto uma especialidade nossa o conceito de assistente em processo penal, aquele que se encontra em juízo não por uma razão privada visando o ressarcimento dos danos sofridos pelo crime, mas sim por razões penais, auxiliando [muito limitadamente] o MP. Situação complexa, a complicação aumenta quando se pretende concretizar quem tem, em relação a certos crimes, legitimidade para integrar tal estatuto, nomeadamente na veste de ofendido. Interessante é, por isso mesmo, o Acórdão do STJ de 12.07.05 [proferido no processo n.º 2535/05, 5.ª Secção, relator Simas Santos] quando sentencia que «o vocábulo "especialmente" usado pela Lei [jab: artigo 68º, n.º 1, alínea a) do CPP] significa, pois, de modo especial, num sentido de "particular" e não "exclusivo", adoptando aquela o conceito estrito, imediato ou típico de ofendido (...) A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, designadamente em caso de concurso de infracções, em que se pode ser ofendido por um só dos crimes, devendo atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial, e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime [...) Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise, se é admissível a constituição de assistente. E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente, pois os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos (...) O crime de falsidade de depoimento é um crime contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação (...) Assim, se num caso concreto, o agente com a falsidade de depoimento causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente». Como ressalta, a solução, cuja bondade se entende numa lógica de maximização da intervenção, assenta numa miscigenação entre o conceito de ofendido e o lesado, pois recorta a legitimidade do primeiro pelo facto de ter sofrido «prejuízos», que é, afinal, o fundamento de legitimação do segundo.

Poderes cognitivos do STJ, uma abertura

Uma interessante abertura no que se refere ao âmbito dos poderes cognitivos do STJ a que se expressa no Acórdão deste Tribunal de 16.06.05 [proferido no processo n.º 1576/05, relator Pereira Madeira] quando determinou que «o processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do mais alto Tribunal, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui matéria de facto. Designadamente pode e deve o Supremo Tribunal de Justiça avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada».

Fraude e evasão fiscal: um estudo

Com a devida vénia, transcrevemos do indispensável «site» Verbo Jurídico o sumário de um estudo elaborado pelo advogado Francisco Vaz Antunes no âmbito de um curso de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, cujo testxo integral pode ser ali obtido.
«1. Os impostos destinam-se, prima facie, à obtenção de receitas para a satisfação das necessidades públicas portadoras de vantagens claras para as populações. Mas constituem, também, um veículo fundamental para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os cidadãos. Não é, por isso, moralmente indiferente que os cidadãos recebam os benefícios do Estado sem pagar, ou que actuem fraudulentamente para não pagar a correspondente contraprestação;
2. Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade fiscal;
3. Os comportamentos subsumíveis em situações de evasão fiscal ilícita podem redundar na aplicação, por vezes cumulativa, de sanções de natureza preventiva (por exemplo o vencimento total e imediato de todas as dívidas fiscais pagas em prestações, por incumprimento de uma delas), reconstitutiva (a execução fiscal ou a anulação dos actos ou negócios ilegais, vg. simulados), compulsória (juros fiscais de mora), compensatória (juros fiscais compensatórios) e punitiva (coimas, multas e penas de prisão);
4. O planeamento fiscal não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica. As próprias leis tributárias contêm normas denominadas de desagravamento (normas negativas de tributação), nomeadamente exclusões tributárias, deduções específicas, abatimentos à matéria colectável, reporte de prejuízos, isenções fiscais, benefícios fiscais e zonas francas de baixa tributação
5. A evasão e a fraude fiscal podem ser combatidas através da utilização de medidas preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso. São também fundamentais o levantamento do segredo bancário, a flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis tributárias e celeridade na sua aplicação
6. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo que é dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado. O bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou Erário Público.
7. Os esquemas fraudulentos utilizados pelos contribuintes para se eximirem ao pagamento dos impostos, ou obterem reembolsos indevidos são diversos. Alguns dos mais praticados destinam-se a evitar o pagamento do IVA ou obter o seu reembolso indevido.
8. Com a consignação expressa do crime de fraude fiscal praticado mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes, por operações verdadeiramente inexistentes, o legislador veio admitir claramente a hipótese de o crime de fraude fiscal poder ser praticado através da denominada simulação absoluta, conforme já era defendido por alguma doutrina antes da entrada em vigor do RGIT.
9. A lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005 procedeu também à alteração de várias disposições dos diplomas fiscais. Com tais medidas o Governo mostra vontade em combater os fenómenos de evasão e fraude fiscal, mas, inexplicavelmente, extinguiu também medidas já existentes e cuja ratio era precisamente promover esse combate. É o caso do benefício fiscal assente na possibilidade de dedução À colecta do IVA suportado com determinadas despesas, agora revogado».

Despachos do relator em recurso: sua natureza

Interessante fórmula e com valia pedagógica, a do Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 1310/05-5, relator Santos Carvalho] quando estatuiu que «o despacho proferido pelo relator do Tribunal da Relação não “transitou” em julgado em sentido técnico-jurídico, pois a Relação é um tribunal colegial e as suas decisões são os acórdãos e não os despachos do relator. Destes cabe reclamação (e não recurso) para a conferência e esta é que decide por acórdão (recorrível)».