Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Dolus in re ipsa: inferir e assim provar indiciariamente

Como se prova o dolo, a intenção, a representação mental do crime e a adesão da vontade ao mesmo? O dolo que é ao lado da ilicitude um dos elementos essenciais dos tipos de crime em que não é só punida a negligência.Lendo este excerto demonstra-se que não é de prova que se trata mas de inferência. Cito da Relação de Évora, no seu Acórdão de 08.05.12 [relator João Latas, texto integral publicado aqui]: «Em regra, os factos de natureza psíquica, como os que respeitam ao conhecimento e vontade próprios do dolo, não são objeto de prova direta, ou seja, tal prova não é feita com base em meios de prova que versem diretamente sobre esses mesmos factos – exceção feita à confissão ou a casos excecionais de prova por ouvir dizer, legalmente admissível -, antes tem por base inferências lógicas assente em factos objetivos, maxime os relativos aos elementos objetivos do tipo, e em regras da experiência comum, não constituindo a prova indireta dos factos qualquer novidade e, menos ainda, ilegalidade.»
E depois, como se a prova indiciária não findasse o seu relevo antes do julgamento, suficiente para o Ministério Público acusar ou ainda para o Juiz de Instrução pronunciar, mas ainda tivesse lugar de expressão, relevo e valia condenatória em julgamento - onde se não exigisse prova plena apta a gerar a convicção para além de qualquer dúvida razoável mas bastasse ainda e apenas aquela prova por indícios - acrescenta, citando Cavaleiro Ferreira: «A prova indiciária tem uma suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.»

A geografia de uma vida

Não é este um blog referente à minha actividade profissional. Mas é um blog pessoal, um espaço de liberdade. Tento que seja informativo e por vezes falha-me tempo para informar-me e poder divulgar. Quero que seja crítico mas nem sempre tenho possibilidade de meditar para me precaver do comentário superficial. Venho hoje falar de um assunto meu.
Este mês a Ordem dos Advogados concedeu-me a reforma como Advogado. Por causa dos encargos a que estou a amarrado, terei de continuar, porém, a trabalhar nos tribunais. Estou naquela idade a quem já ninguém daria outro emprego. E depois viciei-me neste.
Num momento destes pensa-se no que foi ter sido Advogado, no que poderia ter sido, no que acabou por ser. No meu caso a data não se tornou numa efeméride, apenas um momento de encontro de contas com a Caixa de Previdência da minha Ordem, uma das que restam livres neste País em que o Estado engoliu o sociedade civil.
Comecei a advogar em Sintra, feito o estágio em Lisboa no escritório do Dr. Francisco Salgado Zenha. Naquela vila o Tribunal eram dois juízos, instalados no edifício da Câmara Municipal. Lembro-me do nome dos escrivães, o Senhor Alvarez e o Senhor Aleluia. Quando comecei eram a minha referência directa, o primeiro lado visível da Justiça. Não me atrevia a confessar-lhes a minha ignorância, estudava dia e noite por pudor.
Eu era então o benjamim da comarca. Comecei a fazer de tudo, desde registos prediais, a escrituras de habilitação. Propus acções cíveis, execuções de letra, divórcios, processos-crime. Nos dias de mercado esperava que me chegassem "clientes". Vinham da Sintra rural, da Várzea, da Ulgueira, de Pero Pinheiro, de Dona Maria.
Tinha aberto escritório com cinquenta contos que a minha Mãe poupara. Comprados os tarecos e uma máquina de escrever, assinalei-me o propósito de continuar se aquele dinheiro não acabasse sem eu ter ganho algum para ir repondo. Não tinha fotocopiadora. Não havia faxes. Escrevia-se em papel selado.
Tem sido assim, no bom e nos maus momentos, um mundo que pode terminar a cada instante. Os que tomam os outros pelo que deles fantasiam, imaginarão coisas, muitos a medida da frustração, outros do que ambicionam. 
O real, mesmo quando invisível, existe.
Ao longo da vida conheci de tudo. Ninguém tem o monopólio da virtude. Um dia mudei-me para Lisboa, para um pequeno gabinete, na Rua Marquês de Fronteira. 
Talvez por ter estado sete anos ligado à docência na Faculdade de Direito da Universidade Clássica, na área do Direito Criminal e do Processo Penal, e depois mais dez nas Universidades Lusíada e Internacional, fui-me centrando nestes ramos do Direito. De vez em quando aventuro-me por outros territórios. Com gosto e frequentemente com resultado. Mas acabei por ficar um Advogado criminalista em prática isolada. O modo de ser profissional é o modo de ser da pessoa que exerce a profissão.
Não há Advogados que ganhem sempre; quem o diz ou não advoga ou cruza os dedos atrás das costas. Aliás a Advocacia não é o mundo onde tenha se se alcançar o orgulho de ganhar uma causa para não sofrer a humilhação de perdê-la. 
Tenho perdido processos que merecia ter ganho e ganho outros que merecia ter perdido. Em ambos os casos a Justiça perdeu sempre. Houve coisas que gostaria de não ter sabido, outras que gostaria de não ter feito ou visto fazer.
Se eu tivesse a arrogância de escrever um livro sobre como é advogar não saberia escrevê-lo. É uma Arte, não uma Ciência. Quando se tem o holofote em cima, o público ilude-se com o ruído das luzes, porque não se notam os bastidores nem as horas a fio de ensaio.
Com o 25 de Abril o meu patrono foi o primeiro ministro da Justiça da democracia. Chamou-me para seu secretário. Julguei que a Pátria precisava de mim e eu podia oferecer-me ao Governo. Fui para secretário do ministro. Desde então ficou-me o gosto pela causa pública. Deixou-me no final de tantos tombos gosto amargo. Regressei sempre à minha banca de Advogado.É o útero onde me fiz.
Hoje acabei um prazo, amanhã tenho um julgamento. E serviço acumulado por cansaço. Tenho vergonha de o dizer porque há centenas de colegas sem trabalho. Sou nisso um privilegiado. Fiz o que quis fazer de mim. Tudo começou há muitos anos. Em Fevereiro de 1972 comecei o estágio. A fotografia deste postal mostra como era o meu eu exterior nesse tempo. 
A geografia de uma vida é o mapa que a vida nos desenha no rosto.

A integralidade da confissão

Para ser válida e por isso eficaz em processo penal a confissão tem de ser integral e sem reservas. A integralidade abrange o tipo objectivo e o subjectivo. Assim a 18 de Abril a Relação de Coimbra [relator Jorge Dias, texto integral aqui] decidiu que «quando o arguido nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado, não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime.». Já havia decidido de modo semelhante em 15.12.10.

A "encomenda"

Leio neste acórdão aqui da Relação de Lisboa, que acabo de citar noutro postal, este excerto e confesso que fico chocado: «porém, pese embora a matéria de facto que foi dada como comprovada pelo tribunal “a quo”, ainda assim, nunca, à luz da mesma, o arguido poderia ter sido absolvido. E, nesta parte, a tarefa mostra-se-nos particularmente facilitada com o “Parecer” do Exm.º Prof. Costa Andrade, com o qual o recorrente instruiu o recurso, e que aqui se sufraga na sua plenitude. Dir-se-á que este estudo é fruto de uma “encomenda”, porventura até bem paga! [...].
É que, vamos à questão, a ir-se até ao fim do argumento suscitado, todos os pareceres, de juristas ou de quem seja, passam a estar em dúvida porque são pagos, todos os que actuam remuneradamente na Justiça passam por suspeitos porque são pagos, o ser pago passa a ser razão para se pôr em crise a probidade e a honradez e assim, num aparte, se lança a lama da dúvida.
No caso, como se verá, até foi com base neste parecer que até poderia ser, segundo os juízes que assinaram o decidido, de «encomenda» e «porventura até bem paga», que o tribunal condenou o interessado. O que nem adianta nem atrasa quanto ao que está em causa. Em causa sim a frase, a ideia subjacente, o juízo moral implícito, o rebaixamento.
Confesso que há dias em que dá vontade de desistir. Quando nos vemos, os que vivemos do nosso trabalho nos tribunais, e tentamos que o mesmo seja sério e feito com probidade, não defendendo qualquer coisa de qualquer modo mesmo quando o contrário nos daria o benefício da "encomenda" ser "bem paga", assim passíveis de sermos olhados, obliquamente.
Perdoem o desabafo pessoal, fazendo minhas as dores alheias. Deve ser de estar a chover, seguramente. É um sentimento de desolação.

Gravar para se defender?

O problema das gravações sem consentimento para prova de crime ou para defesa do próprio é sério por poder estar em causa um equilíbrio de valores constitucionais. Do ponto de vista penal, ante o carácter criminalmente ilícito da conduta e a consequente proibição da prova assim obtida coloca-se como alternativa legitimadora da conduta a eventual existência de uma situação de direito de necessidade. 
Foi sobre essa matéria que incidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.12 [relator Almeida Cabral, texto integral aqui], segundo o qual «recebendo o arguido convite para um encontro, logo tendo intuído que o interlocutor visava uma acção de corrupção, aceitando comparecer e indo munido de gravador, com o qual gravou a conversa sem o consentimento daquele, não se verifica o “direito de necessidade”, excludente da ilicitude, pois o perigo foi intencionalmente criado pelo agente».

 

Quando o afinal surpreende...

A notícia conheceu honras de caixa alta. A imprensa fez-se eco dela. O caso foi interpretado como um sério aviso aos bancos. Pessoas com responsabilidades difundiram-na e opinaram. E citaram a situação como um acto de coragem do (a) magistrado (a) que teria proferido a sentença. E adiantaram que o seu nome deveria ser divulgado como exemplo. 
Agora veio o desmentido: afinal não se tratava de entregar a casa ao banco credor hipotecário e ficar extinta a dívida. Vi isso este começo de manhã no In Verbis, aqui.
É por isso que me guardo de comentar neste blog o que chega pelos jornais: não que a imprensa não mereça respeito, mas porque o respeito pela segurança do que se diz no Direito merece mais.

Suspensão provisória na instrução




Segundo o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.04.12 [relator Luís Ramos, texto integra aqui] «O requerimento para abertura de instrução em que o único pedido seja a suspensão provisória do processo não pode ser rejeitado, visto que não viola a regra sobre a finalidade da instrução, porque a comprovação judicial a que se reporta o n.º 1 do artº 286º CPP, não se restringe ao domínio do facto naturalístico, antes compreende também a dimensão normativa do mesmo e por conseguinte, a sua susceptibilidade de levar (ou não) a causa a julgamento.»
É que, segundo o mesmo aresto, louvando-se no já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça: «o arguido e o assistente podem pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo», pelo que «enquanto no decurso do inquérito, aqueles sujeitos processuais se podem dirigir ao Ministério Público, dominus dessa fase processual, por mero requerimento, já ao seu direito a pedir, ao juiz de instrução, a suspensão provisória do processo, tem de corresponder uma adequada “acção”, destinada a efectivar esse direito e que ocorre já depois de findo o inquérito e tomada posição final pelo Ministério Público», ou seja «a acção dirigida ao juiz de instrução, findo o inquérito, como é o caso, só pode, pois, ser constituída pelo requerimento de abertura de instrução em que se pede que se analisem os autos para verificar se se verificam os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo e que em caso afirmativo se diligencie, além do mais, pela obtenção da concordância do Ministério Público, tal como o impõe o n.º 2 do artº 307.º do Código de Processo Penal», porque «só esse requerimento abre a possibilidade ao juiz de instrução de proferir a decisão a que se refere o art. 307.º e que inclui, como se viu, a possibilidade de suspender provisoriamente obtida a concordância do Ministério Público.»

O decidido pela primeira instância e que foi agora rejeitado pela Relação havia sido no seguinte sentido:
«Pelo requerimento de abertura de instrução, verifica-se que o arguido apenas pretende que seja aplicado aos presentes autos o instituto da Suspensão Provisória do Processo (forma de processo especial), porém para que tal aconteça é necessário que o Ministério Público dê a sua anuência, nos termos do art. 281º do CPP. Ora, conforme se verifica do despacho de fls. 62 do Ministério Público, o mesmo de forma fundamentada, explicou as razões porque não aplicava aos presentes autos tal instituto, nomeadamente por não se verificarem os requisitos do mesmo, nomeadamente no que toca à culpa diminuta, ou melhor dizendo à falta dela. 
Acrescenta-se que a suspensão provisória do processo (finalidade da presente instrução), é uma forma de processo especial, sendo que a opção pela mesma está no poder discricionário do Ministério Público, não cabendo ao Juiz de instrução ordenar a mesma ou apreciar o mérito de tal decisão, quando mais o Ministério Público já fundamentou o porquê da não aplicação de tal instituto. Apenas lhe cabe (ao Juiz), como decorre da lei, verificar, e no caso do Ministério Público optar por esta solução processual, se se encontram preenchidos os pressupostos da sua aplicação. 
Aliás, face à posição já expressamente manifestada nos autos pelo Ministério Público sobre as razões da não aplicação do instituto da Suspensão Provisória do Processo, admitir a presente instrução não mais passava do que admitir que se praticassem nos presentes autos actos inúteis. 
Face ao exposto rejeita-se liminarmente a presente instrução, uma vez que a mesma não respeita as finalidades previstas na lei para abertura da mesma.»

O caso julgado provisório

O caso julgado é uma garantia para a segurança jurídica, para os direitos e expectativas de todos os participantes processuais. O caso julgado delimita os limites objectivos do decidido e do que não pode ser repetido, marca o momento em que uma decisão judicial pode ser executada porque definitiva. Evita abusos, impede favores.
Imagina-se o que pode resultar de um Código de Processo Penal que não tem normas sobre o caso julgado, como é aquele que nos rege.
Aprende-se toda a vida. Aprendi agora que existe o caso julgado provisório, o caso julgado sujeito a condição resolutiva. O processo provinha da comarca de Oeiras.
Lê-se aqui no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.12 [relator Vieira Lamim, texto integral aqui]:
«Iº Tendo a decisão condenatória transitado em julgado quando estava por decidir a questão da prescrição, suscitada antes desse trânsito e que o Supremo Tribunal de Justiça ordenou fosse apreciada em 1ª instância, aquele trânsito em julgado tem natureza provisória e resolúvel, assim garantido efeito útil à decisão que vier a ser proferida sobre a prescrição;IIº Tendo o arguido sido condenado por quatro crimes na pena única de dois anos de prisão, por acórdão transitado em julgado nos referidos termos e encontrando-se pendente a apreciação da prescrição invocada em relação a dois desses crimes, deve aquele acórdão condenatório considerar-se inexequível, em relação à pena de prisão, até que transite a decisão relativa à prescrição.»
É que, segundo o decidido: «os princípios da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (art.2, da Constituição da República Portuguesa), da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias (art.18, nº2, C.R.P.) e da dignidade humana do condenado (arts.1 e 30, nº5, da C.R.P.), impõem que não seja reconhecida, no caso concreto, exequibilidade à decisão condenatória já transitada, em relação à pena de prisão, enquanto se puder verificar a condição resolutiva do trânsito em julgado, pela eventual procedência da prescrição invocada.»

Monsaraz

O quadro é simbólico. Está em Monsaraz esse magnífico e mítico lugar. Chama-se O Juiz das Duas Caras. É um fresco do século dezasseis. Representa o bom e o mau juiz, a boa e a má Justiça. É um elogio ao juiz recto e honesto. Só sabendo do mal se valoriza o bem.
A luta pelo processo de revisão, a luta contra a intangibilidade do caso julgado, a luta pela consciência de que a Justiça erra e que o erro é reparável, é um processo interminável. Veja-se, elucidativo, este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui]:

«I - A alínea g) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP dispõe que há fundamento para a revisão quando “uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.
«II - A sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sobre o caso ora em apreço, é vinculativa para o Estado português e esse Tribunal considerou violado o art.º 6º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ao não ter sido ouvida a ora recorrente na audiência pública no Tribunal da Relação, sobre se “a sua responsabilidade penal deveria ter sido considerada como diminuída, o que poderia ter tido influência importante na determinação da pena”, “tanto mais que a sentença do Tribunal de Matosinhos divergia da perícia psiquiátrica, sem contudo enunciar os motivos dessa divergência tal como exige o direito interno”.
«III - Decidiu o TEDH, portanto, em sentido contrário aos tribunais portugueses, mas apenas sobre uma questão procedimental, a de ouvir ou não a requerente, obrigatoriamente, em audiência pública, na fase de recurso, sobre determinada questão controvertida, considerada determinante para a determinação da pena.
«IV - Todavia, o TEDH recusou-se a retirar daí uma consequência substantiva, respeitante à própria medida da pena aplicada, pois “não se vislumbra o nexo de casualidade entre a violação constatada e o alegado dano material [designadamente “o reembolso dos montantes que teve de pagar em consequência da sua condenação] e, por isso, se rejeita o pedido. Com efeito, ao Tribunal não compete especular sobre o resultado a que o Tribunal da Relação teria chegado se tivesse ouvido a requerente em audiência pública (…)”.
«V - A reabertura do processo - que no caso do ordenamento interno português se satisfaria, em abstracto, pela autorização de revisão da sentença condenatória, nos termos dos art.ºs 449.º e seguintes do CPP – já constituiria, segundo o TEDH, uma reparação integral para a ora recorrente. No entanto, esse expediente só se imporia, em concreto, se a lei interna o permitisse e as circunstâncias do caso («à luz do acórdão proferido para o caso em apreço») o justificassem. Ora, o recurso de revisão é restrito, na nossa lei interna, às «sentenças (nomeadamente condenatórias») e não a quaisquer despachos de orientação do processado, sendo que se «diz (…) sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa» (art.º 156.º, n.º 2 do CPC).
«VI - Ora, a revisão da sentença não pode ser autorizada, face à lei nacional, com o fundamento invocado pela recorrente, pois não há inconciliabilidade entre a sua condenação e a sentença do TEDH, para o efeito da referida al. g) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP. O que há é uma inconciliabilidade entre o procedimento que a relação adotou na realização da audiência que antecedeu a decisão do recurso e aquele que o TEDH considerou indispensável para assegurar os direitos de defesa.
«VII - Face ao direito nacional, a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, é uma nulidade insanável (art.º 119.º, al. c, do CPP). Contudo, as nulidades, mesmo as insanáveis, não são fundamento do recurso extraordinário de revisão de sentença, já que “devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento” (cf. art.º 119.º), isto é, até ao trânsito em julgado da decisão final, pois é nessa altura que se esgota “o procedimento”.
«VIII - Por outro lado, como o próprio TEDH refere, não é permitido fazer qualquer especulação sobre qual teria sido a decisão da relação se a condenada tivesse sido ouvida na audiência que antecedeu a decisão de recurso, designadamente, se a pena teria sido a que foi cominada ou uma outra diferente. Assim, o TEDH excluiu, desde logo, que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação, ainda que esta se considerasse apenas na vertente da pena efetivamente aplicada.
«IX - Em suma, a decisão vinculativa do TEDH não é nem inconciliável com a condenação nem suscita graves dúvidas sobre a sua justiça, pelo que não se verifica o fundamento indicado pela ora recorrente para se poder autorizar a revisão da sentença condenatória.»