Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Como dizia o Padre Américo

Pelos vistos um meu comentário irónico sobre as relações autoridades judiciárias/advogados foi tomado a sério e desencadeou comentários interessantes. O problema era o de deverem ou não os juízes e os procuradores receberem os advogados nos seus gabinetes. Para que não se confunda ironia com leviandade, deixem-me fazer um ponto de situação.
1. Quando comecei a advogar a prática era haver uma naturalidade cortês nas relações entre juízes, advogados e procuradores, com excepções a demontrarem que a regra era a inversa. A crispação entre todos é uma situação recente que, diga-se, já conheceu piores dias.
2. Admito que haja pessoas insuportáveis, atrevidas e com maus propósitos e que recebê-las seria uma imprudência. Mas isso sucede-nos a todos. Quando reúno com um colega nem sempre sei quem é nem ao que vem e já tivemos todos surpresas desagradáveis.
3. Concordo que o juiz receber o advogado de uma das partes pode prestar-se a melindres por parte dos outros [do MP ou dos outros advogados] mas tudo se resolve pondo-se a questão abertamente e convocando-os, sendo esse o caso, ou dando-lhes conta de que a conversa ocorreu e em que termos.
4. Aplaudo um sistema em que um magistrado decida só com base no que está no processo e se passa em audiência, e não em conciliábulos privados ou memoriais particulares, mas mal vai se do que estamos a falar é de conversas para tentar meter por debaixo da mesa, em estilo de cunha, o que não constará por cima dela. Nessa altura prende-se o magistrado e quem lhe falar, pois isso é seguramente crime, e lá ficarão nos calaboiços ambos a falar um com o outro o tempo necessário para perderem a mania.
5. Uma coisa é certa: passo a vida de falar com colegas, em público e em privado, com gente a assistir e no segredo dos nossos gabinetes. Chegamos ao processo e cada um faz o que tem a fazer, ninguém se sente diminuído nem posto em causa.
6. Finalmente: o problema muitas vezes não é o receberem ou não receberem, é sim o modo como as relações se estabelecem. Desempenhei cargos na minha Ordem que me levaram a saber, com conhecimento de causa, que em matéria de boas maneiras, nós advogados também temos telhados de vidro e sei, por uma vida profissional gasta nos tribunais, que há magistrados de uma cortesia e delicadeza inexcedíveis. Do que falamos é daquilo que acima referi. No mais, sou o primeiro a reconhecer, tal como o Padre Américo, que não há rapazes maus.
P. S. Há uma coisa em que muitos magistrados ganhavam se admitissem os advogados, com prudência, nos seus gabinetes: é estes verem as condições miseráveis e indignas em que muitos trabalham. Talvez beneficiassem de maior compreensão quanto aos milagres que mesmo assim fazem.

Depoimento de OPC

No quadro da problemática dos limites ao depoimento dos OPC's é interessante esta doutrina emanada do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.05.06 [proferido no processo n.º 3702/06 3ª Secção, relator Rodrigues Simão]: «1. Tendo os agentes de autoridade acorrido ao local onde ocorreu um acidente de viação, constataram que aí se encontrava o arguido, dono do veículo, visivelmente embriagado, que lhes disse que era ele quem conduzia o veículo, facto que, nas circunstâncias constatadas pelos agentes, era verosímil,tendo o mesmo sido sujeito a teste de alcoolemia, com resultado posítivo. 2. O contacto pessoal com o arguido decorreu de obrigação legal dos agentes de autoridade de, recebida notícia de facto ilícito, fazerem consignar no auto de notícia tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes, obrigação decorrente dos artigos 242º e 243º, do CPP, e própria das funções de polícia definidas pelo artigo 272º da CRP. 3. Não se trata de declarações do arguido, de valoração proibida, podendo o tribunal valorar esses depoimentos na formação da convicção de que o arguido era o condutor do veículo».

Uso reprovável do processo penal

Muito interessante o estatuído no Acórdão da Relação de Lisboa de 01.06.06 [proferido no proceso n.º 3132/06 9ª Secção, relator Trigo de Mesquita] «1. 'Não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões...' (in Ac. Rel. Lx. nº 7995/01-3ª secção) ... até, enfim, à prescrição do procedimento criminal. 2. Com efeito, é legalmente inadmissível fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de v.g. conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 456º do CPC). 3. Por força do que preceitua o artº 720º CPC: 1- ' Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo (...), levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar (...) que o respectivo incidente se processe em separado. 2- O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada.' 4. A disciplina definida naquele artº 720º CPC - com igual consagração no Tribunal Constitucional (artº 84º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) - é aplicável ao processo penal, ex vi o artº 4º CPP. 5. Mas sempre se chegaria à mesma solução por mera aplicação de elementares princípios gerais do direito, como o da unidade e coerência do sistema jurídico, ou do princípio do poder-dever de direcção do processo pelo juiz, e dos princípios da cooperação, boa-fé e lealdade processuais (cfr. artºs 265º, 266º e 266º-A do CPC), e tendo-se em conta que os recursos posteriores à decisão final, em processo penal, têm sempre efeitos meramente devolutivo (cfr. artºs 406º e 408º do CPP). 6. In casu, é patente que o arguido vem procurando obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da reiterada suscitação de incidentes a ela posteriores e manifestamente infundados, impõe-se que os 'incidentes' suscitados sejam processados em separado, baixando os autos à 1ª Instância para imediata execução da pena aplicada ao arguido».

Honny soit

Alguém com amarga ironia escreveu na parede de um tribunal por onde andei hoje: «estamos à espera que a justiça nos caia do céu!». Seguindo a lição bíblica, a cair do céu, em línguas de fogo, só pode ser alguém ligado ao Espírito Santo. Mas que não haja confusões. Como disse Eduardo III ao apanhar, solícito, a liga que a Condessa de Salisbury, sua predilecta, deixara cair durante um baile: «Honny soît qu'y mal y pense...»

Mudos e quedos

Cá se fazem cá se pagam! Eu a escrever a noite passada dos juízes que mandam dizer pelo funcionário que não falam com advogados e logo hoje a levar na cara com um «mas a senhora procuradora não fala com advogados!». E fazem eles muitíssimo bem! Claro que a ideia era tentar evitar uma delonga processual, e simplificar um procedimento. Não faz mal! Vai em papel selado, se é que ainda se usa. Se não se usa, vai em qualquer papel, deste o costaneira, ao papel de arroz. Um dia, quando estas Suas Excelências não falantes quiserem gritar por socorro que os estão a jugular na sua autonomia e na sua independência, talvez já queiram falar com advogados. Para já, temem perder a isenção ou temem que nós percamos as estribeiras. Só pode ser isso. Ou então perderam a língua.

Um livro maduro

Miguel Poiares Maduro, licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, doutorado pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, advogado-geral português no Tribunal de Justiça das Comunidades, professor da Universidade Nova de Lisboa, autor de We The Court - The European Court of Justice and the European Economic Constitution e de A Constituição Plural - Constitucionalismo e União Europeia, publica agora o seu primeiro livro não juridico - Crónicas de um peixe fora de água. O livro é editado pela Entrelinhas, o lançamento realizar-se-á no Café dos Teatros, na Rua António Maria Cardoso, nº 38, em Lisboa no próximo dia 3 de Junho, pelas 18h00. A apresentação da obra, a cargo da jornalista Maria de Lurdes do Vale, será seguida de um debate com o autor do livro sobre "O papel dos cronistas: peixes dentro ou fora de água?", e em que participarão Rui Tavares, Pedro Mexia , Luciano Amaral e Pedro Lomba.

A dança das cadeiras

O ministro que trata dos da Justiça conseguiu, só com a dança das cadeiras, virar juízes contra procuradores. Ridícula paródia esta. Olhando para a polémica que se instalou, parece que aquilo onde põem a cabeça é menos importante do que aquilo onde sentam o rabo. A questão, como sabem, é o colocar os procuradores, na arquitectura das salas dos tribunais, abaixo dos juízes, talvez ao lado dos advogados. Por mim, tenho uma ideia feita. Não entro nessa mascarada. Não quero procuradores ao pé de mim, a simular uma igualdade que não existe, eles a gozarem da informação privilegiada, por estarem instalados dentro dos tribunais, nós, advogados, a pedirmos pelas alminhas para sermos recebidos e, muitas vezes, a levarmos um não mandado comunicar através do funcionário. A querer alguma coisa ao pé de mim, quero, como advogado, os meus constituintes. É mais prático para irmos conversando nos momentos de monotonia. Para muitos exaltados, até é mais lógico, pois acham que os advogados são uma continuação dos arguidos por outros meios. Assim, para não dar aos presuntivos incocentes a honra atrevida de se alçarem para a teia dos advogados, lado a lado dos mesmos, como na justiça cível, sugiro que nos sentemos no banco dos réus. É mais justo. Em frente a nós, alteados e superiores, juízes e procuradores, em suma, o Estado. Cá em baixo, anichados e rebatidos, os advogados e seus clientes, ou seja a sociedade civil. Tal como é, assim estará.

Gente feliz com lágrimas

Acontece «cerca de 50% das pessoas residentes na área geográfica abrangida pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados nunca ter consultado um advogado», diz o «Jornal de Negócios». Ainda há há gente feliz!

Pompa e circunstância

Desculpem vir aqui falar num assunto pessoal. Mas hoje de manhã ao ter lido esta notícia deu-me um baque: é que é verdade que fui convidado e aceitei um cargo que tem a ver com a Ordem dos Advogados, só que a função não é nada esta. Vejamos, com brevidade. A ideia que presidiu ao convite e consta de uma carta, era tão simplesmente esta: ser delegado da Ordem junto do Tribunal da Boa-Hora para assegurar, em diálogo com quem fosse juiz-presidente do Tribunal o necessário para garantir condições de eficácia à actuação dos advogados, meus colegas, nesse edifício. Pequenas coisas e rotinas que muitas vezes dificultam a vida aos que fazem do Direito uma profissão e que, andando pelos tribunais, não encontram na Ordem distante, a resposta adequada. Tive o cuidado de obter junto de quem me convidou que não me cabia entrar no tema dos litígios entre profissionais do foro, pois tudo isso tem órgãos próprios e formas próprias de se resolverem. Ao ler a notícia, que é gentil, que recebi vi-me investido numa pompa e numa farronca de funções que até me assusto. Desde «mediador» até o tal que tem como principal função «receber queixas e reclamações dos cidadãos e operadores judiciários e encaminhá-las para a Ordem dos Advogados, para o Conselho Superior da Magistratura ou para a Direcção-Geral da Administração da Justiça», vi que era suposto tratar de coisas bem mais longínquas do que me havia sido pedido. Não quero enganar ninguém! Eu serei só o que vai tratar das pequenas coisas, tentando gerir consensos e amabilidades. Não vou mediar, nem intermediar. Livra!

Conchavando-se

Esquecia-me de dizer que uma destas noites li no conto «A Sereníssima República» do Machado de Assis, que é um hino ao riso, que «o comentário à lei é a eterna malícia». Foi assim que «não sendo possível perseguir ninguém por defeitos de ortografia ou figuras de retórica, pareceu acertado rever a lei». Isso num primeiro momento. Depois, através do comentário interpretativo, «a mesma porta aberta à lealdade serviu a astúcia de um certo Nabiga, que se conchavou com o oficial das extracções para haver um lugar na assembleia».