Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O caçador

Pietro Grasso, procurador nacional italiano anti-Mafia está em França num seminário jurídico organizado pela AGRASC, a Agence de Gestion et de Récouvrement des Avoirs Saisis e Confisqués. O sítio deste organismo pode ser encontrado aqui
Segundo o jornal Le Figaro, onde li, a notícia, desde a sua criação, há oito meses, tratou 5000 casos correspondentes a 8000 bens apreendidos. [todo o texto aqui]. Ainda segundo o jornal as apreensões somavam em 30 de Setembro deste ano 134 milhões de euros: 78 em dinheiro, 54 em bens imobiliários, 0,9 em veículos e 1,1 em outro tipo de bens como jóias, roupas e até seguros de vida.
O magistrado diz que está em Paris para informar «tous les moyens mis en oeuvre en Italie pour saisir sur la base de simples indices et sans qu'une condamnation soit obligatoire». E acrescenta, contabilizando o produto do saque: «En trois ans, notre Justice a confisqué l'equivalent de 3 milliards d'euros!». E remata: «Ce n'est, bien sur, qu'un début».
Uma verdadeira caçada, pois, a presa seguida com base nas suas pegadas.

O mundo aos quadradinhos

Confesso que custa assistir a este espectáculo de comentadores sobre processos criminais que, nada sabendo do conteúdo do que está em causa - e confessando até a sua ignorância - se permitem emitir opiniões sobre eles, dar como certos e seguros factos dos mesmos e como inexistentes outros e até formular vaticínio sobre o que vai suceder.
Confesso que custa ter olhado de relance a entrevista da ministra da Justiça vê-la a ser perguntada sistematicamente sobre um certo processo concreto e a responder que não podia nem devia comentar e a entrevistadora a regressar com mais uma pergunta para obter a mesma resposta e, no entanto, a insistir pelo mesmo e no interstício das respostas ficar uma frase, uma meia-frase, uma sugestão de ideia, tudo logo a ser explorado com mais uma pergunta num ciclo que seria cómico se não fosse trágico, a tentativa de forçar o Executivo a pronunciar-se sobre o Judiciário, tentativa feita pela comunicação social a quem incumbe denunciar, sim, caso essa intromissão suceda.
Confesso que custa assistir a tudo isto e estar calado. Dar conta das mais altas figuras do Estado, de ministros a magistrados a pronunciarem-se sobre processos penais pendentes. Advogados que opinam publicamente sobre processos entregues a Colegas.
À conta de uma pretensa pedagogia ouvir dizer enormidades, intervenções que só não condicionam quem tem de intervir nos mesmos porque uma pessoa aprende a não ligar.
Num táxi onde ia, no rádio ligado, ouvi alguém dizer sobre o Portugal/Bósnia: «ontem o seleccionador nacional era uma besta e nós íamos levar uma goleada; hoje já se fala em que vamos ganhar a prova europeia!» Assim se fazem heróis e vilões. A mentalidade emotiva primária adora.
Um dia perguntaram ao Luiz Pacheco, o "escritor maldito", o que andava a ler. Ele respondeu «o Texas Jack». Ante o atónito entrevistador, respondeu: «o Texas Jack, pois! Porquê? Vem tudo no Texas Jack!». 
E de facto vinha. Aos quadradinhos e com pouca escrita que as pessoas gostam é de ver. Histórias explosivas! A pouco mais de vinte e cinco tostões.

Transcrição de sentenças

Leio no sempre actualizado Bog de Informação que na Sessão Plenária do Conselho Superior da Magistratura de 11.10.2011 foi tomada a seguinte deliberação: "a transcrição das sentenças orais, quando considerada necessária pelo tribunal de recurso, deve ser efectuada pelos serviços deste tribunal, não havendo lugar à remessa dos autos à primeira instância com esse propósito". [tudo aqui].
Pergunta a minha [nada] santíssima ignorância: mas isto será matéria da competência do CSM? Ou não caberá à jurisprudência defini-lo? Ou até, a não haver norma ou lacuna integrável pelo intérprete, e por ser norma processual [também penal] não integrará a esfera reservada da Assembleia da República?
Dir-se-á que a última é excessiva. Mas a primeira não o será também? Responda quem souber, que eu transcreverei fielmente.

Mau ambiente

É a Lei n.º 56/2011. D.R. n.º 219, Série I de 2011-11-15. Altera o crime de incêndio florestal e os crimes de dano contra a natureza e de poluição, tipifica um novo crime de actividades perigosas para o ambiente, procede à 28.ª alteração do Código Penal e transpõe a Directiva n.º 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, e a Directiva n.º 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro.
Acreditar que  obedece ao princípio da legalidade incriminatória, com o que ele significa de tipificação rigorosa dos ilícitos [em nome da segurança da cidadania e da liberdade individual] uma norma com este perfil vago e indefinido é mesmo um acto de fé ou de caridade para com o legislador: 

«1 — Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos substanciais, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias».

É o novo artigo 279º do Código Penal. É que a propósito do que sejam «danos substanciais» diz o legislador no mesmo preceito: «são danos substanciais aqueles que:

a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a integridade física, bem como o bem -estar das pessoas na fruição da natureza;
b) Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente ambiental;
c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas;
d) Causem um impacto significativo sobre a conservação das espécies ou dos seus habitats; ou
e) Prejudiquem, de modo significativo, a qualidade ou o estado de um componente ambiental».

Ora importam-se de me explicar, pois sou de inteligência mediana, o que é uma «componente ambiental» cuja utilização eu, ao impedi-la de modo «significativo», ou ao prejudicar de modo «significativo» arrisco ir parar à cadeia, assim encontre pela frente um juiz "verde"?
Se a ideia com esta generalidade é apanhar todos, talvez seja melhor capacitar-nos que não se agarra nem um. O que e matéria de Justiça gera um péssimo ambiente.

O juiz sem recursos

Esta decisão aqui, promanada da Relação de Guimarães estatui que: «conforme jurisprudência uniformizada do STJ – Acórdão 16/2009 – "a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso"».
Dado que não se pode recorrer das decisões do juiz de instrução que negar a produção de prova, nem da decisão pela qual ele decidir qual a ordem pela qual a produz e quando e se a produz, nem da decisão instrutória final que proferir [sendo obediente ao Ministério Público], na lógica do sistema ele tornou-se o juiz sem recursos e sem recurso. Ah! E só pode aplicar medidas coactivas iguais ou inferiores em severidade às que o Ministério Público queira.

A constitucionalidade nos "comuns"

Escreveu a Conselheira Fernanda Palma do Tribunal Constitucional, como vejo citado aqui: «Antes de 1974, só há memória de uma decisão (do juiz Ricardo da Velha) ter recusado a aplicação de uma norma julgada inconstitucional, por contrariar a inviolabilidade do domicílio». A pergunta - agora que há quem reivindique para os tribunais "comuns" a competência exclusiva para a fiscalização concreta da inconstitucionalidade - é outra: e depois de 1974? Quantas decisões houve?

O H43, não é um hamburguer "gourmet"

No dia 3 de Março de 2011 saiu no Diário da Republica novos sinais de trânsito mediante o Decreto Regulamentar nº 2/2011, onde consta o sinal H43, o qual indica que uma via tem detectores de "velocidade Instantânea". Pode ler-se aqui.
Ou seja, o vosso identificador VIA VERDE / DEM serve para dar indicação ao RADAR dos seguintes dados: matrícula da viatura e velocidade da viatura.
«A diferença de tempo de passagem entre dois sensores indica ao sistema a velocidade a que transita a viatura. Ex. 40 metros entre os dois sensores - o carro passou por eles em 1 segundo = 144 km/ h = Multa Imediata. Para passar pelo RADAR à velocidade de 120Km/h deverá demorar 1,2 segundos a percorrer os 40 metros».
Quem quiser saber como é que a «multa segue directamente para casa» é só ver e ouvir aqui
 
 
P. S. Entretanto continua a ser absolutamente lícito fabricar, importar e vender automóveis que atingem mais do que duzentos quilómetros por hora e o Estado até ganha com o negócio, através dos impostos. Como faz todo o sentido não faz?

Subrogando-se revogando

Ainda a propósito de revogações "tácitas", permitam-me que, sem imodéstia, transcreva o que escrevi na minha página do FB a propósito do diálogo que ali se travou em torno da ligação ao post anterior: «Se o legislador tivesse querido mudar as regras de competências numa matéria com esta gravidade [sigilo bancário] não seria de lhe exigir clareza, transparência, dois pilares da decência legislativa num Estado de Direito? Deverá ser o intérprete a, substituindo-se a um legislador semi-mudo, tentar descortinar-lhe o sentido do gesto e assumindo todos nós o custo da má interpretação, com todo o cortejo de divergências, anulações, incertezas, prejuízos de diversa ordem?».
É assim que o legislador respeita a jurisprudência? Ou estaremos sempre ante um abuso de interpretação do que o legislador nem sonhou querer?
Uma coisa é certa: vou estudar o que o Doutor Dias Marques me tentou ensinar na Introdução ao Estudo de Direito sobre revogação, abrogação e derrogação. Estou perdido de vez.

O grande segredo: revogar tacitamente...

Cito do blog Justiça Criminal este Acórdão da Relação de Lisboa de 19.10.11 [relator Paulo Fernandes da Silva], o qual não consta, porém, aqui, para já não falar aqui, mas está aqui no site da dgsi no qual se trata do regime do segredo bancário trata como o configura o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Diz a Relação: «O entendimento aqui sufragado implica que se tenha por tacitamente revogado o disposto no artigo 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal em sede de quebra de sigilo bancário [...]. Conferindo-se ora às «autoridades judiciárias», Ministério Público e Juízes de Direito, a faculdade de derrogar o sigilo bancário, carece de sentido querer aplicar a este tal normativo, que por certo o legislador não desconhecia ao fazer publicar a Lei n.º 36/2010: diversamente do referido artigo 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, a quebra do sigilo bancário nos termos da Lei n.º 36/2010 pode ora ser determinada pelo Ministério Público ou por Tribunal de 1.ª instância, não dependendo, pois, da intervenção de Tribunal Superior. .] Conferindo-se. Claro que o Tribunal da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem ser sempre chamados na situação. Trata-se, contudo, de uma intervenção em sede recursivo e nunca para justificar uma recusa lícita de quebra de sigilo bancário, como sucedia em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 36/2010». [e cita em abono de tal tese os trabalhos parlamentares e um autor].

Curiosa a articulação desta revogação tácita com a doutrina promanada do Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 2/2008, que pode ser lido aqui]. Leia-se a medite-se.

Mas curioso sobretudo, a ferir a sensibilidade jurídica mais couraçada, que sobretudo uma matéria com esta importância se esteja à mercê de revogações tácitas quando estamos ante diplomas que tanta revogação e alteração expressa mereceram! É isto a segurança jurídica? Ou é um mundo em alçapões?


Só para ilustrar o conceito o Código de Processo Penal foi «aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 17/91, de 10 de Janeiro, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis n.os 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro»!


E o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, e sucessivamente alterado pelo DL n.º 246/95, de 14.09, DL n.º 232/96, de 05.12, Rectificação n.º 4-E/97, de 31.01, DL n.º 222/99, de 22.06, DL n.º 250/2000, de 13.10, DL n.º 285/2001, de 03.11, DL n.º 201/2002, de 26.09, DL n.º 319/2002, de 28.12, DL n.º 252/2003, de 17/10, DL n.º 145/2006, de 31/07, DL n.º 104/2007, de 03.04, DL n.º 357-A/2007, de 31.10, Rectificação n.º 117-A/2007, de 28/12, DL n.º 1/2008, de 03.01, DL n.º 126/2008, de 21.07, DL n.º 211-A/2008, de 03.11, Lei n.º 28/2009, de 19.06, DL n.º 162/2009, de 20.07, Lei n.º 94/2009, de 01.09, DL n.º 317/2009, de 30.10, DL n.º 52/2010, de 26.05, Lei n.º 71/2010, de 18.06, Lei n.º 36/2010, de 02.09, DL n.º 140-A/2010, de 30.12, Lei n.º 46/2011, de 24.06, e DL n.º 88/2011, de 20/07...


Fora, claro, como se acaba de aprender, as revogações tácitas, as que só se descobrem depois que tinham acontecido sem se ter dado conta!

Sem beliscar

O Procurador-Geral da República, em discurso, num evento organizado pelo DCIAP disse três coisas:

Primeira, a propósito do MP: «O Ministério Público é composto por magistrados e, por isso, não pode esquecer regras essenciais da democracia».

Segunda, a respeito dos OPC's e outros órgãos da Administração: «Há, pois, que repensar o tipo de articulação e de colaboração entre o Ministério Público e aquelas entidades, potenciando o diálogo e a comunicação entre uns e outros, de modo a encontrar um ponto ideal de cooperação que, sem beliscar as atribuições próprias de cada um, permita a interacção necessária a um melhor exercício das mesmas – com todas as vantagens que daí advirão para a comunidade, para o cidadão e para uma melhor e mais atempada administração da justiça».

Enfim, sobre o enriquecimento ilícito, que: «É evidente que a figura do enriquecimento ilícito, a ser aprovada, facilitará a investigação de vários casos de corrupção, além de ser uma figura que é largamente popular, por ser evidente para grande parte da população que existem em Portugal claros casos de enriquecimento não justificado. Mas, não podemos esquecer, como magistrados que somos, que haverá que respeitar os princípios constitucionais do ónus da prova e da presunção da inocência. De nada servirá aprovar uma lei que os tribunais depois considerem inconstitucional. É fundamental conseguir o equilíbrio, o que, reconhece-se não é fácil».

P. S. Mais acrescentou que: «O Conselho Superior do Ministério Público remeterá à Assembleia da República o seu parecer sobre a projectada lei». [Não está aqui, onde estará?].