Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




RAI: os requisitos sine qua non


Sucedâneo funcional de uma acusação, de modo a permitir que o juiz da pronúncia tenha factos sobre os quais possa fundamentar a decisão instrutória, o requerimento de abertura de instrução tem de ser formulado contra pessoa certa e conter precisamente os factos integradores do tipo penal que se quer imputar ao arguido. 
Não resulta da letra da lei que tenha de ser assim, mas decorre da lógica de um sistema que veda nesta parte oficiosidade ao juiz. E é o efeito perverso, diga-se, de um sistema que o arquivamento decretado pelo Ministério Público - e que o requerimento de instrução visa enfrentar - não tenha, como requisito essencial, de conter os factos concretos sobre os quais há lugar ao arquivamento.
Daí que, no campo dos caídos que é a instrução, muitos requerimentos de instrução sejam nados-mortos, pois sendo arrazoado sobre os motivos de discordância ante o arquivamento não tenha estrutura que contenha factos a imputar e normas incriminatória que se pretende ver decretada como aplicável ao caso.
Eis o que proclama o presente Acórdão da Relação de Évora de 21.05.2013 [relator Sénio Alves, proferido no processo n.º 8009.7GAGLG.E1 e texto integral aqui]:

«I. Deve ser rejeitado o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente que não contenha a narração dos factos que justificam a aplicação ao arguido de uma pena.II. Tal requisito não se satisfaz com a simples remissão para peças processuais. Uma forma tão vaga de imputar não permite uma defesa eficaz e viola o princípio do acusatório.
III. Não admitida a instrução, prejudicado fica o conhecimento de uma alegada nulidade por insuficiência do inquérito, a ter lugar em sede de decisão instrutória”.».

Porque convergente com o sentido decidido o aresto cita o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.04.2009, cujo sumário é

«1 - Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa. II - Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. III - Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução. IV - O assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. V - Não tendo sido deduzida acusação pública, o requerimento (do assistente) de abertura da instrução que não contenha os factos que se imputam ao arguido e pelos quais se pretende que este venha a ser pronunciado não será apto a possibilitar a prolação de uma decisão instrutória de pronúncia que seja válida. No mínimo (e dizemos “mínimo” porque, nessas condições, parece inexistir um verdadeiro objecto da instrução), tal decisão seria nula nos termos do artigo 309.º, n.º1».

Recurso da pronúncia: A incomodidade e a regressão


É o reconhecimento da verdade. «A incomodidade de alguns senhores advogados e dos arguidos», como reconhece o Presidente da Relação de Guimarães neste seu despacho [texto integral aqui] e, já agora, o facto de o Código de Processo Penal da Ditadura Nacional saída do 28 de Maio de 1926, que instaurou o Estado Novo, saído das mãos de Beleza dos Santos [na foto], permitir o recurso da pronúncia em dois graus de jurisdição, ou seja, para a Relação e desta para o Supremo Tribunal de Justiça, e o Código de Processo Penal do Estado dito de Direito Democrático proibir totalmente o recurso, em clara regressão de direitos por causa da celeridade!

«Bem se compreendendo a incomodidade de alguns Senhores Advogados e mais ainda dos arguidos, pelo inusual espartilho que o Legislador processual penal português corajosamente consagrou com a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º, ou do nº 4 do artigo 285º, consagrada no nº 1 do artigo 310º, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento, o que a torna uma norma atípica no nosso ordenamento jurídico, onde não imperam as exigências de simplicidade, eficiência, eficácia, cognoscibilidade e muito menos celeridade.
Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão 6/2000 do STJ, veio o legislador, agora sem margem para tergiversações e aquando da Revisão do CPP, consagrar aquela solução que muito tem contribuído para evitar o arrastamento que antes se verificava até um processo penal chegar ao julgamento.»

Cor e Luz

Curioso como podemos surpreender o outro no outro. Mesmo quando o intuímos, como é o caso. Moraes Rocha, juiz desembargador, expõe aguarelas. Pelo traço adivinha-se o tom e a delicadeza da pessoa.


Crime de peculato

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O direito constitucional à tatuagem


A polémica vem do Brasil, o do direito à tatuagem, o da proibição da discriminação por causa da tatuagem. No caso um polícia enfrentou na Justiça o problema. Lê-se aqui. Tudo quanto é fracturante é interessante na modorra sonolenta do Direito em que nem todos os acórdãos acordam.

Ser apenas professor...




Poucos sabem e muitos já se lembram que Marcelo Caetano leccionou Direito Penal na Faculdade de Direito de Lisboa onde se notabilizou no domínio do Direito Administrativo.

O alfarrabista Monasticon, que se pode encontrar aqui, anuncia agora o seu livrinho onde compendiou as Lições. Transcrevo:

«CAETANO, Marcello - LIÇÕES DE DIREITO PENAL. Súmula das prelecções feitas ao curso do 4º ano jurídico no ano lectivo de 1938-39. Lisboa, [s.n. - Composto e impresso na Emprêsa de O Jornal do Comércio e das Colónias - Lisboa], 1939. In-8º grd. (22cm) de 385, [3] p. ; E.
Muito valorizado pela dedicatória autógrafa do Prof. Marcelo Caetano ao Prof. Joaquim Pedro Martins.
Obra terminada em 1938 e publicada no ano seguinte, em 1939, ano em que M. Caetano atingiu a cátedra em Ciências Jurídico-Políticas.

"A falta de livros portugueses por onde se possam guiar, costumam os estudantes utilizar-se para a sua preparação escolar de apontamentos colhidos nas aulas e publicados, Deus sabe com quantos erros e defeitos, por algum condiscípulo prestimoso.
Dizia não sei quem, e com muita verdade, que «uma sebenta óptima é um livro péssimo»; e por isso me pareceu preferível dar aos alunos os meus próprios apontamentos, onde, ao menos, só encontrarão os erros que comêto - e não mais..." (excerto da introdução - Nota preliminar).

Encadernação em meia de pele com ferros a ouro na lombada. Sem capas de brochura.»

Tenho pena de não ter aqui o meu exemplar. Cito, por isso, de cor. A seguir a este texto introdutório, Marcelo acrescenta num lamento, ele que viveu dificuldades económicas por razões pessoais, que vencendo como professor universitário o ordenado de um primeiro oficial - o que admite seja coisa em que nem se acredite - tenha de se dispersar em outras actividades remuneradas, o que bem gostaria de evitar se lhe fosse permitido ser apenas...professor.

Acordos sobre sentença penal: prova proibida!


Enfim, o caminho barrado ao que a lei não permite e a Constituição impede! Um marco histórico.

«I - O direito processual penal português não admite os acordos negociados de sentença . II - Constitui uma prova proibida a obtenção da confissão do arguido mediante a promessa de um acordo negociado de sentença entre o Ministério Publico e o mesmo arguido no qual se fixam os limites máximos da pena a aplicar.». 

É a definição emergente do Acórdão do STJ de 10.04.13 [proferido no processo n.º 224/06.7GAVZL.C1.S1, da 3ª Secção, relator Santos Cabral, texto integral aqui].

A fundamentação do aresto é de tal modo exaustiva que só a leitura integral permite a sua total compreensão. Leitura que se exige.

O Albergue Espanhol.


Confusa, sem sistemática, traduzindo várias filosofias e muita burocracia a Ley de Enjuiciamento Crimiminal de Espanha, vulgo Lecrim, o Código de Processo Penal de nuestros hermanos, vai ser mudada. 
Não tive tempo de ler o que será diferente. 
Oxalá mude o albergue espanhol legislativo.
Mas aqui fica a ligação para os curiosos que possam passar os olhos e mesmo para os estudiosos que por aqui passem.

De acordo com a folha oficial {ver aqui]: «La referida Comisión se adscribe a la Secretaría de Estado de Justicia, cuyo titular ejercerá labores de coordinación. estará presidida por don Manuel Marchena Gómez, Magistrado del Tribunal Supremo, y formarán parte de la misma los miembros que a continuación se designan:

Don Jacobo López Barja de Quiroga, Magistrado Jefe del Gabinete Técnico del Tribunal Supremo.
Don Antonio del Moral García, Fiscal del Tribunal Supremo.
Don Jaime Moreno Verdejo, Fiscal del Tribunal Supremo.
Doña Gabriela Bravo Sanestanislao, Fiscal y Vocal Portavoz del Consejo General del
Poder Judicial.
Don Luis Rodríguez Ramos, Catedrático de Derecho Penal y Abogado.
Don Nicolás González-Cuéllar Serrano, Catedrático de Derecho Procesal y Abogado.»

Proibição de prova interna: o depoimento de testemunhas


Proibição de prova interna mas não externa, assim o assume o Acórdão da Relação do Porto de 3 de Abril [proferido no processo n.º RP20130403140/08.8TAOAZ.P1, relatora Maria Leonor Vasconcelos Esteves, texto integral aqui] ao decidir que «I - As declarações prestadas pelas testemunhas no inquérito não podem ser valoradas em julgamento fora do quadro em que a sua leitura é permitida.II - Mas nada impede que, enquanto prova documental, as mesmas declarações sejam valoradas no âmbito de outro processo em que se imputa aos declarantes a prática de um crime de Falsidade de testemunho, do artigo 360.º do Cód. Penal».
Ou seja a prova testemunhal é quando é e deixa de ser quando passa a interessar que não seja, transmutando-se em prova documental. É uma espécie de alquimia jurídica, com o devido respeito que, como soe dizer-se, é muito.