Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Falta de meios e de princípios

Dizendo em termos directos: será que os responsáveis que andam a tornar pública toda a insuficiência de meios para o combate ao crime não percebem de uma vez que isto é uma forma directa de instigarem ao crime? Que a leitura que os meios criminais fazem destas afirmações é a de que há então uma janela de oportunidade para agirem impunemente porque não serão apanhados?
Tenho a resposta que me convence. Perceber percebem, embora não todos, porque há os ingénuos e os que não percebem mesmo. Mas o que há é o grupo significativo dos que ainda continuam sob radicalismo verbal do «quanto pior, melhor». E depois há os que já aprenderam, à custa de tanta frustração, que se não se vier para a praça pública lançar escândalo sobre o sufocar financeiro e logístico da justiça criminal fica tudo na mesma, a polícia a correr atrás dos ladrões de Porsche, pedalando em bicicletas!

Apostila

A apostila é uma formalidade emitida sobre um documento público (ou em folha ligada a ele), que certifica a autenticidade do mesmo, reconhecendo a assinatura do signatário que proferiu o acto (ou seja, da pessoa que emitiu o documento público), a qualidade em que o mesmo o emitiu (ou seja, certifica a actividade pública desempenhada, por exemplo: conservador do registo civil, conservador do registo predial, notário, advogado, etc.) e, se for caso disso, a autenticidade do selo ou carimbo que constam do acto.
A aposição da apostila encontra-se prevista no art.º 3.º da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, concluída na Haia a 5 de Outubro de 1961, e aplica-se apenas a documentos públicos que se destinam a apresentar nos países que aderiram à referida Convenção.

Sabe onde se trata? Aqui, na PGR.

Investigação Criminal em revista

É o número 2 da revista Investigação Criminal, edição da ASFIC. O tema central são os crimes sexuais. Mas não se esgota nisso. Para pedidos clique aqui. Do sumário destacamos:

Maria Francisca Rebocho e Rui Abrunhosa Gonçalves – COMPORTAMENTO PREDATÓRIO E MODUS OPERANDI DE VIOLADORES E ABUSADORES SEXUAIS DE MENORES – Com base numa amostra de 216 reclusos condenados por crimes sexuais, os autores procederam, mediante a aplicação de análises Exhaustive CHAID, à identificação de elementos caracterizadores da especificidade comportamental e do modus operandi utilizado por este tipo de ofensor, com aplicação nos planos da prevenção e da investigação desta tipologia de crimes.
 
Renato Furtado - ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS: PERFIL DA VÍTIMA MICAELENSE – O texto tem por base um estudo realizado com 96 crianças, vítimas de crimes de abuso sexual ocorridos na Ilha de São Miguel, Arquipélago dos Açores, entre os anos de 2002 e 2006, discorrendo sobre as circunstâncias dos abusos e da tipologia das vítimas, em termos de contexto familiar, económico e cultural em que estão inseridas.

Fátima Pinheiro – IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA NO ÂMBITO DE CRIMES SEXUAIS – A autora transmite neste trabalho conhecimentos teóricos e práticos relativos à análise de amostras biológicas colhidas no contexto de crimes sexuais. Destaca a natureza das amostras habitualmente submetidas a análises genéticas, a importância da sua preservação e certificação da autenticidade e integridade, bem como a cadeia de custódia.

Susana Tavares e Francisco Côrte-Real - O EXAME FÍSICO EM CRIMES DE NATUREZA SEXUAL – Trata-se de uma autêntica lição de medicina legal no que a esta matéria respeita, já que aborda os tipos de abusos mais frequentes, os instrumentos técnicos mais adequados para cada caso e os cuidados a ter com a salvaguarda da prova.

José Braz - NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DE CRISES - O DIFÍCIL EQUILÍBRIO ENTRE OS VALORES DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA – O autor aborda um tema polémico: a disputa de competências entre os vários órgãos de polícia criminal no que concerne à questão da negociação com infractores-delinquentes em casos de sequestro ou rapto. Socorre-se de variados autores e tratados internacionais, mas também, naturalmente, da sua experiência e sensibilidade para concluir que o processo de negociação não pode nem deve ser retirado do contexto da investigação criminal.

Barra da Costa - ELEMENTAR, MEUS CAROS! – Neste artigo, o autor procede a breve resenha histórica da Criminologia desde os iluministas até aos nossos dias, servindo-se de inúmeros exemplos recolhidos na ficção policial, com referência aos seus heróis e respectivos autores. Defende claramente a autonomia da Criminologia perante outras áreas do saber que a têm «colonizado» como é o caso do Direito Penal.

Rui Miranda – A POLÍCIA JUDICIÁRIA NA PREVENÇÃO, INVESTIGAÇÃO E GESTÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE OS CRIMES DE ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS E TERRORISMO: PROPOSTA DE UM (NOVO) MODELO – Analisa-se a importância da Polícia Judiciária ao nível da prevenção, investigação e gestão de informações dos crimes de organizações terroristas e terrorismo. Confrontam-se aqui os modelos português e norte-americano de combate ao terrorismo, através de pesquisa bibliográfica, consulta e análise de legislação.

Rogério Bravo – DO ESPECTRO DE CONFLITUALIDADE NAS REDES DE INFORMAÇÃO: POR UMA RECONSTRUÇÃO CONCEPTUAL DO TERRORISMO NO CIBERESPAÇO – Com base em discussão crítica centrada no eventual espectro de conflitualidade no meio das novas tecnologias de informação, processamento e comunicação, o autor estabelece a ponte entre essa problemática e as características da ameaça do terrorismo, em particular do ciberterrorismo, procedendo, para o efeito, a uma incursão sobre os meios técnicos e processuais-penais adequados à prevenção e investigação criminal do fenómeno.

Eugénia Cunha – ANTROPOLOGIA FORENSE E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – O presente estudo centra-se na discussão dos mais recentes desenvolvimentos nesta área forense, que trouxeram valor acrescentado à investigação criminal. Através da apresentação de casos práticos, pretende-se igualmente ilustrar o que pode e o que não deve ser feito num caso de antropologia forense que lide com a análise postmortem de restos humanos.

Voluntariado prisional

Talvez ainda seja a forma de a sociedade civil se redimir da parte em que tem culpa em ter atirado para a marginalidade e para o crime os que talvez ainda se pudessem salvar. E dar caminho aos que, de outro modo, voltarão à porta giratória da reincidência e da habitualidade. O ambiente, eu sei, é de pouca esperança. O conceito de ressocialização já conheceu melhores dias. A ânsia carcerária enche páginas de jornais, a notícia sobre a impunidade faz reiterada manchete. Talvez seja uma forma de complementar a magreza de meios do Estado em matéria de recursos. Falo do voluntariado prisional.
«O voluntariado em meio prisional é uma actividade organizada, sustentada num programa de gestão do voluntariado, adequadamente acompanhada por entidades promotoras de voluntariado, que coordenam o exercício da actividade do voluntário, consubstanciando-se através de projectos de voluntariado, de forma a permitir um profícuo inter-face entre o saber e a vontade de colaborar, contribuindo para melhorar a qualidade de vida de quem está privado de liberdade». 
Quem quiser saber mais veja no site da DGSP, aqui, na lateral sobre o serviço de voluntariado. E leia aqui.

Pequena e média criminalidade

O tema é o «tratamento processual da pequena e média criminalidade: consenso e simplificação». Trata-se de uma acção de Formação Contínua. Tem lugar em Lisboa, a 16 de Dezembro de 2011, no Auditório do Centro de Estudos Judiciários, Largo do Limoeiro, pelas 9:30m. Destinatários: juízes, magistrados do MP e «outros profissionais forenses». A inscrição custa 25 €.Mais informações aqui.

Eis o programa:


SESSÃO I
9h45m-11h00m
A SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO E A MEDIAÇÃO PENAL
Professora Doutora Carlota Pizarro de Almeida, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

OS PROCESSOS SUMARÍSSIMO, SUMÁRIO E ABREVIADO
Mestre Helena Morão, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
11h00m - Pausa
11h30m

OS ENVIESAMENTOS PRÁTICOS NO TRATAMENTO PROCESSUAL DA PEQUENA E MÉDIA CRIMINALIDADE
Dr. Rui do Carmo, Procurador da República, PGD de Coimbra
12h00m - Debate
Moderação: Dra. Helena Leitão, Procuradora da República, docente do CEJ
13h00m - Pausa para almoço

SESSÃO II
14h30m
O INCREMENTO DAS FORMAS DE DIVERSÃO E DOS PROCESSOS ESPECIAIS - DIFICULDADES E INICIATIVAS PARA AS ULTRAPASSAR
Dr. Rui Batista, Procurador Adjunto, PGD de Lisboa
Dra. Marta Carvalho, Juiz de Direito, Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa
Mestre Paulo Saragoça da Matta, Advogado
Dinamização: Dra. Helena Leitão, Procuradora da República, docente do CEJ
15h30m - Pausa
16h00m - Continuação
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Corrupção: algumas ideias

Ter estado hoje de tarde em Faro a falar sobre o papel das vítimas no crime de corrupção permitiu-me entender-me comigo quanto a um conjunto de ideias sobre esse tipo de ilícito:

primeiro, que a tipificação do crime é como se o considerasse o legislador um crime de enriquecimento, quando ele é afinal um crime de dano àqueles que não souberam usar o suborno como instrumento de geração da vantagem a seu favor; 

segundo, que só a manipulação das categorias conceituais - ditas dogmáticas - é que permite considerá-lo [como o fez a doutrina com aplauso na jurisprudência] crime de resultado e não de mera actividade, pois que se considera [para mim de modo insólito] como resultado o facto psicológico da oferta ou do pedido serem levados ao conhecimento da outra parte, quando o resultado tipicamente relevante se supõe ser algo tangível e valioso do ponto de vista dos interesses protegidos pelas normas legais;

terceiro, que na lei e na prática a corrupção é considerada como se fosse um crime em si, autónomo e sem contexto, quando ele é um crime instrumental do (s)  ilícito (s)  - tantas vezes criminosos - que se mercadejou (aram) em contrapartida do suborno e que bem poderiam ser objecto de perseguição em sede de concurso real com ele;

quarto, que o desenho típico introduzido nas normas legais - mesmo a partir de 2008 na que criminaliza a corrupção no sector privado pura e simplesmente escorraça a existência de vítimas do crime, e no entanto no plano de Acção Comum da União Europeia [de 2003] estava prevista uma formulação em que os elementos de substância [lesão à concorrência ou dano a terceiros] eram considerados como relevantes;

enfim, que não se diga que tratar-se de crime de acção penal popular [artigo 68º do CPP] é forma de habilitação da intervenção das vítimas, pois que do que se trata é de não terem estas, devido à formulação típica do crime em causa, estatuto de ofendidos e como tal nem a lesão de que foram vítimas por esse crime poder ser demandada em processo que o tome como objecto.

Enfim, mais houve. A ideia é demonstrar em que medida tudo concorre, neste contexto para a impunidade da corrupção. O texto vai ser publicado. Darei notícias do mesmo. Ficam aqui, em estilo telegráfico, algumas ideias e o agradecimento à organização do evento.

Proscrever a prescrição?

A prescrição [do procedimento criminal] é injusta para as vítimas, útil para os autores de crimes, faz parte da essência do Estado liberal. Na sua base estão duas ideias utilitaristas e uma moral: a primeira, a de que a Justiça ou é eficazmente tempestiva ou não o é; a segunda é que o Estado, que se desacreditou ao não conseguir resolver-se quanto ao crime é melhor esquecer-se dele, porque fica exposto ao opróbio da impotência enquanto durar a pendência e esta já foi castigo sobejante para quem esteve em risco de vir surgir, tardia mas inexorável, a longa manus da Justiça.
Claro que tudo é discutível. O próprio marquês de Beccaria, animado de propósitos humanitários para o seu tempo, encarou a segunda, mas com reservas. Cito-o da sua pequena grande obra sobre os delitos e as penas: «Quando se trata desses crimes atrozes cuja memória subsiste por muito tempo entre os homens, se os mesmos forem provados, não deve haver nenhuma prescrição em favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga. Não é esse, todavia, o caso dos delitos ignorados e pouco consideráveis: é mister fixar um tempo após o qual o acusado, bastante punido pelo exílio voluntário, possa reaparecer sem recear novos castigos».
O tema, porque cívico, tem vindo para as páginas dos jornais e mais comunicação social. As reacções são expectáveis. Cada leitor sente-se mais potencial vítima de um crime do que possível autor dele. E vota na imprescritibilidade quer do crime que o Estado deixou por perseguir, quer quanto ao que não tem dúvidas ser o crime de o Estado não ter sido capaz de perseguir.
O problema é quando o relativo se torna problemático. Ao ter defendido o "carrasco de Lyon", o responsável pela Gestapo naquela cidade, preso já na fase terminal da vida, o controverso advogado francês Jacques Vergès pediu certidão a todos os processos em que torturadores franceses tinham ficado impunes na Argélia por estarem prescritos os seus crimes. E argumentou que no caso do julgamento do nazi que defendia estava em causa a "Justiça dos vencedores", porque entendiam que aquele crime, porque era «contra a Humanidade» pertencia à categoria dos crimes imprescritíveis e de incriminação retroactiva.
Na pequenez do nosso quotidiano de uma coisa me lembro eu e vejo que tantos a esqueceram: quando aqui há uns anos, por causa de uma alteração que não foi feita ao Código Penal [artigo sobre a interrupção da prescrição] quando entrou em vigor o nosso Código de Processo Penal [que acabou com a «instrução preparatória»] milhares de processos criminais prescreveram. Concluiu-se que isso sucedeu porque há mais de dez anos que se arrastavam em fase de inquérito, ou seja, sem terem visto um juiz pela frente. Foram tempos fantásticos, esses, em que, por um momento, os que já então clamavam contra o alegado «excesso de garantismo» [na forma: são os advogados, com os seus expedientes, os culpados do atraso na Justiça] tiveram que baixar o cornetim da exclamação [porque no inquérito penal os advogados tinham em matéria de possibilidades de intervenção praticamente zero], tempos em que, para interromper a prescrição havia quem passasse e validasse mandados de detenção apenas para levar o detido ao juiz e fazê-lo soltar a seguir, interrompida por esta forma a prescrição, a liberdade cidadã como instrumento de salvação da incapacidade do Estado.
Cuidado, pois, com coisas sérias. Que de uma vez por todas se não legisle ao sabor das notícias.

P. S. Honra seja feita ao legislador da Lei n.º 32/2010, de 02.09 que decretou que prescreveriam em 15 anos os «crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, 375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de Novembro, e 30/2008, de 10 de Julho, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção». Quaisquer que sejam as críticas que mereça essa inovação essa reforma teve «por pano de fundo a criminalidade associada à corrupção», por se reconhecer que os prazos em vigor até então «eram patentemente reduzidos» [leia-se, porque muito interessante o estudo de José Manuel Damião da Cunha, A Reforma Legislativa em Matéria de Corrupção [editado em Abril deste ano pela Coimbra Editora].

A ficção e a interpretação

Acreditem! Não é nenhuma obsessão em relação ao Tribunal Constitucional. É talvez eu não parar de abrir a boca, não de bocejo, mas de espanto.
Um pouco de história ajuda. Daquela história que é feita com a nossa pele, tisnada, tostada e azorragueada.
Houve tempos em que vi o Tribunal Constitucional exprimir-se, até para declarar a inconstitucionalidade de normas legais, através de uma fórmula do género: «o artigo X do diploma legal Y , quando interpretado e aplicado no sentido Z é inconstitucional por violação do artigo W da Constituição».
Depois, quando o TC passou a ser assolado por inúmeros recursos, daqueles desesperados a quem o legislador, numa das constantes reformas do Código de Processo Penal, retirou a regra do duplo grau de jurisdição, passou a rejeitar liminarmente recursos em que o recorrente usava precisamente essa fórmula, citando o modo como a norma tinha sido interpretada [e aplicada] com base no argumento segundo o qual o Tribunal Constitucional não sindicava interpretações de normas mas sim e apenas a sua conformidade constitucional.
Isto, apesar de ser essa a fórmula que usava, como disse, e de ser a que se consagrava num vade mecum formulário de um dos seus magistrados, Guilherme da Fonseca.
Daí, que para escapar à guilhotina liminar da rejeição do recurso, alguns causídicos passaram a usar a fórmula «o artigo X do diploma Y quando prevê Z é inconstitucional (...)», evitando a palavra aziaga, porque mortal, «interpretação». Claro que com esta fórmula os recursos não eram rejeitados in limine mas na sua esmagadora maioria eram declarados improcedentes a seguir.
Ora vejam qual não é a minha nocturna surpresa ao ler isto: que pelo seu Acórdão n.º 498/2011, de 26 de Outubro [texto integral aqui], o Tribunal Constitucional decidiu: «Interpretar a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé, depois de previamente ser ouvida, a fim de se defender da imputação de má fé; Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido, no segmento decisório atinente à condenação por litigância de má fé, ser reformado por forma a que aquela norma seja aplicada no indicado sentido interpretativo».
Felizmente um homem vive o tempo suficiente para ver o que era deixar de ser e voltar a ser. É uma dialéctica interessante, o mundo ser uma coisa e o seu contrário. Sobretudo quando se fala na segurança jurídica, que é uma daquelas ficções que se aprende nesta novela chamada Direito.

Um País de (con) jurados?

O júri em Portugal nunca pegou, porque tentaram plantá-lo «de estaca». Veio com a Revolução Francesa e a sua tradução portuguesa, o vintismo. Teve no bojo a desconfiança face à magistratura togada. Julgava-se que o povo julgando seria mais justo. Morreu de morte natural pelos anos quarenta. Foi repescado em 1975, pelo Decreto-Lei n.º 605/75. Mas é de surgimento ocasional, como as aparições.
Claro que o júri é uma contradição organizada.
Primeiro, porque há quem o julgue a democracia em acção, quando, afinal, é apenas um sorteio ao acaso tirado dos cadernos de recenseamento. Dizem-no indefectíveis democratas e republicanos como o notável tratadista de Direito Penal Luis Jimenez de Asúa, Presidente da República espanhola no exílio.
Depois porque se podem recusar mais facilmente jurados do que juízes, mas por razões que fazem perguntar porque razão a recusa de um juiz é uma excepção escandalosa se, na lógica do sistema, um jurado é tão juiz como os juízes de beca.
Além disso, porque por vezes os jurados são um instrumento de que a Procuradoria se serve quando pressente que é mais difícil à magistratura julgar, assim se comprometendo a colectividade local na responsabilização pela decisão.
Enfim, porque a defesa ilude-se amiúde quando julga maior benignidade no júri, quando a sua severidade é tão grande quanto a sua intolerância.
Mas [desculpem a rudeza] o que mostra a hipocrisia global do sistema é o Tribunal Constitucional ter-se permitido no seu Acórdão n.º 460/2011, de 11 de Outubro [texto integral aqui] pelo qual decidiu «não julgar inconstitucional o artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no segmento em que impede o julgamento por um tribunal do júri dos crimes de participação económica em negócio, previsto e punido nos artigos 3.º, n.º 1, alínea i), e 23.º, n.º 1, de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido nos artigos 3.º, n.º 1, i), e 16.º, n.º 1, e de abuso de poder, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 1, i), e 26.º, n.º 1, todos da referida Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, quando cometidos por um membro de um órgão representativo de autarquia local», afirmar que: «A admitir-se a possibilidade de julgamento com intervenção de júri nestes casos, torna-se maior o risco de se provocarem situações de difícil aplicação de justiça por força das pressões que venham a ser exercidas sobre os jurados, às quais um cidadão, porque não beneficia das mesmas garantias dos magistrados, consagradas no respectivo estatuto, no sentido de acautelar a sua independência e isenção, poderá ter maior dificuldade em escapar. É que, também nestes casos, esta proibição de intervenção do tribunal do júri visa proteger os cidadãos que, sendo obrigados a integrar um júri para este tipo de crimes, poderiam ver postos em causa valores essenciais, pessoais e familiares, pois estariam mais expostos a pressões ou outras formas atentatórias da sua liberdade, segurança e tranquilidade, direitos esses que cumpre ao Estado salvaguardar».
A um Estado onde se escreve isto, exige-se uma actuação e já: acabar com o tribunal de júri de fingimento, porque afinal um tribunal de permeáveis e medrosos, à mercê dos políticos e poderosos funcionários.
Isto, por falar em permeabilidade, para não perguntar ao Tribunal Constitucional qual a razão de ciência de uma tão grave afirmação.
É o estertor do Estado, a agonia da sociedade civil.

A taluda

Há situações em que é impossível as pessoas não verem no que escrevo referência a um caso concreto. Mas o propósito que me leva a escrever não é esse. Escrevo porque estou perdido. Só falta estar de cabeça perdida. 
Sou advogado, por vezes de defesa outras do lado das vítimas. Aprendi ao longo de um vida que se conseguem sempre piores resultados quando se está do lado das vítimas. E não é por causa do modo como os arguidos se defendem, sim, como já disse aqui, pelo modo como o sistema legal as trata, nomeadamente em matéria daquilo que parece ser o único remédio que está habilitado a dar às coisas: as indemnizações, magríssimas quase sempre, incobráveis tantas vezes, devoradas pelo que se gastou em custas e advogados.
Mas não é isso que me leva a escrever esta manhã, sim o cada vez mais encontrar menos um critério, uma regra, uma lógica que eu compreenda e consiga explicar aos que me procuram na minha profissão. Em tantas facetas isso se me coloca, quantas a fazer-me sentir um vendedor de cautelas de uma lotaria em que até pode sair a "sorte grande" como o bilhete em branco, esperando-se quase sempre, ao menos, a "terminação".
Penso esta manhã naquele momento agónico em que, esgotadas as vias de recuso, incluindo para o Tribunal Constitucional, há que dizer ao interessado que a pena é para cumprir, que a sentença transitou, enfim, que espere que a polícia o venha buscar se não quiser apresentar-se voluntariamente.
Confesso que a partir de hoje, já na segunda-feira, não sei mais o que dizer. Conto ouvir como pergunta um «mas não haverá mais um recurso possível?» e se a resposta for um «não», terei de confessar qualquer coisa como um «não que eu saiba», «não que eu tenha aprendido», «não que eu tenha coragem», «não que eu tenha lata», «não porque eu sou uma besta», «sim, talvez, porque não?», «sim, é caso para se ver...», «tentar não custa e até pode ser...», «seguramente, pois, claro que terá de ser», «Então não somos todos filhos de Deus e há horas do Diabo!...», «esteja certo que tou nessa, porque isto às vezes até está numa de dar», «bora nisso,, que isto no estado em que isto tudo anda era o que faltava que me armasse eu em finuras», para rematarmos, em alegre confraternização e foguetório, num «tá feito, és um gajo com sorte, e olha que eles foram uns tipos porreirinhos, tinhas razão, vai uma fresquinha para celebrarmos que nos saiu a taluda»...

Arbitragem [sem comentários]


                                                                 1993                                                                 

Ordem dos Advogados, autorizada a realizar a sua actividade de arbitragem através do Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos, resultante da transferência do Centro Nacional de Mediação, Peritagens e Arbitragens Voluntárias do Conselho Nacional de Profissões Liberais para a Ordem dos Advogados, de âmbito nacional e de carácter especializado, tendo por objecto auxiliar e promover a resolução de litígios civis, comerciais e administrativos, nacionais e internacionais, entre privados, entre estes e entidades públicas ou entre entidades públicas (“Partes”) que possam ser submetidos a arbitragem voluntária nos termos legais, nos termos conjugados dos seguintes Despachos:

a) Despacho do Ministro da Justiça n.º 21/93, de 5 de Maio;

b) Despacho do Ministro da Justiça n.º 12 576/2000, de 5 de Junho;

c) Despacho do Secretário de Estado da Justiça n.º 12096/2006, de 5 de Abril de 2006.

Sede: Rua de Santa Bárbara, 46 -4.º, 1150-320 Lisboa.
Telf:  213129850
Fax: 213534061
E-mail: cal@cdl.oa.pt



25-06-2009
Convenção de Arbitragem - Centro de Arbitragem de Litígios na Ordem dos Advogados
 
Constitui preocupação primordial de todos nós, Advogados, contribuir para a efectiva, célere e justa composição dos litígios em que sejam parte os nossos constituintes, cidadãos ou empresas. Para mal de todos, o Estado não o tem conseguido. E os Advogados e as Advogadas? Poderemos nós de algum modo contribuir para a prossecução de tão almejados objectivos?

Desde 21 de Setembro de 2005 que a Ordem dos Advogados, através do Conselho Distrital de Lisboa, gere e tem em funcionamento o “CAL - Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos”.

O Centro de Arbitragem de Litígios da Ordem dos Advogados (CAL) tem uma competência material, territorial e subjectiva bastante abrangente: “O Centro tem por objecto auxiliar e promover a resolução de litígios civis, comerciais e administrativos, nacionais e internacionais, entre privados, entre estes e entidades públicas ou entre entidades públicas ("Partes") que possam ser submetidos a arbitragem voluntária nos termos legais.”. Nele os Advogados têm a possibilidade de contribuir para a celeridade e justa composição dos litígios, não apenas enquanto tal, como mandatários das partes em litígio, mas também como árbitros.

[etc., etc., etc.]

O dano [moral] tanatológico

O irrequietismo da cultura pode levar ao caleidoscópio de categorizações jurídicas. Entre nós a figura do dano não patrimonial, chamado dano moral, tem sido tratado de modo unitário, gerando, seja qual for a sua forma, o ressarcimento compensatório afinal por equivalentes pecuniários.
Não assim no Direito italiano, como se colhe desta asserção, em que foi necessário definir pela negativa que: «non meritano alcuna tutela i diritti del tutto immaginari, come il diritto alla qualità della vita, allo stato di benessere, alla serenità: in definitiva il diritto ad essere felici».
Trata-se de um Direito em que só por um raciocínio jurídico redutor foi possível dar por adquirido que: «le distinte denominazioni (danno morale, danno biologico, danno esistenziale, danno da perdita del rapporto parentale o tanatologico), ha precisato la Corte, devono essere lette come mere sintesi descrittive adottate [...] dal momento che «il danno non patrimoniale» si presenta come una «categoria generale non suscettiva di suddivisione in sotto categorie variamente etichettate».
A ler aqui sobre o dano tanatológico, seja o sofrimento em agonia a que segue a morte, a dor psicológica própria final e a dos demais via hereditária.
«Con il sintagma danno tanatologico si descrivono, in realtà, due distinte ipotesi di danno, originate dal medesimo evento: il danno da morte iurehereditatis e il danno tanatologico iure proprio. Il primo definisce il danno subito dalla vittima primaria dell’illecito che può essere rivendicato dai suoi eredi; il danno tanatologico iure proprio, invece, ha ad oggetto la violazione, patita dai parenti della vittima, dell’interesse all’intangibilità della sfera degli affetti reciproci. Quest’ultimo interessa la lesione di due beni della vita, inscindibilmente collegati: il bene dell’integrità familiare, con riferimento alla vita quotidiana della vittima con i suoi familiari, (artt. 2, 3, 29, 30, 31, 36 cost.); il bene della solidarietà familiare, sia in relazione alla vita matrimoniale che in relazione al rapporto parentale tra genitori e figli e tra parenti prossimi conviventi (artt. 2, 3, 29, 30 cost.)».

Prova de co-arguido

Vale a prova do co-arguido contra o arguido? O problema não é líquido, oscilando o Direito entre a pragmática do aproveitamento e a moral da desconfiança. A sombra do «tão amigos que nós éramos» [expressão de Teresa Beleza] pesa sobre a questão, a ensombrar a credibilidade e a exigir corroboração.

A Relação de Évora num seu recente acórdão de 08.11.11 [relatora Ana Brito, texto integral aqui] lembra que «a jurisprudência do STJ tem revelado diferentes acolhimentos do princípio». E, como exemplo, cita três arestos deste Tribunal:

1º «(...) a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação» (STJ 12.06.2008, Rel. Santos Carvalho, www.dgsi.pt);
2º «(...) a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…)»;
3º «O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dúbio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova» (STJ 03.09.2008, Rel Santos Cabral, www.dgsi.pt).

Entrando a conhecer o caso sentenciou aquela Relação,seguindo uma lógica expendida por Medina de Seiça, no seu estudo O Conhecimento Probatório do co-arguido [Coimbra, 1999]:

«Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos.
A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição.
Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido em incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”).
Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.
Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente a declaração de arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação».

Insegurança pública, segurança privada

Que o Estado está incapaz de garantir a segurança pública e que a insegurança pública vai aumentar e que isso abre uma janela de oportunidade à segurança privada de quem a puder custear, eis o facto.  
Sucedeu: «o vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos e do BPN foi sequestrado e roubado, na noite desta terça-feira, por dois homens armados e abandonado na zona de Camarate, nas imediações de Lisboa».
A propósito opinou o presidente da direcção da ANASP, Ricardo Vieira: «(...) a actividade de segurança privada, pelo seu carácter complementar e subsidiário à segurança pública, poderia e deveria representar aqui um papel fulcral, não fosse esta encontrar-se 'manietada' na sua natureza de protecção de pessoa e bens, por uma lei absolutamente desenquadrada e desajustada da actual realidade».
O qual mais disse: «o Legislador, consciente da ineficácia do próprio Estado em responder adequadamente a todas as necessidades de segurança dos cidadãos, permite que ente privados complementem essa mesma actividade, assumindo para si (e muito bem) a regulação e fiscalização da mesma, o grande problema é que, impelido por razões que a própria razão desconhece, impede empresas e profissionais de recorrerem aos meios tidos por necessários para o exercício cabal da actividade, nomeadamente no âmbito da formação e dos meios de protecção como o são as armas letais e não letais conforme a situação o justifique» [itálico nosso].

À conversa com a Ministra da Justiça

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi a convidada do Direito a Falar. No programa, a ministra fez uma análise sobre a actual situação da Justiça em Portugal e apontou as principais reformas que o Ministério pretende levar a cabo. A emissão contou como habitualmente com a presença do comentador residente e director do jornal jurídico Advocatus, João Teives, e do jornalista do Diário Económico Francisco Teixeira. A conversa pode ser vista aqui.

Perguntar não ofende!

É o Despacho n.º 16171/2011 da Ministra da Justiça. Está publicado na íntegra aqui. Aprova o «plano de acção para a justiça na sociedade da informação».

Há que lê-lo com atenção. No imediato traduz uma lógica de eficácia, de celeridade, de simplificação, de desburocratização. Mas há perguntas inevitáveis. Sei que vou ser antipático ao colocá-las e que haverá quem pense que estou ao serviço de uma lógica de desconfiança das rectas intenções e dos honestos propósitos. Mas a ambiguidade do escrito não permite outra atitude cívica se não a de perguntar. Perguntar não ofende.

Quando se prevê um «sistema de gestão processual integrado nos tribunais, dando suporte a todas as actividades realizadas, não apenas as administrativas, mas também no registo pleno das múltiplas intervenções no tribunal, envolvendo todos os intervenientes judiciários»  fica claro que se pretende abranger o trabalho dos magistrados. E quando se acrescenta que «a presente acção visa o aumento do controlo do respectivo processo «produtivo» e, dessa forma, o aumento da previsibilidade processual e do cumprimento de prazos», quer-se dizer que se vai criar um sistema de fiscalização [por quem?] do «processo "produtivo"» dos magistrados [como se de indústria se tratasse e de puro economicismo, numa lógica de taylorização?].

Quando se diz que se pretende «rever os metadados [manifesta gralha, quer dizer-se métodos * ] associados aos processos para que seja criado um único entendimento [sublinhado nosso] dos mesmos e que seja consistente em todos os processos e instâncias, para assegurar uma efectiva transparência e eficiência da actividade de todos os operadores judiciários envolvidos», quer-se dizer o quê em concreto no que respeita à actividade jurisdicional e à independência dos juízes e autonomia do Ministério Público? A padronização? A criação de uma justiça de formulário obrigatório e de livro único, conseguindo pela informática o que os "Assentos" obrigatórios não conseguiram fazer vingar, o sistema do «único entendimento»?;

Quando se diz pretender «promover em conjunto com a iniciativa privada uma plataforma de resolução alternativa de litígios integrada na arquitectura de sistemas de informação da justiça, mediante uma plataforma electrónica de serviços de mediação em linha», quer-se dizer o quê? Mediação por chat? Justiça pelas redes sociais? E porquê a «iniciativa privada» aqui chamada?

Sei que está tudo ainda ao nível de um grupo de trabalho que «é coordenado pelo Dr. João Miguel Barros, chefe do Gabinete da Ministra da Justiça, e integrará o Dr. Ricardo Negrão dos Santos, técnico especialista do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, e a Dr.ª Patrícia Moital, técnica especialista do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, que secretariará, bem como representantes do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, do Instituto dos Registos e do Notariado, da Direcção-Geral da Administração da Justiça e da Direcção-Geral de Política de Justiça». 

Os resultados virão depois. Mas antes que se esteja a trabalhar para o que não se sabe é melhor que saibamos no que se trabalha. É que a técnica tem coisas excelentes, resta saber ao serviço do quê. No seu pior momento ela dá azo à ditadura tecnológica, ao pesadelo orwelliano.

* P. S. Dizem-me que não é gralha e que os metadados são os dados que descrevem dados. Como aqui se diz. Que não se tratará da procura de «único entendimento» quanto ao conteúdo das decisões. A ser assim teria sido melhor ter encontrado uma outra fórmula enunciativa porque tal como está redigido o texto e ao fazer apelo à «transparência» e «eficiência» da actividade de todos os operadores judiciários a ideia que se inculca é a de que trata do controlo do conteúdo do processado.

RPCC-3

O n.º 3 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal prosseguiu com a arrumação sistemática idêntica aos primeiros números.
No capítulo referente à doutrina (i) Raul Soares da Veiga escreveu Sobre o consentimento desconhecido [incidindo sobre o Direito Português antigo e o estrangeiro], concluindo pela positiva que o tratamento jurídico que o nosso Código Penal deu à questão [no seu artigo 38º, n.º 4] se caracteriza por «pioneirismo» e pela negativa que questões que outros ordenamentos estrangeiros suscitavam «carecem de sentido face à nossa lei» (ii) Manuel da Costa Andrade Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas [estudo que viria a tornar-se um clássico, nomeadamente quanto às escutas a defensor e a portadores de confiança e no que se refere ao problema dos «conhecimentos fortuitos» obtidos a partir das intercepções] e (iii) Fernando Oliveira Sá uma análise a que chamou As ofensas corporais no Código Penal: uma perspectiva médico-legal, em que procede ao inventário e crítica das conclusões de um workshop ocorrido na Curia em 16 e 17 de Fevereiro de 1989 sobre o tema.
Na secção sobre a jurisprudência crítica são escalpelizados dois arestos (i) um Assento do STJ de 03.04.91, sobre a não indicação do motivo da doença quando justificação de falta por atestado médico, por Manuel Simas Santos e (ii) outro da Relação de Coimbra de 30.01.91, sobre o concurso de ordenações e a matéria da continuação de contra-ordenações.
Mário Araújo Torres prosseguiu a sua crónica legislativa e J. Silva Miguel deu notícia de uma reunião conjunta entre a PGR portuguesa e a Fiscalía General del Estado espanhola, terminando esse capítulo informativo com uma nótula sobre a procriação assistida.

Os quase-delitos

Eram os quase-delitos, os cometidos sem dolo, com mera culpa. Numa época em que o Direito Penal parecia desproporcionado em extensão. Hoje que diríamos quando só até a severidade das coimas para as contra-ordenações parece nivelar-se ao rigor punitivo das penas para os crimes. A foto é a de uma página do livro de Direito Criminal escrito por Pascoal José Melo Freire [e não «e Freire» como tantas vezes se erra]. Escreveu em latim. Tenho um exemplar. Este está ao alcance de todos, digitalizado, no site da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aqui: Paschalis Josephi Mellii Freirii ... Institutionum juris criminalis lusitani ... liber singularis. - Olisipone : Ex Typographia Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1794.


Levante-se o Véu!

Permiti-me fazer menção ao livro aqui. Coloquei-a na lateral deste blog. Compreendam que afixe aqui o convite. Tenho sempre dúvidas quanto a ser mal interpretado. Sou o maior crítico do que escrevo. Convidar é expor-mo-nos no bom e no mau. Eis o risco. Até o de ninguém querer ler. Não é, pois, vaidade, mas sim atrevimento.
 

Relatório de Segurança Interna - 2010

É um documento extenso. Normalmente toma-se conhecimento dele pela imprensa. Mesmo os que estão ligados por razões profissionais ligados à área do conhecimento e da resposta à criminalidade [e em geral da segurança interna de que esta é uma das vertentes] não o lêem. Por ser longo ou porque se bastam com ideias gerais, ou porque a sua função dispensa saber tais coisas.
Tomei conhecimento dele aqui no blog "Das Ciências Forenses". São 243 páginas. Datado de 25 de Março do corrente ano. Não passível de ser copiado, nem por excerto. 

Por causa dos gregos e seu cavalo...

Enfim descobri a analogia literária que explica o porquê da para mim inaceitável irrecorribilidade total da decisão instrutória em processo penal. 
Leio-a num acórdão da Relação do Porto de 09.11.11 [proferido no processo 148/00.1IDPRT-A.P1, relator António Gama, texto integral aqui]: «(...) é hoje indiscutível que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, nomeadamente a prescrição do procedimento criminal. Outro entendimento equivalia a recolher o cavalo de Tróia dentro da cidadela da celeridade processual, valor constitucional relevante em processo penal, quando o legislador tem tentado, a todo o custo, remover, nesta fase, os obstáculos a que o processo seja remetido imediatamente para julgamento, art.º 310º n.º1 do Código de Processo Penal».
Claro que no tempo do Estado Novo de Oliveira Salazar a pronúncia admitia recurso até ao STJ [artigo 377º do Código de Processo Penal de 1929], sendo que a recorribilidade só até à Relação foi uma "conquista" do PREC [artigo 21º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro] e sob a bandeira do Estado de Direito Democrático é como hoje se vê, de nada se pode recorrer, percebo agora eu por causa dos gregos e seu cavalo de Tróia.

RPCC-2

O número 2 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal abriu com uma pesarosa notícia, a da morte do Doutor Eduardo Correia. 
No sector doutrina a publicação arquiva (i) um estudo de Manuel Lopes Rocha, sobre Bioética e nascimento, apelando, com fundamento no ponto da situação à data nomeadamente no Direito estrangeiro, à prudência legislativa portuguesa na área (ii) outro de Álvaro Laborinho Lúcio, referente à Subjectividade e motivação no novo processo penal português [problema ainda hoje candente, sobretudo enquanto garantia constitucional de sindicabilidade ] (iii) e finalmente um terceiro de Manuel Marques Ferreira respeitante ao tema [também labiríntico ainda em aberto apesar da alteração legislativa à norma que a prevê e precisamente por causa dela] Da alteração dos factos objecto do processo penal.
Na jurisprudência crítica a análise incide sobre dois arestos (i) um Acórdão do STJ de 21.03.90, sobre a determinação concreta da medida da pena [relator Manso-Preto], anotado elogiosamente por Anabela Miranda Rodrigues e (ii) outro do mesmo Tribunal, de 25.06.86 [relator Silvino Villa-Nova], sobre a questão do concurso de circunstâncias qualificativas do furto, comentado por Fernanda Palma.
Mário Araújo Torres prosseguiu o inventário da legislação entretanto publicada. No campo das notícias José Augusto Garcia Marques informa de modo resumido mas sistematizado sobre o estado de alguns sectores da cooperação judiciária em matéria penal no âmbito das comunidades europeias.

Uma página vazia

Alguém já foi à página na net do Tribunal da Relação de Lisboa para pesquisar aqui o que há de jurisprudência daquela segunda instância? 
Então tente e veja quantos arestos vê citados e as datas dos mesmos. 
Eu sei que eles estão pelo menos elencados no site da dgsi e no site da Procuradoria Distrital de Lisboa [da responsabilidade do MP], para além do que consta, em papel, da Colectânea de Jurisprudência.
Mas, ante esta situação, não seria ou de extinguir a página ou ao menos fazer nela conter-se uma referência qualquer que evitasse este aspecto de casa abandonada? Ainda por cima jurisprudência que há todo o interesse em divulgar.

Execução de indemnização em processo penal

A Relação de Lisboa por Acórdão de 17.11.11 [Proc. 341/07.6PGLSB-A.L1 – 9ª Secção ] decidiu que «em caso de condenação, proferida em processo penal, a execução de quantia certa, relativa ao pedido civil enxertado, deve correr, por apenso, no processo criminal». Segundo se informa aqui o primitivo relator Rui Rangel votou vencido, daí que o acórdão foi elaborado pelo juiz desembargador-adjunto, João Carrola, conforme n. 2, do artº 424º e 425º, n. 1 do CPP.

E porque não um Livro Branco?

As medidas concretas na área da Justiça vão sendo conhecidas aos poucos. Desta feita são as novidades na área do processo civil, da organização judiciária. Interessantes são, porém, as notícias que são sendo filtradas sobre a situação financeira do Ministério.

«Em Agosto 4 de Agosto o MJ solicitou ao MF um reforço orçamental nesse valor de 416 M€, sendo 263 M€ para repor o equilíbrio financeiro necessário ao ano de 2011 e 153 M€ para pagamento dos encargos assumidos e não pagos no final de 2010. Em Agosto e Setembro foram concedidas dotações extraordinárias para garantir o pagamento de salários. Este é, no rigor dos números, a situação que temos vindo a enfrentar». revelou a Ministra da Justiça, ao VI Congresso Nacional do Sindicato dos Funcionários Judiciários, que decorreu em Albufeira, ao mesmo tempo que anuncia novas medidas no campo da informatização.[texto integral do discurso no Blog de Informação, aqui]. 

Não seria mais adequado o Ministério editar um Livro Branco em que ficasse claro como se gastou, na área da Justiça, o dinheiro que a mesma gerou e que lhe foi atribuído? De A a Z?
É que ontem foi o transferido para a Ordem dos Advogados, hoje o que se teve de pedir para pagar salários, outro dia o quanto custa o Campus da Justiça, pelo meio o que se gastou [em geral no Estado] com pareceres de advogados.
Ora para que não pareça que os números estão ao serviço da política, nada como revelá-los todos. Sem excepção.

Obrigado a quantos!

Ontem este blog ultrapassou os cinco mil leitores em trinta dias. Seria hipócrita se não exprimisse o meu contentamento. Quem escreve gosta de ser lido, pelo que escreve por haver quem leia. 
O Patologia Social tem sido a expressão dos meus amores e desamores pelo Direito. Tendo-o conhecido, como o conheci, sob tantos ângulos e em tão diversos estados do meu ser social e dos meus estados de alma não é que seja o princípio e o fim de todas as coisas. Até por se tratar do Direito Criminal mostra o lado triste e sombrio da vida, o surpreendente no ser humano, a tragédia a espantar-nos quantas vezes sob a a forma de aparente comédia. 
Tornou-se sim o território em que aprendi que o dever ser não é o ter de ser, porque há a liberdade. Há mais pessoa do que cidadão, mais indivíduo do que contribuinte, mais Nação do que Estado. 
A tentação dos mesquinhos legisladores post-modernos de tudo regularem, regulamentando, é a ânsia dos ditadores imaginarem que o dique da norma contém a enxurrada da existência.

A lógica da sopa instantânea

Vou dizer o que penso, tal como o sinto. Ao ler aqui a Lei n.º 60/2011, que permite que o tempo de formação de um juiz possa ser abreviado, porque, para cumprir os objectivos economicistas impostos pela "troika" estamos a precisar de juízes para os tribunais administrativos e fiscais, fiquei com duas amargas sensações.
A primeira, reminiscência do tempo em que Portugal viveu a guerra em África e se fabricavam oficiais milicianos e "capitães" como quem criava galinhas em aviário. Viu-se o resultado.
A segunda, fruto de uma vida amadurecida nos tribunais, a de que, para certas mentalidades, juiz é uma espécie de "caldo Knorr» que, não havendo melhor, se come como sopa leve e instantânea. Vai ver-se a ligeireza pela rapidez.
Mas o que importa se, segundo as luminárias do Quartel General, num caso ou noutro, o que importa é despachar processos, como quem aviava "pretos".

[isto com a devida vénia pela marca alimentar alemã, que tem aliás umas canjas razoáveis, embora eu prefira a que jantei hoje, feita por mãos carinhosas, de galinha conhecida, e com todo o comovido respeito por aqueles que, em nome de uma causa, legítima ou não, deram o melhor de si em África em nome das Pátrias que tantas vezes deles fizeram os soldados desconhecidos].

Se tudo fosse assim tão simples...

Hesitei se deveria referi-lo. Os responsáveis governamentais deveriam evitar revelações avulsas e casuísticas estando em causa matérias relevantes ou pelo menos não se deixarem apanhar em tais trajes de passeio. Mas também não deixa de fazer sentido divulgar tal como foi dito pela própria. A ministra da Justiça anunciou: «Prevê-se também a revisão do código penal e do processo penal, dado que para a ministra há crimes que justificam o Segredo de Justiça, como por exemplo os crimes económicos, mas outro que não. E quando esse segredo for quebrado deve ser feita uma investigação, ainda que concorde que seja muito difícil fazê-lo» [sic]. 
É o que informa o jornal "Diário Económico". Tudo com esta simplicidade.
A governante foi convidada do programa “Direito a Falar”, uma parceria entre o Advocatus e o Económico TVAdvocatus. Para mais, ler aqui.

Profissão: jurista!

Portugal não é Lisboa. O Direito Português interessa a todo Portugal.
O IPCB/Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova (ESGIN) vai realizar, no próximo dia 30 de Novembro, pelas 14h30m, um Seminário sobre "Percursos Profissionais nas Ciências Jurídicas no séc. XXI". Trata-se de uma organização do Núcleo de Estudantes de Solicitadoria em conjunto com a Coordenação do Curso. 
O evento contará com a presença de um Advogado, um Solicitador, um Agente de Execução, uma Notária, um Juíz e uma Procuradora do Ministério Público. O objectivo é clarificar os requisitos e regimes de ingresso na Ordem dos Advogados e na Câmara dos Solicitadores, bem como o acesso e competências do Notariado e da Magistratura. A informação recolhi-a aqui.

RPCC-1

Inicio hoje a construção de um índice das revistas jurídicas portuguesas contendo matéria penal. O índice ideográfico será acessível a partir das etiquetas deste blog, na lateral do mesmo. Começo pela Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Pelo n.º 1, referente a Janeiro-Março de 1991.
Dele consta como doutrina (i) um estudo de Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime [verdadeira excursão aos temas essenciais da parte geral do Direito Penal] (ii) A relevância da lei penal inconstitucional de conteúdo mais favorável ao arguido, de Rui Pereira [em que o ponto de partida é uma jurisprudência então recente do STJ que segundo ele «obriga os tribunais a aplicarem normas inconstitucionais»] e (iii)  Sobre o princípio de igualdade de armas, de Cunha Rodrigues, para si «uma das grandes aporias do moderno processo penal».
Como jurisprudência crítica são comentados dois acórdãos, um da Relação do Porto, sobre o exercício ilegal de radiotelevisão [de 11.02.91, relator Calheiros Lobo, anotado por Faria Costa] e outro do STJ sobre a renúncia a alegações orais [de 14.03.90, relatado por Barbosa de Almeida, anotado por Simas Santos].
A título de crónica legislativa António Henriques Gaspar analisa sob o título A corrupção do fenómeno desportivo iniciativa legislativa [então embrionária] no sector, Mário de Araújo Torres faz uma resenha da legislação referente ao primeiro trimestre de 1990, Manuel António Lopes Rocha, refere a questão das Novas Estratégias Sociais e Sistema de Justiça Penal e finalmente Teresa Alves Martins noticia alguns apectos do VIII Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Deliquentes.