Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Intervenção e hierarquia

Com um voto de vencido quanto à sua conclusão quinta [de Lenoes Dantas], o Conselho Consultivo da PGR emitiu em 16.09.10 o parecer nº 31/2009 [texto integral aqui] cujo sumário se transcreve de seguida. Por determinação do PGR [aqui] de 9 de Julho de 2012 tal doutrina foi agora tornada obrigatória para o Ministério Publico. Porquê só agora?

«1. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, mas os seus magistrados são hierarquicamente subordinados, consistindo essa hierarquia na subordinação, nos termos da lei, dos de grau inferior aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das directrizes, ordens e instruções recebidas (nºs 1 e 3 do artigo 76.º do Estatuto do Ministério Público e nºs 2 e 4 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa), e os despachos por eles proferidos são passíveis de reapreciação, estando sujeitos ao controlo do seu imediato superior hierárquico, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º e 279.º do Código de Processo Penal;

2. No prazo de 20 dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura da instrução, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que tiver proferido o despacho de arquivamento do inquérito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade, determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações prossigam, devendo, neste caso, indicar as diligências que reputa necessárias e o prazo para a sua realização;

3. O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade só podem requerer a intervenção do imediato superior hierárquico, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Penal, no prazo (de vinte dias) em que podiam ter requerido abertura da instrução nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º do mesmo código;

4. O prazo referido na conclusão n.º 2 (e no n.º 1 do artigo 278.º) é sempre contado a partir do dia seguinte àquele em que tiver terminado o prazo em que podia ser requerida a abertura da instrução, independentemente de a intervenção hierárquica ser oficiosa ou ter sido requerida pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade;

5. Este prazo é peremptório, quer nos casos em que a intervenção hierárquica é oficiosa, quer quando é requerida por quem tenha legitimidade para o efeito, pelo que o imediato superior hierárquico não poderá decidir após o seu decurso;

6. O assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade não podem requerer cumulativa ou sucessivamente a abertura da instrução e a intervenção hierárquica, tendo que optar por uma delas.»

APAV, Direitos das vítimas

O Seminário Direitos das Vítimas: um passo em frente terá lugar nos dias 27 e 28 de Setembro, em Lisboa, no Hotel Olissipo Oriente.
Todos os anos, 75 milhões de pessoas são vítimas de crime na União Europeia (UE) e 15% da população Europeia é anualmente vítima directa de criminalidade violenta.
Estes números deveriam por si só colocar as necessidades das vítimas como prioridade das políticas Europeias e de cada um dos Estados Membro. A mais recente legislação Europeia espelha esta perspectiva. Irão os Estados Membro responder em conformidade? Quais os novos desafios que se apresentam às instituições e organizações nacionais? Quais as questões-chave que estão em causa? O que é que as vítimas realmente necessitam?
Programa aqui, inscrições aqui.

Uma Justiça em abertura permanente


Com ironia o Blog de Informação escrevia ontem [aqui] que se reiniciava a contagem dos prazos processuais, querendo dizer que terminavam as "férias judiciais".
A agenda está dominada pela questão da sucessão do PGR e pelas declarações da Directora do DCIAP. Penso que são uma e a mesma realidade. 
Em matéria de reforma das estruturas e das leis o critério economicista veio para ficar, alterando-se o que puder rentabilizar financeiramente a Justiça, tornando-a mais lucrativa e menos onerosa. O resto fica para um dia.
Com os seus interregnos, fruto do carácter sincopado da vida, este blog retoma o seu curso. A todos deseja um bom ano. 
Trabalhar nos tribunais tem destas: comemora-se em Setembro o novo ano judicial, em um de Janeiro o novo civil e numa data, que nunca percebi qual é, algo que no STJ tenta ser, com discursos e "recados" a abertura do novo ano, já aberto. 
Não é assim por falta de festa, nem de aberturas, que a Justiça vai fechar. Nem que seja para balanço. O que talvez valesse a pena.

Penal porque divino...

Analisando as primeiras leis escritas encontradas pela zona do próximo Oriente, datadas de trinta mil anos antes de Cristo, basicamente leis cujos preceitos se encontravam em placas de argila redigidas em escrita cuneiforme ou em escrita suméria, verificaram os estudiosos duas realidades: a primeira, que invocavam origem divina, o que desde logo abre o problema teológico de saber da legitimidade, afinal, de todos os livros que, porque considerando-se sagrados, alegam terem sido escritos por Deus - o Corão - ou inspirados por Deus - a Biblia -; segundo, que as normas que consignam são na sua maioria de natureza penal. 
Interessante é a articulação de ambos os ângulos da questão. Federico Lara Peinado e Federico Lara González sumariam-no no seu livrinho Los Primeros Códigos de la Humanidad, a que agora voltei: «analisando as Reformas e os primeiros códigos mesopotâmicos, chama a atenção a natureza essencial penal que contém as suas normas jurídicas, confirmando-se assim a origem divina que se deu ao Direito, dado que, por princípio, as sanções religiosas deviam ser muito mais graves do que as civis, pois que estas se reduziam a penas a cumprir neste mundo.»
Já agora um dado da selvajaria contemporânea: a  zona de Nippur, onde se encontrava a mais rica colecção de textos jurídicos que as escavações iam revelando eram precisamente naquela onde, no Iraque, foi destruída e saqueada quando da invasão americana do Iraque. Horas depois do feito, a pilhagem rematou o que a mão militar havia permitido, a obliteração desse riquíssimo património cultural essencial para a História do Direito: a força a supressão da evidência da Justiça.

A inesperada definição

Há um modo de definir os conceitos não pelo enunciado das suas características essenciais, sim pela sugestão do que significam. Calhou, ao folhear o estudo Reconhecimento, do desejo ao Direito, obra conjunta de Maria Lucília Marcos e A. Reis Monteiro, tese universitária sobre essa noção transdisciplinar, encontrar do Direito esta ideia: «é a dialética pela qual o Homem se força a um melhor que ele inventa». Atribui-se a René Maheu, filósofo, que foi Director-Geral da Unesco entre 1961 e 1974.
Espantará este modo de conceber a todos quantos do Direito vêem a sua faceta repressiva, destinada a estripar o que se tem por mal e a erradicar o indesejado. E espantará ainda quantos o sentem, afinal, como floresta de regulamentos menores, por causa dos quais a liberdade contemporânea é garrotada a tal ponto que até o simples atravessar a rua está previsto e sancionado em qualquer norma que se quer lei.
Aquém do espanto, a fórmula, provinda deste amigo de Jean-Paul Satre e de Simone Beauvoir, que, porém, nem obra relevante deixou, diz mais do que muitas das tentativas feitas por ilustres jurisconsultos para acharem da noção a essência.
Está ali tudo, desde a coerção, tão cara aos positivistas, até ao optimismo legitimadora da norma justa, a que, mesmo quando edita o mal necessário o faz em nome do bem possível. 
Mas há sobretudo ali a invenção, essa expressão máxima da irrequietude de conceber, que anima todos os reformadores sociais, aqui a luta por um outro Mundo, além a luta por um novo Homem, através do Direito, isto é, com universalidade na previsão, com individualização na aplicação e sobretudo por bem fazer.

Base de dados de agressores sexuais

A existência de uma lista pública de agressores sexuais foi polémica entre nós. Existe, porém, por exemplo, nos EUA, como se vê aqui.

Só os papéis que não os princípios envelhecem...


Aos que alguma vez foram ao salão solene da Ordem dos Advogados a sua figura é familiar. Impõe-se. Ao arrumar velhos papéis, encontrei o discurso de elogio que o Advogado Arnaldo Constantino Fernandes proferiu na sessão inaugural do entretanto caducado Instituto da Conferência, a 27 de Fevereiro de 1958 sobre aquele seu Colega, que fora designado a 12 de Novembro de 1937 Bastonário da Ordem dos Advogados.
Equilibrado panegírico, enaltecendo do lembrado, que falecera em Junho de 1939, as virtudes humanas e o valor profissional, a alocução tem este passo de notável.quando o orador se apresenta: «Pessoalmente - disse - a tarefa que o Sr. Presidente da Ordem me distribuiu tem ainda o aliciante de um político do campo oposto vir fazer o elogio dum monárquico indefectível, mostrando que a minha geração ainda recebeu lições de tolerância e não compreende que os adversários políticos sejam inimigos».
Estava dada a grande lição cívica expressa em palavras que são um valor absoluto de moralidade que o tempo não pode excepcionar mesmo quando desmente.
Citando o homenageado, Constantino Fernandes lembraria, no que seria a segunda mais significativa intervenção dessa noite, uma frase que lhe escutara em amena conversação: «Em cada advogado, dizia ele, há qualquer coisa de inamovível, de inevitável, que depende do que ele é como homem. E como homem o que ele tem de ser é honesto, pois a honestidade não é um luxo, mas uma força.»

Cookies


É uma directiva europeia sobre o "cookies". Não os bolinhos conhecidos, de aveia, sim aquele utensílio usado por certos sites para recuperarem informação sobre quem passou por lá e porquê. Directiva que obriga a legislação, neste caso editada em Inglaterra ver aqui], o País com menos leis [mais, aqui]. Alguém sabe de algo semelhante por aqui?

Na mão direita a espada...

Na mão esquerda a balança, símbolo da Justiça, na mão esquerda a espada, símbolo do Direito. Este a impor aquela. A partir desta imagem, Francesco Galgano constrói, pela iconografia, o seu estudo sobre a metáfora no Direito. Mas não se fica por aí. Esse é precisamente o último capítulo, no qual, continuando a sua análise sobre as representações gráficas em meio forense, surpreende nos anos quarenta o positivismo jurídico a substituir a balança pelas tábuas da lei, assim se assumindo o primado da Lei escrita, mantendo-se sempre a espada, agora em homenagem a hipertrofia do Estado. Todo o demais é dedicado precisamente ao que dá tema à obra, a presença das metáforas no universo jurídico, desde logo a metáfora da pessoa colectiva. Parte do sentido do próprio termo "metáfora", no qual se dá a translação do "como se" para o "sendo". Ainda não tive mais tempo do que para folhear, passeando pelas folhas onde no campo do Direito das Pessoas e ante as colectivas o autor dá conta de, após terem sido tratadas como se pessoas humanas fossem assumiram depois o estatuto de pessoas em si.
Muito interessante este Le insidie del inguaggio giuridico, publicado pela Il Mulino. Italiano, claro, e por isso riquíssimo de sensibilidade e de profundidade filosófica. O assunto é o tópico da sua vida, a extensa auto-bibliografia demonstra-o.

Assédio sexual: lei (francesa) e circular ministerial

Foi publicada em França uma lei sobre o assédio sexual, substituindo a legislação anteriormente vigente em virtude da declaração de inconstitucionalidade a que havia sido sujeita vista a imprecisão do enunciado típico. A notícia e demais informações podem encontrar-se aqui.
Citando para que se entenda: «La loi du 6 août 2012 relative au harcèlement sexuel, adoptée à l’unanimité par le Parlement, a été publiée au Journal Officiel du 7 août 2012. Elle a pour objectif principal de rétablir dans le code pénal l’incrimination de harcèlement sexuel prévue par l’article 222-33 de ce code, qui avait été abrogée par le Conseil constitutionnel dans sa décision n° 2012-240 QPC du 4 mai 2012 en raison de l’imprécision de sa rédaction qui résultait de la loi du 17 janvier 2002, et de tirer toutes les conséquences législatives de ce rétablissement».
 Interessante é que, na sequência da lei, o ministro da Justiça daquele País emitiu uma circular sobre a sua interpretação e aplicação dirigida a todas as estruturas do Ministério Público. Aqui seria considerada uma gravíssima intervenção do poder político no âmbito da função das magistraturas. Ali faz parte da cultura aceite. O texto da circular pode ler-se aqui. Interessante do ponto de vista da interpretação, não é irrelevante o seu conhecimento até por serem olhos com os quais se pode olhar o nosso sistema legal.