Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Junção de documentos em recurso penal?

Tema relevante é saber se é admissível a junção de documentos em sede de recurso penal, por eventual aplicação analógica, para integração de lacuna, do preceituado no Código de Processo Civil e isto por acção do artigo 4º do Código de Processo Penal.

Sobre este tema, o Acórdão da Relação de Évora de 18 de Fevereiro de 2020 [proferido no processo n.º 73/15.1GHSTC.E1, relator Martinho Cardoso, texto integral aqui] sentenciou: 

«Os art.º 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que em certas condições permitem a junção de documentos com as alegações dos recursos cíveis, não têm aplicação no processo penal por via do art.º 4 deste último código, por não se tratar de caso omisso.»

Para a compreensão do tema, citem-se aqueles preceitos do Código de Processo Civil:

-» Artigo 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»

-» Artigo 651, n.º 1: «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.»

Ora a fundamentar o decidido, expressou-se assim o Acórdão nesta parte da sua fundamentação:

«Diz o art.º 165.º, n.º 1, que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência. Da audiência da 1.ª Instância.
O processo penal vigente caracteriza-se por uma filosofia de parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa em todos os seus actos e de igualdade material de "armas" no processo.

Tal significa que a apresentação de um documento, seja pela acusação ou pela defesa, tem de ser sujeita ao contraditório e pode suscitar as mais variadas reacções de contraprova pela parte contrária. Ora essa actividade tem que ter lugar na 1.ª Instância e não nesta Relação, que não possui mecanismo processual adequado a lidar com essa situação.

Daí que qualquer documento só possa ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, excepcionalmente, não sendo isso possível, deve sê-lo então até ao encerramento da audiência da 1.ª Instância.

Os art.º 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que em certas condições permitem a junção de documentos com as alegações dos recursos cíveis, não têm aplicação no processo penal por via do art.º 4 deste último código. O art.º 4 destina-se a suprir os casos omissos e o caso que estamos a tratar está expressamente regulado nos art.º 164.º e 165.º do Código de Processo Penal; não se trata pois de um caso omisso. O legislador é que deliberadamente não quis para o processo penal o regime contido nos mencionados art.º 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Senão tinha-o importado.

De resto, se o arguido não esteve presente em julgamento por forma a apresentar quaisquer documentos que lhe interessassem, foi porque não quis, uma vez que estava notificado das datas do mesmo e faltou até sem apresentar justificação.

(Sobre o assunto: Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 16.ª ed. , pág. 391; Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal (…)”, 3.ª ed. , pág. 447; “Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas dos Magistrados do M.º P.º do Distrito Judicial do Porto”, pág. 428; e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-2-1994 e de 30-11-1994, Colectânea de Jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1994, respectivamente tomo I-227 e tomo II-262; e, agora em www.dgsi.pt, acórdão da Relação do Porto de 11-6-2008, proferido no processo 0842171 e do STJ de 22-10-2008, processo 08P2832).»