Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Homicídio e OIF qualificados: a 32ª alteração ao Código Penal


É trigésima segunda alteração ao Código Penal de 1982, decretada pela Lei n.º 59/2014, de 26 de Agosto [ver aqui], alterando o artigo 132º do Código Penal e assim qualificando o homicídio e as ofensas à integridade física de solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais.
Como se legisla ao sabor da casuística, fica por saber porque se não qualifica o homicídio e as ditas ofensas quando cometidas sobre revisores oficiais de contas, os notários privados ou aqueles que, em geral, devido à natureza da sua profissão, vêm a sua vida e segurança posta em risco.
Além disso, prevendo-se no artigo em causa, como uma das entidades especialmente protegidas pela qualificação do crime, os funcionários, e admitindo-se que se pretenda aí o conceito de funcionário no sentido incomum penal, previsto no último artigo do Código Penal - outra estranha particularidade do nosso sistema a pôr em crise a noção de plenitude e coerência do ordenamento jurídico, o qual vale como mera regra aparente - sempre fica a dúvida quanto a saber se os casos que em concreto se previram já não estariam, por aquela forma, tutelados penalmente.

França: nova reforma penal


Em França, a lei de 15 de Agosto deste ano, agora publicada no jornal oficial, do dia 17 [ver o texto aqui], aprovou, na sequência de esforços da ministra da Justiça, Christiane Taubira, a Reforma Penal, de há muito controversa.
Eis os principais eixos da reforma [para desenvolvimentos ler aqui e aqui] cujo propósito essencial é o combate à reincidência [que é o critério de sucesso de uma política criminal]:


-» Il supprime les automatismes qui entravent la liberté du juge et font obstacle à l'individualisation de la sanction. Sont ainsi supprimées les peines plancher et les révocations de plein droit du sursis simple ou du sursis avec mise à l'épreuve. La peine encourue par les récidivistes demeurera doublée par rapport à celle encourue par les nonrécidivistes et le juge conservera la possibilité de prononcer la révocation des sursis antérieurs par décision motivée si la situation le justifie. Il instaure ensuite la césure du procès pénal : le tribunal pourra, après s'être prononcé sur la culpabilité, ajourner la décision sur la condamnation afin qu'une enquête sur la personnalité et la situation sociale du condamné soit effectuée. Le tribunal pourra ainsi statuer sur les dommages et intérêts des victimes dès le prononcé de la culpabilité et obtenir les éléments nécessaires pour déterminer la sanction la plus adéquate. Dans l'attente de cette enquête, il pourra placer en détention le condamné si cela est nécessaire.

-» Crée une nouvelle peine, la contrainte pénale: cette peine pourra être prononcée lorsqu'un délit est puni d'une peine d'emprisonnement maximale inférieure ou égale à cinq ans. Cette nouvelle peine n'est pas définie par rapport à une durée d'emprisonnement de référence. Elle ne se substitue pas aux peines existantes mais s'y ajoute, de sorte que les juges disposeront d'un nouvel outil de répression. Cette peine vise à soumettre la personne condamnée, pendant une durée comprise entre six mois et cinq ans et qui est fixée par la juridiction, à des obligations ou interdictions justifiées par sa personnalité, les circonstances de l'infraction, ou la nécessité de protéger les intérêts de la ou des victimes ainsi qu'à des mesures d'assistance et de contrôle et à un suivi adapté à sa personnalité. Ces mesures, obligations et interdictions seront déterminées, après évaluation de la personnalité de la personne condamnée par le service pénitentiaire d'insertion et de probation, par le juge de l'application des peines. [ver desenvolvimentos aqui]. Les obligations peuvent être la réparation de dommages causés par l’infraction, l’obligation de suivre un enseignement ou une formation professionnelle, des traitements médicaux ou des soins, ou encore un stage de citoyenneté. Le condamné intègre un programme de suivi et de contrôle, visant à le responsabiliser et à interrompre sa trajectoire de délinquance. Le condamné pourra aussi se voir contraint de participer à des programmes individuels ou collectifs de prévention de la récidive. Les interdictions, elles aussi en relation directe avec l’infraction, peuvent par exemple empêcher la personne condamnée de conduire un véhicule, d’entrer en relation avec la victime, de fréquenter les débits de boisson, de se présenter dans certains lieux.

-» Instaure un nouveau dispositif pour éviter les sorties de prison sans contrôle ni suivi: lorsque les condamnés sortent de prison sans contrôle et sans suivi, le risque de récidive est nettement majoré. Afin d'éviter ce type de sorties, la réforme introduit le principe d'un examen systématique de la situation de tous les condamnés qui ont exécuté les 2/3 de leur peine. S'agissant des longues peines (supérieures à cinq ans), la situation des condamnés sera obligatoirement examinée par le juge ou le tribunal de l'application des peines qui statuera après débat contradictoire sur l'octroi éventuel d'une libération conditionnelle. S'agissant des courtes peines (inférieures à cinq ans), la situation des personnes condamnées sera examinée par le juge de l'application des peines en commission de l'application des peines

Pena de morte: proposta de restabelecimento em 1937


«Em 1937, o Deputado José Cabral [José Pereira dos Santos Cabral] apresentou o projeto de lei n.º 191, que estabelecia a pena de morte para crimes contra a segurança do Estado, alterando o n.º 11 do artigo da Constituição Política da República Portuguesa. Até 1976, o Código de Justiça Militar manteve a pena de morte. Atualmente, segundo o artigo 24.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, “em caso algum haverá pena de morte”.» [fonte: newsletter da Assembleia da República, aqui; ver mais aqui].

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«[...] José Pereira dos Santos Cabral [1885-1950], nasceu [16 de Setembro] em Travanca de Tavares (Mangualde). Formado em Direito por Coimbra [entra em 1906-07], foi advogado em Fornos de Algodres, director-geral dos Serviços Prisionais (1929), presidente da direcção da Associação do Patronato das Prisões, director geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores, director dos Serviços de Acção Social e Política da Legião Portuguesa (medalha de oiro, por dedicação), administrador das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, da Companhia das Águas de Lisboa e presidente da assembleia-geral da Companhia de Seguros "Europeia". 
Monárquico [aparece como candidato eleito nas listas monárquicas, pelo círculo nº 18 de Gouveia nas eleições de 28 de Abril de 1918 e participa narevolta monárquica de 1919, tendo de exilar-se em Espanha] e católico, pertenceu ao grupo fascista formado em torno da revista Ordem Nova, à Liga Nacional do 28 de Maio e foi militante nacional-sindicalista [integrou e chefiou o grupo de Coimbra, fazendo parte do directório do Grande Conselho Nacional Sindicalista]. Mais tarde aderiu ao Salazarismo e à União Nacional [participa, mesmo, no I Congresso na União Nacional] rompendo (Março de 1934) com chefia dos “camisas azuis” de Rolão Preto e Alberto de Monsaraz[a cisão no movimento nacional-sindicalista e o “trânsito” para o Estado Novo foi acompanhada por outros, como Pedro Teotónio Pereira, Manuel Múrias,João Costa Leite (Lumbrales), Fernando Pires de Lima, Eusébio Tamagnini, Cabral Moncada, Ramiro Valadão, Supico Pinto, Dutra Faria,Luís Forjaz Trigueiros, Amaral Pyrrait, Castro Fernandes].
Curiosamente a proposta de dissolução do Movimento Nacional-Sindicalista(e a aceitação da liderança por Salazar) partiu do próprio José Cabral, na reunião do directório de Agosto de 1934» [fonte, aqui]
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Fonte da foto: Ephemera.

A presença do arguido: da sujeição à dispensa


Está publicada no último número da Jurismat, a revista jurídica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes. Não querendo prejudicar a leitura integral, deixo aqui o que é o tema de abertura dessa crónica sobre a presença do arguido no processo penal, o que ora é um estado de sujeição ora uma formalidade tida como dispensável, dependendo de razões que exigem que se convoquem os princípios para que tudo seja repensado. E foi esse o objectivo do que escrevi, o fomentar a discussão.

«Ao contrário do processo civil – de onde dimanaram historicamente alguns dos conceitos do primitivo processo penal – a presença do arguido na audiência de julgamento é um requisito lógico ante a natureza do sistema de justiça de que se trata e com ele compatível numa unidade indissociável.

Várias são as razões que podem ser alinhadas em tal sentido:

(1) Como forma única de o fazer sentir aquele acto processual como coisa sua, ante o qual ele haverá de interiorizar os termos em que decorre a tramitação, a produção da prova, afinal, o próprio ritual de julgamento, criando no seu mundo cognitivo a representação da Justiça em acção, e na sua emotividade, os sentimentos consequentes dos quais resultará a sua adesão ao sistema de valores do Estado de Direito;

Creio ser este o ponto nodal do sistema, tantas vezes esquecido por alguma da nossa prática judiciária: o julgamento não é uma formalidade em que a presença do arguido seja algo dispensável, sim momento formal essencial de um ritual que é – em caso de condenação – o primeiro passo para a interiorização pela sua pessoa dos valores basilares do Estado de Direito, das regras de vivência comunitária, em suma, o iniciar do caminho para a sua ressocialização.

(2) Como meio adestrado a garantir-lhe a percepção da prova que vai desfilar ante o pretório, aquela que o poderá incriminará e aquela de onde poderá resultar a sua exculpação, tudo lhe proporcionando a oportunidade de sobre isso formar um juízo e, em nome do contraditório, intervir, fazendo consignar a sua posição;

Como poderá alguém que não o próprio, cujos actos estão sujeitos a julgamento, percepcionar, até ao limite do pormenor relevante, o que é dito pelos coarguidos – tantas vezes propensos a exonerarem-se sobrecarregando no ausente – pelos ofendidos, pelas testemunhas, o que está nos documentos, o que é, em sede de prova pericial tida como verdade oponível autoritariamente ao próprio poder de julgar (veja-se o artigo 163º)?

Como poderá um defensor consciente sentir-se confortável ante factos ou alegados factos que atingem aquele que assiste sem ter consigo quem sobre eles dar-lhe o arrimo de uma versão, um comentário, uma sugestão quanto à forma de os contraditar?

Acaso não é a percepção de um tribunal prudente que, tendo diante de si o próprio arguido, pode fazer funcionar, nos seus rigorosos termos, a regra da imediação probatória, que não é um princípio atinente à forma do processo, mas meio instrumental essencial para se alcançar a íntima convicção, a qual é critério reitor da aferição da prova, consoante o artigo 127º do CPP?

Como, sem a presença do próprio, medir a reacção, até fisionómica, que a prova produz naquele contra quem ou a benefício de quem é produzida?

Como aferir, com empenhamento e profundidade, da personalidade de quem é julgado e assim a culpabilidade – que é o requisito ético de um Direito Penal da culpa – sem ter em julga-lo a personagem do qual se cura? E não se diga que se julgam apenas factos na sua dimensão objectiva, sim factos oriundos de seres humanos concretos que na sua possível prática se envolvem com a dimensão integral dos seus seres e que, julgados em ausência ou com rara presença, não são – diga-se – julgados sequer, sim avaliados apenas um corpo decapitado de ocorrências sem causa.

(3) Como local onde, por estar em causa o apuramento da sua responsabilidade, lhe é conferida a oportunidade formal (artigo 61º, n.º 1, b)) de a poder reconhecer, através de confissão (artigo 344º), de a negar, ou invocar circunstâncias mitigadoras da mesma, prestando declarações, querendo fazê-lo, pois que quanto aos factos a tal não é obrigado (artigos 343º, 61º, n.º 1, d)).

Estamos ante um sistema em que a confissão é acto pessoal, insusceptível de ser prestada mediante representação, mesmo nos casos em que, ausente, o arguido é representado pelo defensor (artigo 343º, n.º 4 e artigo 344º).

Trata-se daquela pessoalidade que não está coberta pela faceta da defesa em que esta, para além de garantir a assistência técnica ao arguido, opera como representação do mesmo (artigo 63º, n.º 1).

Toda uma progressiva aculturação que tem vindo a tomar conta do nosso subconsciente colectivo em matéria de justiça penal tem trazido, porém, a representação imagética do julgamento criminal com um figurino em que, tal como no processo civil, o arguido está ao lado do seu defensor, e não sentado na cena de julgamento, como o vértice para onde tudo naquele acto converge; assim é no que chega em doses maciças pela cinematografia, pela televisão, dos julgamentos norte-americanos.

De facto, a arquitectura das nossas salas de audiências para a justiça penal traduz bem essa triangulação de que o “banco dos réus” é o vértice, estando contidos no interior de tal corpo geométrico, na lateral, o Ministério Público, a representação forense dos ofendidos e os defensores, o funcionário que assiste ao acto e redige a acta e, presidindo, os juízes. É nesse espaço geométrico que tudo ocorre; o vértice determina o ponto de convergência, simbólica que denota o sentido e significado do que ali se passa.

A própria prova por declarações e testemunhal ocorre dentro dessa espaço e diante do arguido, se bem que nem sempre em termos de este poder visionar o rosto de quem é ouvido, construção que é apta a pôr em crise um requisito essencial da defesa, qual seja a plenitude da percepção da prova por aquele que sofre os efeitos da mesma.»

A unicidade do TCIC


Fui dos que afirmei publicamente que o Tribunal Central de Instrução Criminal deveria voltar, no seu funcionamento interno, ao modelo com que já operara, o de um juiz para a prática dos actos jurisdicionais em sede de inquérito e um outro para a fase de instrução.
O regime que vigorava nos últimos tempos era o de impor ao mesmo e único juiz o dever se avaliar da legalidade dos actos que ele próprio praticara em sede de inquérito - quando arguida a sua invalidade através da instrução - e tudo decidir sem recurso.
Não estando em causa a probidade das pessoas, nem a fulanização da questão, sim uma questão de princípio, nunca me convenci de que este sistema fosse compatível com a Lei Fundamental apesar de o Tribunal Constitucional o ter viabilizado, pois nele cumulava-se na mesma entidade judicial a competência para o acto e para a sua sindicância, pondo em causa um pilar fundamental da estruturação do judiciário que é a terciarização face ao caso; isto para além das garantias defesa, que já quase se tornou argumento anémico na actual conjuntura jurídica. Isto para além de supor que a avaliação indiciária em sede de instrução pudesse ser outra quando imposta a respectiva apreciação a um magistrado que fora densificando a sua íntima convicção através dos actos que autorizara, a que presidira e que praticara, como o interrogatório de arguido detido, as intercepções de comunicações, as buscas.
Mais: não compreendi que fosse exigível a um magistrado o esforço acrescido de distanciamento para que, desligando-se do envolvimento que tivesse tido no inquérito, conhecer com a isenção e independência a que está adstrito, o que dera como adquirido pelo seu prévio activo envolvimento com o caso. 
Isto até porque o legislador, ao blindar e brindar com a irrecorribilidade a pronúncia obediente à acusação do Ministério Público, criava, em geral para todas as instruções e não apenas para as daquele Tribunal, uma questão de consciência pessoal: expor a decisão instrutória a recurso, distanciando-a do objecto configurado pelo Ministério Público ou conformá-la nos precisos termos em que este o delineara o caso, garantindo-lhe assim, através do conformismo, estabilidade e, sobretudo, intangibilidade.
Apercebo-me que o problema pode ter perdido actualidade pela nomeação de outro magistrado para aquele tribunal. Resta saber se, em termos da competência funcional, se trata da mera repartição de processos, se de divisão de competência por fases.
É que, ante o que leio - e confesso que leio pouco - parece-me que se está a centrar o problema em termos duplamente inaceitáveis: ou como o fim de um regime de suspeição sobre quem desempenhou funções ou como uma mera partilha da massa processual que por ali se tramita, oriunda do DCIAP que goza do benefício de ter aquele tribunal privativo, o que, só por si, é também uma outra questão; ou como uma mera questão de divisão do excesso de processos, como se de uma questão de gestão burocrática se tratasse.

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Fonte da foto: aqui