Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Falta de material

Ei-lo, o admirável mundo novo dos neologismos, o das palavras mais vistosas do que as ideias! O projecto chama-se: "Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na Justiça". Vem no «site» do Ministério da Justiça e dele se fazem eco os «sites» jurídicos, tudo ressoando na desconfiada imprensa generalista. O que eu não consegui encontrar foi o dito projecto, para saber do que se trata. Será que se desmaterializou?

1240 vagas para Direito

Segundo o http://suotempore.blogspot.com/: as vagas para o ano lectivo 2005/2006 no que se refere ao curso de Direito totalizam 1240: Universidade de Coimbra - Faculdade de Direito: 330 vagas; Universidade de Lisboa /Faculdade de Direito: 550 vagas; Universidade do Minho / Faculdade de Direito: 110 vagas; Universidade Nova de Lisboa / Faculdade de Direito: 100 vagas; Universidade do Porto / Faculdade de Direito: 150 vagas.

Descriminalização dos cheques

Diz-se na imprensa que em função de uma iniciativa legislativa do Governo no sentido de descriminalizar a emissão sem provisão de cheques até 150 euros, os credores ficarão prejudicados «estimando-se que os credores deixem de recuperar mais de 60 milhões de euros em dívidas». Ou eu deixei de compreender o mínimo, ou ainda me pergunto se a lei não poderia conter uma norma no sentido do prosseguimento do processo para efeito de conhecimento do pedido cível deduzido ou em termos de o permitir, tal como se passa com as leis de amnistia. Isto para já não falar na dedução em separado do pedido cível, pois que visto o valor, por ventura daria em nada ou sairia mais caro do que o resultado.

A justa medida

Entrar em férias com diligências judiciais a correr em férias e prazos a correr em férias quando se discutem ainda as férias dos tribunais é de facto uma experiência singular. Singular mas não única; dá apenas a medida de todas as coisas.

O crime organizado em livro

A edição vem organizada por Cyrille Fijnaut, o livro intitula-se «Organised crime in Europe, concepts, patterns and control policies in the European Union and beyond». Trata-se de uma edição da Springer Gmbh & Co., são 1074 páginas e custa 207,69 €. Trata-se de uma descrição, conceptualmente sistematizada, da regulação jurídica do crime oprganizado em treze países da Europa.

Trabalhadores eventuais

Notou o Fernando Pessoa, escrevendo acerca da «atribuição das preposições», que quanto ao verbo dever «há dele duas significações: a de obrigação, e a de probabilidade». E exemplifica que o «ele deve pagar a conta» tanto exprime que tem a obrigação de a pagar «ou provavelmente a pagará». Seguramente isso explica que tudo no Direito tenha a ver com o talvez seja. Ainda há ingénuos a filosofarem que nele se materializa, categórico, o reino do imperativo, quando, afinal, apenas mourejam, iludidos, os servidores da eventualidade.

As delicadas infracções

«O processo foi, então, repartido em vários, sábia maneira de, pela própria processualização, ser desarticulada a gigantesca conspirata que, de um processo único, tiraria uma reprecussão desproporcionada em relação ao sigilo necessário a tão delicadas infracções». Jorge de Sena escreveu isto em 1966. É «O Físico Prodigioso». E chama-se a isto a ficção...

Deutsch & English

Está interessado em conhecer o Direito Alemão em língua inglesa? Para quem não consegue ler o original, ao menos a aproximação pela tradução: http://www.iuscomp.org/gla/ Como no anúncio do gás, clique, e já está! Wunderbar!

Conferência sobre a luta contra o crime organizado

Conforme informa o GDDC da PGR, no quadro do programa Octopus do Conselho da Europa, terá lugar em Lisboa, de 28 a 30 de Setembro de 2005, uma conferência sobre a luta contra o crime organizado, organizada pelo Conselho da Europa, de que Portugal tem a presidência, e pelo Ministério da Justiça de Portugal. Os participantes devem estar profissionalmente implicados nas questões relativas ao crime económico e compreender representantes de Governos, de Organizações internacionais, de associações profissionais e do sector privado. Formulários de inscrição em http://www.coe.int/T/E/Legal_Affairs/Legal_cooperation/ deverão a enviar ao Conselho da Europa, o mais tardar, até 5 de Agosto de 2005.

"Cum grano salis"

O «cum grano salis» faz um ano de regular actividade! Fica daqui um abraço de parabéns! Deixei lá, em estilo de comentário, um aceno amigo! A sua pertinácia é um exemplo para os entusiastas intermitentes como é o meu caso.

MP's de turno

Quem quiser saber que MP's estão de turno nas férias judiciais pode obter esta informação em http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/docpgd/turnos_v05.php?link=1. A informação talvez tenha interesse; há porém quem prefira saber que juízes estão de turno quando e onde.

Poderes cognitivos penais do STJ e das Relações

Não será demais lembrá-lo para tantos que ainda se não aperceberam disso: «tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, como fez o recorrente neste caso»: eis a doutrina reafirmada pelo Acórdão do STJ de 12.07.05 [prolatada no processo n.º 2315/05-5, relator Simas Santos].

Recursos retidos: todos quais?

O Acórdão do STJ de 12.07.2005 [proferido no processo n.º 2242/05-5, relator Simas Santos] acaba de acentuar que «se o recorrente não fez, quer no requerimento de interposição, quer no texto da motivação quer nas conclusões do recurso da decisão condenatória qualquer menção ao recurso retido, não pode este recurso ser conhecido», já que «é este o único sentido que hermeneuticamente se pode atribuir à «especificação obrigatória» dos recursos retidos em relação aos quais mantém interesse, nas conclusões do recurso que os faz subir (art. 412.º, n.º 5 do CPP)». Pena é que a Relação de Lisboa já haja entendido num seu acórdão recente que quando o recorrente menciona na conclusão do recurso que mentém interesse em «todos» os recursos retidos, isso não basta e deveria ter explicado todos, quais!

Inquietante

Há no livro do José Rodrigues Miguéis, «Uma aventura inquietante», escrita em 1934 e revista em 1958, um momento em que o Zacarias, suposto homicida e personagem principal da trama, preso, cogita: «a Justiça é como um cimento: plástica e fácil de modelar enquanto fresca; mas depois que prendeu, vão-na lá desfazer». Miguéis foi advogado antes de se dedicar exclusivamente à literatura. O seu modesto escritório era então na Rua do Coliseu. Um dia fartou-se, felizmente.

Acontece!

O senhor juiz leu a sentença oralmente mas não a depositou na secretaria; por ventura tê-la-à lido «por apontamento». Passa o tempo. Nos termos da lei, o prazo para recorrer corre do dia do depósito da dita peça processual na mencionada secretaria. Só que esta entende que não é obrigada a notificar do dito depósito. Vai daí a parte desdobra-se em visitas ao tribunal a perguntar em cada dia se foi hoje. Passa entretanto o tempo. A secretaria aborrece-se com a parte, a parte cansa-se da secretaria. Um dia, quando der por ela, o prazo para recorrer já passou. O senhor juiz tinha depositado a sentença, entretanto. Não é fantástico? Pois é, mas dizem-me que para além de fantástico, aconteceu.

O direito à indignação emigrou?

Eu sei que é uma área reservada do «site» da Ordem dos Advogados. Mas não será inescrupuloso trazer a público esta menção. Um dos capítulos desse «site» é dedicado à «indignação profissional». Duas solitárias queixas, e nada mais por ali há. Será que os advogados perderam a capacidade de indignação, ou será que foram indignar-se para outro lado? Responda quem souber.

A PSP ao serviço da Ordem dos Advogados?

A Ordem dos Advogados contava com a colaboração da PSP para que esta fizesse diligências no âmbito do combate à procuradoria ilícita, a pedido dos Conselhos Distritais. Esta recusou. A Ordem insiste, em parecer [E-9/05] do seu Conselho Geral, de 17 de Junho, no sentido de ter razão face ao artigo 8º do seu Estatuto e espera que, abordada institucionalmente aquela força policial, a questão se resolva. Veremos.

Fraude ao IVA: responsabilidade solidária

De leitura obrigatória, o Despacho n.º 14 839/2005 MF (2.ª série), de 16 de Junho de 2005 / Ministério das Finanças.referente às transmissões de bens em que é aplicável o regime de responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a que se refere o artigo 72.º-A do Código do IVA de 1984 [provado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, tem a última redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 111/2005, de 8 de Julho]. Vem publicado na II série nº.129 de 7 Julho 2005, página 9801.
Lembra-se que o citado artigo 74.º-A do Código do IVA foi aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (orçamento do Estado para 2005) tendo em vista o combate à fraude no IVA.

Estelionato, a burla brasileira

Curiosa situação, vem reportada no blog Juris [http://doc.jurispro.net/]: no Brasil foi acusado de «estelionato» o o jovem que enviou mensagens, em nome de bancos, com cavalos de tróia, para capturar informações dos utilizadores. O autor do blog menciona que não temos este crime tipificado. Na tipificação brasileira, trata-se de alguém «obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento». Trata-se, enfim, da nossa burla.

DisLEXias: um blog necessário

Depois de três meses parado, na ânsia de actualizar este blog, verifico que muitos dos bogs jurídicos estão em letargia, outros espraiam-se pela política e pela cultura, escapando-se do Direito. Um surgiu entretanto, sóbrio, informativo e como tal necessário: http://dis-lex-ias.blogspot.com/. Parabéns e ânimo!

Assistente penal por falsidade de depoimento

É de facto uma especialidade nossa o conceito de assistente em processo penal, aquele que se encontra em juízo não por uma razão privada visando o ressarcimento dos danos sofridos pelo crime, mas sim por razões penais, auxiliando [muito limitadamente] o MP. Situação complexa, a complicação aumenta quando se pretende concretizar quem tem, em relação a certos crimes, legitimidade para integrar tal estatuto, nomeadamente na veste de ofendido. Interessante é, por isso mesmo, o Acórdão do STJ de 12.07.05 [proferido no processo n.º 2535/05, 5.ª Secção, relator Simas Santos] quando sentencia que «o vocábulo "especialmente" usado pela Lei [jab: artigo 68º, n.º 1, alínea a) do CPP] significa, pois, de modo especial, num sentido de "particular" e não "exclusivo", adoptando aquela o conceito estrito, imediato ou típico de ofendido (...) A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, designadamente em caso de concurso de infracções, em que se pode ser ofendido por um só dos crimes, devendo atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial, e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime [...) Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise, se é admissível a constituição de assistente. E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente, pois os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos (...) O crime de falsidade de depoimento é um crime contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação (...) Assim, se num caso concreto, o agente com a falsidade de depoimento causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente». Como ressalta, a solução, cuja bondade se entende numa lógica de maximização da intervenção, assenta numa miscigenação entre o conceito de ofendido e o lesado, pois recorta a legitimidade do primeiro pelo facto de ter sofrido «prejuízos», que é, afinal, o fundamento de legitimação do segundo.

Poderes cognitivos do STJ, uma abertura

Uma interessante abertura no que se refere ao âmbito dos poderes cognitivos do STJ a que se expressa no Acórdão deste Tribunal de 16.06.05 [proferido no processo n.º 1576/05, relator Pereira Madeira] quando determinou que «o processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do mais alto Tribunal, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui matéria de facto. Designadamente pode e deve o Supremo Tribunal de Justiça avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada».

Fraude e evasão fiscal: um estudo

Com a devida vénia, transcrevemos do indispensável «site» Verbo Jurídico o sumário de um estudo elaborado pelo advogado Francisco Vaz Antunes no âmbito de um curso de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, cujo testxo integral pode ser ali obtido.
«1. Os impostos destinam-se, prima facie, à obtenção de receitas para a satisfação das necessidades públicas portadoras de vantagens claras para as populações. Mas constituem, também, um veículo fundamental para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os cidadãos. Não é, por isso, moralmente indiferente que os cidadãos recebam os benefícios do Estado sem pagar, ou que actuem fraudulentamente para não pagar a correspondente contraprestação;
2. Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade fiscal;
3. Os comportamentos subsumíveis em situações de evasão fiscal ilícita podem redundar na aplicação, por vezes cumulativa, de sanções de natureza preventiva (por exemplo o vencimento total e imediato de todas as dívidas fiscais pagas em prestações, por incumprimento de uma delas), reconstitutiva (a execução fiscal ou a anulação dos actos ou negócios ilegais, vg. simulados), compulsória (juros fiscais de mora), compensatória (juros fiscais compensatórios) e punitiva (coimas, multas e penas de prisão);
4. O planeamento fiscal não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica. As próprias leis tributárias contêm normas denominadas de desagravamento (normas negativas de tributação), nomeadamente exclusões tributárias, deduções específicas, abatimentos à matéria colectável, reporte de prejuízos, isenções fiscais, benefícios fiscais e zonas francas de baixa tributação
5. A evasão e a fraude fiscal podem ser combatidas através da utilização de medidas preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso. São também fundamentais o levantamento do segredo bancário, a flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis tributárias e celeridade na sua aplicação
6. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo que é dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado. O bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou Erário Público.
7. Os esquemas fraudulentos utilizados pelos contribuintes para se eximirem ao pagamento dos impostos, ou obterem reembolsos indevidos são diversos. Alguns dos mais praticados destinam-se a evitar o pagamento do IVA ou obter o seu reembolso indevido.
8. Com a consignação expressa do crime de fraude fiscal praticado mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes, por operações verdadeiramente inexistentes, o legislador veio admitir claramente a hipótese de o crime de fraude fiscal poder ser praticado através da denominada simulação absoluta, conforme já era defendido por alguma doutrina antes da entrada em vigor do RGIT.
9. A lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005 procedeu também à alteração de várias disposições dos diplomas fiscais. Com tais medidas o Governo mostra vontade em combater os fenómenos de evasão e fraude fiscal, mas, inexplicavelmente, extinguiu também medidas já existentes e cuja ratio era precisamente promover esse combate. É o caso do benefício fiscal assente na possibilidade de dedução À colecta do IVA suportado com determinadas despesas, agora revogado».

Despachos do relator em recurso: sua natureza

Interessante fórmula e com valia pedagógica, a do Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 1310/05-5, relator Santos Carvalho] quando estatuiu que «o despacho proferido pelo relator do Tribunal da Relação não “transitou” em julgado em sentido técnico-jurídico, pois a Relação é um tribunal colegial e as suas decisões são os acórdãos e não os despachos do relator. Destes cabe reclamação (e não recurso) para a conferência e esta é que decide por acórdão (recorrível)».

O «benefício» do recurso de co-arguidos

Enfim jurisprudência que põe termo a um pesadelo, decorrente de um ilogismo legal. Nos termos do artigo 402º, n.º 2, alínea a) do CPP, o recurso interposto por um dos arguidos, salvo se fosse fundado em motivos estritamente pessoais, «aproveita aos restantes». Daqui derivava que o arguido não recorrente [por se haver conformado com a sentença] não via transitar em relação a si o aresto quando o mesmo tivesse sido recorrido por um co-arguido. Ou seja, em nome do eventual benefício aos comparticipantes não recorrentes, causava-se-lhes o prejuízo de ficarem meses a fio privados dos benefícios de que goza um condenado em cumprimento de pena [saídas precárias, liberdade condicional, etc.], pois continuavam em prisão preventiva até se decidirem os recursos que eventualmente lhes estenderiam as ditas hipotéticas vantagens. De nada valia o não recorrente consignar que renunciava a qualquer benefício emergente do recurso de co-arguido e mais e entendia que ao caso se não aplicava a separação de processos prevista no artigo 30º, n.º 1, alínea a) do CPP. Eis pois uma situação de injustiça que que agora deixa de existir, pois que, como sentenciou o Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 2546/05-5, relator Santos Carvalho] «desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP). (...) O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva». É de aplaudir, mas fica um aparte: até os tribunais terem aberto este caminho, ficou, a ensombrar a Justiça um cortejo de sofrimento e de revolta dos arguidos que se prejudicaram por actos que não eram seus e para os quais o sistema já não encontrou uma satisfação. Serão os danos colaterais da luta pelo Direito, vítimas individuais de que não curam as grandes princípios, mas no entanto, tal como nas guerras, choca pensar que a paz não chegou a tempo de evitar a morte àqueles que perderam a vida por uma causa que perdeu interesse.

O plano de reflorestação

Há na clássica piada sobre a melhor maneira de ajudar um advogado a descer de uma árvore que é o cortar a corda uma ambiguidade latente, cuja dilucidação marca um mundo de diferença filosófica. Uns ouvem-na, à estafada graçola, a imaginar os advogados de facto ali pendurados, outros a desejar vê-los efectivamente assim. Na base aparente deste diferenciado modo de ver está a dicotomia entre o ser e o querer, no substracto real está a distinção entre os que lamentam o suicídio e os que desejam o homicídio. Tal como o disse «Dick the Butcher» pela boca de William Shakespeare: «the first thing we do, let's kill all the lawyers!» [Henry VI, Parte 2, acto iv: cena ii]. Cuidado, que anda por aí gente a plantar árvores!.

O problema do «já»

«A partir de agora, já é possível criar empresas na hora», dizem muito entusiasmados os jovens do blog «iuris», que também se chama «contrario sensu». Depois lê-se a norma de aplicação no tempo do Decreto-Lei n. º 111/05 que isso proclamou com tanta enfâse e verifica-se que algumas das normas do mesmo só entram em vigor mais tarde, algumas só no próximo ano. É isto que o Direito tem da magnífico, a capacidade de encantar a ingenuidade dos voluntaristas. Entre o «já» que os políticos anunciam com aparente convicção e o «logo se vê» da folha oficial ainda vai uma grande distância. O tempo da norma final e transitória...

Julga quem julga

Este blog tem sido até aqui um espaço essencialmente informativo, com algum apêndice crítico em relação ao que se escreve. Tenho evitado a dimensão polémica, por me parecer que a blogoesfera já contém aerópagos suficientes para isso. Mas talvez fosse interessante dar alguma oportunidade à reflexão.
A ideia proporcionou-se por causa de um comentário a um postal recente, onde vinha: o STJ [em suma, os tribunais superiores] julga quem julgou. É uma aproximação interessante à psicologia judiciária. Admito que tenha sido uma forma retórica de escrever, um adjuvante argumentativo por causa do raciocínio que estava em causa no momento, aliás amável, em que a frase surgiu. Mas uma tal expressão, a traduzir uma verdade, abre um mundo de cogitações! Visto o mundo de baixo para cima, imagine-se o sentimento de quem decide sabendo-se posto em causa por via do seu trabalho, aprovado ou reprovado. Pense-se na emulação de todos os que veêm o seu trabalho confirmado ou infirmado em sede de recurso. Encarado do ângulo dos tribunais [por isso mesmo] superiores, quanta medida de apreço ou de demérito pelo critério dos outros, os que antes julgaram, não estaria assim presente em cada acórdão. Claro que todos sabemos que, como na literatura, não está em causa nos recursos o homem mas a a obra. Claro que é evidente que quando se julga, julga-se uma culpa e aqui avalia-se uma rectidão. Claro que é a língua portuguesa quem, com a sua generalizada polissemia, nos leva a estes momentos de confusão semântica entre o julgar e julgar. Mas é pelo menos sintomático quando se lê que nos recursos se julga quem julgou. A ser ainda que minimamente verdadeira a noção, nas peças processuais de recurso urge então que os causídicos as findem, não com o clássimo clamor por «Justiça!», mas por ventura com um «Não levem a mal!». Um bom domingo a todos.

O «habeas corpus»: uma doutrina «actual»

Mais um acórdão do STJ [proc. n.º 2551/05-5, relator Simas Santos] a lembrar que «para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça». Bem sabem que assim é os que sofreram prisões ilegais. E pois que é assim, e o «habeas corpus» é configurado não como um recurso, mas sim como uma providência ou um remédio, basta que o autor da ilegalidade da prisão faça cessar a mesma, branqueando-se a situação no dia em que o STJ a conhecer, para que tudo esteja então conforme e nada possa ser feito através deste instituto. O expediente tem tradição. Já vinha assim no parágrafo único do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945: «Só pode haver lugar à providência referida neste artigo [habeas corpus] quando se trate de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer dos seguintes motivos (...)». Nessa altura, para que ficasse claro do que se falava, escreveu-se no preâmbulo do diploma legal: «com a cessação da ilegalidade da ofensa fica realizado o fim próprio do habeas corpus». Assinavam o diploma Manuel Cavaleiro de Ferreira e António de Oliveira Salazar. Cumpria-se a Constituição de 1933. Tudo fazia sentido.