Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Notificação de articulados pelo e ao MP

O parecer n.º 131/2001 PGR (2.ª série), de 12 de Julho de 2002, relator João Manuel da Silva Miguel conclui que: «1.ª Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 229.º-A do Código de Processo Civil, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260.º-A. 2.ª As normas referidas na conclusão anterior não são aplicáveis ao Ministério Público. 3.ª As mesmas normas também não são aplicáveis aos mandatários judiciais quando o Ministério Público com eles intervenha no mesmo processo, excepto, quanto àqueles, nas relações entre si, relativamente a actos em que o Ministério Público não deva ter intervenção. In Diário da República. – S.2 n.140 (22 Julho 2005), p.10 662- 10 671».

Aperfeiçoamento do RAI: constitucionalidade

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2005, de 14 de Julho de 2005 [2.ª Secção, Processo n.º 310/2005 , relatora Maria Fernanda Palma, decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido, negando, consequentemente, provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido. (...)».

Schengen: matrículas de automóveis

Regulamento CE/1160/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 2005 [aplicável a partir de 11-01-2006], que altera a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns no que respeita ao acesso ao Sistema de Informação Schengen pelos serviços dos Estados-Membros competentes para a emissão de certificados de matrícula dos veículos [Jornal Oficial da União Europeia. – L191 (22 Julho 2005), p.18-21. http://europa.eu.int/eur-lex/lex]

* Directiva 1999/37/CE do Conselho, de 29 de Abril de 1999, relativa aos documentos de matrícula dos veículos (artigo 9.º - assistência mútua) [JOCE. – L138 (1 Junho 1999), p.57. Directiva com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2003/127/CE da Comissão (JOCE. - L10, de 16.1.2004, p. 29)].

* Decisão 2004/919/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 2004, relativa à luta contra a criminalidade automóvel com repercussões transfronteiriças [JOUE. - L389 (30 Dez 2004), p. 28].

O Sistema de Informação Schengen (SIS), criado nos termos do título IV da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (Convenção de Schengen de 1990) e integrado no âmbito da União Europeia ao abrigo do protocolo anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, constitui uma rede electrónica entre os Estados-Membros [JOCE, L239 (22 Set 2000), p.19. Convenção com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento CE/871/2004 do Conselho (JOUE. - L162, de 30.4.2004, p. 29)].

Foi-se! A martelo!

Deve ser do tórrido Verão. Mas alguém tem de o dizer!. Eu sei que serei suspeito ao vir aqui dizê-lo e por isso o digo com rigor milimétrico, pensando, palavra a palavra, no que digo: mas ninguém reparou que do currículo de Sexa, o ministro da Justiça que temos, que tão pormenorizado é, até a ponto de se enobrecer com a menção ao que a PIDE lhe fez, falta um pequeno grande pormenor, um momento da sua vida, um trajecto seu, uma função relevante?. E ninguém reparou que ninguém repara nisso ou todos fingem não reparar que não se repara em tal omissão? Diga-me que não, para ficarmos todos contentes. O próprio «Correio da Manhã», que recentemente o entrevistou, resume a biografia do entrevistado e igualmente omite este momento da sua vida. Fantástico! Num país destes, dá vontade de dizer: sabem que mais, vão passear! Além do mais, faz-vos bem, sempre apanham ar! Mas, enfim, lá temos que nos aturar uns aos outros e aprender a não reparar no que não tem reparação possível.
Ora vejam lá, o que vem no «site» do Ministério da Justiça, onde se publicam essas coisas curriculares: http://www.mj.gov.pt/front-end/mj/default.asp?c=00000001:00000001:00000001:00000001: [os zeros todos vêm lá, não sei porquê, mas o "link" é mesmo assim!]
«Dados Pessoais

Alberto Costa nasceu em Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça, distrito de Leiria (1947). É casado e pai de três filhos. Fez a escola primária e o liceu em Leiria, tendo sido aí distinguido com o Prémio Nacional.

Actividade Profissional e Académica

Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde viria também a leccionar, e fez em Leiria o estágio de advocacia e o início da sua vida profissional.
Foi candidato a deputado pela Oposição Democrática pelo círculo de Leiria (1969), tendo então a sua candidatura sido impedida pela Pide. Em resultado da sua prisão pela polícia política e exclusão de todas as Universidades por decisão do governo da ditadura, a França veio a conceder-lhe o estatuto de refugiado político (1973/74).
É advogado desde 1974. Exerceu cargos na Ordem dos Advogados e em vários sectores da Administração em áreas ligadas à justiça e regeu disciplinas jurídicas na Universidade Clássica de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa e ISPA, de cuja assembleia geral foi presidente.
Deputado à Assembleia da República desde 1991, foi Presidente da Comissão Parlamentar dos Assuntos Europeus, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS e membro da Assembleia Parlamentar do Atlântico Norte, em várias legislaturas.
Foi ministro da Administração Interna (1995/1997), tendo integrado o Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos da União Europeia em seis presidências.
Desempenhou as funções de administrador não-executivo da Petróleos de Portugal – Petrogal SA (1997-98).
Foi membro da Convenção Europeia que preparou a Constituição para a Europa em representação do Parlamento português (2002/2003) e também responsável pelo programa eleitoral do PS nas últimas europeias (2004).
Desempenhou missões públicas e profissionais e fez numerosas conferências em países da Europa, África, Ásia e América, tendo chefiado nalguns deles missões da União Europeia.
É autor de diversas publicações sobre temas jurídicos e políticos, nomeadamente “Tribunal Penal Internacional” e “Na Convenção Europeia”.
Colaborou nas revistas “O Tempo e o Modo”, “Vértice”, “Seara Nova”, Política Internacional”, “Revista Jurídica de Macau”,”Revue du Tiers Monde”, “Europa Novas Fronteiras”, em diversas obras colectivas e jornais.
No âmbito do Partido Socialista integra a Comissão Política Nacional, onde tem sido eleito desde 1988.»
Não falta nada? Uma função? Um cargo? Mais de um ano da sua vida? É caso para se dizer: a desmaterialização chegou ao ministério da Justiça: uma parte do currículo de Sexa. foi-se! A continuar assim, qualquer dia, foi-se todo, salvo se continuarem todos a não reparar!

Excesso de garantismo mediático

«Esperemos, entretanto, que nenhum dos magistrados prejudicados se lembre de se queixar às mais "altas instâncias" (RTP, SIC ou TVI...)», escreve-se no http://ciberjus.blogspot.com/ a propósito de um problema retributivo de magistrados em formação. Perdoe-se a ironia à ironia: mas será que o recurso sistemático a tais instâncias já começa a parecer também excesso de garantismo?

Uma grande

«Esta desmaterialização representa a concepção do sistema judicial como uma grande infra-estrutura cívica», considera Alberto Costa, em declarações ao jornal «Público». Ora aí está! Desta é que vou a provas à Faculdade de Direito, candidatar-me a doutor laureado com um tema que deixará o júri em pura catalepsia mental: «A verdade material num processo criminal desmaterializado, prolegómenos para uma infraestrutura cívica». Começo a estudar e é já nas férias! E ainda eu ironizava em tempos, inocente quanto a «infra-estruturas» no Direito, mas ante o esvaziamento completo da função de ministro da Justiça, dizendo que o Ministério bem poderia mudar de nome e passar a chamar-se «Ministério do Equipamento Judiciário e dos Monumentos Legislativos», pois edifica tribunais e mobila-os e encomenda códigos a comissões! Realmente, bem poderia ter sido mais moderado. Temos Pacheco, Duarte Pacheco!

Transferências bancárias e crime

Como noticia o http://santerna.blogspot.com/: a Sala de Imprensa da Comissão Europeia acaba de apresentar «uma proposta de reforço dos controles sobre as transferências bancária com o objectivo de cortar as fontes de financiamento de terroristas e outros criminosos. Com a aplicação do regulamento proposto, as transferências de dinheiro deverão ser obrigatoriamente acompanhadas de informações sobre a identidade de quem dá a ordem, em especial o seu nome a sua morada e o seu número de conta. Graças às medidas propostas, o acesso imediato das autoridades competente a estas informações será assegurada, o que contribuirá para facilitar a sua tarefa de detecção, investigação e persecução das actividades dos terroristas e outros criminosos, bem como a identificação dos seus activos financeiros. Esta proposta insere-se no quadro mais amplo do plano de acção da UE de luta contra o terrorismo».

O desmaterialismo dialéctico

Ainda por falar em desmaterialização, alguém se lembra que a letra da canção dos «Police», chamada «Material World» é:

«There is no political solution
To our troubled evolution
Have no faith in constitution
There is no bloody revolution
We are spirits in the material world
Are spirits in the material world
Are spirits in the material world
Are spirits in the material world»

Não é por nada! O pior ainda está para vir, no mundo material!

E não se poderá recuperá-lo?

Nem de propósito. Tinha eu escrito o «post» sobre a amnistia geral e o risco de um sistema de «desmaterialização» quando me chega por email um anúncio de uma empresa especialista em recuperação de dados, que rezava assim: «não há sistemas absolutamente seguros porque os mais sofisticados já falharam. O desastre informático pode bater-lhe à porta e vir a perder dados importantes. Se tal acontecer vai sentir o que é bom ter uma longa experiência do seu lado». Lembrei-me de lhes recomendar que contactem os tribunais superiores, pois com este ministro, em breve vão ter muitos clientes!

Corta!

Nem sei se alguém notou, mas férias é tema que eu não trato aqui. Mas porque, como na anedota, «é hoje, é hoje!» que o assunto sobe ao Parlamento, não resisto. É que, ou alguém se enganou nas contas ou o mesmo ministro que começou por ameaçar cortar um mês de férias aos tribunais agora já vai numa de cortar apenas uma semana! No meio disto tudo e do cortejo de absurdos que se lhe seguiu, lembrei-me da carta do Eça de Queirós ao Exmo. Senhor Pinto Coelho, digno director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista, quando aquela lhe cortou o precioso líquido: «Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos! Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Ex.ª ! Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Ex.ª».

Não é a Tass, é o tá-se

Ainda a propósito da desmaterialização, li isto num jornal: «A prioridade vai ser atribuída à digitalização dos recursos interpostos para os tribunais superiores. Com a aplicação desta medida, os juízes desembargadores passam a poder trabalhar em casa num computador, em vez de terem de transportar com eles os grossos volumes dos processos». Desculpem-me mas não consigo levar nada disto a sério! Li e lembrei-me do Raul Solnado: «está-se mêmo a vêr, num tá-se?».

A casa mortuária

«Nunca faças uma pergunta sem saber qual a resposta que te espera»! Esta uma máxima que devia ser ensinada a quem vai para a barra do tribunal. É que muitos dos contra-interrogatórios que por aí se vêem, pretensamente homicidas, são autenticamente suicidas. Alguns com morte lenta e agonia à vista!

A amnistia geral

Obrigado, meu caro Francisco Bruto da Costa [http://ciberjus.blogspot.com/] pela explicação: «A desmaterialização dos processos judiciais é um chavão introduzido recentemente no léxico judiciário que significa o abandono do papel e a prioridade ao suporte digital dos processos.Por outras palavras, o verdadeiro processo passa a correr no servidor do Tribunal, onde está arquivado em formato digital; as cópias em papel que Magistrados e Advogados terão em seu poder não passam disso, de cópias, o verdadeiro original está num computador central do Tribunal, a que se chama vulgarmente o servidor». Mas, ao saber do que se trata, a minha reacção é esta: é malta, aos abrigos! De facto, parece que andamos a brincar aos tribunais. Num país em que a Justiça vive em penúria económica [será preciso dar exemplos?] em que os meios mais elementares faltam [será preciso explicar?] em que os sistemas mais elementares de coordenação informática estão constantemente em falha [serão precisos pormenores?] é completamente ridículo [serão precisas outras palavras?] pensar em gastar milhões numa iniciativa deste género!. Isto para não falar na insegurança que se vai introduzir no sistema. Assim haja uma falha, e é a amnistia geral!

O furor revisionista

Por Decreto de 10 de Desembro de 1852 o Governo publicou um «Código Penal». Assinavam-no o Duque de Saldanha e e Fontes Pereira de Melo. Seis meses depois do novo Código estar em vigor o Governo nomeava uma Comisão para o rever. A revisão, essa, só conheceria a luz do dia em 1884, por uma Lei de 14 de Julho, ou seja 32 anos após!. Eis num facto e no outro, a nossa lídima tradição! Ainda há quem se queixe da modernidade...

Governar à comissão

A propósito da «desmaterialização e simplifcação», há na Internet um «site» de uma chamada Comissão para a Simplificação Legislativa. Segundo o dito, a Comisão é proposta por por um presidente, coadjuvado por dois vogais, e representantes dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência, da Justiça, das Finanças, da Reforma do Estado e da Administração Pública e do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. A mencionada Comissão visa «identificar áreas da legislação existente que devem ser objecto de intervenção, elaborar estudos e emitir recomendações com vista à simplificação e melhoria da qualidade da legislação e regulamentação; analisar e propor medidas que visem a maior acessibilidade da legislação, designadamente através da consolidação, compilação ou codificação; analisar e apresentar situações em que se justifique a deslegalização ou desregulamentação, incentivando nestas áreas a auto-regulação ou outras formas de actuação; estudar os procedimentos legislativos e institucionais vigentes com vista à propositura de novas regras de simplificação, relativamente à produção de novos actos normativos».
Olhando, porém, com mais atenção vê-se que a última actualização do consultado «site» é de 15 de Fevereiro de 2002! Penso que estará à vista o que se passou: a Comissão, fiel ao seu propósito, começou por simplificar-se a si própria, desaparecendo. Qual asteróide morto, o «site» navega no ciber-espaço! Já agora uma perguntinha inocente: quanto terá custado esta Comissão? Quanto terão custado outras dezenas de Comissões de igual jaez, que se vão sucedendo, várias por cada novo ministro, e cujo trabalho, a existir, nem se sabe para que serviu nem onde ficou? Não seria mais barato criar uma Comissão para a Extinção e Liquidação das Comissões?

Falta de material

Ei-lo, o admirável mundo novo dos neologismos, o das palavras mais vistosas do que as ideias! O projecto chama-se: "Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na Justiça". Vem no «site» do Ministério da Justiça e dele se fazem eco os «sites» jurídicos, tudo ressoando na desconfiada imprensa generalista. O que eu não consegui encontrar foi o dito projecto, para saber do que se trata. Será que se desmaterializou?

1240 vagas para Direito

Segundo o http://suotempore.blogspot.com/: as vagas para o ano lectivo 2005/2006 no que se refere ao curso de Direito totalizam 1240: Universidade de Coimbra - Faculdade de Direito: 330 vagas; Universidade de Lisboa /Faculdade de Direito: 550 vagas; Universidade do Minho / Faculdade de Direito: 110 vagas; Universidade Nova de Lisboa / Faculdade de Direito: 100 vagas; Universidade do Porto / Faculdade de Direito: 150 vagas.

Descriminalização dos cheques

Diz-se na imprensa que em função de uma iniciativa legislativa do Governo no sentido de descriminalizar a emissão sem provisão de cheques até 150 euros, os credores ficarão prejudicados «estimando-se que os credores deixem de recuperar mais de 60 milhões de euros em dívidas». Ou eu deixei de compreender o mínimo, ou ainda me pergunto se a lei não poderia conter uma norma no sentido do prosseguimento do processo para efeito de conhecimento do pedido cível deduzido ou em termos de o permitir, tal como se passa com as leis de amnistia. Isto para já não falar na dedução em separado do pedido cível, pois que visto o valor, por ventura daria em nada ou sairia mais caro do que o resultado.

A justa medida

Entrar em férias com diligências judiciais a correr em férias e prazos a correr em férias quando se discutem ainda as férias dos tribunais é de facto uma experiência singular. Singular mas não única; dá apenas a medida de todas as coisas.

O crime organizado em livro

A edição vem organizada por Cyrille Fijnaut, o livro intitula-se «Organised crime in Europe, concepts, patterns and control policies in the European Union and beyond». Trata-se de uma edição da Springer Gmbh & Co., são 1074 páginas e custa 207,69 €. Trata-se de uma descrição, conceptualmente sistematizada, da regulação jurídica do crime oprganizado em treze países da Europa.

Trabalhadores eventuais

Notou o Fernando Pessoa, escrevendo acerca da «atribuição das preposições», que quanto ao verbo dever «há dele duas significações: a de obrigação, e a de probabilidade». E exemplifica que o «ele deve pagar a conta» tanto exprime que tem a obrigação de a pagar «ou provavelmente a pagará». Seguramente isso explica que tudo no Direito tenha a ver com o talvez seja. Ainda há ingénuos a filosofarem que nele se materializa, categórico, o reino do imperativo, quando, afinal, apenas mourejam, iludidos, os servidores da eventualidade.

As delicadas infracções

«O processo foi, então, repartido em vários, sábia maneira de, pela própria processualização, ser desarticulada a gigantesca conspirata que, de um processo único, tiraria uma reprecussão desproporcionada em relação ao sigilo necessário a tão delicadas infracções». Jorge de Sena escreveu isto em 1966. É «O Físico Prodigioso». E chama-se a isto a ficção...

Deutsch & English

Está interessado em conhecer o Direito Alemão em língua inglesa? Para quem não consegue ler o original, ao menos a aproximação pela tradução: http://www.iuscomp.org/gla/ Como no anúncio do gás, clique, e já está! Wunderbar!

Conferência sobre a luta contra o crime organizado

Conforme informa o GDDC da PGR, no quadro do programa Octopus do Conselho da Europa, terá lugar em Lisboa, de 28 a 30 de Setembro de 2005, uma conferência sobre a luta contra o crime organizado, organizada pelo Conselho da Europa, de que Portugal tem a presidência, e pelo Ministério da Justiça de Portugal. Os participantes devem estar profissionalmente implicados nas questões relativas ao crime económico e compreender representantes de Governos, de Organizações internacionais, de associações profissionais e do sector privado. Formulários de inscrição em http://www.coe.int/T/E/Legal_Affairs/Legal_cooperation/ deverão a enviar ao Conselho da Europa, o mais tardar, até 5 de Agosto de 2005.

"Cum grano salis"

O «cum grano salis» faz um ano de regular actividade! Fica daqui um abraço de parabéns! Deixei lá, em estilo de comentário, um aceno amigo! A sua pertinácia é um exemplo para os entusiastas intermitentes como é o meu caso.

MP's de turno

Quem quiser saber que MP's estão de turno nas férias judiciais pode obter esta informação em http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/docpgd/turnos_v05.php?link=1. A informação talvez tenha interesse; há porém quem prefira saber que juízes estão de turno quando e onde.

Poderes cognitivos penais do STJ e das Relações

Não será demais lembrá-lo para tantos que ainda se não aperceberam disso: «tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, como fez o recorrente neste caso»: eis a doutrina reafirmada pelo Acórdão do STJ de 12.07.05 [prolatada no processo n.º 2315/05-5, relator Simas Santos].

Recursos retidos: todos quais?

O Acórdão do STJ de 12.07.2005 [proferido no processo n.º 2242/05-5, relator Simas Santos] acaba de acentuar que «se o recorrente não fez, quer no requerimento de interposição, quer no texto da motivação quer nas conclusões do recurso da decisão condenatória qualquer menção ao recurso retido, não pode este recurso ser conhecido», já que «é este o único sentido que hermeneuticamente se pode atribuir à «especificação obrigatória» dos recursos retidos em relação aos quais mantém interesse, nas conclusões do recurso que os faz subir (art. 412.º, n.º 5 do CPP)». Pena é que a Relação de Lisboa já haja entendido num seu acórdão recente que quando o recorrente menciona na conclusão do recurso que mentém interesse em «todos» os recursos retidos, isso não basta e deveria ter explicado todos, quais!

Inquietante

Há no livro do José Rodrigues Miguéis, «Uma aventura inquietante», escrita em 1934 e revista em 1958, um momento em que o Zacarias, suposto homicida e personagem principal da trama, preso, cogita: «a Justiça é como um cimento: plástica e fácil de modelar enquanto fresca; mas depois que prendeu, vão-na lá desfazer». Miguéis foi advogado antes de se dedicar exclusivamente à literatura. O seu modesto escritório era então na Rua do Coliseu. Um dia fartou-se, felizmente.

Acontece!

O senhor juiz leu a sentença oralmente mas não a depositou na secretaria; por ventura tê-la-à lido «por apontamento». Passa o tempo. Nos termos da lei, o prazo para recorrer corre do dia do depósito da dita peça processual na mencionada secretaria. Só que esta entende que não é obrigada a notificar do dito depósito. Vai daí a parte desdobra-se em visitas ao tribunal a perguntar em cada dia se foi hoje. Passa entretanto o tempo. A secretaria aborrece-se com a parte, a parte cansa-se da secretaria. Um dia, quando der por ela, o prazo para recorrer já passou. O senhor juiz tinha depositado a sentença, entretanto. Não é fantástico? Pois é, mas dizem-me que para além de fantástico, aconteceu.

O direito à indignação emigrou?

Eu sei que é uma área reservada do «site» da Ordem dos Advogados. Mas não será inescrupuloso trazer a público esta menção. Um dos capítulos desse «site» é dedicado à «indignação profissional». Duas solitárias queixas, e nada mais por ali há. Será que os advogados perderam a capacidade de indignação, ou será que foram indignar-se para outro lado? Responda quem souber.

A PSP ao serviço da Ordem dos Advogados?

A Ordem dos Advogados contava com a colaboração da PSP para que esta fizesse diligências no âmbito do combate à procuradoria ilícita, a pedido dos Conselhos Distritais. Esta recusou. A Ordem insiste, em parecer [E-9/05] do seu Conselho Geral, de 17 de Junho, no sentido de ter razão face ao artigo 8º do seu Estatuto e espera que, abordada institucionalmente aquela força policial, a questão se resolva. Veremos.

Fraude ao IVA: responsabilidade solidária

De leitura obrigatória, o Despacho n.º 14 839/2005 MF (2.ª série), de 16 de Junho de 2005 / Ministério das Finanças.referente às transmissões de bens em que é aplicável o regime de responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a que se refere o artigo 72.º-A do Código do IVA de 1984 [provado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, tem a última redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 111/2005, de 8 de Julho]. Vem publicado na II série nº.129 de 7 Julho 2005, página 9801.
Lembra-se que o citado artigo 74.º-A do Código do IVA foi aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (orçamento do Estado para 2005) tendo em vista o combate à fraude no IVA.

Estelionato, a burla brasileira

Curiosa situação, vem reportada no blog Juris [http://doc.jurispro.net/]: no Brasil foi acusado de «estelionato» o o jovem que enviou mensagens, em nome de bancos, com cavalos de tróia, para capturar informações dos utilizadores. O autor do blog menciona que não temos este crime tipificado. Na tipificação brasileira, trata-se de alguém «obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento». Trata-se, enfim, da nossa burla.

DisLEXias: um blog necessário

Depois de três meses parado, na ânsia de actualizar este blog, verifico que muitos dos bogs jurídicos estão em letargia, outros espraiam-se pela política e pela cultura, escapando-se do Direito. Um surgiu entretanto, sóbrio, informativo e como tal necessário: http://dis-lex-ias.blogspot.com/. Parabéns e ânimo!

Assistente penal por falsidade de depoimento

É de facto uma especialidade nossa o conceito de assistente em processo penal, aquele que se encontra em juízo não por uma razão privada visando o ressarcimento dos danos sofridos pelo crime, mas sim por razões penais, auxiliando [muito limitadamente] o MP. Situação complexa, a complicação aumenta quando se pretende concretizar quem tem, em relação a certos crimes, legitimidade para integrar tal estatuto, nomeadamente na veste de ofendido. Interessante é, por isso mesmo, o Acórdão do STJ de 12.07.05 [proferido no processo n.º 2535/05, 5.ª Secção, relator Simas Santos] quando sentencia que «o vocábulo "especialmente" usado pela Lei [jab: artigo 68º, n.º 1, alínea a) do CPP] significa, pois, de modo especial, num sentido de "particular" e não "exclusivo", adoptando aquela o conceito estrito, imediato ou típico de ofendido (...) A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, designadamente em caso de concurso de infracções, em que se pode ser ofendido por um só dos crimes, devendo atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial, e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime [...) Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise, se é admissível a constituição de assistente. E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente, pois os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos (...) O crime de falsidade de depoimento é um crime contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação (...) Assim, se num caso concreto, o agente com a falsidade de depoimento causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente». Como ressalta, a solução, cuja bondade se entende numa lógica de maximização da intervenção, assenta numa miscigenação entre o conceito de ofendido e o lesado, pois recorta a legitimidade do primeiro pelo facto de ter sofrido «prejuízos», que é, afinal, o fundamento de legitimação do segundo.

Poderes cognitivos do STJ, uma abertura

Uma interessante abertura no que se refere ao âmbito dos poderes cognitivos do STJ a que se expressa no Acórdão deste Tribunal de 16.06.05 [proferido no processo n.º 1576/05, relator Pereira Madeira] quando determinou que «o processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do mais alto Tribunal, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui matéria de facto. Designadamente pode e deve o Supremo Tribunal de Justiça avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada».

Fraude e evasão fiscal: um estudo

Com a devida vénia, transcrevemos do indispensável «site» Verbo Jurídico o sumário de um estudo elaborado pelo advogado Francisco Vaz Antunes no âmbito de um curso de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, cujo testxo integral pode ser ali obtido.
«1. Os impostos destinam-se, prima facie, à obtenção de receitas para a satisfação das necessidades públicas portadoras de vantagens claras para as populações. Mas constituem, também, um veículo fundamental para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os cidadãos. Não é, por isso, moralmente indiferente que os cidadãos recebam os benefícios do Estado sem pagar, ou que actuem fraudulentamente para não pagar a correspondente contraprestação;
2. Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade fiscal;
3. Os comportamentos subsumíveis em situações de evasão fiscal ilícita podem redundar na aplicação, por vezes cumulativa, de sanções de natureza preventiva (por exemplo o vencimento total e imediato de todas as dívidas fiscais pagas em prestações, por incumprimento de uma delas), reconstitutiva (a execução fiscal ou a anulação dos actos ou negócios ilegais, vg. simulados), compulsória (juros fiscais de mora), compensatória (juros fiscais compensatórios) e punitiva (coimas, multas e penas de prisão);
4. O planeamento fiscal não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica. As próprias leis tributárias contêm normas denominadas de desagravamento (normas negativas de tributação), nomeadamente exclusões tributárias, deduções específicas, abatimentos à matéria colectável, reporte de prejuízos, isenções fiscais, benefícios fiscais e zonas francas de baixa tributação
5. A evasão e a fraude fiscal podem ser combatidas através da utilização de medidas preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso. São também fundamentais o levantamento do segredo bancário, a flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis tributárias e celeridade na sua aplicação
6. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo que é dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado. O bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou Erário Público.
7. Os esquemas fraudulentos utilizados pelos contribuintes para se eximirem ao pagamento dos impostos, ou obterem reembolsos indevidos são diversos. Alguns dos mais praticados destinam-se a evitar o pagamento do IVA ou obter o seu reembolso indevido.
8. Com a consignação expressa do crime de fraude fiscal praticado mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes, por operações verdadeiramente inexistentes, o legislador veio admitir claramente a hipótese de o crime de fraude fiscal poder ser praticado através da denominada simulação absoluta, conforme já era defendido por alguma doutrina antes da entrada em vigor do RGIT.
9. A lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005 procedeu também à alteração de várias disposições dos diplomas fiscais. Com tais medidas o Governo mostra vontade em combater os fenómenos de evasão e fraude fiscal, mas, inexplicavelmente, extinguiu também medidas já existentes e cuja ratio era precisamente promover esse combate. É o caso do benefício fiscal assente na possibilidade de dedução À colecta do IVA suportado com determinadas despesas, agora revogado».

Despachos do relator em recurso: sua natureza

Interessante fórmula e com valia pedagógica, a do Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 1310/05-5, relator Santos Carvalho] quando estatuiu que «o despacho proferido pelo relator do Tribunal da Relação não “transitou” em julgado em sentido técnico-jurídico, pois a Relação é um tribunal colegial e as suas decisões são os acórdãos e não os despachos do relator. Destes cabe reclamação (e não recurso) para a conferência e esta é que decide por acórdão (recorrível)».

O «benefício» do recurso de co-arguidos

Enfim jurisprudência que põe termo a um pesadelo, decorrente de um ilogismo legal. Nos termos do artigo 402º, n.º 2, alínea a) do CPP, o recurso interposto por um dos arguidos, salvo se fosse fundado em motivos estritamente pessoais, «aproveita aos restantes». Daqui derivava que o arguido não recorrente [por se haver conformado com a sentença] não via transitar em relação a si o aresto quando o mesmo tivesse sido recorrido por um co-arguido. Ou seja, em nome do eventual benefício aos comparticipantes não recorrentes, causava-se-lhes o prejuízo de ficarem meses a fio privados dos benefícios de que goza um condenado em cumprimento de pena [saídas precárias, liberdade condicional, etc.], pois continuavam em prisão preventiva até se decidirem os recursos que eventualmente lhes estenderiam as ditas hipotéticas vantagens. De nada valia o não recorrente consignar que renunciava a qualquer benefício emergente do recurso de co-arguido e mais e entendia que ao caso se não aplicava a separação de processos prevista no artigo 30º, n.º 1, alínea a) do CPP. Eis pois uma situação de injustiça que que agora deixa de existir, pois que, como sentenciou o Acórdão do STJ de 07.07.2005 [proferido no processo n.º 2546/05-5, relator Santos Carvalho] «desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP). (...) O requerente está, assim, em cumprimento de pena e não em prisão preventiva». É de aplaudir, mas fica um aparte: até os tribunais terem aberto este caminho, ficou, a ensombrar a Justiça um cortejo de sofrimento e de revolta dos arguidos que se prejudicaram por actos que não eram seus e para os quais o sistema já não encontrou uma satisfação. Serão os danos colaterais da luta pelo Direito, vítimas individuais de que não curam as grandes princípios, mas no entanto, tal como nas guerras, choca pensar que a paz não chegou a tempo de evitar a morte àqueles que perderam a vida por uma causa que perdeu interesse.

O plano de reflorestação

Há na clássica piada sobre a melhor maneira de ajudar um advogado a descer de uma árvore que é o cortar a corda uma ambiguidade latente, cuja dilucidação marca um mundo de diferença filosófica. Uns ouvem-na, à estafada graçola, a imaginar os advogados de facto ali pendurados, outros a desejar vê-los efectivamente assim. Na base aparente deste diferenciado modo de ver está a dicotomia entre o ser e o querer, no substracto real está a distinção entre os que lamentam o suicídio e os que desejam o homicídio. Tal como o disse «Dick the Butcher» pela boca de William Shakespeare: «the first thing we do, let's kill all the lawyers!» [Henry VI, Parte 2, acto iv: cena ii]. Cuidado, que anda por aí gente a plantar árvores!.

O problema do «já»

«A partir de agora, já é possível criar empresas na hora», dizem muito entusiasmados os jovens do blog «iuris», que também se chama «contrario sensu». Depois lê-se a norma de aplicação no tempo do Decreto-Lei n. º 111/05 que isso proclamou com tanta enfâse e verifica-se que algumas das normas do mesmo só entram em vigor mais tarde, algumas só no próximo ano. É isto que o Direito tem da magnífico, a capacidade de encantar a ingenuidade dos voluntaristas. Entre o «já» que os políticos anunciam com aparente convicção e o «logo se vê» da folha oficial ainda vai uma grande distância. O tempo da norma final e transitória...

Julga quem julga

Este blog tem sido até aqui um espaço essencialmente informativo, com algum apêndice crítico em relação ao que se escreve. Tenho evitado a dimensão polémica, por me parecer que a blogoesfera já contém aerópagos suficientes para isso. Mas talvez fosse interessante dar alguma oportunidade à reflexão.
A ideia proporcionou-se por causa de um comentário a um postal recente, onde vinha: o STJ [em suma, os tribunais superiores] julga quem julgou. É uma aproximação interessante à psicologia judiciária. Admito que tenha sido uma forma retórica de escrever, um adjuvante argumentativo por causa do raciocínio que estava em causa no momento, aliás amável, em que a frase surgiu. Mas uma tal expressão, a traduzir uma verdade, abre um mundo de cogitações! Visto o mundo de baixo para cima, imagine-se o sentimento de quem decide sabendo-se posto em causa por via do seu trabalho, aprovado ou reprovado. Pense-se na emulação de todos os que veêm o seu trabalho confirmado ou infirmado em sede de recurso. Encarado do ângulo dos tribunais [por isso mesmo] superiores, quanta medida de apreço ou de demérito pelo critério dos outros, os que antes julgaram, não estaria assim presente em cada acórdão. Claro que todos sabemos que, como na literatura, não está em causa nos recursos o homem mas a a obra. Claro que é evidente que quando se julga, julga-se uma culpa e aqui avalia-se uma rectidão. Claro que é a língua portuguesa quem, com a sua generalizada polissemia, nos leva a estes momentos de confusão semântica entre o julgar e julgar. Mas é pelo menos sintomático quando se lê que nos recursos se julga quem julgou. A ser ainda que minimamente verdadeira a noção, nas peças processuais de recurso urge então que os causídicos as findem, não com o clássimo clamor por «Justiça!», mas por ventura com um «Não levem a mal!». Um bom domingo a todos.

O «habeas corpus»: uma doutrina «actual»

Mais um acórdão do STJ [proc. n.º 2551/05-5, relator Simas Santos] a lembrar que «para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça». Bem sabem que assim é os que sofreram prisões ilegais. E pois que é assim, e o «habeas corpus» é configurado não como um recurso, mas sim como uma providência ou um remédio, basta que o autor da ilegalidade da prisão faça cessar a mesma, branqueando-se a situação no dia em que o STJ a conhecer, para que tudo esteja então conforme e nada possa ser feito através deste instituto. O expediente tem tradição. Já vinha assim no parágrafo único do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945: «Só pode haver lugar à providência referida neste artigo [habeas corpus] quando se trate de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer dos seguintes motivos (...)». Nessa altura, para que ficasse claro do que se falava, escreveu-se no preâmbulo do diploma legal: «com a cessação da ilegalidade da ofensa fica realizado o fim próprio do habeas corpus». Assinavam o diploma Manuel Cavaleiro de Ferreira e António de Oliveira Salazar. Cumpria-se a Constituição de 1933. Tudo fazia sentido.

Responsabilidade das pessoas colectivas

Discutível ainda o problema da responsabilidade penal das pessoas colectivas, mas discutível ainda mais a questão da sua responsabilização a nível contra-ordenacional. Relevante, por isso, a posição do Procurador junto da Relação de Lisboa, Paulo Antunes, quando [no âmbito do processo n.º 8030/05 9ª S.] escreveu que: «em sede de direito contra-ordenacional, a punição das pessoas colectivas não constitui mais que o resultante de um pensamento analógico, sendo sabido que apenas as pessoas singulares são susceptíveis de culpa – neste sentido, prof. Figueiredo Dias, em Sobre o Fundamento, Sentido e Aplicação das Penas em Direito Penal Económico, Textos Doutrinários, Coimbra editora, 1998, vol. I, p. 381. A censura que decorre da condenação feita à pessoa colectiva existe por esta não ter organizado as suas actividades de modo adequado a prevenir a violação de normas legais - daí que a autoridade administrativa tenha levado tal apenas à medida da coima, talvez no pressuposto de tal implicar uma inversão do ónus da prova, a cargo da recorrente, o qual não parece ter sido conseguido. Com efeito, a recorrente não provou qualquer forma de erro, única hipótese prevista no art. 8.º n.º 2 da L.Q.C.O., como possível para que fosse de julgar como sendo de afastar a sua responsabilidade. De facto, não pondo em causa que os factos foram praticados pelo seu motorista(1), defende a exclusão da responsabilidade por este ter actuado contra as suas ordens, citando, a propósito, parecer do Conselho Consultivo da P.G.R.. Ora este parecer reporta-se a outra noutra regra – o art. 3.º do Dec-Lei n.º 28/84 – que diz respeito a responsabilidade criminal, em que se contém um n.º 2 no sentido que defende, o qual não consta, nem se crê que seja aplicável aplicar em matéria contra-ordenacional. Mais foi dado como assente que o motorista actuou “no seu interesse”, o que parece, a propósito, bastar. De tudo o exposto, parece ser de manter a condenação, face à regra constante do art. 7.º n.º 2 do R.G.C.O., norma da qual decorre ser possível impor a responsabilidade à pessoa colectiva por actos dos seus “órgãos”. O dito parecer do C.C. da P.G.R. também se pronuncia sobre o que é “órgão” de uma pessoa colectiva - conceito também acolhido no n.º 2 do art. 7.º do R.G.C.O -., como um conceito amplo, sendo de interpretá-lo como aplicável àquele que aja em nome da pessoa colectiva, como é o gerente, ou o administrador de loja, e, sendo assim, também será o dito motorista, que, ao conduzir o veículo em excesso de carga, por si agia. No entanto, a jurisprudência tem vindo a exigir que seja explicitada o elemento subjectivo, o que colhe certa cobertura no disposto no art. 8.º n.º 3 e 58.º n.º 1 al. b) da L.Q.C.O., criticando a posição assumida pela autoridade administrativa como sendo de “jus deserts” ( assim, entre outros, o acs. da Relação do Porto de 30/4/04, no proc. 0413139, e da Relação de Lisboa de 28/4/04 no proc. 1947/07-3 e de 14/10/04 no proc. 4818/04-9 ). Parece não ser assim de entender, atentos os fins da punição por contra-ordenação, os quais têm uma menor ressonância ética. No entanto, nesse caso é apenas de determinar o reenvio para apuramento dessa questão, nos termos do art. 426.º n.º 1 do C.P.P.. Nestes termos, parece que o recurso é de julgar conferência, sendo de improceder. (1)De notar que, apesar de inicialmente este ter sido também autuado, não foi já pessoalmente sancionado pela autoridade administrativa, e pode ser que bem, face ao que se dispõe no art. 7.º n.º 2 do R.G.C.O., embora segundo a opinião de Isabel Marques da Silva em Responsabilidade Penal Comutativa, ed. da Universidade Católica, p. 80, devesse ter ocorrido também a sua punição, a fim e evitar situações de impunidade, tanto mais que se tratava de um delito comissivo por acção».

Advogados denunciantes: branqueamento de capitais

A questão coloca-se em Ingaterra. Os advogados enfrentam a cruel alternativa de cometerem o crime de não denunciarem os seus clientes em casos em que pode estar em causa o branqueamento de capitais ou de serem por eles processados civilmente, se o fizerem. O tema vem referido no último número da «Law Gazette» [http://www.lawgazette.co.uk/home.law], tal como o lembra o interessante «Correio jurídico» que a nossa Ordem dos Advogados circula pela classe, por email. Prevenindo o pior, aqui fica a menção.

Justo impedimento: indisponibilidade dos autos

É sempre motivo de atenção por parte dos advogados a jurisprudência sobre justo impedimento. Perseguidos pelos prazos às vezes há razões inesperadas para os não cumprirem. Assume, por isso, particular interesse a doutrina estatuída pelo Acórdão do Trinunal da Relação do Porto de 15 de Junho de 2005 [proferido no processo n.º 12 633/05 , relator Manuel Braz], segundo a qual «se o arguido, notificado da acusação, pretende consultar autos do processo, com vista a ponderar a possibilidade de requerer a abertura de instrução, e o processo não se encontra disponível na secção respectiva, por estar concluso ao juiz, a demora no acesso ao processo por tal motivo pode constituir fundamento de justo impedimento».
P. S. Lembro sempre, quando escrevo sobre isto, o sintomático passo do Acórdão da Relação de Lisboa de 15.10.91 [proferido no processo n.º 1578], segundo o qual «a morte do mandatário, na forma indicada, não é motivo de justo impedimento». Naturalmente.

Rejeição de recurso penal por razão substancial

Ante o elevado número de recursos pendentes nos tribunais, os critérios de rejeição preliminar dos mesmos estão na ordem do dia. Interessante, por isso, o Acórdão da Relação de Lisboa de 30.06.05 [proferido no processo n.º 2904/05 9ª Secção, relator Almeida Cabral], que enunciou a este propósito a questão da rejeição formal e da rejeição substancial, decidindo a propósito da primeira o seguinte: «I- Os tribunais superiores podem e devem seleccionar os recursos de que conhecem por meio de um processo simplificado, assente na sua manifesta improcedência, em duas vertentes:- formal e substantiva. II- A improcedência formal manifesta reside na violação ou preterição dos requisitos enunciados nos n.s 2 e 3 do artº 412º CPP (as especificações de facto e de direito), esgotado que esteja o aperfeiçoamento, ou a verificação de causa que devia ter determinado a sua não admissão (irrecorribilidade, intempestividade, falta de condições para recorrer, falta ou insuficiência da motivação); esta, a material ou substantiva, materializa-se na “manifesta improcedência” (420º, n. 1, 1ª parte do CPP), a qual pressupõe a apreciação de mérito. III- Porque as conclusões de recurso não satisfaziam os requisitos legais (extensas, prolixas) – artº 412º CPP - foram os recorrentes convidados a apresentar novas conclusões que cumprissem as exigências legais, sob pena de rejeição. IV- Depois do convite para aqueles efeitos, deve o recurso ser rejeitado, se não for cumprido o determinado ou o recorrente apresentar as novas conclusões, mas ainda sem que satisfaçam a exigência da lei (artºs 412º, 414º, n. 2, parte final e 420º, n.1 do CPP. V- Termos em que se decide rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos, porque, apesar de notificados para apresentarem novas conclusões, os arguidos não deram cumprimento à lei». Questão interessante é a que consiste em saber quais seriam os critérios determinantes da rejeição preliminar substancial de um recurso penal.

A obra recomeça

Um blog deverá ficar à mercê das contingências da vida pessoal de quem o escreve?. Talvez não, pelo respeito devido aos leitores, talvez sim, precisamente por ser um espaço de liberdade pessoal e não um serviço obrigatório. Nesta dúvida, uma coisa é certa: há muito que eu deveria ter voltado aqui, para me ir actualizando sobre o que se passa no mundo do Direito Criminal, e sistematizando isso mesmo, em benefício de quem me pudesse ler. Mas, enfim, sem ironia, «é hoje!». Reconstruído, enfim, o autor, ei-lo de novo na obra. Não terá um bom motivo para ter estado ausente, mas tem pelo menos uma boa desculpa. A simpatia dos leitores, se não der para perdoar, que dê ao menos para compreender.