Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Matéria de facto nos recursos penais: uma conferência



Hesitei se o deveria aprimorar antes da publicação, mas manda a coerência que o texto desta minha intervenção surja tal como foi lido na conferência sobre Direitos Fundamentais no Processo Penal, que teve lugar no passado dia 21 de Novembro no Salão Nobre da Academia das Ciências, organizada pelo Supremo Tribunal de Justiça e em que me foi dada a honra de participar com o tema recurso: impugnação da matéria de facto, vícios da decisão e in dubio pro reo. 


Há momentos em que urge regredir no tempo para, através do passado, tentar o conforto de compreender o presente,  com risco de terminarmos, porventura, ante aquilo em que o mesmo se tornou, num sentimento frustrante de desilusão. Eis o trajecto que me proponho fazer.
Os que trabalharam sob  sistema do Código de Processo Penal de 1929, ou o estudaram depois de ter terminado a sua vigência, lembram que os recursos penais corriam nele sob a forma de agravo; aqueles que têm presente o que se consagrou na versão inicial do Código de Processo Penal de 1987, recordar-se-ão que, de modo claro, a Lei de Autorização Legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro, que viabilizou a aprovação de tal diploma, estatuía que ao tribunal da relação era atribuída competência para conhecer «em apelação» dos recursos interpostos de decisões interlocutórias e finais do juiz singular e de decisões interlocutórias emitidas pelo tribunal colectivo» [n.º 72].
Não se tratava então de mera mudança de etiquetas na designação da espécie de recursos, sim, implantar uma outra filosofia, segundo a qual nos recursos haveria de privilegiar-se o mérito das questões e não apenas os temas do procedimento.
Ora, conferindo o que mostra a prática dos tribunais e a mentalidade que se formou em matéria do tema, conclui-se que a lógica subjacente ao princípio da apelação entrou em necrose e subiste hoje com escassa projecção: é, de facto, sentimento de quem pratica nos tribunais, que as questões processuais têm mais probabilidade de serem acolhidas em recurso do que a discussão substancial dos factos provados e não provados, pois quanto a estas, entre a lei e a jurisprudência, foram-se acumulando entolhos a essa possibilidade.
O tempo histórico correu, pois, no sentido do desaparecimento da apelação penal, não só como palavra, mas como realidade jurídica, pois ela sumiu do sistema processual como termo e como ideia.
E, no entanto, o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira, no seu Curso de Processo Penal, [impresso em 1986], concluía:

«[…] a apelação é o recurso que verdadeiramente constitui um segundo julgamento; substitui, ao juízo da 1ª instância, um novo juízo, em matéria de facto e de direito, de 2ª instância».

Eis o que se tornou evanescente do universo da Justiça criminal, a ideia de que o recurso é essencialmente um novo exame, uma revisão do visto, uma segunda oportunidade de avaliação do decidido em todos os ângulos em que ocorreu decisão recorrida: hoje o recurso tornou-se uma pálida imagem dessa noção.
Tudo isso surgiu de um progressivo gotejar histórico que foi sedimentando. O Código de Processo Penal tentou criar um modelo com isso fracturante, mas estava à vista que não teria futuro. A História explica porquê.
Admitiam-na, à apelação penal, as Ordenações. Mas em 1892, uma Lei, de 15 de Setembro, determinava já que as apelações e as revistas eram julgadas como agravos.
Era o ponto sintomático da desvalorização das nomenclaturas, miscigenando-as todas, desvalorizando assim cada uma. Citando Alves de Sá, coevo do que se passava:

«Assisto aterrorizado desde 1892 a esta confusão tumultuosa em que caiu o foro nesta matéria».

Ao chegar-se do Código de Processo Penal de 1929 já o conceito de apelação penal tinha sido, entretanto, varrido da terminologia da lei adjectiva criminal e encontrávamos apenas um princípio, que nos acompanhou a todos quantos, como é o meu caso, tivemos esse código como companhia profissional - já retalhado, acrescentado, parcialmente revogado e derrogado - segundo o qual - e eis o seu artigo 649º:

«Os recursos em processo penal serão interpostos, processados e julgados como os agravos      de petição em matéria cível, salvas as disposições em contrário deste código».

Não era esta, a que citamos, uma simples norma jurídica sobre tramitação, era, sim, um normativo sobre a natureza das coisas em matéria de recursos, a dar-lhes uma semântica e sobretudo uma direcção interpretativa em via reduzida: dizia-se «agravo» para que ficasse entendido que não se queria dizer «apelação». E dizia-se, aliás, «agravo de petição» categoria jurídica que havia, aliás, já caído em desuso.
É que natureza do agravo era determinada sobre a incidência do seu objecto, a circunstância de recair sobre tema processual, que não sobre o mérito da causa, afastando assim o território natural da apelação.
No enunciado da lei subsidiária, e como tal aplicável em regime de integração, determinava já o Código de Processo Civil de então [o de 1876] que:

«[…] das decisões de que não pode apelar-se e que excedam a alçada do juiz compete agravo».

E quanto ao critério pelo qual se encontravam os casos de que cabia apelação, resumia-o o Professor Alberto dos Reis, no seu livro Breve Estudo sobre a Reforma do Processo Civil e Comercial ao escrever que o legislador havia reservado a apelação «para as sentenças que conhecem do mérito ou do fundo da causa, compreendendo-se na palavra causa certos e determinados incidentes».
Em suma, o desaparecimento a partir de 1929  da categoria das apelações penais significou como única ilação possível, uma indicação legislativa no sentido da incognoscibilidade tendencial do mérito das causas penais. Era, assim, a restrição dos recursos no que se refere à sindicabilidade efectiva das causas penais julgadas em primeira instância.
É que esse Código de Processo Penal de 1929 havia determinado, no seu artigo 665º, que:

«As Relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em primeira instância e nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos juízes de 1ª instância, e conhecerão só de direito, nos recursos interpostos das decisões finais nos tribunais colectivos e das proferidas em processos em que intervenha o júri (…)» [salvo o caso de anulação da decisão do júri em caso específico].

Quer dizer: o mérito da causa, a partir da reforma processual penal de 1929, e em função daquele citado preceito, passou a ser matéria cognoscível pela Relação apenas quando a decisão recorrida fosse oriunda de juiz singular, desde que não se prescindisse de recurso, caso em que [artigo 532º]:

«[…] escrever-se-ão resumidamente na acta da audiência as respostas do réu, os depoimentos das testemunhas e as declarações dos ofendidos e outras pessoas que devam prestá-las».

Estava consagrada, com força de lei, a intangibilidade das decisões do colectivo sobre o mérito da causa, o fim da apelação penal nas causas relevantes, as que eram julgadas em processo de querela, puníveis com penas mais graves.
O sistema, na sua natureza imanente, já era suficientemente explícito, mas uma vertente prática do mesmo demonstraria a sua verdadeira essência e sobretudo os propósitos que animavam os seus autores.
Assim, como o clarificou um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1932, mesmo depois da alteração do CPP em 1931 «[…] os depoimentos das testemunhas perante o tribunal colectivo não são escritos».
Era impossível a Relação sindicar a prova produzida em audiência devido à ausência de registo da mesma. Assim, a substância, os factos, uma vez adquiridos em primeira instância, fixados estavam, pois não havia hipótese de o tribunal de recurso achar modo de  pôr em crise.
Mas o refinamento agravante do sistema ainda estaria para vir.
Em 1934, um Assento de 29 de Junho enunciaria uma jurisprudência que, de acordo com o sistema de então, valia como lei, e assim obrigatória, segundo a qual a alteração pelas Relações das decisões dos colectivos só poderiam ocorrer:

«[…] em face dos elementos do processo que não pudessem ser contrariados pela prova apreciada em julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos».

Como explicaria o Conselheiro Maia Gonçalves, usando linguagem mais clara para traduzir esta formulação esfíngica, em nota ao artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929:

«[…] em face do Assento de 29 de Junho de 1934, a competência das Relações em matéria de facto, nos processos julgados pelo tribunal colectivo, é muito restrita, só lhes sendo lícito alterar as decisões da primeira instância quando do processo constem todos os elementos de prova que lhes serviram de base ou quando se trate de factos plenamente provados por meio de documentos autênticos. Qualquer elemento de prova produzido perante o colectivo impede que as Relações alterem as respostas aos quesitos».

Era, em suma, o que se popularizou como a «ditadura dos colectivos» em matéria de facto, sistema do qual decorria que o julgamento ante juiz singular era paradoxalmente mais garantístico em termos de recursos do que o ocorrido diante tribunal colectivo, por admitir aquele o seu reexame, com efectivos meios, em sede recurso quanto às questão de facto, a conhecer pelas Relações.
Como o resumiam Borges de Araújo e Gomes da Costa - compilando as lições proferidas pelo professor Manuel Cavaleiro de Ferreira de 1940:

«[…] as Relações só tomam conhecimento da matéria de direito, pelo menos nos processos de querela [a julgar pelo colectivo], pois quando o tribunal colectivo é chamado a julgar a prova não é escrita».

Eram tempos difíceis esses, os da intangibilidade do veredicto de facto nos casos penais graves, tempos de chumbo em que, já agora será interessante lembrar, vingava lei que permitia o entendimento segundo o qual:

«[…] em recurso penal, embora só interposto pelo réu, pode o tribunal agravar a pena» [Assento do STJ de 4 de Maio de 1950].

É que esquecem porventura os mais novos ou os menos estudiosos, a proibição da reformatio in peius - no que significa de impedimento de agravação da pena em caso de recurso interposto pelo arguido - só foi lei a partir de 1969 [com a alteração do artigo 667º do Código de Processo Penal de 1929 pela Lei nº 2139, de 14 de Março, sendo primeiro-ministro o professor Marcelo Caetano].
Os colectivos recebiam da lei o benefício da intangibilidade das suas decisões sobre os factos, tal como a mesma havia sido concedida na matéria ao julgamento pelo júri.
A inapelabilidade do julgamento da matéria de facto surgira em Portugal com a introdução do júri, figura que fomos importar ao modelo estrangeiro, sem tradições entre nós e que faleceria de morte natural pela década de quarenta do século vinte, para ser ressuscitado em 1975, tendo vindo a viver desde então, embora recomposto, hiatos de sobrevivência sem grande esperança de prestígio e sobretudo com duvidosos resultados em termos de acerto, expediente apenas quando a acusação pública não se quer comprometer com certos processos cuja responsabilidade é assim alijada nos jurados, pseudo-representantes do povo, afinal apenas cidadãos mobilizados por sorteio para intervirem no julgamento penal e sua sentença.
É com o júri que mingua a apelação penal. Mas - e cito de novo o professor Cavaleiro de Ferreira no seu texto pedagógico, agora de 1986:

«[…] posteriormente, e já neste século, com a criação dos tribunais colectivos que substituíram o júri, insinuou-se sub-repticiamente a ideia de que o tribunal colectivo devia herdar não só a competência em matéria de facto do júri, mas de igual modo a presunção de infalibilidade. Foi um erro que as circunstâncias em que se processaram as sucessivas reformas processuais tornaram possível».

Morta a apelação criminal, implantado o sistema do agravo penal, estava aberta a porta para a infabilidade dos tribunais colectivos em matéria de facto.
Havia, no entanto, urge reconhecer, uma lógica imanente ao sistema da inapelabilidade dos acórdão do tribunal colectivo e do tribunal de júri: a sua colegialidade e com ela a noção de que uma pluralidade de pessoas haviam, após atenta observação e por deliberação, convergido no elenco do provado e do não provado: ora, antecipando o que se dirá adiante, hoje esse privilégio de infalibilidade foi estendido aos tribunais singulares pois as restrições que existem ao conhecimento da matéria de facto estendem-se também a eles.
Foi neste ambiente que se chegou ao Código de Processo Penal de 1987 e com ele à ânsia de reforma, ingénuo, conclui-se hoje.
Dele decorreram várias ideias discursivamente novas e candidatas esperançadas a terem futuro. O problema foi a pragmática do sistema e a cultura que o caracterizava e se formara antecedentemente, as quais lhes neutralizaram, logo no ovo, a ambição de perdurabilidade.
Enunciemo-las para que o pessimismo realista, de que faço aliás cultura e mundivisão, o possam demonstrar.
Em primeiro lugar, verteu o legislador em lei a ideia liberal de que todas as espécies de recurso, mesmo os atinentes à temática meramente jurídica - e inclusivamente aqueles outros em que os poderes cognitivos do tribunal fossem, circunscritos à matéria de Direito - admitiam [artigo 410º, n.º 2 do CPP] a hipótese de serem conhecidas certas questões, afinal factuais - tarifadas em três casos paradigmáticos - (i) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (ii) contradição insanável na fundamentação (iii) erro notório na apreciação da prova, ou isto é, tudo matérias em que está em causa a factualidade adquirida na primeira instância.
Ou seja, expressamente pretendeu o legislador que se consagrasse um sistema pelo qual, mesmo ante tribunais que por lei limitam o seu conhecimento a temas de Direito, sempre a ponderação da factualidade tinha de ser relevada, em termos de se prosseguir Justiça, naqueles casos em que, ou o Direito não pudesse ser convocado por insuficiência dos factos provados, ou a explicitação dos achados de facto fosse entre si contraditória ou, enfim, se estivesse ante erro notório na apreciação da prova.
A consagração deste conceito não se alcançaria, porém, sem resistência, porquanto certa jurisprudência cedo se encarregou de determinar que tal possibilidade de alargamento dos poderes cognitivos - digamos, do Supremo Tribunal de Justiça - não poderia ser suscitada como tema de recurso, mas apenas ser operada oficiosamente pelo tribunal de recurso ao conhecer o tema jurídico em causa, o que transpunha para a discricionariedade do tribunal o que se previra ser um direito dos recorrentes.
Esta limitação - que a lei no seu enunciado expresso não previa - o da cognoscibilidade apenas ex officio, viria obviamente a reduzir o alcance daquilo que era o primitivo escopo do legislador.
Para além disso, a interpretação do conceito de «erro notório» na apreciação da prova foi de tal modo tornada exigente, que se tornou de quase impossível invocação, reduzido aos casos em que a ostensividade do erro fosse gritante, quase igual ao erro grosseiro, de insólita aparição em avaliações judiciais da prova, quase incompatível com a pessoa de um magistrado.
Para além disso, com o Código de Processo Penal de 1987, retornou para a lei processual penal a categoria conceptual da «apelação», quando a Lei da autorização legislativa da qual emergiu o novo Código consagrou [Lei nº 43/86, de 26 de Setembro, artigo 2º, n.º 2, ponto 72] que ocorreria no novo Código a:

«atribuição ao tribunal da relação de competência para conhecer, em apelação, dos recursos interpostos de decisões interlocutórias e finais do juiz singular e de decisões interlocutórias emitidas pelo tribunal colectiva, e para, em certos casos, renovar a prova, caso não reenvie o processo para o tribunal colectivo» [itálico meu].

Mas feito o balanço ao escopo e âmbito das audiências nos tribunais superiores e ao modo como funcionam, nomeadamente no que respeita a essa «máxima oralidade» e essa proclamada «apelação», conclui-se que tais novidades acabaram por entrar numa tal caducidade por não uso, que o legislador teve, misericordioso, de torná-las opcionais, donde  aparição raríssima para possível desaparecimento, também aqui pelo não uso.
Em terceiro lugar, como acabamos de ver, tentou-se, com este novo Código de Processo Penal, a consagração de um sistema de renovação da prova [artigo 430º, pelo qual a segunda instância, mais do que um tribunal de rescisão, funcionaria como um tribunal de segundo julgamento, até porque ocorreria também [ponto 71, do preceito citado], a:

«[…] consagração, para todas as espécies de recurso ordinário, interposto da decisão final, da garantia do contraditório […]».

Tratava-se de pôr em marcha uma ideia que o preâmbulo do Código, ingénuo porque confiante, assim exprimia:

«Com o mesmo propósito de emprestar ao recurso maior consistência, procura contrariar-se a tendência para fazer dele um labor meramente rotineiro executado sobre papéis, convertendo-o num conhecimento autêntico de problemas e conflitos reais, mediatizado pela intervenção real de pessoas. Por isso se submetem os recursos ao princípio geral - aliás jurídico-constitucionalmente imposto! - da estrutura acusatória, com a consequente exigência de uma audiência onde seja respeitada a máxima da oralidade».

Ora considerando o número de vezes em que ocorreu até hoje a renovação da prova - a meu conhecer nunca [durante a conferência tive conhecimento de dois casos] - viu-se em que medida tal novidade se tornou candidata à morte anunciada logo no acto de nascer.
A renovação da prova tornou-se, pois, previsão não praticada, porquanto impraticável.
Paulo Pinto de Albuquerque diz, aliás, com ironia, quea disposição que a prevê é «a menos compreendida em todo o Código», dado o «equívoco em que tem estado enredada».
O Supremo Tribunal de Justiça, num seu Acórdão de 21.01.04, havia delineado, aliás, já um critério que a tornaria excepcional:

«[…] a renovação da prova só será de decretar quando não seja possível aferir-se da sua correcção a partir da prova já produzida».

E a atentar na configuração do que a nível jurisprudencial se entende por renovação da prova, logo dali se conclui que nunca ela ocorrerá, pois é considerada como algo apenas circunscrito ao caso de ocorrência de algum dos vícios do artigo 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal e relativo à mesma prova já produzida e não a uma outra prova que não aquela.
Acórdãos como um da Relação de Lisboa, esse então, proferido a 21.12.00, acharam modo de obviar à sua efectivação, aniquilando o valor semântico do conceito de renovação, este ao determinar:

«[…] quando a prova esteja documentada, a sua renovação não é admissível, sob qualquer fundamento».

Ora, como o recurso sobre a matéria de facto pressupõe a documentação da prova, o mesmo é dizer, ante tal entendimento, que nunca há lugar à renovação da prova, pois há sempre documentação que a tanto obsta.

Faltava decidir a opção de fundo entre os dois sistemas admissíveis de recurso: o recurso por substituição e o recurso por cassação: o Código de Processo Penal sonhou a praticabilidade do primeiro, mas acabou por ter de se render ao triunfo do segundo, o sonho legislativo fruto de princípios, a realidade produto da prática, o legislador a querer amarrar a perna à jurisprudência, esta a libertar-se do laço do legislador.
Através da lógica da substituição, o tribunal de recurso profere ele próprio a decisão que deveria ter sido a emitida pelo tribunal recorrido; pelo segundo, o da cassação, o tribunal de recurso limita-se a anular a decisão prolatada pelo tribunal do qual se recorre, reenviando o processo a este para que profira nova decisão ou efective, se for o caso, novo julgamento.
Ora na mecânica prática das coisas, o sistema revogatório é mais tentador, pois menos exigente de esforço e assim triunfaria.
Enfim, a lei de autorização legislativa dera indicação segura [n.º 72] de que o reenvio só ocorreria, nos recursos para a Relação, quando se não verificasse a renovação da prova; ora, uma vez que a renovação da prova passou a ser uma não existência, tudo se transformou, em matéria de recursos de mérito para a Relação, num sistema de anulação e reenvio.
Neste panorama de realismo desolador, bem tentou a reforma do Código de Processo Penal de 1998 [por alteração ao seu artigo 431º] uma viragem de rumo, com abertura controlada à modificabilidade pelo tribunal da Relação do veredicto de facto constante da decisão recorrida, isso a suceder em três casos.
Em primeiro lugar, e em aparente inovação, «se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base», fórmula aparentemente liberal, mas que redunda, afinal, numa revivescência do espírito do Assento de 1934, acima visto, que a jurisprudência redutoramente logo aplicou, considerando tratar-se de circunstância excepcional.
Em segundo lugar, reiterando-se que isso ocorre no caso de ter havido impugnação da prova, com o cumprimento, nas conclusões da motivação do recurso, de ónus de indicação não só dos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados, menção a qual o facto probando que pretende fazer triunfar em substituição do provado ou não provado e bem como indicação do lugar onde a prova se encontra registada nos suportes magnéticos áudio em que esteja gravada a produzida oralmente.
O alcance desta inovação ficou, porém, à mercê da interpretação que acabou por se formar quanto às exigências da motivação de recurso e respectivas conclusões, o que se tornou uma floresta de incertezas e caminhos perigosos para os recorrentes, ao que já voltaremos.
Enfim, insistência na ilusão funesta, em terceiro lugar, «se tiver havido renovação da prova», invocação, afinal, ousemos dizê-lo de um nado morto.
Ora na verdade, por via destas delimitações, a questão do recurso da matéria de facto, a partir da reforma em 1998, passou a ser, no imediato, o triunfo não só da arte de escrita, em que se privilegiam formalidades narrativas sobre substâncias, em que a probabilidade de se acertar no modo de configurar o recurso e sobretudo as suas conclusões, raramente ocorre, com a consequente rejeição do mesmo.
Logo na origem tudo anunciava o que aí viria, um sistema com pouca sorte.
O legislador havia pensado um sistema pelo qual em primeira instância se faria recurso a meios de registo da prova que iam, ao limite aos videográficos, para que, numa expressão que se popularizou, o tribunal de recurso pudesse captar não só quanto fora dito mas igualmente o modo como fora dito e assim a imediação fosse viável ante a total oralidade, dois princípios reitores do sistema de justiça recursória: era a ilusão tecnológica de que a prova seria reponderada.
Breve tempo durou a fantasia em torno da novidade, pois jurisprudência logo surgiu a determinar que, gravando-se embora, todo o dito teria de ser transcrito, assim se pondo em causa, desde logo, a espontaneidade do discurso oral, reduzido em expressividade, face ao copiado para o registo escrito.
Foi depois o tema de saber a quem incumbiria o encargo da transcrição, se ao sempre anémico erário público para fins de Justiça ou se aos sujeitos privados, aquela primeiro alternativa tida por inviável por falta de verba para tanto, esta outra indesejada por suspeição de que tais sujeitos transcrevessem sem fidedignidade a prova que lhes interessava.
O tema acabou por implicar uma definição em sede de fixação de jurisprudência pelo Assento n.º 2/2003, de 16 de Janeiro, segundo o qual:

«Sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, em conformidade com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal.»

Só em 2007, com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto se pôs termo a tal «ónus» do tribunal [como impropriamente lhe chamava alguma jurisprudência] e o tribunal passou a ficar adstrito apenas à entrega de cópia dos suportes das gravações áudio, sem que isso implicasse inconstitucionalidade material da norma respectiva [ nova redacção conferida ao n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal], como foi decidido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/2007.
Faltava o critério que se firmou na jurisprudência quanto à exasperação da exigência na formulação das conclusões que, devendo ser breves por imposição da lei, não poderiam conter tudo aquilo que a mesma lei exigia: não só os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados [o que já de per si pode ser longo] como as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida [o que pode tornar muitíssimo mais longo] sobretudo quando, por imposição a mesma lei, estando a prova gravada [e em regra está] por referência ao consignado na acta com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, o que tudo junto alonga ainda mais o que era suposto ser breve e pode ser [e tem sido] rejeitado se o não for.
Candidatos a estarem sempre mal redigidos, os recursos sobre a matéria de facto tornaram-se candidatos a serem rejeitados. Isto sem ponderar quanto se legislou depois em matéria de rejeição sumária, matando à nascença o que se entenderia não ter viabilidade de vida.
Tudo isto marca o destino que tem, no presente, o exame em recurso da matéria de facto: não é, afinal, um recurso do já julgado apenas do modo como foi julgado: da substância ao procedimento, da apelação ao gravo, afinal.
Citando este explícito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2007 [relator Simas Santos]:

«Como vem entendendo, sem discrepância, este Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados […].»

Claro que, visto sob este ângulo restritivo, não se trata, afinal, de uma verdadeira reapreciação da matéria de facto, mas apenas de uma análise da razoabilidade do modo como foi apreciada tal matéria, o que é totalmente distinto e está muito longe do que tem sido pensado desde 1987.
Tudo isto está viabilizado pelo Tribunal Constitucional, o qual entende que a garantia constitucional de reexame da matéria de facto não implica necessariamente um novo  julgamento da matéria de facto, podendo o tribunal de recurso limitar-se a verificar se existiu algum erro de julgamento.
 Aqui chegados, eis a recta final desta minha intervenção.
Assinalaram-me como tema o problema dos reflexos deste sistema no que se refere aos direitos de defesa, mas permitam-me que transmita uma sensação de incómodo em abordar esta perspectiva da questão.
Era outrora ponto de honra que um advogado assumisse, por natureza, o tema dos direitos fundamentais, nomeadamente os da defesa. Uma profunda mutação cultural intimida hoje quando se entra por esse ângulo, pois impera actualmente a diabolização do proclamado excesso de garantismo, que logo é invocado sempre contra quem pretenda fazer valer, em nome da presunção de inocência, o direito ao um processo justo através do esgotamento legítimo das vias de recurso, em nome da defesa.
Uma ostensiva  pressão psicológica é também hoje exercida através dos media sobre alguns dos que pretendem fazer apelo aos meios processuais ao seu dispor; assim se argua uma nulidade de um processo com anos de inquérito e eis em cima do autor de tal proeza a fama deprimente de visar, ele agora, o entorpecimento da justiça, o triunfo da criminalidade.
Vivemos hoje uma época em que, para além disso, a jurisdicionalização é tida como atentatória da eficácia, em que a celeridade processual e a estatística do número de decisões é critério universal da boa justiça.
Mais: vivemos um mundo em que uma defesa penal consequente, uma perícia que seja contraditória, enfim o direito aos recursos, são apodados privilégio de abastados, os que podem suportar os elevados custos de advogados, capazes de os conceber como demora pelo diferimento do trânsito e caminho até à prescrição.
Neste contexto, direi que do que se trata, pois, não é dos reflexos que o descrito sistema possa ter no domínio dos direitos de defesa, até porque a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional já relativizou, e de modo expressivo, a garantia do direito ao recurso que a Constituição considera, no n.º 1 do seu artigo 32º, como ínsita ao direito de defesa.
O que está em causa é, outrossim, a questão da descoberta da verdade judiciária e sobre isto termino.
Numa lógica objectiva e sistémica, a impugnação é instrumento de segurança, apto a gerar uma confirmação do decidido e também garantia de independência para quem julga, pois, por um lado, sabe que julgará em penúltima decisão, por outro, porque não deve obediência hierárquica à jurisprudência firmada em tribunais superiores, antes respeito à doutrina que deles dimane e se possa aceitar.
Para além disso, o recurso é direito a um melhor exame do decidido, o qual é concedido, como garantia constitucional expressa, a quem é afectado pela decisão, isto por se supor que uma deliberação em ulterior instância por colégios de três juízes é mais apta a uma ponderação mais apropriada do que estiver em causa.
Ora um sistema legal que reduziu os colectivos de recurso de três juízes a dois, pois o presidente só intervém em caso de empate [artigo 419º, n.º 2 do Código de Processo Penal], é apto a reduzir a pluralidade que é suposta exigir-se para uma ponderação multifacetada dos temas.
Um sistema legal que já ofereceu de si a pior da sua imagem que é admitir que, inerte o presidente, o relator seja o dono da decisão [eis a expressão que correu] em termos de o segundo membro do colectivo poder assinar sem ter de ler mais do que o decidido, é a mais límpida evidência de que estamos reduzidos à mera singularização, o colectivo passado de três a dois e de dois a um.
Um sistema legal em que, podendo ter ocorrido erro na primeira instância, cerceia as vias de recurso a casos cada vez mais apertados de irrecorribilidade, abre a possibilidade da irremediabilidade desse erro.
Um sistema legal em que, inexistindo renovação da prova, sendo de conhecimento oficioso os vícios da decisão que estão previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, e o conhecimento das questões de prova exijam, sine qua non, o cumprimento exasperante de ónus de redacção das conclusões de recurso, é um modelo que definitivamente restringe o direito ao recurso a uma mera expectativa de se poder efectivamente recorrer.
Tudo isto some-se aos casos em que o recurso está vedado por imposição da lei: aqueles em que há uma pronúncia conforme à acusação do Ministério Público, o referente às indeferidas diligências de instrução, e tantos mais, em que a dosimetria da condenação não o permite quanto às penas parcelares.
Vedando-se o recurso, cerceando-o com dificuldades de formulário, privilegiando-se a revogação sobre a substituição, mais do que atentar-se contra a defesa, põe-se em causa a busca da verdade.
E se não vejamos quanto à verdade, na forma de uma pergunta: em quantos casos em que, tendo havido, por via da anulação, repetição do julgamento, não se obteve neste afinal uma outra versão dos factos, quando não mesmo uma outra história, diversa da que resultou do antecedente julgamento?
Do ponto de vista gnoseológico, o sistema de recursos deveria permitir, reexaminando o julgado, uma melhor, uma mais rigorosa e mais exacta reconstituição do real, como se numa epistemologia genética, o conhecer se alcançasse pela reiteração da observação.
Infelizmente não é este o balanço que se extrai.
No que se refere aos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça penso que esta expressão extraída de um Acórdão deste Tribunal proferida a 31 de Outubro do corrente [relator Nuno Gomes da Silva] traduz do que se trata:

«A ideia que atravessa o sistema na parte dos recursos é a de que o STJ é um tribunal de “fim de linha” – passe a expressão em benefício da clarificação da ideia – cuja competência no tocante aos recursos ordinários está reservada para situações sobre a apreciação do mérito, a justiça da condenação – e mesmo assim com constrições várias – ou em que o acto decisório ponha termo definitivo ao processo, que encerre a relação jurídica entre os sujeitos processuais, seja por razões de natureza adjectiva, seja por razões de natureza substantiva. Por isso se lhe atribui a função de tribunal de revista, como inequivocamente ressalta do art. 434º, do CPP.»

Assim sendo, e vista a limitação colocada ao juízo sobre o mérito nos recursos em ulterior instância, a juntar a esta configuração da competência do Supremo Tribunal de Justiça, não será de estranhar a pressão que existe sobre os recursos de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional.
Termino agora, enfim.
Fiz parte da Comissão de cujo labor saiu o Projecto que se transformou no Código de Processo Penal de 1987. O que vi pretender-se com esse Código ficou acima expresso. Aquilo em que tudo se tornou é de todos conhecido e aflora nesta minha intervenção.
Encontro-me, pois, com as palavras do presidente dessa Comissão, Jorge Figueiredo Dias quando, sob o título Por onde vai o processo penal português, afirmou ante o facto de a revisão constitucional ter aditado ao n.º 1 do artigo 32º da Lei Fundamenta, além das garantias de defesa, a expressão «incluindo o recurso»:

«Isto significa que o direito a um recurso é manifestação jurídico-constitucionalmente vinculante de um direito, liberdade e garantia de defesa. Ela não pode ser posta em causa em hipótese alguma, mesmo sob a alegação de que se verifica in concreto uma qualquer outra garantia de defesa sucedânea legalmente admissível. Sempre que, num concreto caso judicial de qualquer espécie, a lei denegue ao arguido condenado o direito a um recurso, a lei é materialmente inconstitucional e não pode como tal ser aplicada».

Ora esse vedar o direito a um recurso pode resultar de lei que o impeça; mas pode também decorrer de exigências de entendimento processual que o torne afinal inviável. Eis quanto procurei demonstrar.
Mas num sistema em que a prisão preventiva é amiúde, por antecipação, a prisão, a sujeição a processo, em miscigenação com a comunicação social, a condenação, em que afinal o mal do processo se substituiu, em retroacção, ao mal da pena, em que o processo em si passou a ser a realidade relevante no domínio jurlídico-criminal, espanta que, em matéria de recursos, a justiça cuide mais do procedimento que levou à decisão do que, afinal, do próprio decidido? Não, não espanta.

A partir daqui, estando em dúvida o bom Direito, talvez um preceito moral nos salve a má consciência: não julgues os outros como não gostarias que te julgassem a ti. Assim seja lei e jurisprudência, assim encontraremos mais justiça.

CEJ: e-book sobre processo penal


Pelo seu interesse, permitimo-nos chamar a atenção para este e-book, publicado pelo Centro de Estudos Judiciários e que se encontra assinalado no portal da Procuradoria-Geral da República. O texto integral pode ser lido aqui. Eis o resumo do índice:

1. Gestão processual de processos penais

Filipe Preces

António Gomes

Raul Cordeiro

2. Do prazo de 48h a que se alude no nº 1, do art.º 28.º, da CRP, e no art.º 141.º, do CPP, e dos limites que o MP deve observar quando ordena a detenção para interrogatório

Cruz Bucho

3. Juiz de instrução/juiz de garantias: dificuldades na identificação de um sujeito processual

Mouraz Lopes

4. Vícios das sentenças e vícios do julgamento

Francisco Mota Ribeiro


5. Dosimetria da pena: fundamentos, critérios e limites

Manuel José Carilho de Simas Santos

Pedro Freitas

Anexo

Estado da Doutrina das Consequências Jurídicas em Portugal (separata do livro “A Coerência na Aplicação das Penas”)*

Manuel José Carilho de Simas Santos

Pedro Freitas

* Para complementar o texto "Dosimetria da pena: fundamentos, critérios e limites", e com autorização dos seus autores, pela relevância do estudo e pela sua utilidade publica-se também o presente texto, inicialmente publicado em “O Estado da Doutrina das Consequências Jurídicas em Portugal”, em separata.

Assembleia da República: iniciativas


Baixou à 1ª CACDLG a primeira proposta de lei e deste a última actualização que aqui fiz a 26 de Novembro apenas mais um projecto de lei está registado com relevo para o tema deste blog, ainda que indirecto.

[126/XIV, L]: Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)

A proposta de lei é esta:

[1/XIV] Aprova o novo regime jurídico da constituição e do funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, transpondo a Diretiva (UE) n.º 2016/2341


Concorrência: ECN+


Está em discussão pública até ao próximo dia 26 de Dezembro, a «proposta de anteprojeto de diploma de transposição da Diretiva 2019/1/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno (Diretiva ECN+)». O proposto significa alterar o  regime geral da concorrência, incluindo regras sobre transacção, regime de clemência e derrogação ao segredo profissional da advocacia, tudo no quadro do reforço dos poderes da AdC.


Citando do anúncio feito no portal da Autoridade da Concorrência [quanto à exposição de motivos, ver aqui, no que se refere à totalidade da documentação em discussão, ver aqui]; :

«A Diretiva 2019/1/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno (de ora em diante, “Diretiva”) foi publicada no dia 14 de janeiro de 2019, entrou em vigor no dia 4 de fevereiro de 2019 e deverá ser transposta até ao dia 4 de fevereiro de 2021.

A Autoridade da Concorrência (“AdC”) foi nomeada pelo Ministério da Economia como “serviço responsável” pela apresentação de uma proposta de transposição da Diretiva. A Diretiva é um instrumento legislativo de enorme relevância no âmbito do direito da concorrência. Da qualidade da transposição da Diretiva dependerá em grande medida o sucesso da prossecução dos seus principais objetivos: por um lado, garantir a aplicação efetiva da política de concorrência da União Europeia (“UE”) e, por outro lado, o bom funcionamento do mercado interno.

Com efeito, nas jurisdições onde a eficácia do direito da concorrência é inferior, por exemplo atentas as dificuldades registadas pelas autoridades de concorrência na recolha de meios de prova ou na aplicação célere de sanções dissuasoras, tende a criar-se uma perceção de impunidade que afeta particularmente os consumidores e empresas desses Estados-Membros. Estes ficam mais vulneráveis a práticas anticoncorrenciais e deixam de poder beneficiar das vantagens do processo competitivo em termos de preços, qualidade, escolha e inovação, já que as empresas perdem incentivos para aí concorrer pelo mérito. Acresce que novas empresas são desencorajadas de entrar nesses mercados. Portanto, esse cenário também desencoraja o investimento e o empreendedorismo.

A Diretiva visa assim permitir que as autoridades nacionais da concorrência dos Estados-Membros da UE apliquem de forma mais eficaz as regras de concorrência da UE, assegurando que dispõem das garantias de independência, dos meios e das competências de investigação e decisão necessárias, nomeadamente em matéria de aplicação de coimas.

A resposta ao desafio da transposição deverá ser construída sobre quatro pilares fundamentais:

i) Prossecução dos objetivos que presidiram à aprovação da Diretiva;

ii) Respeito pelos princípios da efetividade e da equivalência;

iii) Adaptação das normas da Diretiva às regras, princípios e cultura jurídica do ordenamento jurídico nacional;

iv) Diálogo com os stakeholders.

Em coerência com o que tem sido a sua postura, a AdC entendeu dever promover um processo de transposição aberto, transparente e participado. Assim, para além da constituição de um grupo de trabalho externo para acompanhamento dos trabalhos e da organização de um workshop consultivo sobre o tema, com a participação de representantes dos mais variados quadrantes da sociedade, a AdC decidiu lançar uma consulta pública sobre o anteprojeto de diploma de transposição da Diretiva.

A AdC está certa de que destas iniciativas e da presente consulta pública resultará uma proposta legislativa de maior qualidade e, a final, um diploma que contribua de forma efetiva para uma mais ampla e eficaz promoção e defesa da concorrência em Portugal.

Nestes termos, a AdC convida todos os interessados a, até ao dia 26 de dezembro de 2019, enviarem as suas observações sobre o anteprojeto de diploma de transposição da Diretiva ECN+ que, juntamente com a respetiva exposição de motivos, se encontra em anexo.

Para efeitos de eventual publicação das observações remetidas no presente âmbito, deverá ser indicado se existe alguma objeção a essa publicação.

As observações, indicando a referência “Consulta Pública sobre o anteprojeto de diploma de transposição da Diretiva ECN+”, devem ser enviadas por escrito para os seguintes contactos:

• Endereço postal: Av. de Berna, 19, 1050-037 Lisboa

• Endereço Eletrónico: consultapublica@concorrencia.pt»

Parlamento/1ª CACDLG: pareceres para 4 de Dezembro

Está em agenda, para a sessão do próximo dia 4 de Dezembro, na 1ª CACDLG da Assembleia da República,  a discussão e votação dos pareceres parlamentares relativos às seguintes iniciativas legislativas em matéria de advocacia, penhora de habitação própria, crimes violentos em ambiente escolar

-» Projeto de Lei n.º 88/XIV/1.ª (PS) - "Reforçando a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou doença grave, alterando o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal"  [ver aqui]e do Projeto de Lei n.º 113/XIV/1.ª (PAN) - "Confere aos advogados a prerrogativa de suspensão de processos judiciais nos quais sejam mandatários ou defensores oficiosos em caso de doença grave ou exercício de direitos de parentalidade" [ver aqui]; Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

-» Projeto de Lei n.º 6/XIV/1.ª (PCP) - "Altera o Código do Processo Civil estabelecendo um regime de impenhorabilidade da habitação própria e permanente e fixando restrições à penhora e à execução de hipoteca" [ver aqui]; Relatora: Deputada Emília Cerqueira (PSD) 

-» Projeto de Lei n.º 28/XIV/1.ª (CDS-PP) - "Agravamento da moldura penal para crimes, praticados com violência, nas escolas e suas imediações ou contra a comunidade escolar (50.ª alteração ao Código Penal)" [ver aqui] Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

-» Projeto de Lei n.º 109/XIV/1.ª (BE) - "Regula as relações laborais na advocacia" [ver aqui] Relator: Deputado Francisco Oliveira (PS)

Maratona parlamentar

Com o Parlamento a estrear-se, estão agendadas para discussão e votação no plenário da Assembleia da República a realizar nos próximos dia 11 e 12 de Dezembro, para além de outras matérias, dezassete iniciativas legislativas em matéria de advocacia, nacionalidade, responsabilidades parentais e violência doméstica. A pergunta é legítima, ante esta maratona parlamentar: haverá tempo para discutir, com a profundidade que os temas exigem, tudo o que está previsto? Ou será tudo pela máxima generalidade a benefício de o essencial ser remetido para a 1ª Comissão?

Começando pelo dia 11, são estes os projectos de lei em matéria de advocacia:


Reforçando a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou doença grave, alterando o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal


Regula as relações laborais na advocacia


Confere aos advogados a prerrogativa de suspensão de processos judiciais nos quais sejam mandatários ou defensores oficiosos em caso de doença grave ou exercício de direitos de parentalidade


Estão igualmente agendadas para esse dia as seguintes iniciativas legislativas quanto a nacionalidade:


Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (9.ª alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e 34.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 322-a/2001, de 14 de dezembro)


Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à 9.ª alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro)


Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade)


Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)

No domínio das responsabilidades parentais são estas, para esse mesmo dia, os projectos em agenda:


Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, excepcionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica.


Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores


76.ª alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor


Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores, em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento


Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

Já para o dia 12 no que se refere a violência doméstica são estes os textos em discussão:

Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE)

BE - Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto vítimas desse crime (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas e 47.ª alteração ao Código Penal)

Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE)

Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e à assistência das suas vítimas)

Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN)

Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica

Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN)

Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público

Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª (PEV)

Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar



Liberdade condicional: efeitos da revogação

Ainda não mencionado no portal do Supremo Tribunal de Justiça [conferir aqui] foi hoje publicado no Diário da República [n.º 230/2019, Série I de 2019-11-29]o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, proferido a 4 de Julho de 2019, em sede de fixação de jurisprudência, segundo o qual: «Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.»

Que a doutrina firmada é controversa decorre da existência de múltiplos votos de vencido:

António Pires Henriques da Graça (Relator) - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Mário Belo Morgado - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - Nuno de Melo Gomes da Silva - Francisco Manuel Caetano - Manuel Pereira Augusto de Matos - Vinício Augusto Pereira Ribeiro - Maria da Conceição Simão Gomes - Nuno António Gonçalves - Manuel Joaquim Braz (Vencido de acordo com a declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida) - Carlos Manuel Rodrigues de Almeida (Vencido, de acordo com a declaração de voto que junto) - José Luís Lopes da Mota (Vencido, conforme declaração junta) - Júlio Alberto Carneiro Pereira (Vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida) - António Manuel Clemente Lima (Vencido, pelas razões constantes da declaração de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Almeida) - Maria Margarida Blasco Martins Augusto (Vencida, pelas razões constantes da declaração de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Almeida) - José António Henriques dos Santos Cabral (Vencido, revendo posição anterior e de acordo com declaração junta) - António Joaquim Piçarra (Presidente).

Uma outra oportunidade permitirá comentário relativamente à matéria nele ponderada.

Figueiredo Dias: Direito Penal (3ª edição]


Acaba de chegar, oferta amiga. Mais duzentas páginas do que a edição anterior, num total de 1 252, eis, quinze anos depois,  a terceira edição de uma obra de referência, que surge agora pela  colaboração de Maria João Antunes, Susana Aires de Sousa, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo. 
O prefácio, firmado em Outubro, está redigido em jeito de gratidão a estes seus colaboradores, que, em «trabalho cooperativo», tornaram a obra possível, assim como o livro vem dedicado, em epígrafe, aos seus discípulos. Nele, o autor enuncia o que são as grandes questões que hoje se oferecem, na passagem do século 20 para o século 21, ao Direito Penal, a exigirem «modificações sensíveis, porventura radicais», como, exemplifica, no âmbito do direito penal económico, no direito penal dos entes colectivos, na criminalidade organizada, na europeização e mundialização da doutrina penal e seus efeitos sobre as categoriais do tipo de ilícito, da culpa e da punibilidade.
À primeira vista, a sistemática reconhece-se a mesma. Uma análise mais atenta revela, porém, novidades significativas, tornando-o obra definitiva na teoria do Direito Penal. Assim, ficando-me pelas maiores referências, a doutrina do concurso, o de normas e o de crimes [páginas 1137 a 1211], vem amplamente exposta, assim como as problemáticas da tentativa e da comparticipação nos crimes omissivos [páginas 1124-1137] e do mesmo modo, no subtítulo dedicado aos pressupostos adicionais de punibilidade,  [páginas 781 e seguintes] é pormenorizado o tema dos estádios da realização do crime, e a comparticipação, com detalhe para as formas de autoria e de cumplicidade.
Não houve tempo de entrar no detalhe do conteúdo que se adivinha igualmente revisto e aumentado e como tal fruto de um pensamento dialogante em constante actualização. 
Eis, pois, na sua melhor expressão, a nobreza de um professor: ter criado escola, ter discípulos que se tornaram amigos e continuadores, deixar obra escrita como serviço à comunidade para a qual dedicou uma vida de estudo e reflexão. Bem haja, pois, Mestre!

Conselho de Ministros de 28.11.2019

É este o comunicado da reunião de hoje do Conselho de Ministros:

1. O Conselho de Ministros aprovou hoje o decreto-lei que procede à criação de juízos de competência especializada, nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Tendo por base a identificação dos tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários com volume processual significativo nas áreas de competência dos juízos especializados, procede-se ao seu desdobramento para combater o aumento significativo das pendências nessas áreas, e de modo a assegurar uma oferta judiciária mais adequada e eficiente onde ela se revela mais necessária.

Neste âmbito, é de realçar a criação dos juízos de competência especializada administrativa de contratos públicos nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição alargada sobre as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes, que visa adicionalmente assegurar a confiança necessária no domínio da economia e das finanças públicas, providenciando uma tramitação mais célere e especializada.

Para a concretização desta medida pesou não só a análise crítica dos dados estatísticos e empíricos disponíveis, que identificaram um elevado volume de processos nas áreas identificadas, mas também um estudo elaborado pelo Observatório da Justiça.


2. Foi aprovado o decreto-lei que altera o regime de adiamento de atos processuais nas situações de maternidade, paternidade ou falecimento de familiar próximo dos solicitadores.

O presente diploma vem reconhecer aos solicitadores o direito de beneficiarem, no exercício do mandato forense ou no âmbito do patrocínio oficioso, do regime já aplicável aos advogados no que respeita à dispensa de atividade durante um certo período, assegurando-se, assim, a igualdade de tratamento e permitindo uma melhor conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.


3. Foram aprovadas as minutas dos contratos fiscais de investimento a celebrar entre o Estado português e quatro sociedades comerciais (Panpor - Produtos Alimentares, Hutchinson Borrachas de Portugal, Eurostyle Systems Portugal - Indústria de Plásticos e de Borracha e Bosch Termotecnologia), relativos a projetos de investimento que reúnem as condições necessárias para a concessão de incentivos fiscais.

Tratando-se de projetos com particular interesse para a economia nacional – representam um investimento global superior a 68 milhões de euros, a criação de 610 novos postos de trabalho até 2022 e a manutenção dos atuais 1591 empregos – , é atribuído às empresas promotoras um crédito a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

A presente resolução aprova ainda um aditamento ao contrato fiscal de investimento celebrado a 9 de julho de 2014, com a sociedade 360 Steel Materials, que prevê um crédito a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.


4. Foi aprovada a resolução que delega na ESPAP - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública competências para condução dos procedimentos de contratação centralizada, ao abrigo dos Acordos-Quadro de Eletricidade, Gás Natural e Combustível Rodoviário.


5. Foram reapreciados os seguintes diplomas aprovados na anterior legislatura e que não concluíram o respetivo procedimento legislativo:

- Proposta de lei relativa ao novo regime jurídico da constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões. O diploma, a submeter à apreciação da Assembleia da República, assegura a transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) n.º 2016/2341, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016;

- Proposta de lei que inclui novas substâncias psicoativas na definição de droga, transpondo a Diretiva Delegada (UE) 2019/369, da Comissão.


6. Foi autorizada a realização de despesa relativa aos seguintes procedimentos:

- Aquisição, pela Guarda Nacional Republicana, dos serviços de viagens, transportes aéreos e alojamento para os seus militares;

- Reprogramação da despesa decorrente da contratação de fornecimento de eletricidade em regime de mercado livre pela Polícia de Segurança Pública;

- Contratação, pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, dos serviços de refeições confecionadas destinadas aos centros educativos e dos estabelecimentos prisionais.

Perícia na prova e especialização nos tribunais


Eis o texto lido numas jornadas dedicadas a temas de processo penal, que teve lugar no passado dia onze de Novembro, na Sociedade de Geografia, organizado pela sociedade de advogados Uría e Proença de Carvalho.


«Antes de mais uma palavra de agradecimento pela generosidade do convite para este tão interessante encontro. O que vai ouvir-se são dois tópicos de reflexão, oriundos de algum estudo e de uma extensa prática profissional sobre o sistema legal da prova pericial, seu sentido e limites. 

Está em causa o ajustamento cognitivo da justiça à complexidade do mundo em que se move, à especialização, ao tecnicismo da sociedade contemporânea. 

Comecemos pela prova pericial. 

A prova pericial deveria ser a rainha das provas no processo penal contemporâneo, pois este vive num mundo que se sofisticou, em que não só a criminalidade é hoje requintada e se espraia por zonas que só se alcançam por saber especializado, como também para a descobrir se exigem meios técnicos que a ciência fornece e o saber humano acumula. 

Usamos a expressão «rainha das provas» sabendo que o termo foi durante séculos utilizado em relação à confissão do arguido. 

E porque era a confissão do arguido a rainha das provas? Porque era aquela que, de algum modo, libertava o julgador dos problemas de consciência inerentes ao acto de julgar, pois o arguido, ao admitir o seu crime, dava a sua existência como segura, pondo fim à incerteza angustiosa que resultaria da falível prova testemunhal. De tal modo que os tormentos se tornaram uma forma indesejável de obter uma desejada confissão. 

A prova pericial, a ter direitos régios semelhantes, vê-os surgirem de um análogo enquadramento lógico: o dar ao julgador o conforto de consciência de as conclusões probatórias resultarem de um juízo alheio, que não do seu próprio entendimento. Situação tentadora, até porque cómoda. 

É com esta filosofia que a lei determina que o juízo técnico, científico ou artísticos inerente à prova pericial esteja subtraído à apreciação judicial e de tal modo que o juiz, no caso de divergência face ao parecer dos peritos, deva fundamentar especificadamente a razão de ser da sua discordância. 

Tratava-se de encontrar uma plataforma de equilíbrio entre, por um lado, o deslumbramento positivista ante a prova científica mesclado pela desconfiança, oriunda aliás do mesmo sector filosófico, quanto à apreciação judiciária de temas fora da área jurídica e, por outro, e por outro, a antiga tradição da plenitude do poder cognitivo judicial em todos âmbitos do saber. 

A primeira perspectiva exprimiu-a Afonso Costa na sua tese [Os peritos no processo criminal, 1895, páginas 243 e seguintes], a segunda, favorável à prevalência da apreciação judicial, era sufragada, à data, por Eduardo Correia [RDES, 1967, páginas 32 e seguintes] e Cavaleiro de Ferreira [trecho citado supra]. 

Essa posição híbrida acabou por encontrar acolhimento jurisprudencial [STJ, 2 de Dezembro de 1970, BMJ, 202/146] e é hoje lei nos termos que referimos: o perito sobrepõe-se ao juiz, o juiz para divergir do perito terá de detalhamente se explicar porquê. 

E trata-se, o que nunca foi claramente assumido, de consagrar no domínio do processo penal do sistema que vigorava, afinal, no âmbito do processo civil por força da reforma do Código respectivo introduzida em 1961 e no domínio do qual o artigo 578º estatuía que «a força probatória dos exames e das vistorias é apreciada livremente, devendo o julgador fundamentar, porém, a sua conclusão sempre que se afaste do parecer dos peritos»; isto quando no domínio primitivo do mesmo Código, na sua versão de 1939, vigorava sobre o assunto o artigo 582º, segundo o qual «a força probatória dos exames e das vistorias será apreciada livremente». 

Refere a lei tratar-se de uma presunção, é certo, que há quem entenda [por exemplo Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª edição, página 198] não corresponder a um conceito técnico-jurídico no sentido em que o artigo 163º, n.º 1 Código Civil o enuncia, mas que se traduz numa exigência processual de fundamentação especificada: é que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência». 

Tudo isto, trate-se ou mão de presunção em sentido técnico, é de molde a criar sobre o perito uma acrescida responsabilidade e sobre a Justiça uma significativa pressão. É que o julgador é livre de decidir em contrário daquilo que os peritos concluíram, mas só o poderá fazer desde que fundamente especificadamente essa sua conclusão discrepante. Ora especificadamente, se bem que em Direito processual possa querer dizer individualizadamente, no caso quer dizer isso, mas também detalhadamente. 

Ou seja: terá o juiz que demonstrar que, naquelas matérias onde interveio o perito, precisamente por se exigirem conhecimentos especializados, que só o perito por definição deterá, ele magistrado se lhes sobrepõe, através de um saber próprio suficiente e sobejante, que detalhará, como se erudito e mais perito, afinal, do que o perito: trata-se, do ponto de vista lógico, de um ilogismo que esconde um sofisma. 

Só pela descrição já se verifica que muito dificilmente o sistema terá lógica e practibilidade: trata-se de pressupor no juiz a possibilidade de um saber particularizado que o habilite a impor-se ao perito, seja de que área for, o que é uma notável, mas ingénua, prova de fé no saber enciclopédico da magistratura judicial. 

Trata-se de uma forma ínvia de resolver um problema que, afinal, pode ter uma diversa solução, a da uma perícia contraditória, como defendemos deveria existir. 

Sabemos em que medida o legislador do Código de Processo Penal teve aversão às perícias contraditórias. 

O estatuto de perito está, por essência legal, conferido àqueles que, dotados dos requisitos de sapiência suficiente, sejam designados de acordo com listas de entidades ou de individualidades habilitados a tal. Mesmo nos casos em que por lei a peritagem é pecúlio exclusivo de organismos públicos específicos – o Instituto de Medicina Legal, o Laboratório de Polícia Científica, o Núcleo de Apoio Técnico junto do Ministério Público – a lógica do sistema é a mesma: trata-se de uma designação oficial. 

Qualquer profissional do ramo, que seja indicado por qualquer dos sujeitos processuais privados – por maior que seja o seu saber ou a sua habilitação – , encontra-se numa terra de ninguém estatutária, que leva a que, ao limite, seja relegado para a situação de testemunha, por não haver enquadramento legal em que se possa situar. Testemunha, diga-se, afinal, de coisa nenhuma, pois que, como é sabido, a testemunha depõe sobre factos e neste caso o proposto “perito” [entre aspas] por definição de nenhuns factos sabe, conhece, sim, a área de saber em nome e por causa da qual se coloca o problema do seu chamamento. 

Justificar-se-á o legislador com o argumento segundo o qual, a admitir-se um sistema de perícias privadas, estaríamos a franquear o caminho a situações em que a qualidade científica dos peritos – para já não falar a sua probidade e isenção – estariam fora de escrutínio. 

E tem-se sustentado, numa lógica populista muito em voga, que a peritagem dita contraditória, a existir, só seria permitida àqueles que tivessem meios financeiros suficientes para custearem os elevados custos de uma participação de especialistas, cujos honorários não estão ao alcance de todas as bolsas. 

Não parece aceitável este modo de justificar, pois sempre seria viável restringir o âmbito da designação dos peritos aceitáveis e como tal designáveis à sua pertença a um colégio científico – académico ou não – que lhe conferisse o “certificado de qualidade” que aqui está em causa como questão. 

Além disso, veja-se a ironia, o mesmo sistema que tem vedado a designação aos privados de peritos oriundos do sector privado, tem vindo a coexistir com uma política legislativa de outsourcing a partir dos serviços públicos, que são autorizados, por leis sucessivas predominantemente na área médico-legal, a contratar peritos particulares, ou a cometer perícias a serviços privados, ou até mesmo a celebrar protocolos para tal efeito, tudo para suprir as alegadas deficiências dos serviços públicos, estendendo aqui uma lógica de mercado que é, afinal, a que se tem vindo a implantar, em geral, no serviço nacional de saúde. 

É modelo em que, qualquer que seja a faceta pela qual se encare, assenta num desvalor e numa contradição: por um lado, numa subalternização do perito, que surge no processo como fruto de uma dependência funcional ante quem o nomeia, em contradição, aliás, com o regime legal em matéria de valor probatório da prova pericial em que a opinião do designado se sobrepõe à do designante; por outro, numa implícita, porque não assumida, suspeita sobre a probidade do perito particular contratado, porque alegadamente estaria ao serviço daqueles que tivessem meios para lhe remunerar as conclusões, as quais assim, seriam, venalmente duvidosas, também aqui em contradição com os até aqui tidos como peritos, mas afinal empregados dos organismos de apoio técnico na dependência do Ministério Público e suas polícias e assim ao serviço dos inquéritos para os quais são convocados em nome do seu saber. 

Ora é precisamente por esta razão, pelas dificuldades do seu próprio raciocínio, que o legislador acabou por engendrar um sistema ilógico pelo qual o juiz é convidado a ser o perito dos peritos, a sua autoridade de magistrado a investi-lo agora numa acrescida autoridade de saber, forma, em suma, de iludir um problema. 

Estamos, pois, ante um sistema em que a oficiosidade da designação e a oficialidade na selecção estão hoje sujeitos a contradições insanáveis por decaimento do valor, tido por absoluto, dos respectivos pressupostos. 

Em 1940, quando os ventos do totalitarismo sopravam a contaminar o processo penal pelo apoucamento da judicialização, escrevia Cavaleiro de Ferreira a propósito dos “exames”, que era a forma pela qual a legislação processual penal consagrava a prova pericial: 

«[…] a apreciação feita pelos peritos, sendo idêntica na natureza à apreciação da prova feita pelo juiz, não tem o mesmo valor e alcance. O juiz decide, enquanto o perito dá apenas um parecer, com o qual o juiz não é obrigado a conformar-se.». 

E, situando o seu pensamento no quadro do que era o ensinamento da História, acrescentava: 

«Na antiga legislação discutia-se muito a obrigatoriedade para os tribunais, dos pareceres dos peritos, nos exames, em matéria penal, e a maior parte da doutrina e da jurisprudência inclinavam-se para essa obrigatoriedade. Hoje, tal doutrina é absolutamente inadmissível. Mesmo em processo civil não há a sujeição do juiz ao parecer dos peritos». 

Hoje, que vivemos sob a bandeira de um Estado que se proclama de Direito democrático, é como se viu: tudo leva à sujeição do juiz aos peritos, a possibilidade de divergência judicial face ao achado pericial tornada acto inviável. 

É que, analisada a lei actual não conseguimos encontrar aquilo que António Latas menciona ser [Processo Penal e Prova Pericial, 2006] «um conjunto de regras que tendem a maximizar o princípio do contraditório». 

É que, não só, como vimos, os sujeitos privados estão privados do poder de designação de peritos, como não têm qualquer participação na designação oficiosa dos peritos. 

Como se intui, o sistema contém em si mesmo os gérmenes da sua perversão. 

É que a arrogância intelectual que, afinal, é pressuposta a um magistrado para enfrentar a pressuposta sapiência pericial, fará com que, por pudor ou por escrúpulo de carácter – para já não dizer por boas maneiras cívicas – , o magistrado se abstenha de exercer o poder legal em nome do qual sindicaria e julgaria o caso e a opinião dos próprios peritos. 

Com a particularidade, para ajudar à confusão, decorrente de uma circunstância: é que, como sumariou Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário ao Código de Processo Penal], no que se refere à tutela do princípio [consagrado pelo artigo 163º do CPP], reina hesitação jurisprudencial, pois já se entendeu que a violação do preceito respectivo significa a comissão de uma mera irregularidade, nulidade, erro notório na apreciação da prova, em suma um pouco todas as categorias possíveis de invalidade. 

Claro que a lei estende aos peritos o sistema legal que permite recusá-los, por remissão daquele que permite a recusa de juiz; só que entre o catálogo de situações em que tal recusa é admitida, não está a falta de saber do perito. 

E, no entanto, não se suponha que a perícia é por essência prova neutra. Não pode ser “neutra” uma perícia que pode ser designada pelo Ministério Público que, por mais proclamada seja a metáfora da objectividade, é parte acusadora no processo penal; não pode ser neutra uma prova que se sobrepõe, pela supremacia do tecnicismo, ao poder jurisdicional. 


Chegados aqui surge o segundo tópico para cuja reflexão vos convido. Limitado a peritos oriundos de um universo restrito, o tribunal vê-se amiúde confrontado com a fragilidade dos contributos que prestam. Postos em crise em julgamento ante as arremetidas das questões que lhe são colocadas, vista a congruência lógica sujeita a crítica, os pressupostos de saber postos em dúvida ante o estado da arte, os peritos acabam por criar no espírito do juiz a dúvida, a incerteza moral, quanto ao bom fundamento do seu contributo. 

E eis o ponto de tensão do sistema: não podendo contrariar o perito e a ter de aceitar a presunção legal de pertinência do seu parecer, ao tribunal só resta como caminho único, amalgamar a prova pericial com toda a outra que com ela a concorre e colocar em crise os pressupostos de facto com base nos quais a opinião pericial se estribou. 

É sabido qual o sistema legal vigente para resolver as situações-limite de dúvida judicial quanto à ocorrência dos factos: a absolvição. E eis o que decorre amiúde de um sistema que, com a perícia, pressuporia certezas científicas e não dúvidas morais. 

Dir-se-á que é, do ponto de vista da cidadania dos direitos individuais uma válvula de segurança sem a qual não há Estado de Direito; mas do ponto de vista da cidadania da segurança, é uma fragilidade do sistema. 


Claro, e assim, termino, que um sistema de perícia contraditória, teria a vantagem do contraponto dos saberes, em que a autoridade do juízo surgisse, não da autoridade da função do opinante e da fonte exclusiva da sua nomeação, mas sim da mais valia dos argumentos convocados. 

Não é o que temos. Mesmo o próprio consultor técnico, que a lei admite moderadamente esteja presente na perícia – a maioria das vezes nem está, pois a perícia ocorre na que pode ser fase secreta do processo [o inquérito] – tem um estatuto liliputiano, pois para além do direito de presença, são-lhe permitidas apenas sugestões aos peritos que estes podem recusar. 

Negando aos sujeitos privados a possibilidade de designarem peritos, o sistema legal português apenas lhes admite a nomeação de consultores técnicos. E, paradoxalmente, permite-o também ao Ministério Público, mesmo quando este foi a autoridade judiciária que tiver determinado a efectivação da perícia, e já tem, pois, peritos por si designados. 

Sucede que se trata de uma possibilidade minada por limitações. 

A primeira, a própria formulação do preceito onde se prevê a designação de consultores técnicos a qual tem lugar «ordenada a perícia», com o propósito de que os designados possam «assistir à realização da mesma, se isso ainda for possível». Eis o que estatui o artigo 155º do CPP. 

Este enunciado é sintomático. A expressão «se ainda for possível» parece pressupor que se trata de designação excepcional, porque residual, a acontecer ante a eventualidade de ainda poder suceder. 

Para além disso, trata-se da nomeação de alguém para «assistir à realização» da perícia, fórmula que logo, ao usar o verbo “assistir”, com o que ele traduz de passividade na acção e pura percepção, inculca o carácter diminuto do que está em causa em matéria de poderes de intervenção dos consultores técnicos. 

Mais ainda, diz a lei que os consultores técnicos haverão de ser, em relação aos sujeitos que os designarem, pessoas «de sua confiança», nada mais supondo nem exigindo, como se fosse pressuposto, numa lógica a contrario que os peritos não fossem da confiança de quem designa os consultores técnicos e tudo se movesse num cenário suspeitoso de confiança versus desconfiança. 

Enfim, como se tudo isto não bastasse, a lei prevê que «a designação do consultor técnico e o desempenho da sua função não podem atrasar a realização da perícia e o andamento normal do processo». 

Se mais fosse preciso para desencorajar a designação de consultores técnicos o que se acaba de enunciar bastaria. 

Resta mencionar que, de acordo com n.º 2 do artigo 155º do CPP, o consultor técnico «pode propor diligências e formular observações e objecções, que ficam a constar do auto». Já é extravasar o limite da inacção que a mera assistência parecia significar. Mas, mesmo assim, ainda é uma actuação de pouca actividade e escasso relevo. 

Trata-se, pois, de alguém que, para além de assistir, tem uma mera participação de sugestão e reparo, limitada e subsidiária afinal. 

Com ironia se poderá dizer, como o faz Rodrigo Santiago [RCC, Julho/Setembro de 2001], que o nosso sistema é, em matéria de prova pericial, um sistema de perícia «controlada» ou «vigiada», forma de consagração de uma perícia contraditória mitigada. 


Oficialidade pericial, incerteza judicial, eis o que temos como sistema. 

As perícias são, num processo penal contemporâneo, um meio por excelência para reconstituir factos e avaliar provas, sob a convicção que a ciência garanta. Paga-se através delas o preço da certeza pelo custo da técnica. Radica tudo na confiança do saber. Contrapõem a demonstração à argumentação. 

Só que elas não são, nem podem ser, fruto de verdade oficial e única, ditada unilateralmente, despotismo iluminado pelo presuntivo saber, defendido do juízo crítico que o contraditório permite, não aberta à opinião de saberes de outros, provindos que venham do território da sociedade civil, porque nem o Estado tem o monopólio da ciência, nem o exclusivo da probidade. 

Voltando à ideia da rainha das provas, vale dizer que antes rainha por um dia que duquesa toda a vida. 

No pretório, a prova pericial é, sob a aparência do manto real da sua autoridade, uma rainha sem nobreza. Que me perdoem todos quantos peritos fazem o possível, mas na verdade a sua função exige melhor do legislador e a realidade contemporânea também, reclamando a revisão global do sistema. 


Ora se isto é assim no que se refere às perícias que dizer quanto à aversão no sentido da criação de tribunais especializados na área financeira, bancária, do mercado de capitais? 

Que dizer quando, em matéria contraordenacional, se criou um tribunal para as questões da concorrência, da regulação e da supervisão? Que dizer, quando se clama pela criação de tribunais especializados para a violência doméstica? 

Penso, passe o atrevimento, que pouco há para dizer salvo no sentido da sua absoluta necessidade e urgência. Não basta fazer juízes comuns serem assessorados por [afinal inexistentes] consultores técnicos, porquanto o que está em causa não é o poder judicial ficar dependente de um saber alheio, sim a convicção judicial ser fundamentada num saber próprio, o único capaz de formular instâncias capazes, dialogar com respostas insatisfatórias, tomar decisões rigorosas. 

Não se trata apenas, e não seria pouco, de reforçar o prestígio da magistratura, permitindo-lhe um nivelamento com o carácter complexo das realidades que julga, trata-se de administrar melhor justiça, através de tribunais vocacionados em exclusivo para temáticas que, propiciando a especialização, garantam um decidir com aprofundado conhecimento de causa. Não estando em causa pessoas, estão em causa instituições. E é disso, afinal, que se trata. »

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O evento contou com quatro intervenções, esta que agora publico, no âmbito de uma mesa moderada pelo Conselheiro Baltazar Pinto e integrada por Alexandre Mota Pinto e Francisco Proença de Carvalho, outra sobre o tema Perda a favor do Estado de produtos ou vantagens resultantes de crime, mas pertencentes a terceiros, em que foi orador o Procurador da República Carlos A. Casimiro Nunes, com moderação de Tito Arantes Fontes, numa mesa integrada por Nuno Salazar Casanova e Adriano Squilacce e uma terceira sobre Questões processuais associadas ao processo penal tributário, intervenção da cargo da Conselheira Isabel Marques da Silva, com moderação de Filipe Romão numa mesa integrada por David Sequeira Dinis e Cláudia Reis Duarte.