Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Notícias ao Domingo!


-» Acórdão do TRG/revisão dos pressupostos da prisão preventiva: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relator Fernando Chaves, texto integral aqui] reiterou que «I) O despacho proferido nos termos do disposto no artº 213º do CPP tem por único e exclusivo objetivo proceder à reavaliação dos pressupostos que, no despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, sustentaram o decretamento da medida.II) A fundamentação do referido despacho tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os, e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.»

Explicitando o sentido do decidido escreveu-se no aresto em causa que 

«O artigo 212.º regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o artigo 203.º prevê a imposição de medida mais gra-vosa que a anterior. 
Em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme tem sido acentuado pela jurisprudência.
Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão na medida em que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto – artigo 666.º, nºs 1 e 3 do anterior CPC/artigo 613.º, nºs 1 e 3 do NCPC( - Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 28/4/2004, 10/11/2004 e de 30/3/2005 e da Relação de Lisboa de 31/1/2007 e 13/10/2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
As medidas de coacção estão, portanto, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida só a pode substituir ou revogar quando tenha ocorrido uma alteração dos pressupostos de facto ou de direito.»

-» Acórdão do TRG/interesse em agir/recurso da decisão de comunicação ex vi artigo 303º do CPP: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relatora Laura Maurício, texto integral aqui] conclui no sentido da irrecorribilidade por falta de interesse em agir do despacho que ordena a comunicação da alteração de factos nos termos do artigo 330º do CPP [entendimento que, compreenda-se a crítica construtiva, não resulta do seu sumário que está formulado em termos demasiado genéricos para que se alcance qual a matéria sobre a qual recaiu o decidido].

Na sua fundamentação o aresto em causa analisa, primeiro, a natureza jurídica, da comunicação de alteração de factos, efectuada nos termos do artigo 303º do CPP

«Relativamente à decidida rejeição do recurso interposto da comunicação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.303º, nº1, do C.P.P. dir-se-á, como aliás já foi dito na decisão sumária de que o recorrente ora reclama, que “ (…) a comunicada alteração mais não é do que uma verdadeira declaração de intenções, que pode ou não vir a concretizar-se na decisão instrutória. Assim, tal advertência não tem qualquer outro conteúdo decisório, posto que, embora qualificando tais novos factos como alterações não substanciais, não é uma decisão no sentido da pronúncia definitiva sobre certo caso da vida. Nestes termos, a referida comunicação de uma alteração não substancial de factos é meramente ''provisória e transitória'', não afectando nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional.”»

Entra, depois a decisão na matéria do interesse em agir, quanto ao que é relevante dele citar-se este passo: 

«(...) assim, para que o recurso seja admissível, não basta que o recorrente tenha legitimidade. É necessário que tenha interesse em agir, tal como decorre do art. 401º, nº 2, do CPP.
A respeito deste requisito para interposição de recurso, acrescentado pela Reforma do CPP instaurada por via da Lei 59/98 de 25/08, afirmava o Dr. Rui Pereira, na Comissão de Revisão (cfr. – Actas, p. 239): “legitimidade e interesse em agir exprimem pressupostos diferentes, autonomizados na doutrina Portuguesa por Palma Carlos e Manuel de Andrade, respeitando a legitimidade à posição do sujeito em relação ao processo e o interesse em agir à possibilidade de obter um ganho ou uma vantagem”.
Uma realidade é ter interesse na apreciação jurisdicional (legitimidade), outra ter necessidade de recorrer (interesse em agir).
O interesse em agir não se afere pela vantagem que para o recorrente advenha de uma decisão favorável, mas, sim, na utilidade objetiva da utilização da via de recurso.»

Daí que conclua assim: 

«(...) não sendo a decisão recorrida proferida contra o arguido, porquanto não afetou nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, a mesma é irrecorrível, não tendo o mesmo interesse em agir – legalmente válido - para recorrer, pelo que nem sequer devia ter sido admitido o recurso, que é, por isso, de rejeitar, face ao disposto nos artigos 414º nº 2 (falta de condições necessárias para recorrer), 419º nº 4 a) e 420º nº 1, todos do Código de Processo Penal.»

-» Acórdão do TRC/natureza dos prazos de inquéritoo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2016[relator Jorge França, texto integral aqui], seguindo jurisprudência corrente, que: «Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais (cfr. artigo 108.º do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial; consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder-dever consagrado no n.º 1 daquele normativo.»


Inutilmente reiterou o legislador do Código de Processo Penal na epígrafe e no corpo do artigo 276º que os prazos do inquérito eram «máximos». E fê-lo porque, comparativamente com os prazos fixados pela legislação processual penal antecedente - promanada de um Estado autoritário, aquela que se dizia decorrer de um Estado de Direito democrático estabelecia prazos de averiguação pré-acusatória largamente superiores. Bastou não ter estabelecido cominação para o desrespeito desses prazos para que os mesmos ficassem, no entendimento corrente da jurisprudência, como meramente ordenadores - agora equiparados aos actos das secretarias - como se não estivessem em causa nesses prazos garantias fundamentais com o direito a um processo justo, o direito dos ofendidos à segurança, afinal um processo justo. A última alteração ao CPP apenas clausulou, como desvalor para a violação por magistrados de uma regra legal que determina prazos máximos, a perda do benefício do segredo de justiça (e mesmo assim com excepções que esvaziam o previsto).

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Fundamentando, neste contexto, a sua decisão, com o adjuvante agora da equiparação funcional que referi, o aresto afirma: 

«(...) é precisamente neste instituto de aceleração processual que vamos encontrar uma resposta decisiva à questão que nos ocupa, dentro do referido espírito unitário do sistema. Com efeito, a norma do artº 108º, 1, CPP, estatui que «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual.»
Daqui se retira uma conclusão óbvia: - o prazo que estudamos não é de caducidade, pois que, de outro modo, a ter-se verificado, estaríamos perante um caso de preclusão do direito (no caso do poder-dever respectivo), pelo seu não exercício no prazo legalmente assinado. Mas, a assim ser, existiria contradição intrínseca do sistema processual penal, já que a norma do artº 108º, 1 do CPP permitiria o prosseguimento do processo não obstante o poder-dever de formular a acusação se ter extinguido, por ter caducado. Como poderia a lei permitir a formulação de uma acusação já depois de o prazo legalmente estabelecido para tal se mostrar precludido? E as normas dos artºs 109º, 5 e 6 do CPP, são claras na atribuição de uma responsabilidade meramente disciplinar ao causador desses atrasos, sempre que injustificados.
Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais, a lei está a atribuir aos prazos fixados uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, retirando-lhes, deste modo, qualquer natureza preclusiva do poder-dever em análise.
A mesma natureza ordenatória-funcional terão os prazos para a prática dos actos da secretaria (artº 105º, CPP), para o encerramento da instrução (artº 306º, CPP), para a leitura da sentença (artº 373º, CPP), entre outros.»


-» Acórdão do TRC/insuficiência do inquérito ou da instrução/nulidade: o Acórdão da Relação de Coimbra de 26.102016 [relatora Elisa Sales, texto integral aqui] determinou, também aqui fazendo-se eco de jurisprudência corrente que: «A nulidade consistente na insuficiência da instrução, prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 120.º do CPP, ocorre (apenas) quando não são praticados actos legalmente obrigatórios, e não (também) nos casos de indeferimento de diligências de instrução, daquele modo não definidas, requeridas pelo assistente.»

O esvaziamento da tutela das finalidades da instrução alcançou-se por várias etapas. Legalmente ao conceder-se discricionariedade ao juiz em matéria de actos de instrução, e ao clausular a irrecorribilidade não só das decisões pelas quais indefira diligências de prova, mas da decisão instrutória que seja conforme à acusação do Ministério Público; jurisprudencialmente ao considerar-se que só é nula a insuficiência dos actos legalmente obrigatórios bem sabendo que só reveste esta natureza o debate instrutório. Ao limite, uma instrução em que o magistrado tudo indefira e cumpra o ritual do debate não é insuficiente. 
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O aresto aqui citado faz-se eco desse entendimento já adquirido e assim explicita: 

«(...) no que à instrução respeita, compete a direcção da mesma ao juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), o qual decide sobre os actos que devem ser praticados em tal fase processual (arts. 288º e 289º do CPP).

Portanto, os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz.

Ainda assim, o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento dos actos de instrução está balizado pelo limite do “apuramento da verdade” e pela consideração de “os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo”.
Daí que, a Lei n.º 59/98, de 25.8 tenha determinado a irrecorribilidade do despacho judicial de indeferimento da realização de diligências instrutórias (n.º 2 do art. 291º do CPP).
In casu, foram indeferidas as diligências de instrução requeridas pelo assistente, tendo em vista as finalidades da própria instrução (art. 286º), dado o Mmº Juiz a quo ter considerado que (para a decisão a tomar) face ao crime imputado à arguida, o modo de execução do facto relatado é por escrito, sendo que as peças onde estão exaradas estão nos autos.
Ora, sendo o critério de tal decisão (no caso, de indeferimento) o da conveniência para a descoberta da verdade, tal como vem definido no artigo 291º do CPP, com livre actuação do JIC, não pode o recorrente invocar a nulidade prevista na al. d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
A insuficiência da instrução ocorre quando não forem praticados actos legalmente obrigatórios.
Na verdade, se a lei permite que o juiz indefira a realização de todas as diligências probatórias e a junção de toda a prova do requerente da instrução, limitando-se a instrução ao debate instrutório, como aconteceu no caso sub judice, não se verifica a nulidade sanável de insuficiência de instrução, na medida em que as requeridas diligências não são obrigatórias.»

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Como se incerto, porém, quanto à justiça da decisão, e hesitasse, culmina o acórdão em referência, desta forma: 

«De qualquer forma, ainda que se considerasse que a instrução foi insuficiente, ficando assim incluída na previsão do artigo 120º, n.º 2, al. d), ou seja, constituindo nulidade sanável, foi intempestiva a sua arguição. Deveria a nulidade ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 120».

-» Acórdão do TRL/suspensão da pena/abuso de confiança fiscal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2016 [relatora Filipa Costa Lourenço, texto integral aqui], com sentido inovatório determinou: I- O Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 8/2012 de 12/9/2012, estatui que, «no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia»; II-É isto que o extenso acórdão fixa, e dele não se retira de todo, ao contrário do que por vezes é afirmado, que uma pena de prisão pela prática de qualquer crime fiscal, (quadro do ACFJ), possa ser suspensa na sua execução desde que se “prove” que o arguido não tenha possibilidade de pagar o montante não pago á entidade tributária; III- No que tange aos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando do juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal; IV- Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade.»
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O Acórdão de fixação de jurisprudência pode ser encontrado aqui.
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Desenvolvimento o seu raciocínio o aresto acrescenta: «existe uma corrente jurisprudencial,  que  damos por exemplo o Ac. do TRP de 8-10-2014 , que conclui que, a jurisprudência fixada no AFJ nº 8/2012 não é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelo artº 104º RGIT porque é punível apenas com pena de prisão, não sendo possível a opção entre pena de prisão (eventualmente suspensa nos termos do artº 14º1 RGIT) e a pena de multa.
No entanto ao enveredar por tal solução ( que já parte, dizemos nós, de um pressuposto manifestamente errado), parece-nos que irá embater de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade, pois tendo aquele entendimento, este, gera manifestamente dois tipos de justiça, uma para os que têm e outra para os que não têm poder económico (na altura da condenação/ já para não falar também na diferenciação que estas normas geram quanto à proteção dada aos ofendidos atenta a sua qualidade), diferenciando com base no diferente estatuto económico dos arguidos, com as implicações e subjectividade que tal “ratio” acarreta o cumprimento ou não de uma pena efectiva de prisão.
Tendo em conta o atrás exarado entende-se que face a tal dicotomia se deverá interpretar conjugadamente o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que resulta que nos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida (da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam e nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal) vide aqui, e seguindo de perto o  teor do AC TRL de 26.02.2014, acessível in, www.dgsi.pt/  , o qual sufragamos e dizendo nós, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa ou só com pena de prisão.»


-» Leituras/Revista do SMMP: está publicado o n.º 147 e pode ser encontrado o resumo dos artigos clicando aqui ou em cada um dos PDF's abaixo.

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ESTUDOS & REFLEXÕES
9 | Taxas de portagem: infração, sanção e intervenção do Ministério Público nos processos executivos, de revitalização e de insolvência
JOÃO FERNANDO FERREIRA PINTO [PDF]
43 | Concurso de crimes, pena única e pena relativamente indeterminada
NÉLSON FERNANDES [PDF]
73 | Decisão Europeia de Investigação em matéria penal
LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE [PDF]
111 | As alterações orçamentais no actual panorama das Finanças Públicas
JOAQUIM MIRANDA SARMENTO • RUI MARQUES [PDF]
137 | A insustentável leveza do “princípio do desenvolvimento sustentável”
CARLA AMADO GOMES [PDF]
PRÁTICA JUDICIÁRIA
161 | O crime de utilização de menor na mendicidade (artigo 296º do Código Penal) Alegações de recurso do Ministério Público no processo n.º 340/08.0PAPBL
JÚLIO BARBOSA E SILVA [PDF]
CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA
177 | O fundamento constitucional do poder funcional de recurso e a legitimidade para recorrer do Ministério Público em Processo Penal – A propósito do Acórdão n.º 361/2016 do Tribunal Constitucional
HELENA MORÃO [PDF]
JUSTIÇA & HISTÓRIA
193 | A penalidade na India segundo o Codigo de Manu: memória apresentada á 10.ª sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas (Lisboa, Imprensa Nacional, 1892)
CÂNDIDO DE FIGUEIREDO [PDF]
VÁRIA
213 | Crônicas da coluna “Ao correr da pena”: Constituição – Custas – Integridade na magistratura – Justiça barata
(Edições de Ouro, Clássicos brasileiros,
Rio de Janeiro, 1968, pgs. 144 a 152)
JOSÉ DE ALENCAR   [PDF]
224 | Resumos : Abstracts [PDF]

IV-Jornadas Açorianas de Direito



Serão na semana que Segunda-Feira se inicia. Passe a imodéstia de citar um evento em que estarei, aqui fica a divulgação.

Luxemburgo: advogados, contabilidade e branqueamento


A possibilidade de as contas bancárias de advogados poderem ser usadas para fins ilícitos, nomeadamente no quadro de actividades de branqueamento de capitais não é de excluir. A questão, quando suscitada é sempre polémica. A questão coloca-se mesmo quanto a contas de terceiros, que o advogado abra especificamente para o efeito de gerir verbas que lhe hajam sido confiadas.
A Ordem dos Advogados do Luxemburgo [portal aqui] editou regulamentação no sentido de monitorar a situação a partir do exame aleatório da contabilidade dos escritórios de advogados. Não se trata, pois, de intromissão nas contas bancárias onde estejam depositados os valores recebidos, sim da contabilidade que os evidencie.
Trata-se do Regulamento Interno da Ordem, de 14.09.2016, publicado na folha oficial do dia 31.10.2016. Ver o texto aqui.  Modifica o regulamento geral da Ordem de 09.01.2013 [ver o texto oficial aqui].
O Regulamento permite à Ordem um sistema de controlo aleatório da contabilidade dos escritórios de advogados e, por esta forma, umas fiscalização do uso dado a esse tipo de contas.

Notícias ao Domingo!


A partir de hoje altero a fisionomia deste espaço. A quantidade de material informativo e sobretudo a circunstância de a sua divulgação pressupor esforço e tempo de selecção e alguma elaboração e não mero exercício mecânico de cópia, exigem que, sob a rubrica Notícias ao Domingo passe a publicar apenas o que tenha directamente a ver com o universo jurídico-criminal português. De tudo quanto se relacione com ocorrências de Direito estrangeiro e Direito internacional irei dando conta aqui ao longo da semana, para que possa merecer o destaque devido. Como até agora recorrerei, assim as alcance, às fontes primárias de informação, para que possa citar com presunção de rigor e seja útil a quem leia.


-» Acórdão do STJ/leitura de sentença por "apontamento"/depósito tardio: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2016 [relatora Isabel Valongo, texto integral aqui] considerou que:«I - O depósito tardio da sentença penal constitui tão só mera irregularidade. II - Diversamente, a leitura, pelo Juiz, de um mero “apontamento”, tendo a elaboração da sentença e respectivo depósito ocorrido em momento posterior (no caso, cerca de quatro meses), consubstancia inexistência jurídica da referida peça processual.»

Interessante teria sido considerar em que medida a primeira situação - que numa hermenêutica formalista e literal é taxada de «mera irregularidade» - significa um gravíssimo atentado ao direito ao recurso pois que, se bem que a sentença deva ser notificada aos interessados, já o depósito não o é e por isso aqueles, ante o depósito da sentença em data incerta têm de entrar num jogo de busca sistemática junto da secção de processos para saber quando ocorre tal facto - "irregular" - e não percam o - constitucional! - direito ao recurso que aquela mera "irregularidade" põe assim em causa.

-» Acórdão do TRE/ciber-crime: o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.10.2016 [relator João Gomes de Sousa, texto integral aqui] estatuiu que:  «1 - No caso de investigação e repressão de infrações penais relativas a “comunicações, dados de comunicações e sua conservação” existe legislação especial que secundariza o Código de Processo Penal e torna quase irrelevantes as Leis nº 5/2004 e 41/2004 para efeitos processuais penais. 2 - Tal legislação especial são as Leis nº 32/2008, de 17-07 (Lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações) e 109/2009, de 15-09 (Lei do Cibercrime), assim como a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime de 23/11/2001 (Resolução da AR n.º 88/2009, de 15 de Setembro), também designada Convenção de Budapeste. 3 – Tratando-se de dados de comunicações “conservadas” ou “preservadas” já não é possível aplicar o disposto no artigo 189º do Código de Processo Penal - a extensão do regime das escutas telefónicas - aos casos em que são aplicáveis as Leis nº 32/2008 e 109/2009 e a Convenção de Budapeste. Isto é, para a prova de comunicações preservadas ou conservadas em sistemas informáticos existe um novo sistema processual penal, o previsto nos artigos 11º a 19º da Lei 109/2009, de 15-09, Lei do Cibercrime, coadjuvado pelos artigos 3º a 11º da Lei nº 32/2008, se for caso de dados previstos nesta última; 4 - A Lei nº 32/2008 tem um regime processual “privativo” da matéria por si regulada, assente na existência de “dados conservados” nos termos do artigo 4.º, nº 1 pelos fornecedores de serviços. 5 - O regime processual aplicável é o constante dessa lei, inclusivé o catálogo de crimes permissivo que ela criou, os “crimes graves” referidos no artigo artigo 3.º, nº 1.  6 - O conceito de «crime grave», abarcando a “criminalidade violenta” – artigo 2º, nº 1, al. g) do diploma –, abrange o crime de violência doméstica previsto no nº 1 do artigo 152º do Código Penal por via da previsão do artigo 1º, al. j) do C.P.P..
7 - De onde resulta a aplicabilidade ao caso dos autos do “regime processual” previsto nos artigos 3º a 11º da Lei nº 32/2008. 8 - E, face ao nº 2 da Lei 32/2008, a “transmissão dos dados às autoridades competentes” - Ministério Público ou autoridade de polícia criminal competente - só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz, nos termos do artigo 9.º do diploma, que regula a «transmissão dos dados» e que apresenta como pressuposto substancial que haja “razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves”.  9 - Esta “transmissão” ou “processamento” veio a ser regulada pela Portaria n.º 469/2009, de 06 de Maio - Condições Técnicas e de Segurança, Tratamento de Dados de Tráfego - que mantém hoje a redacção dada pela Portaria n.º 694/2010, de 16/08.»

Transcrevendo pelo seu interesse este elucidativo texto do aresto: 

«Uma coisa é certa, a Lei 41/2004 é quase irrelevante para enquadrar o caso dos autos. A Lei 5/2004 é mesmo irrelevante. Sem dúvida que ambas são o corpo legislativo de enquadramento da actividade de que os autos dão conta – comunicações, dados de comunicações e sua conservação, regulação da actividade e características técnicas e jurídicas de contratos de natureza privada tendo por objecto as comunicações – mas não regulam directamente o caso concreto na medida em que estamos a tratar da prática de crimes com o uso de instrumentos de comunicação, um mais relativamente ao ali regulado.
Mas, por partes.
A Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, Lei das Comunicações Electrónicas, tem como escopo estabelecer “o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e define as competências da autoridade reguladora nacional neste domínio” – artigo 1º da dita. Trata-se de diploma que estabelece os direitos e deveres das empresas de comunicações e regula a actuação da respectiva entidade reguladora.
A norma citada pela Digna recorrente – que deverá ser a al. h) e não g), certamente referida por lapso, do nº 1 do artigo 27.º - apenas se insere na definição das “condições gerais” a que as “as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas” podem estar sujeitas na sua actividade, como se infere do corpo do artigo. No resto trata-se de diploma que fora deste âmbito geral não tem aplicação ao caso concreto.
Quanto à Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, Lei de Protecção de Dados Pessoais e Privacidade nas Telecomunicações, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas que, no entender da recorrente é o diploma chave para sustentar a sua pretensão, pouco mais importância tem para o caso concreto.
Esta lei é expressa ao afirmar que se aplica ao tratamento de «dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação, especificando e complementando as disposições da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais)» - do artigo 1º.
Naturalmente que aspectos desta lei são relevantes, desde logo as definições, a de “dados de tráfego” para o caso concreto – artigos 2º, nº 1, al. d) e 6º, nº 2. E nada mais.
Ou seja, estamos aqui também no âmbito da regulamentação de serviços de comunicações e do acautelar da protecção de dados, matérias que não regulam directamente o caso sub iudicio.
Aliás, di-lo a Lei de forma explícita nos nsº 4 e 5 do mesmo artigo 1º, nos seguintes termos:
4 - As exceções à aplicação da presente lei que se mostrem estritamente necessárias para a proteção de atividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e a prevenção, investigação e repressão de infrações penais são definidas em legislação especial.
5 - Nas situações previstas no número anterior, as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem estabelecer procedimentos internos que permitam responder aos pedidos de acesso a dados pessoais dos utilizadores apresentados pelas autoridades judiciárias competentes, em conformidade com a referida legislação especial.
Assim, se a lei nos facilita a interpretação fazendo remissão expressa para lei especial que regula a actuação no caso de investigação e repressão de infrações penais – o que nos ocupa - impõe-se, pois, saber da existência de tal legislação especial.
Que não é o Código de Processo Penal, como se antolha claro, pois que este dificilmente se poderia considerar um “diploma especial” a regular as comunicações electrónicas e o resguardo de dados pessoais. Continuemos, portanto, a reservar a tal código o papel de diploma base de carácter geral e subsidiário nesta matéria. A não ser, claro, que tal legislação não existisse, apesar da remissão, caso em que se deveria então aplicar o dito código em toda a sua plenitude.
Mas dá-se o caso de haver legislação especial. Aliás, vária! As Leis nº 32/2008, de 17-07 (Lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações) e 109/2009, de 15-09 (Lei do Cibercrime), assim como a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime de 23/11/2001 (Resolução da AR n.º 88/2009, de 15 de Setembro), também designada Convenção de Budapeste, são essa legislação especial.
Já se não justifica citar jurisprudência que não leva em conta a indicada legislação, nomeadamente a anterior a 2009,
E é a existência dessa legislação especial para a qual remete a Lei nº 41/2004 que permite concluir que à matéria deste caso concreto – dados de comunicações conservadas – já não é possível aplicar o disposto no artigo 189º do Código de Processo Penal - a extensão do regime das escutas telefónicas - aos casos em que são aplicáveis as Leis nº 32/2008 e 109/2009 e a Convenção de Budapeste.»

-» Portugal/Acórdão do TRE/abuso de confiança fiscal/requisito de acusação: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa também de 25.10.2016 [relator João Gomes de Sousa, texto integral aqui] definiu que «1 - A exigência contida na al. b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, definida como uma condição objectiva de punibilidade, deve constar – como facto – da acusação, sob pena de manifesta improcedência desta, nos termos do artigo 311º do C.P.P.. 2 – Não constando tal facto da acusação não pode vir a ser incluído nos factos provados em audiência de julgamento à luz de qualquer dos regimes processuais penais contidos nos artigos 358º ou 359º do C.P.P., implicando a absolvição do ou dos arguidos da acusação.»

O citado artigo 105º do RGIT estatui que:

«1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
6 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.»

-» Acórdão do TRC/depoimento indirecto: enfrentando tema controverso, o Acórdão da Relação de Coimbra de 19.10.2016 [relator Vasques Osório texto integral aqui] sentenciou que «o depoimento indirecto é probatoriamente valorável quando a ‘testemunha-fonte’, chamada a depor, recusa, de forma ilícita, prestar depoimento. A restrição feita à recusa ilícita prende-se com as situações em que a lei confere a determinadas testemunhas a faculdade de recusarem o depoimento, questão que não tem merecido uma resposta unânime da jurisprudência pois que, enquanto para uns, o depoimento indirecto é admissível independentemente da licitude ou ilicitude da recusa (cfr. acs. do STJ de 23 de Outubro de 2008, processo nº 08P1212, da R. do Porto de 5 de Junho de 2015, processo nº 138/14.7 GCSTS.P1, in www.dgsi.pt) para outros o depoimento indirecto só é admissível quando a recusa seja ilícita (cfr. acs. do STJ de 27 de Junho de 2012, processo nº 127/10.0JABRG.G2.S1 e da R. de Coimbra de 20 de Abril de 2016, processo nº 39/14.9 JACBR.C1 e de 19 de Setembro de 2012, processo nº 63.10/0 GJCTB.C1, in www.dgsi.pt). Temos para nós [seguindo a posição que adoptámos no acórdão desta Relação de 10 de Dezembro de 2014, processo nº 155/13.4PBLMG.C1, mais restritiva do que a que seguimos no acórdão da mesma Relação de 26 de Novembro de 2008, 27/05.6GDFND.C1, in www.dgsi.pt] que quando a ‘testemunha-fonte’ [nesta categoria, note-se, não incluímos o arguido, considerando-se questão distinta o que se lhe ouviu dizer] recusa legitimamente prestar depoimento, no exercício de um direito, a necessária harmonização entre as normas dos arts. 129º, nº 1 e 134º, nº 1, do C. Processo Penal e respectivas limitações à descoberta da verdade material neles encerradas, determina a inadmissibilidade da valoração probatória do depoimento indirecto no descrito circunstancialismo.

Poderia acrescentar-se o Acórdão do STJ de 10.09.2012 [relatora Isabel Pais Martins e texto integral aqui].
O entendimento favorável à valoração positiva do depoimento indirecto insusceptível de ser confrontado com a fonte foi equacionada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2008 [relator Rodrigues da Costa, texto integral aqui], segundo o qual, e a seguir o respectivo sumário: «A situação configurada nos autos [em que foi valorado depoimento prestado por testemunha, que, além do mais, relatou conversa tida com a mulher do arguido, que se recusou a depor em audiência], na perspectiva do depoimento indirecto (art. 129.º do CPP), não teria como consequência que o depoimento produzido, na parte identificada, não pudesse valer como prova. É que a recusa da mulher do arguido a depor, sendo embora legítima e impossibilitando o confronto com o declarado pela testemunha que validamente depôs, cairia no âmbito da excepção prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art. 129.º: não ser possível a inquirição da pessoa indicada.». 
Estou em desacordo. Do teor integral do artigo 129º do CPP resulta que «1 - Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.  2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.  3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.». 
Ora já em função do enunciado literal do n.º 3 decorre a inviabilidade de valoração no caso de insuceptibilidade de valoração de depoimento indirecto quando o confronto com a fonte é inviável, salvo as excepções previstas no n.º 1.  Além disso a recusa ilegítima de indicação da fonte ainda torna mais suspeito o depoimento indirecto e por maioria de razão milita no sentido do seu desvalor e não admissibilidade.

Evento/SMMP/Adolfo Luxúria Canibal: n próximo dia 24 de Novembro, na sede do Porto do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, estar-se-à em conversa com Adolfo Luxúria Canibal", jurista, de seu nome civil Adolfo Augusto Martins da Cruz Morais de Macedo, Advogado, fundador dos Mão Morta. Para mais detalhes, ver aqui.

-» Violência doméstica/homicídios; a Portaria n.º 280/2016 de 2016-10-26 veio regular o procedimento de análise retrospectiva das situações de homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica. O texto pode ser encontrado aqui. Citando [com complemento as ligações para os diplomas citados] do seu preâmbulo para melhor captar o seu sentido:

«A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, e 129/2015, de 3 de setembro, veio consagrar um processo de análise retrospetiva dos homicídios relacionados com a violência doméstica que visa recolher, tratar e avaliar o máximo de informação sobre a letalidade ocorrida em contexto de violência doméstica já objeto de decisão judicial ou decisão de arquivamento, a fim de retirar conclusões que permitam a implementação de medidas eficazes de prevenção do fenómeno e de proteção das suas vítimas.
De acordo com o artigo 4.º -A da referida lei, os serviços da Administração Pública com intervenção na proteção das vítimas de violência doméstica organizam -se de molde à concretização daquela metodologia, numa Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica que, enquanto estrutura colegial, multidisciplinar e intersectorial, é composta por um conjunto de representantes permanentes e não permanentes de entidades públicas e privadas que integram a rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica cuja organização e funcionamento se deseja ágil e eficaz. Assim, desenhou -se uma matriz organizacional adaptada à natureza essencialmente técnica das atribuições daquela estrutura, que permite que se obtenha, em cada caso, um diagnóstico técnico -científico da utilização, rejeição ou alheamento das respostas sociais de prevenção da violência doméstica e de proteção das suas vítimas e, num segundo nível, se elaborem recomendações visando a melhoria dos procedimentos em vigor no sistema de justiça criminal e na rede nacional de apoio às vitimas de violência doméstica. Por fim, resta sublinhar que um adequado estudo de caso requer que seja garantido o acesso à informação de forma retrospetiva e que haja uma partilha e colaboração transversal entre os organismos públicos e privados que nele tiveram intervenção, identificando claramente as lições que devem ser retiradas de cada caso, para que se possa, com base nessas lições, recomendar alterações eficazes nos procedimentos em vigor.»

Leituras/Revista de Direito de Língua Portuguesa

Dirigida por Jorge Bacelar Gouveia, foi editado mais um número da Revista de Direito de Língua Portuguesa. O seu conteúdo pode ser lido aqui. Trata-se de uma publicação do Instituto de Direito de Língua Portuguesa, cujo site está aqui.  O IDILP é uma associação de juristas lusófonos que, tendo por objetivo geral promover a aproximação entre as Ordens Jurídicas dos Países de Língua Portuguesa, tem sublinhado a preocupação específica de manter abertos, com regularidade, espaços de diálogo científico entre todos os juristas de língua portuguesa, académicos e profissionais do foro.
Fundado em 2009 e tendo como objeto geral a divulgação, o estudo e a investigação do Direito de Língua Portuguesa, o IDILP, para prossecução dos seus fins, desenvolve, de entre outras, as seguintes atividades:
a) Realização de colóquios, seminários, cursos, pós-graduações e congressos;
b) Elaboração de estudos e pareceres sobre os ramos do Direito a cujo estudo e divulgação se dedica;
c) Edição de revistas e outras publicações, com ou sem caráter periódico;
d) Estabelecimento de contactos com associações estrangeiras.
O IDILP conta neste momento com mais de 30 juristas, oriundos ou trabalhando em todos os Estados e territórios de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Notícias ao Domingo!


-» Portugal/Acórdão do TRL/processo sumário/nulidade insanável: o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.10.2016 [relatora Cristina Branco, texto integral aqui] considerou: «I – No âmbito do processo especial sumário, o Ministério Público pode optar pela apresentação verbal da acusação no início da audiência de julgamento ou por substituir essa apresentação pela leitura do auto de notícia e do eventual despacho complementar deste, nos termos do disposto no art. 389.º, n.ºs 1, 2 e 4. II - Realizada a audiência de julgamento sem que tenha sido cumprida tal formalidade essencial – o que resulta não só da acta da audiência como da audição da repectiva gravação – foi cometida a nulidade insanável de falta de promoção do processo pelo titular da acção penal, nos termos dos arts. 48.º e 119.º, al. b), ambos do CPP. III - A verificação desta nulidade, de conhecimento oficioso, determina a invalidade da audiência de julgamento e dos actos dela dependentes, nomeadamente da sentença condenatória, devendo ser realizado novo julgamento, com observância das formalidades do processo especial sumário.»

-» Portugal/Acórdão do TRG/abuso de confiança fiscal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 10.10.2016 [relator Fernando Chaves, texto integral aqui] consignou que: «No regime actualmente em vigor (Lei nº 15/2001, de 5 de Junho), o preenchimento do tipo de abuso de confiança fiscal prescinde do elemento apropriação e basta-se com a não entrega à administração tributária de prestação tributária deduzida, nos termos da lei, ou de prestação tributária que tenha sido recebida e que haja a obrigação legal de liquidar.»

Fundamentando a asserção. o Acórdão reitera o que já é jurisprudência corrente: «A apropriação e a mera não entrega são conceitos perfeitamente distintos e esta apenas poderá constituir uma presunção do intuito apropriativo. A diferente caracterização do tipo legal de abuso de confiança fiscal (…) corresponde a diversas perspectivas do legislador e estamos em crer que a consagração da forma nuclear da não entrega decorre das dificuldades suscitadas pela prova da efectiva apropriação em termos de ilícito fiscal.»( - Processo n.º 0642766, in www.dgsi.pt/jtrp). Na verdade, esclareceu o Prof. Germano Marques da Silva que a alteração foi propositada porquanto «as opiniões dominantes nos trabalhos preparatórios foram no sentido de que importava clarificar a norma relativamente ao elemento apropriativo, tendo-se considerado que quem deduziu e não entregou se apropriou»( Notas sobre o Regime Geral das Infracções Tributárias, in Direito e Justiça, Volume XV, 2001, tomo 2, páginas 67 e 68.).»

Portugal/Acórdão do TRG/juiz natural/impedimento: o Tribunal da Relação de Guimarães mo seu extensamente fundamentado Acórdão de 10.10.2016 [relatora Ausenda Gonçalves, texto integral aqui] sentenciou, com desenvolvimento quanto ao princípio do juiz natural, seu regime e fundamento: «A regra é a de que os processos (comuns colectivos) submetidos a julgamento devem ser decididos pelo tribunal colectivo composto pelos três juízes que tenham sido previamente colocados na secção em que aqueles tenham sido distribuídos e presididos pelo respectivo titular. Porém, nada obsta à sua excepcional derrogação se emergir uma qualquer concreta circunstância ou razão objectiva que o justifique, nomeadamente a que o Conselho Superior da Magistratura, ouvido o presidente da comarca, designe os juízes necessários para esse efeito, com base em critérios transparentes, claramente imunes a quaisquer propósitos de influir no resultado do processo ou a manipulações de conveniência extrajudicial. (...) Se, por impedimento da Sra. Juíza que presidiu ao julgamento por tribunal colectivo, subsequente à elaboração por aquela do acórdão, foi um dos Senhores Juízes Adjuntos desse Colectivo quem procedeu à leitura do acórdão, acto expressamente permitido pelo art. 372º nº 3 do CPP, depois de, previamente, ter comunicado uma alteração não substancial de factos, tal comunicação não poderia deixar de ser efectuada pelo Juiz que estava, na circunstância, a presidir à audiência, ao abrigo do art. 358º nº 1 do CPP, e tem como pressuposto que aquele Sr. Juiz procedeu à mera comunicação de uma alteração necessariamente ínsita à deliberação do Tribunal Colectivo, porquanto a imposição e a justificação dessa alteração só no âmbito de tal deliberação poderiam ter sido adquiridas.»

-» Portugal/site da PGDL/anotação de diplomas legais: concretizando um serviço público da maior utilidade o site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa informa: «Dando continuidade à anotação de diplomas legais, a PGDL, está já a proceder à inserção de jurisprudência e notas nos seguintes diplomas legais: Código do Trabalho, Código do Processo de Trabalho, Código Civil, Código do Processo Civil, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL. n.º 446/85, de 25.10)»

Portugal/Faculdade de Direito do Porto/40 anos de CRP:


No âmbito da comemoração dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa e da unidade curricular de Direito Constitucional, a Faculdade de Direito da Universidade do Porto, promove, a 26 de Outubro, o seminário “A (re)criação da Constituição de 1976”. Esta iniciativa contará com a presença e intervenção de um membro da primeira e da mais recente composição do Tribunal Constitucional, respectivamente, o Prof. Cardoso da Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e a Prof. Doutora Lúcia Amaral, da Nova Direito. A moderação estará a cargo do Conselheiro Alfredo José de Sousa, Presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto.

-» ESMA/orientações quanto ao Regulamento Abuso de Mercado: a European Securitis and Markets Authority [ver o site aqui] emitiu a 20.10.2016 um documento contendo orientações sobre o Regulamento (UE) n.o 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou seja, uma lista indicativa não exaustiva dos interesses legítimos dos emitentes que podem ser prejudicados pela divulgação imediata de informação privilegiada e das situações em que o diferimento da divulgação é suscetível de induzir o público em erro, as quais podem ser consultadas aqui.

TEDH/vídeo sobre o seu funcionamento: um esclarecedor vídeo sobre o funcionamento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode ser encontrado aqui no site oficial do Tribunal.

-» Conselho Europeu/apoio judiciário penal: a 13.10.2016 o Conselho Europeu aprovou regras sobre o apoiio judiciário em matéria penal. Ver a notícia oficial aqui.

-» FATF/GAFI/bancos correspondentes: ver aqui as regras aplicadas aos bancos correspondentes.

Trump/Clinton: debate sobre o Supremo Tribunal dos EUA. a ver aqui

Leituras/António Francisco de Sousa/Manual de Direito Policial

editado pela Vida Económica e com versão ebook [ver aqui], o livro apresenta-se como «exposição da polícia nas suas diferentes manifestações e organizações, da sua actividade e do seu regime jurídico e que proporciona uma visão de conjunto do direito policial, nas perspectivas histórico-evolutiva, comparada, ordenacional e das forças de ordem e segurança públicas»
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António Francisco de Sousa licenciou-se em Direito da Universidade de Lisboa. Fez o Mestrado nas Faculdades de Direito das Universidades de Freiburg i. Br. (Alemanha) e de Coimbra. É Doutor pelas Faculdades de Direito e de Letras da Universidade do Porto. Há anos ligado à investigação e ao ensino universitário, é Professor na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Entre outras obras, publicou "Direito de Reunião e de Manifestação", "Direito Administrativo" (edições portuguesas), "A Polícia no Estado de Direito" (edição brasileira); "Fundamentos da Tradução Jurídica Alemão-Português, "Conceitos Indeterminados" no Direito Administrativo, Dicionário Jurídico, Político e Económico Alemão-Português; Fundamentos Históricos de Direito Administrativo, "Direito Administrativo das Autarquias Locais, (3.ª ed.); Comunidades Europeias (2.ª ed.); A Discricionariedade Administrativa, "Paradigmas fundamentais da Administração Pública", "O princípio da igualdade no Estado de direito", "Prevenção e repressão como função da polícia e do Ministério Público", "A participação dos interessados no procedimento administrativo", "Actuação policial e princípio da proporcionalidade", "O controlo jurisdicional da discricionariedade e das decisões de valoração e prognose".

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Para além do que aqui publico, reencaminho regularmente notícias sobre temas com recorte jurídico.criminal para a minha página na rede Linkedin.

Inexistir delação premiada: crime, diz ele...


O PGR do Brasil parece ter dito que é "um crime" em Portugal não haver delação premiada; e parece ter acrescentado que a nossa Procuradora-Geral da República "concorda" com ele. 
Vindo de uma pessoa com responsabilidades, proferida num país estrangeiro ao seu, a ser sido nos termos em que o foi, a frase é pior do que mau gosto, é imprópria. Além disso é de uma vacuidade incompatível com a seriedade do cargo. E a concordância que invoca em abono da seriedade está por confirmar. 
Mas ficou a ideia e a apetência por ela em certas mentalidades que estão ansiosas por meios que tragam sucessos rápidos e uma justiça negociada em que à mesma mesa de jogo se sentam a justiça e quem ela julga para, em função de quem tiver melhor jogo, levarem um terceiro à ruína.
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Tentei contribuir para uma reflexão serena deste tema, publicando crónicas que reproduzi nestas ligações que se alcançam clicando nos números respectivos: 1, 2, 3, 4, 5. Numa delas remeto para o lugar aqui onde está um concreto acordo de delação premiada.
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Elementos complementares de reflexão podem alcançar-se, por exemplo, aqui e aqui, tudo no contexto brasileiro, onde a ideia tem encontrado estrondo e eco.
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O tema é mais vasto, como tenho procurado informar neste blog. E merece que haja sobre ele um profundo debate. Há um paradigma de justiça a mudar. Insensivelmente o mundo que considerámos como sendo os pilares do travejamento do Estado de Direito já não existe. E reina silêncio em todas as colunas derrubadas.

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Fonte da imagem: reproduzo foto que já ilustrou um dos escritos sobre a matéria.

Notícias ao Domingo!


Portugal/financeiro/branqueamento de capitais e comunicação automática de informações: o Decret-Lei n.º 64/2016 de 11.10.2016 [texto aqui] «no uso da autorização legislativa concedida pelos n.os 1, 2 e 3 do artigo 188.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, regula a troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade e prevê regras de comunicação e de diligência pelas instituições financeiras relativamente a contas financeiras, transpondo a Diretiva n.º 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de dezembro de 2014, que altera a Diretiva n.º 2011/16/UE»

-» PGR/boletim bibliográfico: tem a forma de ebook e é uma referência. O último número referente a Outubro pode ser consultado aqui.

-» Portugal/dolo no peculato/Acórdão da RP. o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] considerou que: «No que tange ao elemento volitivo, o tipo legal não exige um específico propósito apropriativo (como no furto), basta-se com a vontade, livre e consciente, de praticar actos concludentes de apropriação do bem». 

Numa monografia que dediquei ao crime, sugeri que o tipo incriminador admitia uma configuração mais ampla, pois escrevi que (...) verifica-se, no que ao peculato respeita, uma mutação psicológica no agente do ilícito que, da realização mental de ser mero possuidor do que não é seu, passa a assumir a atitude mental de quem é dono, agindo como tal, ou seja, transforma a posse em domínio; ou então quando, num diverso registo em que o crime de peculato também pode ser cometido, quando o agente do ilícito desvia o bem em causa da finalidade à qual este se encontra legalmente consignado e e ele bem conhece e dá-lhe uma intencional aplicação que entra em colisão com o que exigem os seus deveres funcionais».

-» Burla tributária/idoneidade do meio/Acórdão da RP: o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Francisco Mota Ribeiro, texto integral aqui] sentenciou nos seguintes termos: «No crime de burla tributária, estando em causa uma "burla por palavras ou declarações expressas", é à luz da conduta do arguido e do conteúdo dessas declarações, que deverá ser apreciada a existência por parte deste do "domínio do erro" que provoca a acção enganosa idónea a causar o enriquecimento do agente e o empobrecimento da administração.» 

Desenvolvendo o raciocínio, explicitou o aresto: «(...) coloca o recorrente o epicentro da sua discordância na impossibilidade, face aos factos dados como provados nos autos, de se considerar positivamente preenchido o requisito, defendido por alguns autores[3], da idoneidade do meio empregue para enganar a administração, determinando-a a realizar a prestação.Sob a epígrafe “burla tributária”, estabelece o nº 1 do art.º 87º do RGIT que “Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.” Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é de prisão de cinco anos ou multa até 360 dias. Como refere Germano Marques da Silva[4], o crime de burla tributária, embora com especificidades relevantes, foi estruturado nos moldes do correspondente ao crime de burla do art.º 217º do CP, e teve em vista pôr termo à discussão que até aí se verificava na doutrina e na jurisprudência sobre se o comportamento constitutivo do crime de burla comum, quando tivesse por finalidade uma prestação de natureza tributária, se enquadraria ainda no âmbito da fraude fiscal ou seria punível como crime comum. E não havendo quaisquer divergências quanto aos elementos objetivos do tipo-de-ilícito do art.º 87º, designadamente o “uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos – entendendo-se aqui como meios fraudulentos qualquer outro meio enganoso, além, portanto, das falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante -, nem sobre o elemento da determinação da administração tributária ou da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais que levaram ao enriquecimento do agente ou de terceiro, tais divergências já surgem quanto ao facto de saber se, entre estes tais elementos, além de uma relação de causalidade, terá ou não de existir uma idoneidade dos meios fraudulentos empregues para determinar a administração a proceder às atribuições patrimoniais indevidas. É certo que no tipo-de-ilícito comum, previsto no artigo 217º, nº 1, do CP, se refere expressamente o “erro ou engano astuciosamente provocado”, que aparentemente se poderá considerar afastado na construção do tipo do art.º 87º, porquanto este parece bastar-se com o mero erro ou engano provocado, nos termos ou pelos meios aí descritos (falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos), sendo defensável, porém, que embora a referência expressa à astúcia, na descrição do tipo, esteja aí ausente, ela subjaz à descrição dos meios que aí é feita e, sobretudo, à natureza fraudulenta dos mesmos[5]. Não é, no entanto, o sentido e alcance das normas relativas à descrição dos elementos constitutivos do tipo, supra referidas, que aqui está em causa, mas sim a relação de idoneidade ou não que entre esses elementos possa haver, e mais precisamente saber se só haverá crime se os meios fraudulentos usados forem idóneos à determinação da administração tributária ou da administração da segurança social em efetuar a atribuição patrimonial ao agente ou a terceiro. Isto não obstante poder afirmar-se, tautologicamente, que a idoneidade dos meios usados resultaria já do facto de os mesmos serem fraudulentos, em si mesmo considerados, pois situações haverá em que na sua apreciação isolada, sem a necessária visão unitária dos factos e sem a perceção do contexto em que se gera a conduta do agente, a respetiva conduta poderá até parecer inócua, pelo menos de um posto de vista jurídico-penal. Acontece, porém, que se forem avaliadas as circunstâncias em que o agente atuou, delas ressaltará sempre a assunção por parte deste de uma conduta que se caracteriza normalmente pelo recurso natural a uma “economia de esforço”, pautada por uma adequação dos meios empregues às especificidades do caso e, nomeadamente, do agente[6]. Por isso mesmo, e no que toca ao funcionamento e à utilização dos meios enganosos ou fraudulentos e à sua idoneidade para provocar o enriquecimento do agente ou de terceiro, bem como o correlativo empobrecimento da administração, e estando nós perante a possibilidade de uma “burla por palavras ou declarações expressas”, tais palavras ou declarações, mais do que a configuração externa que possam ter, em si, ou quando isoladamente consideradas, será a sua valoração, à luz da conduta adotada pelo agente, bem como do conteúdo comunicacional que a essa mesma conduta revela e representa para o burlado e para a determinação do comportamento deste, que deverá ser tida em conta, e globalmente considerada, em termos de se poder concluir que tal conduta, no caso concreto, traduz um “domínio do erro” por parte do agente, isto é do estado de erro e do circunstancialismo em que o burlado se encontra, e que por isso acaba por atuar em ordem a satisfazer os objetivos visados por aquele, e em termos tais que se pode concluir que o comportamento do agente viola flagrantemente o princípio da boa fé, em sentido objetivo, no sentido de “refletir uma deslealdade tida por inadmissível no comércio jurídico”[7], revelando-se por isso idóneo a produzir o resultado pretendido. E exemplos disso, ou dessa idoneidade entre a conduta adotada, em termos de previsão típica, e o resultado alcançado, são precisamente, como acontece no caso dos autos, “a apresentação de documento falso ou de documento que, não sendo falso, não fundamenta (ou não fundamenta ainda) determinada pretensão”, designadamente “a solicitação de subsídios ou comparticipações para despesas não efetuadas”[8].
+
[3] Discordando Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, in Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 4ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 601, ao considerarem que que “se o engano é produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerada abstratamente”. Sendo que opinião contrária tem Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário", Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, p. 191, e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, Lisboa, 2011, p. 413.
[4] Idem, p. 190.
[5] Assim o entendem Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, obra citada, p. 600.
[6] ) Cfr. A. M. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 294 e sgs..
[7] A. M. Almeida Costa, idem, p. 217.
[8] ) A. M. Almeida Costa, idem, p. 302.

-» Portugal/Relatório da visita do Provedor de Justiça ao EP do Funchal: são de refinado recorte literários e escritos em estilo pessoal os relatórios do Provedor. O sétimo, atinente à visita efectuada a 19 de Julho ao EP do Funchal pode ser lido aqui. O remate dita o tom que não enfraquece a verdade sentida ante o visto: «11h:15m –Saí. O céu permanece limpo e azul. Cá fora, as pessoas circulam; há toda uma rotina a observar, sítios onde ir e compromissos a cumprir. Lá dentro, na prisão, um outro quotidiano se impõe. É quase hora de almoço e meio dia já está praticamente passado. Será que hoje a sopa chegou quente?»  

Outros relatórios podem ser lidos como o do Monsanto [aqui], Ponta Delgada [aqui], Coimbra [aqui], Vale de Juseus [aqui], Tires [aqui], Lisboa [aqui]

-» Portugal/Declaração de Lisboa do encontro dos PGR's da CPLP: o texto da declaração pode ser encontrado aqui. Como resultado final deliberaram «Assumir o compromisso de promover o cumprimento das metas do objetivo 16 da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, no âmbito das suas competências e atribuições.», que de seguida transcrevo [e que se encontra na íntegra aqui]: 

«Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares
16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global
16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento
16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável»

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» Portugal/CEJ/contra-ordenações tributárias e processo tributário: o muito interessante ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários em Setembro de 2016 pode ser lido aqui.
-» Portugal/registo criminal/condenação em pena prisão suspensa: o Acórdão n.º 13/2016 do STJ [texto aqui] uniformizou jurisprudência ao ter decidido que «a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro».
-» Portugal/STJ/50 anos de Código Civil: terá lugar no Supremo Tribunal de Justiça no próximo dia 27 deste mês o Colóquio comemorativo dos 50 anos do Código Civil. Para mais ver aqui
Com ele a visão antropocêntrica do Direito era apeada em favor do tecnicismo germanófilo. A um Código - o de 1867, seu antecessor, o do Visconde de Seabra [texto original aqui] - que se inaugurava com um artigo em que o o ser humano era o destinatário de todas as previsões, o actor essencial da cena normativa [artigo 1º: «Só homem é susceptível de direitos e obrigações. Nisto consiste a sua capacidade jurídica ou personalidade»], sucedeu agora um outro em suja sistemática o Homem era degradado a mero «sujeito», ao lado de categoriais conceituais tidas como de igual valência, o «objecto», o «facto» e a «garantia». E assim se contaminou todo o sistema jurídico. Tentaram ensinar-me até Direito Romano com essa arrumação das noções que os romanos nem suspeitavam então, quando editaram as suas leis, viessem alguma vez a existir! Assim o Direito, tornado técnica, julgou-se «ciência», quando, afinal, é arte e prudência. A hermenêutica e o positivismo legalista encarregaram-se do resto, o legal passou a ser por essência o único justo. 
Poucos se lembram que em homenagem foi editado em 1967 um selo comemorativo do acto, hoje raridade filatélica Custava vinte e cinco tostões. 

-» OCDE/protecção efectiva de delatores: ver o relatório da OCDE sobre a protecção dos "tocadores de apito" (whistleblower's) aqui.
Segundo a linha política que a OCDE pretende implementar [ver aqui] Encouraging employees to report wrongdoing ("or blow the whistle"), and protecting them when they do, is an important part of corruption prevention in both the public and private sectors. Employees are usually the first to recognise wrongdoing in the workplace, so empowering them to speak up without fear of reprisal can help authorities both detect and deter violations. In the public sector, protecting whistleblowers can make it easier to detect passive bribery, the misuse of public funds, waste, fraud and other forms of corruption. In the private sector, it helps authorities identify cases of active bribery and other corrupt acts committed by companies, and also helps businesses prevent and detect bribery in commercial transactions. Whistleblower protection is thus essential to safeguarding the public interest and to promoting a culture of public accountability and integrity.

-» Reino Unido/Criminal Finances Bill: visando o combate ao branqueamento de capitais, recuperação de produtos do crime e combate ao terrorismo, o Reino Unido pretende introduzir a legislação de que se publica aqui a notícia e aqui os documentos respectivos, incluindo o projecto de lei.
-» A ver: Nürnberg antes e depois: um apontamento memorial sobre a mítica dos lugares. Tribunal não o lugar simbólico, nem o que ele representa ou as leis que o fundamentem. Ainda hoje tudo o que foi erigido em nome da justiça é discutido, a natureza retroactiva das leis editadas para o efeito, o carácter selectivo dos acusados, a composição do tribunal, a discrepância das penas. Sobre o julgamento ver aqui e aqui. A própria discutibilidade é problemática.